Tefé, AM – Coari, AM
Hiram
Reis e Silva, Coari, Amazonas, 01 de março de 2013.
- Adeus Caros Amigos de Tefé
Em
Tefé tivemos a oportunidade de eliminar algumas contraturas musculares que nos
afligiam graças às mãos hábeis do Sargento Miro da sessão de saúde da 16ª
Brigada. Por estas amazônicas coincidências o Miro é filho do professor e historiador
Humberto Ferreira Lisboa, autor do livro “Fonte
Boa - chão de heróis e fanáticos”, a quem tivemos a oportunidade de
entrevistar, às dez horas, do dia 21 de dezembro de 2008, em Fonte Boa, AM, na
nossa descida pelo Rio Solimões. O Mestre, nascido e criado em Fonte Boa, era professor
de História do Ensino Médio e um estudioso de sua cidade.
Acordamos
às 04h40, nossa próxima jornada de mais de 100 km determinava que
partíssemos antes dos primeiros raios do astro rei. Quando a viatura, dirigida
pelo Cabo Viana, passou, às cinco horas, na frente da residência do Ten Cel
Marcelo Rojo, Comandante da 16ª Base Logística de Selva este já estava a postos
para nos acompanhar até o porto da 16ª Ba Log. Levamos as embarcações até a
água e iniciamos os preparativos para a nova jornada. Estávamos envolvidos
nessa rotina quando chegou o Chefe do EM da 16ª Bda Inf Sl, Coronel Dougmar
Nascimento das Mercês. Despedimo-nos dos caros amigos e da guarnição que estava
de serviço guardando nas nossas lembranças o carinho e a fidalguia dos caros
irmãos de farda de Tefé.
- Foco na Missão
Partimos
alegres não apenas por termos cumprido com total dedicação e estoicismo o
reconhecimento dos quase 3.000
km do Rio Juruá, mas, sobretudo, por este fato ser
devidamente reconhecido e aplaudido por todos os membros da 16ª Bda Inf Sl, a
guardiã oficial da Bacia do Juruá. Eu me sentia muito mais leve com a
temporária sensação de dever cumprido. Temporária, na verdade, pois as
informações e dados coletados iam merecer ainda meses de trabalho antes de serem
apresentados ao Gen Ex Villas Bôas, Cmt CMA, e ao Gen Div Fraxe Diretor do
DNIT. Desde o início da Expedição Belarmino Mendonça eu tinha assumido o compromisso
de cumprir, a qualquer preço, minha missão. Nunca em minha vida deixei de levar
a bom termo qualquer missão engendrada por meus superiores hierárquicos e não
ia ser agora do alto de meus 62 anos de vida, dos quais mais de quatro décadas,
na ativa ou na reserva, dedicadas ao meu exército e à minha pátria, que eu iria
fracassar ou, pior ainda, desistir.
Tínhamos
chegado a remar até 13 horas em um único dia, suportado tempestades e
banzeiros, sol causticante, assédio dos insetos, dores musculares lancinantes,
mas fomos recompensados pela hospitalidade ribeirinha, pelo apoio das
autoridades e empresários, pela oportunidade de fazer parte de uma pequena
equipe de guerreiros formidáveis que encararam cada desafio com um sorriso nos
lábios, gratos pelo ensejo de poder testar seus limites e, sobretudo, de chegar
a cada meta diária com a agradável sensação de dever cumprido.
- Partida para Comunidade Iracema (26.02.72)
“Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto”.
(Quintino Cunha)
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto”.
(Quintino Cunha)
Aproveitando
as luzes da cidade e da lua rumamos lentamente, no início, para aquecer os
músculos. Despedimo-nos das “águas negras
como tinta” do Lago de Tefé e adentramos no leitoso e barrento Solimões. Foi
somente neste momento que os primeiros raios do dorminhoco Sol estendiam
preguiçosamente seus raios matizando com maestria o horizonte à nossa proa. A
área já eram minha conhecida apesar das mudanças, aqui e ali, provocadas pela
feroz torrente do tumultuário Rio. Passamos, por volta das 09h30, ao largo de
Caiambé onde eu aportara, no dia 03.01.2009, e contatara a senhora Valdecia dos
Santos Silva, mais conhecida como Beti, secretária da Escola Estadual Amélia
Lima, que alojou-nos na sala de aula número 01, com ar condicionado, e
franqueou-nos o acesso às instalações sanitárias e cozinha da escola.
Mais
tarde, por volta do meio-dia, acostei em Jutica onde, em 04.01.2009, eu conhecera
o escritor e latifundiário, patrão daquelas terras, Jones Cunha, que havia nos
oferecido um café com sucos, tapioca e pupunha, além de me presentear com seu
livro “Jutica, o brilho da terra”. Um
morador informou-nos que o Jones estava em Manaus e que tomássemos muito
cuidado no percurso até Coari, não especificando a razão de sua recomendação.
Pelas
três horas da tarde passamos pela Comunidade Santa Sofia, onde eu havia parado
no flutuante do Sr. Plínio, mais conhecido como Bom Fim. Um filho de paraibanos
que migrou com sua família do Juruá por pressão de seringalistas. Aposentado,
com os filhos criados e morando em Manaus, resolveu procurar sossego no pequeno
vilarejo às margens do Lago Catuá, junto com sua amável esposa Conceição que era,
na época (janeiro de 2009) a Presidente da Comunidade de Santa Sofia. A Srª
Rita, irmã da Dona Conceição, informou que ambos estavam em Coari fazendo
compras e que só retornariam depois das dezessete horas. Aproamos para a
Comunidade Iracema.
Depois
de remarmos 107 km ,
durante onze horas entre paradas e remadas (9,7 km/h ), chegamos a
Iracema onde fomos acolhidos gentilmente na residência da Srª Nilzete Ferreira
Lopes. Enquanto o Mário montava nosso acantonamento na grande sala da
residência o Marçal preparava a enorme dourada comprada pelo Mário. O nosso
cozinheiro conseguiu na Comunidade os condimentos necessários e proporcionou um
belo jantar que foi compartilhado pela nossa anfitriã e seus dois filhos Élson
e Bruno. O capricho e a limpeza da residência e do seu entorno são de causar
inveja aos mais exigentes. As panelas e demais utensílios de cozinha estavam
imaculadamente limpos, a casa pintada, com cores vivas, possuía instalações
amplas e extremamente asseadas.
Pedi
ao Mário que tirasse algumas fotografias da escolinha localizada no alto do
barranco e cujo acesso, segundo informações que eu colhera em 2009 e confirmara
agora, se dava por intermédio de 162 degraus de madeira. O Mário aproveitou a
subida até o topo do morro, de onde fez algumas belas tomadas, e contou os
degraus. O número correto é de 102 embora há anos se refiram à bela povoação
como a Comunidade dos 162 degraus.
- Partida para Coari (27.02.72)
“Samaumeira! Liana e flores, em festa,
Descem da copa imensa que a amplidão
fareja...
E o sol, em sangue e ouro, portentoso beija
A soberana - graça e força - da floresta.
Mas quando, em transe, o vento sopra as
tempestades,
E lhe fere, zimbrando, a colossal umbela,
Luta, esbraveja, cai... grandiosamente
bela,
Porém jamais se curva como os vis covardes!
...”
(Almino Álvares Affonso)
Partimos,
por volta das 05h20, para uma jornada de 122 km , fazendo votos para que o tempo
colaborasse, pois do contrário, seria difícil atingir nosso objetivo antes do pôr-do-sol.
Estava muito escuro e somente depois de mais de 90 minutos de remo é que
começaram a despontar na nossa proa os primeiros e dolentes raios solares. O
amanhecer era magnífico e as nuvens que adornavam o firmamento prenunciavam um
tórrido dia. Procuramos navegar bem afastados das margens, o Mário deixara o
motor de popa de 40 HP em condições de ser utilizado imediatamente tendo em
vista a notícia de piratas que estariam agindo indiscriminadamente abordando e
assaltando navegantes por estas bandas. Só nos faltava mais essa, por ironia do
destino, no Baixo Juruá, os ribeirinhos achavam que nós éramos traficantes ou
bandoleiros e agora, no Solimões, nós é que poderíamos ser vítimas destes.
Felizmente
nada aconteceu e vencemos noventa quilômetros sem grandes surpresas ou cansaço.
Parece, porém, que São Pedro, mais uma vez queria nos colocar em cheque. Há 32 km de Coari, um vendaval
seguido de chuva torrencial obrigou-nos a procurar abrigo em uma ilha a
Boreste. Como sempre, depois da ventania que precede as amazônicas tempestades,
desta feita com ventos de 50
km/h seguidos de rajadas que beiravam os 70 km/h , e da chuva
torrencial, que durou uns vinte minutos, sobrevieram banzeiros com ondas de
mais de metro que vinham de todos os lados chacoalhando as embarcações ao seu
bel prazer.
Mais
uma vez o fleumático “Cabo Horn”
fabricado pela Opium Fiberglass, de meu caro amigo Fábio Paiva, cortava a água como
se estivesse navegando em águas tranquilas fazendo pouco do tumultuário e
nervoso movimento aquático que o cercava e golpeava freneticamente seu casco.
Mais uma vez rendo homenagens a esta magnífica embarcação que já enfrentou mais
de 8.000 km
na Amazônia e que jamais deixou de corresponder às minhas expectativas
enfrentando ventos e banzeiros consideráveis com uma estabilidade invejável.
Os
recreios, embarcações de passageiros, tinham buscado refúgio nas margens tal a
ferocidade da tormenta. Continuamos nossa navegação e ao contornarmos uma
grande “angustura” a montante de
Coari avistamos a cidade a uns vinte km de distância. O Mário contatou, por
telefone, nossa equipe de terra gaúcha e o Major PM Norte que nos garantira
apoio em Coari. Logo que chegamos às escadarias próximas ao Porto naufragado de
Coari, que foi ao fundo após uma reforma mal feita, avistamos a tropa do Maj PM
Norte que nos aguardava.
Seguindo
orientação dos Policiais Militares deixamos a nossa lancha aportada junto a um
flutuante denominado Mercadinho Paulão, de propriedade do Sr. Paulo Lopes de
Oliveira, e guardamos nossas bagagens e combustível em local seguro no mesmo
flutuante. Os caiaques foram acomodados na embarcação também de propriedade do
Paulão chamada Kaillon de Paula. Graças a gestões do Cmt Norte junto à
Prefeitura de Coari ficamos muito bem acomodados no Hotel LH.
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