O Juruá que eu vi!
Hiram
Reis e Silva, Coari, Amazonas, 02 de março de 2013.
Recebo carta amiga contando a morte de Gastão CRULS (...) Imagino a
saudade com que todos estão recordando aqueles convites para a Rua Amado Vervo,
na pequena casa decorada com lembranças da viagem ao Amazonas, o sorriso
enternecido à lembrança de suas brincadeiras, que tinham um perfume de
meninice, de primeiro-de-abril antigo – os presentinhos anônimos, os cartões
disparatados que deixavam risonhos e intrigados os seus destinatários.
(Rachel de Queiroz – Revista O Cruzeiro – 29 de Agosto de 1959)
O título acima é uma homenagem, uma humilde
paródia à obra do grande escritor Gastão Cruls que resolveu visitar
pessoalmente a Amazônia para só então escrever sua segunda obra sobre assuntos
atinentes à nossa hileia. Cruls tomou esta decisão depois de ver sua obra – “A Amazônia Misteriosa” – ser severamente
condenada pela crítica especializada.
- Gastão Luís Cruls
Gastão
Cruls, filho de Dr. Luís Cruls, foi médico sanitarista, geógrafo, astrônomo e
romancista, nasceu no antigo Observatório Astronômico do Morro do Castelo, na cidade
do Rio de Janeiro, em 4 de maio de 1888, e nela faleceu a 7 de junho de 1959.
Iniciou seus estudos no Colégio Rush. Com a transferência da família Cruls para
Petrópolis, foi matriculado no Ginásio Fluminense que ao encerrar suas
atividades, obrigou-o a continuar os estudos no Colégio São Vicente de Paula.
Retornando ao Rio de Janeiro, conclui o secundário no Colégio Pedro II.
Formou-se em Medicina em 1910, especializando-se em Medicina Sanitária. Gastão
Cruls estudou Medicina por vontade própria, mas logo depois de formado, teve
dificuldade em se adaptar às atividades profissionais e foi se afastando
progressivamente de procedimentos que o levassem a manter contato com
pacientes.
Sob
o pseudônimo de Sérgio Espínola, começou a escrever seus primeiros contos nos
idos de 1914, que mais tarde condensou em um único volume, editado em 1920, sob
o nome de “Coivara”. A obra, porém,
que lhe deu maior renome foi “A Amazônia
Misteriosa”, em 1925 e, graças ao sucesso obtido, a partir de 1926
dedicou-se exclusivamente à literatura. “A
Amazônia Misteriosa” foi baseada nas mitológicas Amazonas, e transformado
em filme em 2005, com o título de “Um
Lobisomem na Amazônia”. A sua obra tinha como cenário a região Norte do
país, ainda desconhecida pessoalmente pelo autor.
Em
1928, Cruls resolveu conhecê-la pessoalmente acompanhando a expedição do
General Rondon, que subiu o Rio Cuminá até os campos do Tumucumaque nos anos de
1928 e 1929. A
viagem iniciou a 13 de setembro de 1928 e Cruls retornou após ter chegado aos
campos situados ao Sul da Cordilheira do Tumucumaque, seguindo o conselho de
Rondon, enquanto esse e sua equipe continuaram até chegar às próprias
Cordilheiras.
O
livro “A Amazônia que eu vi” é fruto
dessa jornada que Cruls narra na forma de Diário de Viagem. O relato de Cruls,
ao contrário dos demais pesquisadores que o antecederam, não tinha nenhum foco
econômico ou científico, já que outros integrantes da equipe se encarregavam
desses aspectos, sua função na expedição era simplesmente de ser o seu “cronista”. Cruls demonstra, ao contrário
dos viajantes europeus e norte-americanos que o antecederam, um profundo
respeito pela cultura regional, reportando as informações colhidas junto aos
membros mais humildes da expedição.
- O Juruá que eu vi!
“Ser
bandeirante é deixar atrás a casa e família, o bem estar e a segurança, para
perseguir o sonho e tentar a casa da glória, é viver silencioso e otimista na
brenha onde não há rumos, no campo onde não há divisas, estremecer às vezes de
febre, mas nunca tremer de medo, é sofrer com alegria o sol dos chapadões e
resistir sem queixa nos aguaceiros de dezembro, é combater no varejo as
cachoeiras e investir, de simples facão à cinta, contra a floresta.”
(Gofredo T. da Silva Teles)
(Gofredo T. da Silva Teles)
As
tensões e dúvidas da fase de planejamento da Expedição General Belarmino
Mendonça deram lugar, desde a primeira batida do remo nas convulsas águas do
Rio Juruá, a um período mesclado de puro encantamento e uma espartana
determinação de vencer as barreiras impostas pelo inimigo oculto. Adversário
este representado pela natureza por vezes hostil ou pela incompreensão de raros
camaradas que ainda não se deram conta da grandeza do trabalho que ali
estávamos realizando. Partimos confiantes, totalmente focados na missão
idealizada pelo caro mestre e amigo Tenente-Coronel Eng Lauro Augusto Andrade
Pastor Almeida e referendada pelo o General de Exército Eduardo Dias da Costa
Villas Bôas, Comandante Militar da Amazônia.
Os
Rios precisam e devem ser considerados como organismos vivos. A vida que pulsa
nas suas águas e no seu entorno justifica esta afirmativa. Os Rios de planície,
como é o caso do nosso Juruá, encontram-se na fase de uma adolescência indômita
que está por se descobrir a cada momento e que atinge seus momentos de fúria
nas grandes alagações. O curso se altera a cada inverno mais rigoroso transformando
antigos furos em novo leito, desembaraçando-se de longas, demoradas e tortuosas
voltas para buscar novos e mais rápidos rumos. Os sacados abandonados tornam-se
piscosos lagos negros que por vezes simplesmente desaparecem aterrados pelos
sedimentos. A vegetação da várzea que se entrelaça aprisiona entulhos
favorecendo este assoreamento. As grandes toras de madeiras, por sua vez,
represam detritos de todo tipo formando depois de algum tempo bancos de areia
capazes de alterar o talvegue do Rio menino. Observando atentamente uma
fotografia aérea da Bacia do mais sinuoso dos Rios podemos visualizar como se
processa esta dinâmica hídrica. Marginam o juvenil Juruá jovens sacados,
antigos e assoreados lagos, imensos igapós e poucos e tortuosos igarapés
indecisos a esmar horizontes e que volta e meia toleram que o Juruá lhes furte
o próprio leito ao moldar ilhas como Marari, Chué ou a enorme Antonina.
Percorremos,
portanto, um Juruá que ainda busca seu leito definitivo. Um Rio que carrega no
seu DNA as tradições do avô Amazonas que corria para o Pacífico nos tempos da
Pangeia e do seu pai o Lago Pebas formado pela deriva continental quando os
Andes se ergueram bloqueando a foz do velho Rio amazonas.
“A
sumaumeira morta, que tombou.
Ela era antiga e gloriosa
Como um deus que passou,
Que vai bem longe, um deus heroico, um deus pagão”.
(Francisco Pereira da Silva, Pereirinha - Sumaumeira morta)
Ela era antiga e gloriosa
Como um deus que passou,
Que vai bem longe, um deus heroico, um deus pagão”.
(Francisco Pereira da Silva, Pereirinha - Sumaumeira morta)
Guardaremos
para sempre a imagem das belas sapopemas das sumaumeiras que
sobranceiras guardam a floresta sob suas imensas e magníficas copas em todo o estado
do Acre. Infelizmente, rapinantes cruéis praticamente as eliminaram da calha do
Juruá no Estado do Amazonas e somente voltamos a avistá-las a jusante da Cidade
de Juruá e no Rio Solimões.
O
som gutural dos guaribas também chamou-nos a atenção, assim como as formidáveis
sumaumeiras. Uma bela sinfonia castrada, aniquilada da aurora ou dos dias
chuvosos em todo o Estado do Acre e nos municípios de Guajará e Ipixúna, no
Estado do Amazonas. Teríamos uma justificativa técnica para isso ou seria
simplesmente extermínio, o holocausto de uma espécie, já que sua carne é muito
apreciada no cardápio ribeirinho?
As
araras e botos, em contrapartida, nos deliciaram com suas aparições em toda a
calha do Juruá e só começamos a sentir rarear sua presença ao navegarmos pelo
Solimões.
O
carinho e a atenção dos moradores da maioria das Comunidades ficarão
eternamente marcados nos nossos corações e mentes. Em Carauari e Juruá, porém, o
que marcou-nos foi o terror, sem fundamento, que os mesmos tinham pelos dois inocentes
canoístas. Em algumas Comunidades mais alienadas não nos permitiram que se estabelecesse
o contraditório, que nos defendêssemos, não consentiram ao menos que nos
apresentássemos e expuséssemos nossas intenções simplesmente nos negando a
cristã hospitalidade.
- Mensagem a Garcia
Iniciei
minha jornada acompanhado de dois Soldados do Grupo Fluvial do 8º BEC, Santarém,
Pará, o Soldado Mário Elder Guimarães Marinho, apoio logístico, e o Sd Marçal
Washington Barbosa Santos nosso cozinheiro e canoísta. Durante a viagem, no dia
1º de fevereiro, quando partíamos da Morada Nova para a Boca do Preguiça o
Mário foi merecidamente promovido a Cabo. Mais uma vez quero deixar aqui
registrado que se conseguimos abreviar a missão cumprindo todas as etapas
propostas devo isso, sobretudo, à competência e a dedicação que esses dois
militares dedicarem diuturnamente à missão não se desviando jamais dos
objetivos almejados.
Meus
parceiros nunca reclamaram das dificuldades enfrentadas, eles tinham sido
voluntários para a missão e quando eu lhes apresentava um desafio ainda maior
que os já superados eles simplesmente sorriam e vibravam. Assim foi quando
disse que precisávamos vencer os 235
km entre a cidade de Juruá e a Comunidade de Tamaniquá e
os 229 km
entre Tefé e Coari em apenas dois dias ou o de agora de aportarmos em Codajás depois
de um dia de viagem remando 138
km . Meus parceiros pertencem a um raro, seleto e cada
vez mais escasso punhado de homens capazes de entregar uma “Mensagem a Garcia”.
Para
aqueles que não conhecem a história:
O Presidente
norte-americano William Mac Kinley (1843-1901) quando irrompeu a Guerra entre a
Espanha e os Estados Unidos, precisava comunicar-se, rapidamente, com o chefe
dos revoltosos Major-general cubano Calixto Ramón García Iñiguez
(1836-1898) que se encontrava em uma fortaleza desconhecida, no interior do
sertão cubano. O Presidente Mac Kinley entregou ao Coronel Andrew Summers Rowan
(1857-1943) uma carta destinada ao insurreto García. Rowan tomou-a, nada
perguntou e cumpriu, sem pestanejar, a missão de encontrar e entregar a
mensagem a Garcia.
- Encerramento dos trabalhos de campo da Expedição
GBM
Convidamos
aos amigos que acompanharam fielmente nossa jornada cívica a comemorar nossa
chegada às 15 horas, do dia 10 de março de 2013, no porto do Centro de
Embarcações do Comando militar da Amazônia. Participe e\ou convide seus amigos
a fazer parte da escolta fluvial no Rio Negro ou do congraçamento nas
instalações do CECMA.
_________________________________________________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário