MAPA

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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Encontro com Thiago de Mello

Encontro com Thiago de Mello


“Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem, como a palmeira confia no vento; como o vento confia no ar; como o ar confia no campo azul do céu”. (Thiago de Mello)

Estava distraído, selecionando alguns livros numa banca próxima ao Teatro Amazonas, quando fui surpreendido por uma imagem querida e conhecida. Todo de branco, ostentando uma bela e alva cabeleira coberta por chapéu igualmente branco, Thiago entrou na livraria com a suavidade de um anjo no paraíso. Fiquei boquiaberto e, não confiando em minha percepção, procurei confirmar minha expectativa com o coronel Teixeira. A expressão boquiaberta do Teixeira não deixava dúvidas, se tratava definitivamente de Thiago de Mello.

Só se ama aquilo que se conhece e entende.
Só se defende o que se ama” (Thiago de Mello)

Cumprimentei-o e relatei minha profunda admiração pelo maior poeta do estado do Amazonas. Confirmei, com ele, as palavras que uso no fechamento de todas as minhas palestras - palavras as quais ouvi em uma de suas entrevistas a uma rede de televisão - “Só se ama aquilo que se conhece e entende. Só se defende o que se ama”. Fiz um breve relato de nosso Projeto Aventura Desafiando o Rio-mar e o poeta se entusiasmou com a idéia. Pediu meu endereço em Porto Alegre para enviar-me alguns de seus livros. O poeta mostrou-me algumas de suas obras nas prateleiras e fez um breve relato das motivações que o levam a criar determinadas poesias. Foi realmente um privilégio desfrutar, ainda que por alguns momentos, da convivência desta tão conhecida e amada personalidade amazonense.

- Amadeu Thiago de Mello

“Eu consagro a minha vida, a minha palavra falada e a minha palavra escrita, ao esforço diário de reduzir o abismo entre aqueles que comem três vezes ao dia e aqueles deserdados que desconhecem o cheiro do pão. Consagro a minha vida à união dos povos latinos. Eu fiz a opção entre o apocalipse e a utopia. Escolhi a utopia porque acredito que é possível construir uma sociedade mais justa e mais solidária”. (Thiago de Mello)

Thiago de Mello, poeta amazonense e ícone da literatura regional, nasceu em Bom-Socorro, município de Barreirinha a 30 de março de 1926. Estreou, na literatura, aos 25 anos com o livro de poemas ‘Silêncio e Palavra’. Foi Adido Cultural da Embaixada do Brasil no Chile; nos anos sessenta, e durante a revolução de 1964, cumpriu seu período no exílio, residindo no Chile, na Argentina, em Portugal, na França e na Alemanha. Em 1978, voltou ao Brasil e teve suas obras publicadas pela Editora Civilização Brasileira. Seu poema mais conhecido é ‘Os Estatutos do Homem’. Em 1975, seu livro, Poesia Comprometida com a Minha e a Tua Vida, foi premiado pela Associação Paulista dos Críticos de Arte, tornando-o reconhecido internacionalmente como um intelectual engajado na luta pelos Direitos Humanos.

Em homenagem aos 80 anos do poeta, foi lançado pela Karmim, em 2006, o CD comemorativo -  A Criação do Mundo, contendo poemas que o autor produziu nos últimos 55 anos, declamados por ele próprio e musicados pelo irmão, Gaudêncio Thiago de Mello.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Bons amigos

Bons amigos


Abençoados os que possuem amigos, os que os têm sem pedir.
Porque amigo não se pede, não se compra, nem se vende.
Amigo a gente sente!

Benditos os que sofrem por amigos, os que falam com o olhar.
Porque amigo não se cala, não questiona, nem se rende.
Amigo a gente entende!

Benditos os que guardam amigos, os que entregam o ombro pra chorar.
Porque amigo sofre e chora.
Amigo não tem hora pra consolar!

Benditos sejam os amigos que acreditam na tua verdade ou te apontam a realidade.
Porque amigo é a direção.
Amigo é a base quando falta o chão!

Benditos sejam todos os amigos de raízes, verdadeiros.
Porque amigos são herdeiros da real sagacidade.
Ter amigos é a melhor cumplicidade!

Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho,
Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

(Bons Amigos - Machado de Assis)

- Amigos investidores

Agradecemos as contribuições de cada uma das senhoras e dos senhores que tornaram possível a realização de mais esta fase do Desafio. Sem suas contribuições não teríamos a mínima possibilidade de realizar o evento. Este ano, embora complicações adicionais de comunicação impediram de mantê-los atualizados com mais oportunidade, informo que as notícias sobre o Negro continuarão a ser produzidas, tendo em vista estarmos complementando e ratificando observações colhidas ao longo da jornada com fontes fidedignas e registros históricos. Convidamos a todos a participarem conosco, novamente, da descida do Amazonas no trecho Manaus/Santarém em homenagem ao Grupamento Rodrigo Octávio no final do ano.

- Equipe de apoio

Queríamos deixar patente, ao término da descida do Rio Negro, nossos agradecimentos à equipe de apoio do projeto Desafiando o Rio-mar: Coronel Teixeira e o Piloto da etnia baré Osmarino; tal dupla proporcionou uma tranquilidade que não tivemos na 1ª fase do projeto. O meio de transporte deles - um bongo (barco escavado em um tronco de 7 metros) propulsionado por motor tipo rabeta de 5,5 hp, cuja instabilidade e precariedade foi suprida pela perícia de nosso amigo piloto.

- O furto do ‘Bonguinho’

Ano passado; o sensoriamento remoto da SkySulbra sofreu uma pequena avaria em Coari, perdi minha bússola Silva (fabricação sueca) que me acompanhava há 34 anos e o caiaque de meu parceiro teve o casco avariado impedindo-o de completar o percurso na sua totalidade. Este ano; perdi meu óculos Rayban (modelo MacArthur) na altura de Novo Airão e em Manaus, nas praias do 2º Grupamento de Engenharia de Construção, tivemos a nossa embarcação de apoio furtada. Anexamos a foto do ‘bongo’ furtado para caso haja confirmação positiva, as autoridades policiais sejam notificadas.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Novo Airão / Manaus

Novo Airão / Manaus


“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)


Acordamos às cinco horas e às cinco horas e vinte minutos fui até o posto da Polícia Militar confirmar o apoio de viatura. O policial de plantão, como de praxe, não havia recebido as ordens devidas, mas consegui que a viatura estacionasse na hora combinada na ‘Pousada Alfa’, do senhor Raimundo, onde pernoitáramos. O carregamento e o transporte do material para a margem ocorreram sem problemas e parti, exatamente, às seis horas da manhã. Eu planejara chegar a Manaus fazendo duas paradas: a primeira, no antigo Castanheiro, atual Terra Preta, e a segunda, no Hotel de Selva Ariaú Amazon Towers.

- Partindo para Terra Preta - Castanheiro (18 de janeiro de 2010)
A viagem transcorreu sem maiores problemas. Raro movimento de embarcações nas Anavilhanas. Cheguei à Comunidade de Terra Preta por volta das onze horas e trinta minutos e me informaram que a equipe de apoio me aguardava no Centro Comunitário, em construção. Os operários estavam acampados no Centro e estavam empenhados na construção de uma Escola Municipal. Terra preta é conhecida pela construção artesanal de pequenas embarcações e se estende por uma única rua espremida entre o barranco e a praia. O conforto adicional era que teríamos luz das seis horas e trinta minutos até as dez horas. O grande transtorno, porém, foi o ronco de um dos operários que não permitiu que eu conseguisse dormir a noite toda.

- Partindo para o Ariaú (19 de janeiro de 2010)
Cansado, parti às seis horas e quinze minutos. O dia ensolarado, a correnteza fraca e os ventos de proa retardavam meu deslocamento. Nas paradas, com o objetivo de me refrescar, eu mergulhava o corpo nas águas turvas do Negro, mas as águas mornas não contribuíam para minha recuperação. Finalmente, recuperei o ânimo, quando avistei o rio Ariaú. Os botos vermelhos evoluíam, perigosamente, ao lado do caiaque, quase esbarrando no casco. Parei numa instalação flutuante do hotel e me informei se podia acessá-lo pelo canal. Após a confirmação, remei vigorosamente pelos três quilômetros que me separavam de meu destino. O acesso pelo rio me levou às antigas instalações do Complexo Hoteleiro e tive de procurar a recepção, no lado oposto, em busca de informações sobre a equipe de apoio. Encontrei o Teixeira e o Osmarino devidamente acomodados e providenciamos o descarregamento do caiaque. Após um banho reconfortante, do almoço e de uma breve visita às instalações, fui até o quarto pegar a máquina fotográfica, quando, então, tive um ataque de labirintite. No ano passado, o Dr Ritta, dono do Ariaú, havia prometido me receber gratuitamente no seu hotel, quando eu descesse o Rio Negro e foi justamente o que aconteceu. Podendo desfrutar do conforto e das diversas opções de lazer que o Ariaú oferece, tive de ficar de cama até o dia seguinte.

- O Ariaú Amazon Towers

“O Hotel de Selva Ariaú Amazon Towers, localizado no Município de Iranduba, Estado do Amazonas, é único na sua concepção arquitetônica, pois o mesmo é construído sobre palafitas de madeira à altura da copa das árvores. Devido a sua estrutura singular, o hotel integra-se juntamente com você e com toda a vida selvagem existente na Selva Amazônica como: macacos de diversas espécies, araras, papagaios, botos cor-de-rosa, entre outros animais da nossa fauna. Durante os 20 anos de existência, tem sido palco de eventos tais como: Cenário do filme ‘Anaconda’ da Sony Pictures, Base de Operações dos realities shows: ‘Survivor’ da CBS TV americana e ‘La Selva de los Famosos’ da Antena 3 TV espanhola, assim como de muitas outras reportagens e curtas metragens. O hotel também tem servido de base para vários eventos empresariais e educativos, com o intuito de desenvolver o conhecimento e educação sobre a Amazônia. Dentro as inúmeras atrações do Hotel, estão as excursões programadas para visitar a Selva Amazônica como: visita a casa de nativos, caminhada na selva, pesca da piranha, observação de animais de hábitos noturnos, interação com botos cor-de-rosa, sobrevôo panorâmico, encontro das águas, visita a tribo indígena, andar de carrinhos elétricos sobre as passarelas, sobrevivência na selva, visita às comunidades locais, visita à casa de nativos, entre outros. Para chegar ao Hotel dispomos de um serviço de cruzeiros para o Ariaú, percorrendo o Rio Negro e assim dando a oportunidade de você desfrutar e fotografar a imensidão da Amazônia. Disponível em dois horários diários de forma regular, tanto de ida como de retorno. O translado está incluso no pacote.

  • Horário de saída de barco: 08:00h  e 14:00h
  • Horário de Retorno de barco: 08:00h e 14:00h

Os pacotes incluem transporte regular do Aeroporto para o píer do Hotel Tropical, translado fluvial de ida e volta a Manaus, drink de boas-vindas e souvenir indígena, acomodação em apartamento stander com ar condicionado, varanda privativa e banheiro com chuveiro elétrico, pensão completa (exceto bebidas), excursões na selva conforme programação, sempre acompanhados de guias bilíngues especialistas na geografia local”. (www.ariau.tur.br)

- Partindo para Manaus (20 de janeiro de 2010)
Acordei às seis horas um pouco melhor, arrumei as minhas coisas e preparei o caiaque para a partida. Depois do café, iniciei minha última jornada. A velocidade que eu conseguia imprimir ao caiaque fez com que eu reavaliasse minha conduta e decidisse não fazer nenhuma parada de maneira a não atrasar muito minha chegada prevista para as duas horas da tarde na praia do Grupamento. O cansaço e a possibilidade de um novo ataque de labirintite me preocupavam. Depois de cruzar a parte mais estreita do Negro, e avistar Manaus a mais de vinte e quatro quilômetros de distância, senti um grande desânimo. Foi, então, que os golfinhos amigos, os botos tucuxis, apareceram para me animar. Um trio harmonioso evoluía num sincronismo perfeito seguido de um outro pequeno e solitário. As evoluções variavam de bombordo a boreste e passavam a poucos metros da proa do caiaque. O acompanhamento durou por mais de hora e meia e permitiu que eu desviasse, pelo menos momentaneamente, minha atenção dos problemas que enfrentava. Rumei diretamente para a concha acústica da Ponta Negra onde combinara encontrar a equipe de apoio. Como não a avistasse, rumei diretamente para o Grupamento. A equipe da Seção de Comunicação Social havia montado um toldo e me aguardava na praia com o repórter da TV Cultura.

- Projeto Desafiando Rio-mar - 3ª Fase
Ano que vem, vamos descer o rio Amazonas das praias do 2º Grupamento de Engenharia, Manaus (Amazonas) até o flutuante do 8º Batalhão de Engenharia de Construção (8º BECnst), Santarém (Pará). A 3ª Fase visa homenagear os 40 anos do Grupamento, atualmente comandado por um grande amigo e companheiro de jornada no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre (RS), em 1984, General de Brigada Lauro Luís Pires da Silva. A chegada em Santarém terá um significado igualmente especial, pois o comando do 8º BECnst estará nas mãos de um ex-cadete e parceiro de trabalho no 9º Batalhão de Engenharia de Combate, Aquidauana (MS), Coronel de Engenharia Aguinaldo da Silva Ribeiro.

O projeto já recebeu apoio do Senhor Fábio Paiva que vai doar um caiaque para ser rifado em benefício da 3ª fase do projeto. Fábio é um apaixonado por canoagem e possui a maior fábrica de caiaques do Brasil, a Opium Fiberglass, responsável pela construção de mais de quinze mil embarcações, distribuídas em todo o País.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Moura / Velho Airão

Moura / Velho Airão

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)


Acordamos às cinco horas e trinta minutos e aguardamos o apoio de viatura da Comissão de Aeroportos da Região Amazônica, sediada em Moura (COMARA). A viatura não apareceu e, novamente, tivemos que transportar todo o material da escola para as embarcações, acarretando um atraso de trinta minutos na partida.

- Partindo para o Velho Airão (13 de janeiro de 2010)
Continuei seguindo a rota da Companhia de Embarcações do Comando Militar da Amazônia (CECMA). A opção pela margem esquerda, além da velocidade, evitava o emaranhado de ilhas da Foz do Juá que dificultaria, em muito, a orientação, tendo em vista que a fotografia aérea era do período de secas. A equipe de apoio parou para o almoço em uma comunidade e fomos agraciados com uma piranha para complementar nosso almoço, já que o Osmarino havia pescado somente um peixe no percurso. Estávamos aguardando o peixe ficar pronto, quando um dos ribeirinhos alertou-nos que o ‘bonguinho’ estava se fazendo ao largo. O Osmarino embarcou no meu caiaque e trouxe de volta o barco fujão. Após o almoço, continuamos o percurso. Abandonei a rota do CECMA e contornei as ilhas, rumando direto para o Velho Airão. O Osmarino pescou três Tucunarés garantindo nosso jantar. Cheguei bastante cansado, por volta das dezesseis horas e trinta minutos, depois de remar quase dez horas consecutivas e não foi nada reconfortante me deparar com a altura do barranco do Velho Airão. Ao desembarcar, conheci dois moradores: o senhor Nakayama e o ‘Ceará’. Decidimos permanecer um dia na comunidade para poder fotografar, com a luz adequada, as ruínas e também petróglifos da foz do Jaú.

Petróglifos: do prefixo grego pétra - ‘rochedo, rocha’, com o sufixo grego glúphó - ‘esculpir, gravar’.

- Velho Airão e Foz do Jaú (14 de janeiro de 2010)
Acordei cedo e percorri as ruínas da ‘Rua Occidental’ e o cemitério para registrar algumas imagens. O estado de deterioração das ruínas e a violação dos túmulos são um nítido exemplo do pouco caso que as autoridades dão ao passado, à história de nosso povo. Depois de tomar um café na casa do amigo Ceará e visitar o pequeno museu que Nakayama guarda em sua casa fomos visitar a boca do Jaú. As inscrições, bem mais elaboradas que as da foz do rio Branco, chamam a atenção pela diversidade e detalhes. Tiramos uma série de fotos que, infelizmente, continuamos sem poder encaminhar daqui de Novo Airão, já que cada foto levaria mais de duas horas para fazer o upload. Nakayama e Ceará estão residindo na área há mais de quatro anos e nos contaram, com minúcias, as inúmeras visitas de pesquisadores à área. Visitamos a família de um ribeirinho cujas plantações e árvores frutíferas foram bastante castigadas pela cheia do ano passado.

- Velho Airão - Acampamento (15 de janeiro de 2010)
Programamos alcançar Novo Airão em dois dias e decidi que o maior esforço seria no primeiro, pois eu remaria das seis às quinze horas e acamparíamos onde tivesse um morador ou comunidade próxima. O dia chuvoso impediu a tomada de fotos e transcorreu praticamente sem novidades. Avistei, de longe, o local ideal de parada e rezei para que a equipe de apoio lá estivesse. Ao me aproximar, enxerguei o Teixeira acenando e me tranquilizei. Não estava em condições de remar mais cinco quilômetros até a próxima comunidade. O Osmarino havia pescado mais quatro tucunarés que foram degustados no nosso almoço/jantar.

- Acampamento - Novo Airão (16 de janeiro de 2010)
Mantivemos nossa rotina de horário para partir e novamente enfrentamos mal tempo durante quase todo o percurso. Encontrei a equipe de apoio a meio caminho e pedi ao Teixeira que se antecipasse para fazer os contatos em Novo Airão para que, quando lá chegasse, já estivesse tudo acertado. Aportei e fui recebido com uma garrafa de refrigerante gelada o que muito me animou.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Barcelos / Moura

Barcelos / Moura

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)


Acordamos às cinco horas e, das cinco horas e trinta minutos até as seis horas, aguardamos pelo Sargento PM Pepes e sua viatura. Como ele não aparecesse, solicitamos o apoio de um graduado do 3º Batalhão de Infantaria de Selva que nos levou até o porto de onde partimos às seis horas e quarenta minutos.

- Partindo para o Sítio do Sr. Abeni (09 de janeiro de 2010)
Ao passar pelo posto de combustível flutuante, observamos o Queen II atrelado a ele. As dívidas do Lodge Hotel, com o dono do posto, ultrapassavam o valor da embarcação. Mais uma mostra de como o poder público corrupto pode favorecer estrangeiros sem qualquer critério a implantação de mega-projetos em regiões de preservação. Novamente, os enormes bancos de areia e os banzeiros que iniciaram por volta das oito horas retardaram nossa progressão. Eu continuava extasiado contemplando, nos paredões de tabatinga, as enormes raízes expostas daqueles moribundos gigantes da floresta. As lúgubres formas artísticas tanto dos troncos tombados, como de suas raízes, tinham uma beleza rude e fúnebre. O Teixeira, depois da última parada, ficou encarregado de achar o melhor local para pararmos e decidiu pelo sítio do senhor Abeni, que ali reside com a esposa, filhos e netos. O Osmarino, logo que aportamos, por volta das catorze horas, preparou o almoço fritando as piranhas que havia pescado no caminho. A isca artificial que o Teixeira havia comprado em Barcelos estava funcionando. Depois do almoço, concluímos a montagem do acampamento e tomamos um banho no Negro. Só então iniciei a análise da rota do dia seguinte. A hospitalidade ribeirinha, mais uma vez, ficou patente, quando o irmão do senhor Abeni veio visitá-lo no sítio. Ele queria que o Teixeira tivesse escolhido o sítio dele para o pernoite onde tinha frutas a nossa disposição, ancoradouro protegido dos banzeiros e uma cobertura para as barracas. A chegada de visitantes é, sempre, uma novidade para estes valorosos ribeirinhos. O Osmarino, neste dia, pescou duas traíras, algumas piranhas e dois barba-chatas garantindo o almoço do dia seguinte.

- Partindo para Acampamento 2 (10 de janeiro de 2010)
O dia transcorreu sem grandes novidades com os banzeiros tradicionais e pancadas de chuvas até o quilometro quarenta. A seca tinha colocado um grande banco de areia na rota prevista forçando-nos a percorrer um outro canal que aumentou em cinco quilômetros a rota. A energia adicional minou minhas forças, mas o esforço foi recompensado com um belo local de acampamento. Era, pelos vestígios das fogueiras, pelos cascos de tartaruga, um local usado sistematicamente pelos pescadores da região. Montamos as barracas no meio da vegetação buscando proteger as barracas da ação dos fortes ventos do quadrante este. Comemos arroz e peixe e, como nossas reservas pesqueiras fossem suficientes, o Osmarino ficou a ler a bíblia na sua rede após cumprir as habituais tarefas. A noite foi quente, mas de bom tempo, de modo que tirei o teto da barraca para poder admirar a abóbada celeste que nesse imenso deserto humano é muito mais bela.

- Partindo para Moura (11 de janeiro de 2010)
Os ventos começaram às oito e não pararam mais. O grande e largo braço que navegávamos formava grandes ondas e minha velocidade foi reduzida para uma média de 5,5 quilômetros por hora. Na segunda parada, encontrei a equipe de apoio na altura de Carvoeiro e, nessa oportunidade, o leme bateu no barranco quebrando o seu suporte. Navegar sem leme com os fortes banzeiros seria uma prova de resistência física e controle mental, ainda faltavam trinta e cinco quilômetros para nosso destino. Combinei com a equipe de apoio de encontrá-los na entrada do furo que permite uma abordagem a Moura livre dos inconvenientes ventos e consequentes banzeiros. Continuei lutando com as ondas e resolvi fazer uma abordagem pela margem direita da foz do rio Branco. Escolhi o melhor ponto de ataque para a foz do rio Branco, onde o rio se torna mais estreito, fiz uma parada antes para recompor as forças e me lancei na travessia. Os banzeiros que quase afundaram o ‘bonguinho’ de minha equipe formavam ondas de até setenta centímetros que vinham de todos os lados. Naveguei em zigue-zague pelas pedras à direita da foz do rio Branco e só consegui encontrar águas mais calmas, quando a margem esquerda do Branco me deu certa proteção dos ventos. Era reconfortante observar o encontro das águas negras com as cristalino-esverdeadas do Branco. Tive de refrear minha vontade de aportar e mergulhar naquelas belas águas, mas como os ventos dessem uma súbita trégua resolvi seguir em frente. As águas do Branco, espremidas pela torrente do Negro, permaneciam sem se misturar até a altura de Vila Remanso, a trinta quilômetros da Foz do Branco. As curiosas ilhas de pedra eram uma constante e depois de passar pelas inscrições rupestres de uma delas resolvi aportar e tirar algumas fotos das praias e das pedras incrustadas com cristais de rocha. Logo que reiniciei a navegação, avistei minha equipe e nos reunimos numa praia paradisíaca para ultimar os preparativos para a abordagem em Moura. Faltavam ainda vinte quilômetros e afirmei que se tudo corresse bem chegaria por volta das dezesseis horas e quinze minutos. Como sempre o imponderável acompanha os indômitos, uma hora antes de chegar a Moura a chuva acompanhada de fortes ventos me fez aportar e colocar a saia no caiaque. A estreita praia era protegida por uma ilha de pedras e o barranco mostrava belas árvores com suas grandes raízes quase que totalmente expostas. Os cíclopes das matas aguardavam resignadamente seu destino, uma nova cheia e os temidos banzeiros lhes solapariam continuamente os alicerces até arrancá-las do alto do barranco. A chuva passou rápida e as ondas diminuíram um pouco permitindo que eu chegasse às dezesseis horas e vinte minutos, depois de remar quase dez horas. O Teixeira já tinha engrenado com o administrador local, Senhor Zeca, para acantonarmos na Escola Santa Rita e com o pessoal da Comara de Moura para nos apoiar com viatura.

- Moura
Jantamos no bar da senhora Lane e fui deitar cedo. No dia seguinte, depois do café na Lane, levamos o caiaque até a Comara para soldar o suporte do leme. A solda de material inox foi feita com precisão e esperamos que não volte a apresentar problemas futuros. Depois do almoço na Lane fomos descansar um pouco, nada funciona na cidade até às catorze horas. Contatamos o administrador, senhor Zeca, para conseguirmos uma voadeira para ir até a foz do rio Branco tirar algumas fotos e ele sugeriu que contatássemos o senhor Léo. Alugamos a voadeira e seguimos de voadeira até o rio Branco, fotografando as imagens que não tínhamos conseguido registrar em virtude das chuvas e dos banzeiros. Especial atenção foi dada à série de inscrições rupestres. A variedade dos símbolos representando animais, seres humanos e formas que não conseguimos interpretar eram muito grandes. Visitamos a foz do rio Branco, desta vez, com muito mais calma e segurança e fotografamos o belo rio de águas claras. As ilhas de belas praias e rochas exóticas fazem de Moura um pólo de turismo inigualável. Quem sabe um dia com uma estrutura de apoio adequada seu povo gentil possa receber turistas de todas as origens. O dia estava um tanto nublado o que, certamente, diminui um pouco a qualidade das fotografias, mas vale o registro.

VELHO AIRÃO

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Mais um dia em Barcelos

Mais um dia em Barcelos

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Recebemos um convite, por intermédio do Sargento PM Pepes, para um jantar na casa do Tenente Nilder Márcio Silva Mendes. O Tenente Nilder é o diretor do Hospital Geral de Barcelos e vem operando milagres segundo moradores locais. O Tenente Walter deixou-me no consultório do dentista às vinte horas e levou o Teixeira e o Osmarino para a casa do Tenente. Logo depois da consulta, me uni aos companheiros e participamos da confraternização em nossa homenagem. Conhecemos, na oportunidade, o filho de Tatunca Nara. Tatunca é uma conhecida e controvertida personagem local e fomos instados a não viajar sem antes conhecê-lo e ouvir suas incríveis e pouco verossímeis estórias.

- Tatunca Nara
O Tenente Walter pegou o doutor Nilder em sua residência e nos dirigimos ao sítio do Tatunca, que mora há algumas dezenas de quilômetros de Barcelos, onde cultiva diversas plantas frutíferas que comercializa com os comerciantes locais. Tatunca foi surpreendido com nossa visita, mas amavelmente nos convidou para entrarmos em seu modesto barranco onde discorreu sobre temas como a Alemanha nazista, sua trajetória de vida e suas pesquisas na serra do Aracá. Tatunca se diz filho de uma alemã com um tuxaua quíchua peruano (descendentes dos incas). Num linguajar arrastado, com forte sotaque alemão, contou suas passagens pelo Brasil, sua ida à Alemanha onde se especializou em motores à Diesel e seu retorno à terra brasileira no período revolucionário. Conta ele, depois de muitas idas e vindas, que conheceu aquela que viria a ser mais tarde sua esposa, dona Anita, quando ela o entrevistou em inglês e alemão. Depois disso, ele teria sido recrutado como membro da inteligência para o Exército Brasileiro. Depois de casar com Anita, trabalhou, durante algum tempo, como motorista de caminhão e acabou vindo para o rio Patueri pesquisar as origens de sua gente (quíchua) e, depois, residindo em Barcelos, na serra do Araçá, onde teria encontrada restos de uma antiga muralha. Tatunca advoga que o nome da cidade de Machu Pichu, na língua nativa, significa a ‘segunda’ e que na serra do Aracá encontra-se um sítio arqueológico com a mesma orientação e semelhança onde teria sido construída a ‘primeira’. Em Machu Pichu, a forma do sítio lembra um gigantesco Jacaré e aqui, no Aracá, a formação lembra um grande boto. Informa que existe uma foto aérea que mostra, nitidamente, o desenho de uma enorme tartaruga, de uns 200 metros, gravada na pedra. Um animal sagrado para os antigos quíchuas. Continuando seu relato, Tatunca afirma que na serra do Aracá existiam três grandes buracos que penetravam terra adentro e que ele chamou a equipe do Akakor, da Itália, para inspecionar o local. Qual não foi sua surpresa quando chegou lá com os italianos e verificou que os buracos tinham sumido. Segundo sua versão, ele tinha até deixado uma corda marcando o local. Algum tempo depois, ele verificou que o grande bloco de pedra em que se encontravam os três buracos havia desabado. A respeito de uma suposta cidade perdida ele afirma que tem certeza de que se a região for devidamente pesquisada ela será encontrada e que ele já encontrou uma peça de cerâmica maia de quinhentos anos antes da chegada dos espanhóis à América. Falou, também, da tentativa de demarcação de novas terras indígenas na região do Aracá pela ONG Instituto Sócio Ambiental (ISA), quando eles tentaram criar uma maloca na região importando índios de São Gabriel da Cachoeira com a alegação de que ali estavam desde tempos imemoriais. Nas manifestações pró demarcação que aconteceram em Barcelos, ele disse que até índios negros apareceram, mas que, graças à mobilização da população e dos seus dirigentes, a farsa montada pelo ISA foi desmantelada e a terra não foi demarcada.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

MOURA

Piaçaba

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

- Piaçaba (Attalea funifera)

Nome comum de palmeira nativa que tem sua origem na língua tupi, significando ‘planta fibrosa’, devido ao seu caule característico.

Possui estipe liso e cilíndrico, folhas eretas, verde-escuras, com pecíolo longo, e frutos comestíveis. A fibra dura e flexível é extraída das margens dos pecíolos e utilizada na confecção de vassouras, escovas e empregada no artesanato. As sementes fornecem marfim-vegetal. Conhecida, também, como coqueiro-piaçaba, japeraçaba, pau-piaçaba, piaçabeira, piaçaveira e vai-tudo.

Piaçava’ é o nome dado a palmeira na Bahia, a qual se retira também fibras pra a fabricação de vassouras. Sendo que esta tem fibras mais duras que a ‘Piaçaba’, árvore da mesma família só que encontrada na Amazônia.

Em Santa Isabel do Rio Negro estabelecemos contato com o repórter Regiandro Albuquerque Goes, que recentemente tinha feito uma reportagem sobre a ‘piaçaba’. Com sua devida autorização reproduzimos o texto de seu vídeo sobre o tema.

- Palmeira Piaçaba
Por Regiandro Albuquerque Goes – Repórter -  Santa Isabel do Rio Negro

Produtora de fibra longa, resistente, rígida, lisa, de textura impermeável e de alta flexibilidade, essa palmeira se desenvolve bem em solos de baixa fertilidade e com características físicas inadequadas para a exploração econômica de muitos cultivos. A necessidade de poucos recursos financeiros para o plantio, a manutenção e exploração, tornam a piaçabeira uma opção de extrativismo atraente, pelos reduzidos riscos e altos rendimentos que proporciona ao investidor.

Depois de quase seis horas de viajem chegamos a campina do rio preto comunidade pertencente a Santa Isabel do Rio Negro a aproximadamente a cem quilômetros de distancia do município de santa Isabel do Rio Negro. Aqui moram dezessete famílias que praticamente sobrevivem da extração da Piaçaba há séculos, uma tradição deixado de pai para filho.
Trabalhar com a piaçaba não é tarefa fácil, para conseguir a fibra é preciso andar quilômetros dentro da mata, estar preparado para os perigos e desafios.
Aqui também encontramos a piaçaba preta conhecida como piaçabarana, de pouca comercialização, usada principalmente para o acabamento na confecção de artesanato.
Depois de algumas horas de caminhada, finalmente encontramos a piaçabeira vermelha. As fibras de Piaçaba ficam ao redor da palmeira e servem também de abrigo de insetos e animais peçonhentos, por isso, antes de extraí-las, o piaçabeiro tem que bater nas fibras para espantar os animais evitar acidentes.
Para começar a extração, primeiro é realizada a limpeza das folhas. O corte nas folhas deixa as fibras soltas já para a extração da piaçaba. Nas palmeiras mais altas é preciso do auxílio de um mutar - espécie de um girau feito a partir de ganhos de arvores.
Cada piaçaveiro tira uma média de cinquenta quilos de Piaçaba por dia em oito horas de trabalho. Calculando esses números, sua produção em trinta dias é mil e quinhentos quilos.
Seu Francisco, piaçabeiro desde os 10 anos, explica que depois do primeiro corte feito na palmeira, a piaçaba só deve ser novamente extraída depois de um longo período de descanso, para possibilitar a formação de fibras mais longas e de melhor valor comercial.
- “Daqui uns três anos ai que você pode cortar ai já vai ter desse tamanho um palmo”.
Aos poucos as fibras vão sendo retiradas, arrumadas e amarradas pra serem transportada para local de destino. Já na comunidade, a piaçaba passar por um processo de seleção, limpeza e embalagem ficando em condições de ser colocada para comercialização.
O local de extração da Piaçaba é de difícil acesso; muitos barracões que armazenam a Piaçaba ficam dentro de igarapés, o local é raso e estreito, por isso o transporte só pode ser realizado através de pequenos barcos conhecidos como “chatas” até a boca dos igarapés (afluentes dos rios principais), onde um barco maior espera para ser carregado com o produto a ser transportado para Manaus.

Seu Francisco Bezerra é de família de piaçabeiro, começou a trabalhar aos quinze anos de idade e hoje, com trinta e dono do próprio negócio, ele fala das dificuldades que enfrenta no dia-a-dia:

- “É muito trabalho; tem que limpar o igarapé, limpar os caminhos, fazer colocação. O piaçabeiro sai cidade até chegar no plano do trabalho dele; para ele começar a trabalhar, gasta mas de dois meses; às vezes um mês e pouco pra ajeitar, fazer caminho, fazer barraco e encontrar produto; enquanto isso ele vai comendo, comendo, comendo... por que tem que comer todo dia e, quando ele vai achar o produto, a conta dele já está avançada”.

A comercialização da Piaçaba é pouco valorizada devido ao baixo preço; o quilo é vendido a oitenta centavos e, muitas vezes, a venda é feita à moda antiga, trocando-se o produto por mercadoria (escambo).

Para valorizar e fortalecer a classe, o primeiro fórum da Piaçaba reuniu moradores e ribeirinhos que sobrevivem do extrativismo dessa fibra.

A prefeita Eliete da Cunha Beleza espera que as pessoas realmente se organizem e se qualifiquem e possam ter e possam sustentar suas famílias.

Além da falta de assistência técnica e de um preço mínimo, o fórum discutiu também a implantação de uma fábrica de vassouras com selo verde, o que pode gerar muitos empregos no município.

O senhor Valdelino Cavalcante, da Agência de Desenvolvimento Sustentável, afirmou durante o fórum que as pessoas "se organizarem em associações e cooperativismo é muito importante; esse é o ponto principal, o ponto inicial para que a gente possa daqui há pouquíssimo tempo estar colocando esse produto da Piaçaba no mercado nacional e internacional”.

O pesquisador Ignácio Oliete fez o mestrado sobre a Piaçaba e diz como o estudo pode ajudar na exploração racional da Piaçaba: "eu andei de 2006 a 2008 nos piaçabais levantando informações sócio-econômicas com relação à atividade, por isso mesmo, porque é uma atividade esquecida, faltava informação científica, e eu achei que era importante a gente levantar informações para o diagnóstico econômico que identificasse os problemas e levantasse questões biológicas e ecológicas sobre a espécie"



segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

ACAMPAMENTO 2 - MOURA

Reflexões em Barcelos


“... Um oceano em seu olhar
pelo amigo que se foi
o amor de uma mulher
por tudo o que vier
nesses tempos
marcados pela inquietação
à procura da verdade
e ela se esconde
mas seu barco vai
por onde a sua mão guiar...”
Oceano (Guilherme Arantes)

- O Negro

“(...) vimos uma boca de outro grande rio, à mão esquerda, que entrava no que navegávamos, e de água negra como tinta, e por isso lhe pusemos o nome de Rio Negro. Corria ele tanto e com tal ferocidade que em mais de vinte léguas fazia uma faixa na outra água, sem misturar-se com a mesma”. (Gaspar de Carvajal)

O Negro vem encantando desbravadores, naturalistas, pesquisadores desde que se teve notícia de sua existência, pelos ‘civilizados’ há mais de cinco séculos. A cada um, este portentoso ente aquático impressionou de uma forma. Alguns pela cor de suas águas, outros pela força de sua torrente, outros ainda pelas características físico-químicas...

"No dia 23 entramos no rio Negro, outro mar de água doce que o Amazonas recebe pelo norte. A carta do Padre Fritz (que nunca entrou nesse rio), e a última carta da América de Delisle, feita conforme a do Padre Fritz, fazem correr este rio do norte para o sul, ao passo que é certo, pelo relato de quantos o remontaram, que ele provém do oeste, e que corre para o este, inclinando-se um pouco para o sul. Testemunhei por meus próprios olhos que essa é a sua direção várias léguas acima de sua desembocadura no Amazonas, onde o rio Negro entra tão paralelamente que, sem a transparência das águas que se chamam precisamente `rio Negro´, seria tomado por um braço do próprio Amazonas, separado por alguma ilha”. (Jean Louis Rodolphe Agassiz)

O Negro me envolveu no seu manto de mistério; a alvorada silente, diferente do Solimões, que mais parecia uma Ode à Natureza, torna-o um ser inerte, apático e sem vida. A beleza das paisagens contrasta com a ausência de sons. A calmaria do Alto Solimões e as belas ilhas de pedra foram substituídas, progressivamente, pelas intermináveis praias de areias virgens, pelos banzeiros e fortes ventos de proa que dificultam a progressão de minha equipe de apoio no seu precário ‘bongo’.

- Margens

O efeito devastador das águas do Solimões sobre as margens, golpeando, destruindo, arrastando, reconstruindo, alterando continuamente seu traçado aqui não se vê. O Negro derruba os gigantes da floresta, mas eles permanecem no mesmo lugar em que tombaram. São redesenhados, esculpidos pelas mãos do tempo e das águas. As margens de tabatinga, golpeadas continuamente pelas ondas, formam paredões verticais e as arenosas se espraiam preguiçosamente.

- Vegetação

As terras mais pobres não apresentam a estupenda variedade e portento da bacia do Solimões e as águas carentes de nutrientes não revitalizam a várzea por ocasião das cheias. Talvez, por tudo isso haja uma diferença tão grande na capacidade de trabalhar dos nativos das mais variadas etnias do Alto Rio Negro em relação aos Tikunas do Alto Solimões. A compleição física indica uma carência alimentar ancestral que não conseguiu ser suprida até os dias de hoje, agravada, certamente, pela falta de aptidão para a agricultura. Uma coisa, porém, têm em comum essas comunidades: a bela hospitalidade amazônica.

domingo, 10 de janeiro de 2010

ACAMPAMENTO 1 - ACAMPAMENTO 2

Acampamento / Comunidade Boa Vista

Acampamento / Comunidade Boa Vista

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Acordei às min e mantive a rotina diária de desmontar o acampamento, carregar o caiaque e tomar um banho de rio. Tomei um café preparado pelo nosso piloto.

- Partida para Comunidade Boa Vista (03 de janeiro)

Partimos, com a equipe de apoio menos afoita e mais preocupada em seguir a rota proposta para não nos separarmos, já que as numerosas ilhas do maior arquipélago fluvial do mundo – Mariuá - determinavam uma navegação mais cuidadosa. Novamente, os areais aumentavam o percurso, exigindo mais de nosso preparo físico e mental. Os ventos de proa fizeram surgir os banzeiros que, embora fossem facilmente vencidos pelo caiaque oceânico, exigiam mais força do canoísta e uma perícia de nosso piloto para manobrar o tosco ‘bongo’.

- Comunidade Baturité

Depois de usufruirmos a tranquilidade de um longo furo, avistamos a Comunidade Baturité no alto do ‘Paredão’, um barranco enorme de seus trinta metros de altura. Abastecemos com a água cristalina do poço da comunidade, compramos algumas bananas e admiramos alguns artesanatos ribeirinhos que são vendidos para os turistas estrangeiros que frequentam o Rio Negro Lodge.

- Rio Negro Lodge

Chegamos ao Rio Negro Lodge na hora do almoço. O seu gerente, Mark Cobos, gentilmente nos ofereceu um almoço e um refrigerante gelado, que só quem passou seis a oito horas sob o sol inclemente pode aquilatar o valor. O Hotel abriga os aficionados pela pesca desportiva, principalmente do Tucunaré. As primorosas instalações com cabanas individuais e complexo de lazer, complementado com cozinha de fartos produtos regionais, justificam sua fama internacional. O dono é o norte-americano Phillipe Aron Marsteller, representante da Amazon Tours no Brasil. O complexo inclui o barco ‘Amazon Queen’ e uma frota de 30 lanchas usadas para a pesca esportiva.

Infelizmente, existe um lado sombrio por trás do empreendimento. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), os proprietários proíbem os moradores dos sítios vizinhos de caçar, ameaçando-os com a polícia e apreensão de suas armas, além de pressionarem os nativos a abandonar os seus sítios, com a alegação de ter comprado uma extensa faixa de terras, na qual estariam incluídos os sítios vizinhos.

A Câmara Municipal de Barcelos aprovou a Lei nº 359 de 02/12/1997, que obrigava o proprietário a apresentar, no prazo de 180 dias de sua promulgação, um Projeto Ambiental. A exigência nunca foi cumprida, tornando automaticamente sem efeito a concessão, fazendo retornar a área de terras ao Patrimônio Municipal. Considere-se ainda que o projeto está inserido nos limites de uma área de proteção ambiental municipal (a APA Mariuá).

- Hotel Rio Negro Lodge é suspeito de biopirataria
Náferson Cruz - Especial para o Amazonas EM TEMPO  - Sábado, 18 de Abril de 2009

Uma operação conjunta entre a Receita Federal, Marinha do Brasil e o Ibama resultou na multa de R$ 2,7 milhões ao hotel de selva Rio Negro Lodge que mantinha um zoológico clandestino e um laboratório de biologia pirata. O proprietário do hotel de selva Rio Negro Lodge é o norte-americano Philip Aron Marsteller.

A operação aconteceu no período de 24 de março a 8 de abril na calha do rio Negro, próximo ao município de Barcelos, a 470 quilômetros de Manaus, mas somente agora foi divulgada pela Receita Federal.

Segundo o auditor fiscal da Receita Federal no Amazonas, Ricardo Pereira, o hotel foi alvo de investigação por conta dos produtos e máquinas importadas adquiridas pelo seu proprietário, além de manter em cativeiro animais silvestres, alguns em processo de extinção, em um pequeno zoológico.

‘No laboratório havia vários microscópios e lâminas com insetos, raízes, flores e plantas da Amazônia. Ainda não sabemos o motivo das pesquisas que vinham sendo realizadas’, explicou o auditor fiscal.

Ele explicou que as mercadorias eram compradas de forma ilegal e que, há quatro anos, tramita na Justiça um processo de operação ilegal de compra de mercadorias contra o dono do hotel. ‘Ele sonegava o imposto e isso se caracterizava como contrabando’, afirmou Pereira’ ”.

- Comunidade de Cumaru

Passamos pela Comunidade de Cumaru cujo presidente, o Senhor Raimundo Batista, nordestino de nascimento, veio com os irmãos na década de setenta para o norte e, após servir no 6º Batalhão de Engenharia de Construção (Boa Vista - RR), na década de oitenta, casou com uma nativa, estabelecendo-se em Cumaru. Raimundo neutralizou um movimento local que pretendia que a área fosse demarcada como indígena, uma manobra que vem sendo perpetuada sistematicamente por comunidades que se ‘dizem’ indígenas e recebem o beneplácito da FUNAI.

Raimundo mostrou outro caminho para a Comunidade e, com o apoio do ITEAM (Instituto de Terras do Estado no Amazonas), conseguiu que as famílias tivessem seus lotes demarcados em áreas de 25 a 35 hectares e devidamente titulados. O nordestino empreendedor trabalha duro para fazer com que seu belo sítio seja o mais produtivo da área, ao contrário de seus preguiçosos vizinhos. Aplicando as devidas técnicas apreendidas junto aos técnicos agrícolas, o Presidente da Comunidade Cumaru mostra que se pode extrair da terra arenosa o sustento da família. A Comunidade se ressente de uma escola de alvenaria e do conserto do telefone, cujo receptor foi quebrado pelas crianças da comunidade.


- Comunidade Boa Vista

Resolvemos parar na Comunidade Boa Vista, onde encontramos o professor Cavalcante, que gentilmente nos acolheu e permitiu que montássemos nosso acampamento na varanda de um morador que se encontrava ausente. O professor está cursando Letras em Barcelos e pretende, depois de formado, radicar-se em Manaus.

sábado, 9 de janeiro de 2010

BARCELOS - ACAMPAMENTO 1

Comunidade Nova vida / Acampamento

Comunidade Nova vida / Acampamento

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Acordei às min, desmontei o acampamento e carreguei o caiaque depois de tomar um banho no rio. Dona Anésia convidou-me para tomar um café com bolinhos fritos de trigo e embrulhou alguns para a viagem, que seriam muito bem vindos caso minha equipe de apoio não me encontrasse. Despedi-me da gentil senhora e de seus filhos antes de partir. Mais uma vez eu fora contemplado com a amazônica hospitalidade e isso me enchia de esperança na humanidade das pessoas.

- Partida (02 de janeiro)

Logo no início da jornada avistei um enorme gafanhoto, ainda vivo, sobre as águas. Já havia visto diversos deles voando ou mortos levados pela corrente. Recolhi o grande inseto e o coloquei sobre o convés; ele se arrastou vagarosamente e se postou sobre a proa, onde permaneceu imóvel durante todo o tempo. Depois de min, parei e levei meu parceiro até um arbusto da ilha, colocando-o no galho mais forte. Gostaria de saber o que leva esses robustos animais a atravessar os enormes canais arriscando a vida. Seria um apelo à sobrevivência dos mais fortes e capazes? Instinto de reprodução? Não sei...

Estava comparando o terreno com a rota da Companhia de Embarcações do CMA; o trajeto passava agora por um enorme areal e tive de contorná-lo. Quando estava manobrando o caiaque, vinha chegando minha equipe de apoio. Foi uma visão reconfortante; ofereci uns bolinhos preparados pela Dona Anésia e comi algumas frutas que eles tinham colhido. O nosso piloto tinha pescado mais alguns peixes, garantindo a refeição do dia.

Montamos acampamento em uma praia bastante extensa que possuía uma pequena enseada, a fim de aportarmos nossas embarcações livres das ondas provocadas pelos ventos e das outras embarcações que passavam pelo canal. Mergulhado até o pescoço, tomei banho acompanhado por pequenos peixes que não paravam de mordiscar a pele.

A noite foi maravilhosa e dormi sem ser acordado pelos galos ou cães das comunidades.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sítio São Tomé / Comunidade Nova vida

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
Acordamos às min e nos preparamos para partir. O jantar tinha sido reforçado com arroz e algumas piranhas que o nosso piloto, cozinheiro e pescador, Osmarino Videira Melgueiro, tinha pescado. O alimento quente era um conforto garantido pela zelosa equipe de apoio.

- Partida para Comunidade Nova Vida (01 de janeiro)

O dia raiou magnífico e partimos, seguindo o canal e a rota do CECMA. Os extensos areais nos forçavam, eventualmente, a dar grandes voltas. Na hora do almoço, aportamos em uma pequena ilha em forma de pingo e dei um longo passeio pelas areias para esticar as pernas. Na volta, saboreamos, mais uma vez,  o arroz com as piranhas pescadas no dia anterior, já que no dia de hoje nosso pescador não teve a mesma sorte. Joguei alguns grãos de arroz na água e apareceram alguns espécimes de Acará-Bandeira (Pterophyllum scalare) e Acará-Boari (Mesonauta festivus), peixes muito cobiçados pelos aquaristas de todo o mundo; afinal, estávamos navegando pelas águas de maior biodiversidade de peixes ornamentais do planeta.

Combinei com o Teixeira que me aguardasse por volta das min à jusante de uma grande ilha, a uns oito quilômetros de onde estávamos e de onde continuaríamos seguindo a rota pelo canal. O Teixeira ancorou no lado meridional da ilha e eu passei pelo setentrional, de modo que não nos avistamos. Aportei logo abaixo, em uma ilha com grande areal, descansei durante alguns minutos e, como a equipe de apoio não aparecesse, segui avante. A opção de acampamento teria de ser nas praias, já que as ilhas eram de mata fechada; tinha um saquinho com algumas castanhas e isso teria de bastar até o dia seguinte. Resolvi remar forte para adiantar minha jornada, quando, depois de remar por uma hora, avistei um barranco nu com algo que parecia, de longe, uma roupa. Remei freneticamente e aportei na Comunidade Vida Nova.

Formada por quatro famílias de piaçabeiros que tinham sido escorraçados da região do rio preto (Santa Isabel do Rio Negro), em mais um dos inúmeros desmandos promovidos pela famigerada FUNAI em suas desastrosas e descabidas demarcações de terras indígenas. Hoje, entregues à pesca e à venda de peixe salgado, sobrevivem nesta região erma e distante. Estavam na Comunidade apenas Dona Anésia (esposa de Ocino), suas duas filhas (Ana Cláudia e Ana Paula) e os dois netos (Gracilena, Mateus e Tereza). Com a cortesia peculiar dos ribeirinhos, mandou as crianças matarem um frango e me proporcionou um belo jantar.

Dona Anésia usa uma grande moringa de barro para clarear, por sedimentação, as águas do Negro e usa cloro para tornar a água potável. Foi a primeira vez em minhas jornadas que se iniciaram no Solimões que vi alguém realizar tal tratamento. A higiene das instalações mostrava a preocupação com a higiene daquela Amazona que, com invulgar alegria e fraternidade, recebia eventualmente navegadores que se extraviavam nas redondezas.

As palafitas foram erguidas com capricho e cobertas com palha de paxiúba, garantindo o conforto de seus moradores. As crianças criavam três gaivotas esfomeadas que tinham de ser alimentadas periodicamente. Para isso, as crianças estenderam uma pequena malhadeira à frente do barranco e volta e meia retiravam alguns pequenos peixes que eram cortados para alimentar as aves vorazes.

A barraca foi montada sem o toldo superior, para que eu pudesse olhar as estrelas. A lua, quase cheia, me acordou no meio da noite e pude contar seis estrelas cadentes que cortaram o céu rumo norte. As estrelas brilhavam com uma intensidade sem par; não existiam as luzes das grandes metrópoles para ofuscá-las e elas cintilavam sobre o manto aveludado da noite. O dia que se prenunciara tenebroso, se mostrou pleno de fraternidade, amor e beleza.