MAPA

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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

VI Parte: Taim a Pelotas, 09 a 10.01.2015


V Parte: Taim, 08.01.2015


IV Parte: Santa Vitória do Palmar ao Taim, 04 a 07.01.2015


III Parte: Ilha Grande do Taquari a Santa Vitória do Palmar, 01 a 03.01.2015


II Parte: Arroio Sangradouro a Jaguarão, 28 1 31.12.2014


I Parte: Canal São Gonçalo, 27.12.2014


Expedição Roosevelt-Rondon - 2ª Parte


Expedição Roosevelt-Rondon - 1ª Parte


Pousada Rio Roosevelt – Pousada Amazon Roosevelt


Hiram Reis e Silva (*), Bagé, RS, 12 de janeiro de 2015.

07.11.2014 (sexta-feira) – AC15 (KM 602 – Pousada Rio Roosevelt) – AC16 (KM 628 ‒ Ilha)

O dia iniciou com a passagem dos Rápidos do Infernão. Tínhamos deixado para trás a Cachoeira mas não seus Rápidos. Fui à frente reconhecendo as possibilidades que são muitas tendo em vista a largura do Rio chegar a 800 metros permeada de Ilhas e rochedos, felizmente ultrapassamos sem maiores dificuldades os obstáculos apresentados.

Cachoeira da Glória

Logo adiante, a 3 km, a Cachoeira da Glória, que se estende por quase 2 km, cujas corredeiras podem ser transpostas facilmente exceto a que fica a meio curso dela (08°28’18,5”S / 60°58’37,4”O). Parei em umas pedras (08°28’48,8”S / 60°58’40,0”O) antes da curva à esquerda onde se iniciam os rápidos e aguardei o Dr. Marc se aproximar. Informei-lhe que ele devia colar na margem esquerda logo depois da curva e me acompanhar até onde eu aportasse. O Dr. Marc fez a curva aberta demais e teve, depois, de passar por uma rota menos segura, pedi a ele que orientasse os “camaradas” e que eles aportassem em segurança logo adiante porque eu precisava fazer um reconhecimento à frente.

Desembarquei na margem esquerda para reconhecer o melhor ponto de passagem e depois me desloquei até meus parceiros informando-lhes que iria atravessar e verificar se era seguro eles descerem por ali também. Coloquei a saia no caiaque, por precaução, e atravessei a torrente veloz, o problema não era a queda nem a velocidade das águas eram os grandes redemoinhos que se apresentavam logo depois, o rebojo formado por eles poderia provocar um desastre. Aportei mais adiante e pedi que eles viessem para a margem esquerda onde transporíamos as embarcações à sirga. Felizmente conseguimos vencer esta etapa sem grandes problemas.

Cachoeira do Inferninho

Navegamos em águas calmas, pelos dez quilômetros de uma longa curva à esquerda, antes de encontrar o “Inferninho”, que também se estende por uns dois quilômetros. Fui à frente e a primeira passagem à esquerda foi simples, mas os obstáculos se sucediam e, em um deles, tivemos de usar o recurso da sirga por garantia para transpor a canoa. Foram muitas as surpresas, não tive tempo de reconhecer cada passagem, demoraria demais, então atravancamos. Depois do Inferninho encontramos mais algumas rochas e rápidos que não apresentavam nenhuma dificuldade. Aportei em uma Ilha (08°22’11,2”S / 60°59’42,8”O) onde decidíramos acampar e embora tivesse sugerido aos “camaradas” o uso da sirga em um local bastante seguro para isso eles preferiram realizar a passagem à remo. Ganhavam confiança, dia-a-dia, nossos “camaradas” depois de enfrentar tantos desafios. Foram 26 km de pura emoção.

08.11.2014 (sábado) – AC16 (KM 628 – Ilha) – AC17 (KM 658 – Acampamento de apoio da Pousada Rio Roosevelt)

O dia anterior tinha sido cheio de emoções em vivo contraste com o de hoje que transcorreu num marasmo só. Eu tinha programado alcançar a Foz do Rio Machadinho (08°22’11,2”S / 60°59’42,8”O) que estava a exatos 30 km da Ilha onde acampáramos. Segundo informação dos funcionários da Pousada Rio Roosevelt alguns metros à montante do Machadinho e na mesma margem estava localizado o Acampamento de apoio da Pousada Rio Roosevelt onde poderíamos pernoitar.

Cheguei cedo, a cozinha e casa de hóspedes estavam fechados com cadeado, os dois aposentos destinados aos funcionários, porém, estavam abertos. Depois de colocar a barraca para secar fiz uma faxina nos quartos e montei a barraca em um deles. Tomei um bom banho de chuveiro, a caixa d’água estava abastecida, e fiquei aguardando meus parceiros. O Jeffrey montou a barraca no outro aposento espalhando seu material por todo canto. O Angonese ia dormir no mesmo aposento que eu e não sobraria espaço para o Dr. Marc montar sua barraca no aposento em que estava o Jeffrey. Nosso caro Mestre já estava montando, resignadamente, sua barraca ao relento quando resolvi organizar as coisas. Reposicionei a barraca e as tralhas do Jeffrey e coloquei a barraca do Angonese que era menor que a do Dr. Marc no mesmo cômodo e com isso o caro Mestre podia ocupar confortavelmente o mesmo aposento que eu.

Desde pequeno meu velho pai me ensinou a olhar ao redor e verificar se minhas ações poderiam estar causando algum transtorno a alguém. Coisas simples como num dia de chuva, portando guarda-chuva não andar sob as marquises ‒ deixe-as para quem está desabrigado, em um supermercado, ao parar, cole o carrinho junto aos balcões e entre dois produtos expostos, assim você não interrompe o tráfego e não bloqueia o acesso das pessoas aos gêneros. Infelizmente o individualismo parece estar cada vez mais e mais presente nas ações das pessoas de todas as classes sociais que jamais se preocupam com o coletivo. Os japoneses, na última Copa aqui no Brasil, foram os verdadeiros campeões ao recolher o lixo deixado pelos torcedores relaxados.

O Cel Angonese pescou 12 belos tucunarés no Rio Machadinho, em apenas 30 minutos, soltou dez e separou dois belos espécimes para degustarmos no nosso “almojanta”. Limpei os peixes e o Angonese assou-os.

09.11.2014 (domingo) – AC17 (KM 658 – Acampamento de apoio da Pousada Rio Roosevelt) – AC18 (KM 692 – Pedras)

Parti cedo, como de costume e parei na casa do Dr. Rogério para um café. Os paranaenses parecem se adaptar excepcionalmente na Amazônia. Parti logo em seguida pois queria achar um local confortável para acampar. Eu marcara umas Ilhas de pedra a 34 km de onde pernoitáramos como ponto mais curto para acampar e caso o local não fosse satisfatório eu iria continuar procurando avante.

Novamente a equipe demorou-se para sair e parou tempo demasiado na casa do Dr. Rogério, o resultado dessa combinação fatídica de atrasos foi que enfrentaram fortes ventos de proa que os impediu de prosseguir até que a ventania diminuísse seu ímpeto. Eles vinham dando oportunidade, desde o início da Expedição, para que isso acontecesse e apesar de tudo continuaram a agir de igual forma do primeiro até o último dia de viagem.

Eu tinha chegado cedo à referida Ilha, antes das 11h00. Preparei o local do fogo coloquei os esteios para fixação da lona, colhi lenha para o fogo, cobri a lenha com um plástico, fixei a trempe, montei minha barraca, lavei minhas roupas, tomei banho, troquei a roupa e nada do restante da equipe chegar. Os camaradas chegaram somente por volta das 17h00 e o Dr. Marc visivelmente cansado, chegou logo depois, achando que tinha sido deixado para trás e quase resolvera acampar em outro local. A desorganização pode provocar fadiga e os dois juntos levam-nos a tomar decisões que podem comprometer a segurança e o bom andamento de um projeto. Eu sabia que isso viria a acontecer mais cedo ou mais tarde desde que não corrigíssemos alguns desvios de conduta.

10.11.2014 (segunda-feira) – AC18 (KM 692 – Pedras) – AC19 (KM 717 – Montante da Cachoeira Carapanã)

Parti sozinho por um longo Estirão, quase 10km, e logo depois de uma suave curva à esquerda avistei, à margem direita, a Foz do Igarapé Caripe e estava passando por umas pequenas corredeiras quando ouvi um grito, olhei para trás e só então enxerguei, à margem esquerda, a Casa de Apoio que um ribeirinho, que passou por mim de voadeira, mencionara no dia anterior, quando cruzara por mim na sua voadeira. Aportei e fui até a casa onde ficamos conversando durante algum tempo, ele me informou que por ali passara, também, a equipe capitaneada pelos americanos Paul Schurke e Dave Freeman mas que ao contrário da nossa desciam juntos e se comunicando pelo rádio durante todo o tempo.

José Caripe: foi nessa região que a expedição original encontrou o Sr. Caripe proprietário de um armazém e que Cherrie afirmou que “imperava como o Rei da extração da borracha” no Rio Roosevelt. (Hiram Reis)

O prestativo amigo reforçou, mais uma vez, que na Cachoeira do Infernão eu deveria procurar apoio do caseiro Kleber que trabalhava na Pousada do Vitão. Orientou-me à respeito da localização da trilha que permitiria contornar a Cachoeira Carapanã. Despedi-me do prestativo ribeirinho e continuei minha descida.

A pouco mais de um quilômetro Rio abaixo passei à direita da Ilha Santa Rosa, que tem uns 03km de comprimento, e onde o Rio apresenta sua largura recorde de 1,3km. Após a Ilha o Rio inflete para a direita, as águas calmas prenunciam um grande obstáculo mais à frente, a região é muito bela e tranquila o som das águas revoltas ainda não chegaram aos meus ouvidos.

Mantenho a rota junto à margem esquerda conforme mencionara, pela primeira vez, o paranaense que trabalhava com o Dr. Rogério. Vou margeando uma grande Ilha à minha direita até avistar a entrada da referida Trilha (07°47’41,3”S / 60°54’48,1”O). Desembarco e ando pela trilha mais de 03km (seis de ida e volta) e não encontro nada, meus informantes não haviam me repassado as distâncias, volto e resolvo navegar mais à frente e encarar a famosa Cachoeira do Carapanã. Embora a largura de margem a margem ultrapasse os 700 metros, grande parte do caudal é carreado, graças a um infindável número de Ilhas e rochas de todos os tamanhos e formas, para a margem esquerda à uma velocidade impressionante.

Deixo o caiaque ancorado entre as rochas e atravessado em relação à torrente para que meus parceiros possam avistá-lo à distância quando se aproximarem e vou até a margem verificar se existe alguma outra trilha mais curta. Não existe nenhuma trilha recente e a passagem embora relativamente curta (400 m) necessitaria ser aberta à facão até uma pequena praia à jusante onde depois encontrei o reboque e as voadeiras do Vitão.

Retorno à trilha anterior e resolvo medir a distância até a referida praia pela trilha usada pelo pessoal do manejo florestal. Foram aproximadamente 3.900 metros até a praia que ficava à jusante da Carapanã e a aproximadamente 1.200 metros à jusante havia outro Salto que teríamos também de desbordar. A mata fervilhava de vida, avistei pacas, cutias, caitetus, ouvi o barulho de um animal rompendo a mata em desabalada carreira que só podia estar sendo produzido por uma anta, mutuns de várias espécies (mutum-cavalo, mutum-de-fava, mutum-de-penacho), bandos de jacamins, macacos prego, aranha e barrigudos, enfim um paraíso ecológico sem precedentes.

Voltei até a margem onde deixara meu caiaque e lá encontrei meus parceiros, eu tinha acabado de andar mais de 15 quilômetros e estava exausto. Reportei as distâncias encontradas e afirmei que a melhor e praticamente a única opção plausível era conseguirmos apoio mecanizado com o tal do Kleber. O Angonese e o Jeffrey, depois de descansarem um pouco resolveram encarar a mesma trilha que eu percorrera 03km. Os dois regressaram à noite e o Angonese disse que andaram por volta de 10 km até chegar a uma pousada onde contataram o Kleber que ficou de conseguir algum apoio para o dia seguinte.

11.11.2014 (terça-feira) – AC19 (KM 717 – Montante da Cachoeira Carapanã)

Não acordamos muito cedo aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Caso o Kleber conseguisse algum apoio ele só iria aparecer à tarde. O Dr. Marc conseguiu convencer o Angonese de reconhecer a margem direita da Cachoeira Carapanã. Não achei viável a empreitada tendo em vista a disponibilidade de tempo do Jeffrey. A “portagem” das próximas cachoeiras serio extremamente exaustiva e demorada demais.

À tarde, depois de permanecer um bom tempo de “molho” nas águas límpidas do Roosevelt, parti com o Angonese, no encalço do Kleber carregando, nas mochilas, material para acantonamento na Pousada do Vitão, se fosse o caso. Tínhamos caminhado pouco mais de dois quilômetros pela trilha quando surgiu uma camionete pilotada pelo Sr. Antônio, doravante tratado por nós de Santo Antônio.

Fomos até o porto à jusante da Cachoeira Carapanã buscar o reboque do Vitão e, em seguida, até o acampamento onde a dupla americana permanecera. Colocamos os dois caíques no reboque e os carregamos com uma carga leve, em cima dos caiaques colocamos a canoa e o material mais pesado foi na caçamba da camionete. Passamos pela Pousada do Vitão e fomos direto até a margem do Roosevelt descarregar o material no local da partida, já que teríamos de nos deslocar para lá a pé no dia seguinte. Levamos apenas o material imprescindível de acantonamento já que na pousada encontraríamos um local abrigado e colchões.

Despedimo-nos do prestativo Santo Antônio que adiara uma viagem já agendada para nos apoiar. A noite foi muito agradável, a Pousada tem uma infraestrutura privilegiada, a energia é gerada por uma Pequena Central Hidrelétrica (PCH), há uma bela estrutura de madeira, com churrasqueira, mesas, enfim um fantástico restaurante encravado sobre as águas de um agradável Igarapé em plena selva amazônica. O Kleber cobriu-nos de gentilezas, conseguiu carne para o churrasco, arroz, ovos, enfim um jantar gastronomicamente equiparado ao do nosso amigo Jair da Buritizal.

12.11.2014 (quarta-feira) – AC20 (KM 727 – Porto da Pousada do Vitão) – AC21 (KM 736 – Praia)

Saímos um pouco tarde da Pousada e ainda tínhamos uma longa caminhada até o Rio. Partimos do Porto do Vitão (07°42’59,9”S / 60°55’14,6”O) juntos já que existiam muitas corredeiras pela frente.

A uns 700 metros resolvemos, por segurança, passar à sirga sem grande problemas e continuamos colados à margem esquerda como recomendara o Kleber, mais algumas corredeiras pequenas e de repente a temível Cachoeira Samaúma acostamos e enquanto fui à frente verificar se era possível transpô-la o Cel Angonese achou a entrada da trilha de 250m que a desbordava. A Samaúma podia ser transposta a remo mas não com os nossos caíques oceânicos.

Transportamos todo o material para uma agradável praia à jusante de uma pequena Capela que os ribeirinhos veneram. No jardim uma grande cruz de metal com a inscrição “Semaúma”, e na capela, diversas muletas, pernas e braços de madeira, fotos, roupas e outros objetos ofertados por crentes agradecidos. O Kleber havia-nos dito que “Semaúma” fora uma menina que morreu, há muitos anos, afogada nas águas da Cachoeira Samaúma e foi enterrada ali mesmo onde hoje é o jardim da atual Capela que mais tarde foi construída em sua homenagem. “Semaúma”, desde então, vem operando verdadeiros milagres.

Meus parceiros ficaram aguardando na praia enquanto eu fui verificar se havia um local de passagem no Canal do Meio ou o Canal da direita já que o Angonese constatara que o da esquerda era inviável para a canoa. Aproei para montante direto para a Samaúma, eu tinha de atravessar o Rio e não queria que a força de suas águas me desviasse para jusante. Aportei próximo ao Canal do Meio em uma zona de águas calmas e atravessei um banco de areia submerso para analisar o Canal. Tive de escalar diversas rochas para conseguir uma visada mais adequada e por fim constatei que a transposição, por ali, também era inviável.

Voltei ao caiaque e naveguei rumo à margem direita que encontrei bloqueada por rochedos. Subi o Rio margeando até que avistei, depois de uma estreita passagem, um Canal que descia sem muito estardalhaço o que poderia significar uma boa alternativa para descermos. Aportei e novamente tive de escalar os rochedos acompanhando toda a rota até chegar a um lugar de remanso, encontrei, no caminho, uma isca artificial que entreguei ao Angonese, havia algumas passagens mais estreitas mas contornáveis até chegar à última abordagem que tinha duas opções, a da esquerda embora mais tranquila tinha à sua frente um paredão que bloquearia perigosamente quem por ali adentrasse e a da direita era mais estreita e de menor calado mas não tinha nenhum obstáculo à sua frente – descidi que naquele ponto cruzaríamos pela direita.

Regressei, muito cansado, até a praia e informei a meus companheiros o que tinha decidido. Carregamos os caiaques e a canoa e partimos para a travessia do Canal da Direita. Na chegada confundi-me com uma das entradas de acesso ao Canal mas voltei a tempo de orientar corretamente os camaradas, o cansaço começava a prejudicar meu discernimento. Fomos ultrapassando os obstáculos com sucesso até chegar ao último, antes do remanso. Os camaradas estacionaram diante das duas opções à sua frente e embora eu já tivesse decidido que a melhor era à da direita ultrapassei-os e enveredei pela da esquerda. Passei tranquilamente pela estreita garganta mas depois fui atirado pela torrente veloz contra o paredão de arenito, a proa chocou-se violentamente contra as pedras e o caiaque adernou violentamente para a direita e inclinou-se para a esquerda empurrando-me para baixo. Segurei-o firmemente, e tentava evitar que ele soçobrasse, O Dr. Marc surgiu não sei de onde e me ajudou a mantê-lo fora d’água, retirei a câmera fotográfica e entreguei-a ao Dr. informando-lhe- que não conseguiríamos segurá-lo durante muito tempo e a solução era empurrá-lo no sentido da corrente. Foi o que fizemos, agarrei-me a Cabo Horn e fui conduzindo-o para uma área remansosa. Retirei a água do caiaque enquanto recuperava o fôlego. A “portagem”, os reconhecimentos e agora esse quase naufrágio, o segundo em mais de 40.000 km de navegação em um caiaque Cabo Horn, tinham-me exaurido as poucas forças que ainda me restavam. Naveguei até as rochas onde o Dr. Marc tinha deixado minha câmera, havia perdido, nesta ocasião, meu boné e os mapas, continuamos nossa emocionante jornada. As águas continuavam rápidas, as inúmeras Ilhas só perdiam em beleza para as do Alto Rio Negro. Tivemos alguns sobressaltos aqui e ali mas nada de muito sério.

Por fim o Angonese, que tinha uma 2ª via dos mapas, optou por parar numa extensa faixa de areia (07°40’46,8”S / 60°53”16,9”O). Coloquei meu material para secar e ajudei o Angonese catando lenha e na proteção do fogo. Ouvíamos o ruído dos motores que passavam na BR-230 distante apenas 1.300m de onde estávamos e, de repente, escutamos, pela primeira vez no Rio Roosevelt, o bufo conhecido de um boto-vermelho (Inia geoffrensis) macho. A presença de um boto em qualquer região é o prenúncio de navegação tranquila à jusante. As cachoeiras são barreiras geográficas que os botos não conseguem transpor, portanto, isso significava que a partir dali até o Rio Madeira não existia nenhum obstáculo significativo à navegação.

À título de ilustração gostaria de citar o caso do Rio Madeira, onde existem duas espécies de botos-vermelhos que estão separadas por estas barreiras geográficas. No Alto Madeira, existem 16 cachoeiras que separam duas espécies distintas – a Inia boliviensis “endêmica” da região acima das cachoeiras, e a Inia geoffrensis, abaixo delas.

Os Sistemas de Transposição de Peixes construídos nas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio levaram em conta esse fator impedindo, como antes, que os botos, que vivem a jusante destes obstáculos naturais, possam utilizar, agora, estes sistemas para subir o Rio, comprometendo todo o ecossistema a montante das Hidrelétricas. Esta realidade poderá ser alterada num futuro próximo quando a Hidrovia do Madeira for definitivamente implantada. As eclusas vão permitir que os mamíferos aquáticos e outros peixes as usem para alcançar áreas que antes a natureza se encarregara impedir. Percorrêramos 09km de muitas emoções.

13.11.2014 (quinta-feira) – AC21 (KM 736 – Praia) – AC22 (KM 765 – Pousada Amazon Roosevelt)

Último dia de navegação no Roosevelt foram 21 dias de muita emoção, aprendizado e camaradagem, com uma breve interrupção de dois dias entre a 1ª e 2ª Fase, totalizando 23 dias. Cada remada fazia-me recordar a determinação e coragem de um veterano que do alto de seus 68 anos abandonou o conforto e a tranquilidade da longínqua Califórnia para se aventurar nos ermos sem fim de um Rio tumultuário, inóspito por vezes, mas pleno de vida e de uma beleza sem par. Rarefeito em termos de população mas não de hospitalidade, encontramos em cada lar, em cada parada uma mão estendida pronta para dividir o pouco que tinham. A cordialidade típica do ribeirinho sempre me encantou em cada uma de minhas amazônicas jornadas e continua me maravilhando. A coragem desses homens e mulheres capazes de sobreviver com tão pouco esbanjando tanta alegria e afetividade.

Tenho certeza de que este velho Mestre brasileiro de coração e americano por adoção guardará eternamente com muito carinho a odisséia que cumpriu com a fibra e determinação inquebrantável de um guerreiro Mundurucu de outrora e a serenidade ancestral dos Lamas tibetanos.

Obrigado, mais uma vez, Dr. Marc pelo convite. Como disse antes mais uma convocação do que um chamado, foi um privilégio participar com o amigo desta épica jornada.

O Angonese, velho amigo, companheiro de outras jornadas, não me surpreendeu, apenas confirmou ser um militar de escol, competente como “Jungle Expert” e remador audaz. Parceiro para todas as missões, não mediu esforços para que conseguíssemos abreviar o tempo de deslocamento e nos tranquilizasse quanto à segurança e destreza que imprimia na condução da pesada e pouco manobrável canoa. O Angonese permitiu que variássemos nosso cardápio da ração americana liofilizada trazida pelo Dr. Marc, com saborosos carreteiros e, principalmente, no Médio e Baixo Roosevelt, com peixes pescados e assados por ele próprio.

Nas proximidades da Confluência do Aripuanã encontramos alguns pescadores, que estavam hospedados na Pousada Amazon Roosevelt, que nos presentearam com refrigerantes gelados – muito bem vindos. Aportamos no píer da Pousada depois de percorremos 29 km.

Nesta pousada, diferente da anterior, o gerente foi bastante solicito e embora estivesse com a lotação esgotada permitiu que acampássemos nas suas instalações e desfrutássemos das comodidades das instalações sanitárias, área de lazer e refeições junto com os demais hóspedes.

O Dr. Marc, o Cel Angonese e o Jeffrey foram até a Balsa (Vila do Carmo), Rio Abaixo, combinar com o “Pelado” nossa viagem de camionete até Humaitá onde estaria esperando-nos o Sgt BM Douglas para conduzir-nos até Vilhena. Preferi relaxar e permanecer na área de lazer da pousada, minha missão, finalmente, estava concluída. Nas minhas outras descidas a programação geral, as metas diárias enfim todas as variáveis eram decididas apenas por mim. Nesta missão o Dr. Marc era o coordenador e eu tentei me ater tão somente à segurança no deslocamento, escolha dos acampamentos e contatos prévios para transposição das cachoeiras. É difícil, para alguém acostumado a liderar, transformar-se, de uma hora para outra, em apenas mais um membro da equipe, tentei cumprir meu papel, por vezes bufei, mas acho que no final conseguimos chegar a um consenso. Agradeço aos meus parceiros a compreensão e a paciência.

Minha intransigência quanto aos horários e distâncias diárias a serem percorridas visava tão somente acelerar nossa progressão o suficiente para que, ao enfrentar as grandes Cachoeiras como Carapanã, Apuí e Samaúma tivéssemos tempo suficiente para analisá-las e transpô-las, sem necessitar de socorro de terceiros, desfrutando das sua belezas naturais e curtindo seus desafios.



Fazenda Buritizal – Pousada Rio Roosevelt


Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 14 de dezembro de 2014.

03.11.2014 (segunda) – AC11 (KM 477 – Fazenda Buritizal) – AC12 (KM 501 – Sítio do Sr. Arão)

Depois de navegarmos, em águas calmas, por uns 06 km surgiram alguns rápidos que foram transpostos pelo canal da esquerda que se estendia ao longo de duas pequenas Ilhas (09°13’18,9”S / 60°42’26,3”O), de uns 300m de comprimento cada uma, conforme nos orientara o amigo Jair. Seis quilômetros adiante, depois de passar por mais alguns rápidos, avistamos a Foz do Igarapé Panelas (09°11’33,4”S / 60°44’35,4”O) e, 2,5km a jusante, a pequena Comunidade de Panelas onde existe uma balsa. Parei pouco depois do acesso da balsa, à margem direita, e consultei dois ribeirinhos a respeito da trilha apontada pelo Jair para desbordar a Cachoeira Panelas. A precisão das informações do Jair era impressionante, continuei remando, a cavaleiro da margem direita, contornando uma série de rochedos até encontrar uma pequena Baía onde avistei o velho barco exatamente no local e posição que ele descrevera. A proa da embarcação apontava para uma trilha de uns 300m que dava acesso a um pequeno porto à jusante da Cachoeira das Panelas. Neste local fotografei a bela borboleta “Urania leilus” que eu encontrara, pela primeira vez, no Rio Tapajós, depois de realizar minha terceira descida pelos amazônicos caudais (Amazonas I ‒ Manaus-Santarém).

Conseguimos fazer a “portagem” em pouco mais de duas horas e partimos sabendo que logo à frente enfrentaríamos um novo labirinto formado por diversas Ilhas e inúmeros rochedos e onde a largura do Rio ultrapassava os 500 metros. A imagem do Google Earth estava encoberta por nuvens e tive de usar minha experiência e bom senso para escolher os canais mais adequados para a descida. Estes caminhos mais seguros eram sempre os mais longos, a cada bifurcação eu analisava a cota dos canais à minha frente e optava, invariavelmente, pela mais baixa que, logicamente, não tinha ou pelo menos deveria apresentar menos obstáculos a reter as águas do Rio. Agindo dessa maneira evitamos maiores sobressaltos e chegamos até um ponto onde estes diversos canais convergiam para um único com uma largura de aproximadamente 200 metros e onde as águas estavam mais serenas.

Fizemos uma parada em um pedral à margem esquerda e por volta das 15h00, depois de percorrer 24km indiquei aos meus amigos uma casa abandonada (AC12 ‒ 09°08’04,8”S / 60°41’42,8”O) onde poderíamos pernoitar com certo conforto, o único inconveniente era a altura do barranco. Fiz contato com o Sr. Arão, um seringueiro aposentado, que morava numa pequena casa nos fundos da casa grande, e ele concordou que ali passássemos a noite. Segundo ele, o dono da propriedade, que a usava quando vinha pescar com os familiares no Rio Roosevelt, falecera em um desastre aéreo. O Sr. Arão, a pedido do Dr. Marc, esquentou a água para preparar as rações. O pequeno seringueiro jantou conosco mas não apreciou o sabor da comida importada.

04.11.2014 (terça) – AC12 (KM 501 – Sítio do Sr. Arão) – AC13 (KM 525 – Sítio abandonado)

Desmontamos o acampamento e parti antes de meus amigos avisando que esperaria por eles quando encontrasse algum obstáculo e caso isso não acontecesse eu os aguardaria na Ilha do Cotovelo (08°59’55,3”S / 60°43’57,9”O) que estava localizada a uns 18 km da residência do Sr. Arão. Remei forte e a uns 3km da referida Ilha contatei alguns ribeirinhos (09°00’39,7”S / 60°42’55,6”O) solicitando a eles que informassem aos “camaradas” que os aguardaria na Ilha do Cotovelo onde cheguei por volta das 10h00. As únicas formações rochosas desde o AC12 ficavam a pouco mais de um quilometro da Ilha e não ofereciam qualquer tipo de dificuldade. Ao chegar na Ilha espantei, sem querer um pequeno jacaré que dormitava tranquilamente nas pedras da Ilha. Aqui como nas demais Ilhas pedregosas de todo o Rio Roosevelt encontrei diversos arbustos de Camu-camu.

Camu-camu (Myrciaria dúbia): arbusto também conhecido como caçari ou araçá encontrado na Amazônia às margens dos Rios e Lagos. A planta pode permanecer submersa de 4 a 5 meses e frutifica, nestes locais, no período que vai de novembro a março. Na terra firme, a floração pode ocorrer durante o ano inteiro. Os frutos são esféricos de 01 a 3,2 cm de diâmetro, de coloração avermelhada ou roxa. Possui 20 vezes mais vitamina C (ácido ascórbico) do que a acerola. (Hiram Reis)

Até então eu não sabia que frutas eram essas e se eram ou não comestíveis. Só alguns dias mais tarde quando elas já começavam a rarear é que fiquei sabendo, pelo Kleber, na altura da Cachoeira Carapanã, de que eram os tão cobiçados frutos ricos em vitamina C. Eu arriscara provar apenas um deles tendo em vista que as frutas maduras não apresentavam bicadas de pássaros e as caídas no chão não tinham sido comidas por pequenos mamíferos. Dizem os especialistas que 90% do que os animais comem também pode ser consumido pelos seres humanos. A bela fruta de um roxo intenso e sabor levemente ácido mas agradável não era “CAL” ‒ Cabeluda, Amarga ou Leitosa. No Curso de Operações na Selva, do CIGS, haviam-nos ensinado que se uma fruta apresentasse essas três características não se deveria comê-la embora a existência de apenas uma ou duas dessas características não a tornasse, necessariamente, imprópria ao consumo.

Aguardei até o Dr. Marc aparecer e como as antigas fotos da Ilha eram muito diferentes da aparência que ela tinha hoje resolvi explorar sua ponta de jusante que a foto do Google Earth mostrava estar coberta pela mata mas que segundo a hidrodinâmica encontraríamos um banco de areia onde seria possível aportar e nos refrescar dentro d’água na sombra das árvores. Assim que iniciamos a descida surgiram os “camaradas” logo a montante da Ilha. Aguardamos a dupla na ponta de jusante um bom tempo e como eles não aparecessem deduzimos que tinham aportado na Ilha. Descemos lentamente e estacionamos na margem direita do Rio ainda aguardando os “camaradas”. O Dr. Marc, enquanto isso, aproveitou para contatar o pessoal de terra, através do telefone satelital, repassando nossa posição atual.

Finalmente apareceram os “camaradas”, o Jeffrey tinha aproveitado para realizar algumas filmagens desde a Ilha do Cotovelo e por isso tinham demorado tanto.

Relata o Cel Angonese:

Nós encontramos uma montaria (embarcação a remo construída de um tronco de árvore) com uma senhora, uma criança de colo mais 4 crianças. Moravam nas imediações da Ilha do Cotovelo. O chefe da família, Sr. Francisco, era um dos últimos que continuavam com a antiga profissão de seringueiro. Todo dia partia em sua trilha percorrendo seu seringal colhendo o látex daquelas árvores que renderam tantas divisas ao Brasil e que agora tão poucos se dedicam a esse trabalho. A técnica de preparo foi aperfeiçoada dos antepassados. Antigamente a “pela” era preparada na fumaça de um fogo lento. Agora o látex é colocado em um recipiente e endurecida com coalho. O seringueiro do Rio Roosevelt esta vendendo seu produto a R$ 4,50 o kg do látex.

Preparação da “Pela”

Antigamente para colher a goma, cingia-se a árvore com um cipó que envolvia o tronco obliquamente a um metro e setenta do solo até o chão onde era colocado um pote de argila. Eram, então, feitos diversos cortes na casca acima do cipó que aparava a seiva e a conduzia até o pote. Este processo de sangria exagerada, conhecida como “arrocho”, acabava matando a árvore e foi abandonado há muito tempo. Com o passar dos anos o método tornou-se mais racional visando preservar a integridade da “árvore da vida”.

O seringueiro parte, de seu tapiri, a cada dois ou três dias, de madrugada, carregando todos os seus apetrechos pela “estrada”. Este intervalo, antigamente desrespeitado, permite à árvore se recuperar da última sangria. Ele para, em cada uma das seringueiras, e parte para a extração da seringa que é feita através de pequenas incisões de 25 a 30 centímetros descendentes e paralelas na casca da planta, que começam a uma altura de aproximadamente dois metros acima do solo. Une depois, cada uma das extremidades inferiores dos cortes através de um talho vertical de maneira que o leite escorra dentro do traço para o fundo da cuia. A cuia é embutida na casca cortada para este fim e, eventualmente, pode ser usada uma argila para fixá-la no tronco.

Os cortes são feitos, normalmente até as onze horas, em todas as árvores da “estrada”, exceto nos meses de agosto e setembro época da floração. Pelo meio-dia ele começa a recolher as cumbucas despejando o látex coagulado nas cuias em um balde ou então em um saco “encauchado” (impermeabilizado com látex). A tarde, por volta das 14h00, volta para o rancho, almoça e inicia a defumação do material recolhido que leva umas duas horas para ficar pronto. O fogo é feito debaixo da terra para que a fumaça saia por um furo ao nível do chão.

A melhor fumaça é a de coco de babaçu, mas, no Rio Purus usava-se para esta operação os frutos da palmeira urucuri; no Rio Autaz os da palmeira iuauaçu e no Rio Jaú e onde estas palmeiras são mais raras utilizavam-se madeiras como a carapanaúba e a paracuúba. A bola de borracha (“pela”) é rodada em volta de uma vara de aproximadamente um metro e meio de comprimento chamada “cavador”. Para iniciar a bola enrola-se na vara um “tarugo” de goma coagulada no qual o leite gruda facilmente. O seringueiro vai despejando o leite com uma cuia ou uma grande colher de pau, ao mesmo tempo em que gira o “cavador”, a parte líquida se evapora imediatamente, e forma-se uma fina camada de goma elástica, e a bola vai engrossando, cada dia um pouco mais. Uma “pela” pronta, depois de vários dias, pesa em média de 50 quilos, é, então, exposta ao sol, quando toma a coloração escura e assim permanece até ser comercializada.

Látex “in natura”

Os seringueiros transferem o látex coletado para “bombonas”, que serão enviadas para a fábrica, estes recipientes contêm hidróxido de amônia, composto altamente tóxico, que preserva o leite, durante alguns dias. Caso o látex seja conservado “in natura” por muito tempo depois de extraído o produto coalha tornando-se inaproveitável tanto para a produção fabril como a artesanal.

Pouco mais de um quilometro depois da Ilha do Cotovelo o Rio faz uma curva abrupta à direita permitindo com isso que ali se forme um belo banco de areia onde estavam pousadas diversas Talha-mares.

Talha-mar: conhecido também como Corta-água, Talha-mar-preto, Corta-mar, Bico-rasteiro, Gaivota-de-bico-tesoura ou ainda Paaguaçu. A Talha-mar voa rasante à água e com a parte inferior do bico (bem maior que a parte superior) mergulhada com o objetivo de capturar pequenos peixes e crustáceos próximos à superfície. (Hiram Reis)

Estávamos em pleno Parque Estadual Guariba e daqui em diante o mapa não mostrava nenhuma casa ou clareira onde pudéssemos acampar sem que fosse necessária uma derrubada de mata. A última parada possível estava situada logo adiante e que acabamos verificando se tratar de um Sítio abandonado (AC13 ‒ 08°59’58,1”S / 60°46’01,5”O) no alto de um barranco. O Jeffrey não entendeu porque estávamos parando tão cedo depois de ter navegado apenas 25 km desde o Sítio do Sr. Arão e o Dr. Marc encarregou-se de fazer as devidas explicações. À noite o Angonese pescou um belo espécime de pirarara e algumas piranhas e o Dr. Marc aproveitou para medir a força da mordida das temíveis predadoras.

05.11.2014 (quarta-feira) – AC13 (KM 525 – Sítio abandonado) – AC14 (KM 560 – Foz Igarapé São Liberato)

Parti cedo informando meus parceiros que tentaria achar um acampamento próximo à Foz do Igarapé São Liberato, localizado no Estado do Amazonas, à uns 05 km da Fronteira Estadual entre o MT e o AM. Eles deveriam preparar-se para navegar no mínimo 35 km compensando o curto percurso do dia anterior.

Eu esperava encontrar na Foz do Liberato um banco de areia propício à montagem do acampamento tendo em vista o processo natural de assoreamento provocado por um afluente na sua Foz.

O vazio demográfico impressionava, não havia viva alma por aquelas bandas. Os barrancos e a vegetação densa não mostravam nenhum lugar propício a um acampamento. Passei pela Foz de um Igarapé onde havia uma mesa na barranca, aproximei-me do local e avistei as instalações de um acampamento de pescadores dentro do Parque Estadual Guariba.

A partir das 12h30, antes mesmo de avistar a Foz do Igarapé São Liberato, eu ziguezagueava de uma margem à outra tentando, infrutiferamente, achar um local adequado para nosso acampamento. Finalmente aproei, por volta das 13h30, para a almejada Foz esperando ali encontrar as condições adequadas para nossa estadia. Ao aproximar-me avistei um banco de areia quase ao nível d’água, arvorei remo, e ergui os olhos para os céus agradecendo ao Senhor de todos os Exércitos a bela visão. O idílico momento durou muito pouco pois ao volver novamente os olhos para a terra dei de cara com a cabeça de um enorme jacaré-açu que pescava despreocupadamente piraputangas na Boca do belo Igarapé de águas pretas.

A cabeça do enorme réptil tinha uns 70 cm, e o animal ultrapassava seguramente os 5,5 metros. Com um movimento muito rápido o gigantesco sauro lançou-se às águas do Rio Roosevelt e desapareceu num piscar de olhos, não sei quem se assustou mais com a presença do outro se eu ou o colossal jacaré, que o Jeffrey teima em chamar de aligátor. Foi o único animal deste porte avistado pela equipe em todo o Roosevelt, os demais eram pequenos e não chegavam aos dois metros de comprimento. Na minha descida pelo Rio Solimões, ao passar pela RDS Mamirauá observei e fotografei grande quantidade destes sauros gigantescos e muito gordos que ultrapassavam os seis metros, felizmente era uma área pródiga em recursos naturais e eles raramente atacavam os seres humanos. Felizmente nosso amigo não deu mais as caras e conseguimos montar acampamento e descansar sem grandes preocupações. Quando a equipe chegou eu já tinha limpado a área, montado a barraca e preparado o local do fogo. O Cel Angonese havia pescado dois belos tucunarés mas, infelizmente, descuidou-se por um momento e uma piranha cortou-lhe o dedo, o Dr. Marc preparou-lhe um curativo bem apertado. Montei a barraca do amigo com o objetivo de poupar-lhe a mão sequelada e à noite degustamos os tucunarés assados.

06.11.2014 (quinta-feira) – AC14 (KM 560 – Foz Igarapé São Liberato) – AC15 (KM 602 – Pousada Rio Roosevelt)

Este dia seria o mais longo de todos, teríamos de navegar 42 km até a famosa Pousada “Pousada Rio Roosevelt”. Não havia obstáculos pelo caminho e as águas eram mais rápidas, por isso, adiantei-me para providenciar apoio para a “portagem” mecanizada na Cachoeira do Infernão evitando o carregamento exaustivo do material por uma trilha de mais de um quilometro.

Próximo ao nosso acampamento, à margem esquerda, passei por um confortável acampamento de apoio da Pousada Rio Roosevelt infestado por macacos que empoleirados numa enorme mangueira devoravam as frutas freneticamente.

Chegando no Infernão, aportei numa balsa próxima ao campo de pouso da pousada, e segui por uma bela trilha até chegar à Pousada Rio Roosevelt. Contatei os funcionários com o intuito de conseguir, além da “portagem”, o pernoite e um jantar. Rapidamente resolvemos o assunto que era mais premente que era o da transposição – um trator tracionando um reboque foi deslocado para montante da Cachoeira onde ficamos aguardando os parceiros chegarem.

Depois de duas horas de espera nossos amigos foram com uma voadeira ver onde eles se encontravam e os encontraram ainda à montante do Rio Madeirinha. Foi uma espera de mais de três horas e meia. Quando chegaram, embarcamos o material e enquanto o trator se deslocava pela trilha externa fomos pela interna destinada aos pedestres.

Os companheiros ficaram radiantes ao avistarem as luxuosas instalações, infelizmente o gerente queria cobrar R$ 400,00 de cada um por apenas um pernoite e decidimos montar as barracas na praia. Depois de um banho reconfortante fomos convidados cortesmente para jantar. O Angonese não se conteve e mesmo com o dedo enfaixado pescou uma enorme bicuda (Boulengerella maculata).



AC08 – Fazenda Buritizal


Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 14 de dezembro de 2014.

31.10.2014 (sexta-feira) – AC08 (KM 375 – Ilha) – AC09 (KM 403 – Cachoeira das Três Piranhas)

A jornada foi tranquila e fizemos uma parada mais longa por volta das 12h00 em um ponto do Mapa 094 onde eu assinalara como sendo um “Areal” (09°50’18,5”S / 60°40’40,7”O) e que na verdade eram rochedos. A baixa qualidade das fotos aéreas do Google Earth não permitia, por vezes, observar os detalhes corretamente.

Continuamos nossa jornada e pouco mais de uma hora depois, a uns oito quilômetros do “Areal”, comecei a ouvir um rugido conhecido de águas revoltas. Avisei meus parceiros que iria à frente fazer um reconhecimento e piquei a voga. A série de cachoeiras (Três Piranhas – 09°47’49”S / 60°40’24”O) era formada por um pequeno arquipélago e o Rio fluía por três canais permeados de rochedos formando cinco degraus distintos e distantes de uns 50 a 100 metros uns dos outros. Verifiquei que a melhor opção era contornarmos pela margem direita. O primeiro foi facilmente transposto a remo, no segundo embora a queda não chegasse a um metro de altura optamos por conduzir as embarcações à sirga tendo em vista que as rochas poderiam danificar os cascos das mesmas. O terceiro foi transposto sem problemas pelos caiaques e ficamos observando e torcendo para que os “camaradas” o ultrapassassem, com sucesso, com sua pesada canoa. Os “camaradas” já dominavam com muita segurança a técnica de navegação da instável e pesada canoa e venceram esta etapa sem qualquer contratempo. O quarto degrau, semelhante ao primeiro, foi transposto sem qualquer dificuldade. Descuidei-me, por alguns segundos, e quase fui tragado pelo quinto e mais desafiador obstáculo de quase dois metros de altura que naquele local era formado por um intrincado labirinto de pedras aguçadas. Fiz um reconhecimento mais adiante e descobri, colado na margem direita, um local que me pareceu mais adequado a realizar a passagem à sirga de todas as embarcações. Foi com dificuldade que o vencemos depois de muito esforço e sofrer alguns arranhões e hematomas.

Embora tivéssemos percorrido apenas 28km, resolvemos acampar à jusante da Cachoeira, estávamos muito cansados depois de transpor à sirga a Cachoeira das Três Piranhas. O local era aprazível, sem barrancos, relativamente limpo, lenha à vontade e o mais importante, graças ao Angonese, saboreamos três piranhas assadas que nomearam a Cachoeira.

01.11.2014 (sábado) – AC09 (KM 403 – Cachoeira das Três Piranhas) – AC10 (KM 440 – Cachoeira)

O dia transcorreu célere e de águas calmas. Lá pelas 10h00 avistamos uma anta que saboreava, despreocupada, um barreiro (terreno salitroso onde os animais se nutrem de sal) numa barranca à margem direita do Rio. O dócil animal permitiu que eu me aproximasse para fotografá-la, o tapir aguardou, pacientemente, a chegada de todo o grupo e, depois de algum tempo, retirou-se sem pressa barranco acima.

Cheguei à Fazenda Buriti que eu referenciara no mapa. Lá encontrei dois homens que, segundo eles, tinham sido contratados para desmontar algumas benfeitorias da mesma. Eles informaram que a fazenda era de propriedade de um grupo alemão que queria deixar a floresta intacta, removendo inclusive as benfeitorias da sede da fazenda, com o objetivo de negociar créditos de carbono. Consegui algumas frutas com eles, aguardei meus parceiros chegarem e como tínhamos parado a pouco continuei logo a navegação enquanto meus parceiros resolveram, não sei por que, fotografar a fazenda. Ato temerário considerando o lugar ermo e a possibilidade daqueles homens estarem cometendo algum ato ilícito.

A Foz do Rio Branco (KM 427 – 09°38’15,9”S / 60°38’51,9”O) ficava a apenas 1.200 metros da última parada, aguardei meus amigos e como não aparecessem continuei remando até uma pequena Ilha (KM 430 – 09°37’07,2”S / 60°39’44,3”O) à frente do Porto de uma grande fazenda. Permaneci na Ilha que estava tomada por quero-queros (Vanellus chilensis) por mais de meia hora e, estranhando a demora do grupo, remei Rio acima para ver o que se passava. Depois de remar uns 500 metros avistei os três. É preciso em qualquer missão manter o foco e não consumir tempo ou energia em eventos que não sejam estritamente condizentes com os objetivos propostos, começo a achar que minhas metas e as de meus parceiros americanos são bastante diversas.

Sugeri que acampássemos por ali já que a apenas uns dez quilômetros teríamos de enfrentar uma nova Cachoeira e que seria preferível fazê-lo descansados e não no final de uma jornada. Fui com os “camaradas” fazer contato com o gerente da fazenda que nos presenteou com algumas frutas e água fresca, para minha surpresa, ao voltar, meus parceiros resolveram continuar a descida.

Cheguei à Cachoeira (KM 440 – 09°33’37,5”S / 60°36’12,1”O) por volta das 17h00 e fui, imediatamente, analisar os locais de passagem. Estava reconhecendo a margem esquerda quando os “camaradas” chegaram e pedi ao Angonese que verificasse a existência de alguma trilha naquela margem. Naveguei até o meio do Rio tentando visualizar alguma outra passagem já que a trilha na margem esquerda era inviável. Escolhi minha rota e chamei os parceiros para observarem minha passagem. Executei a passagem com o caiaque sem dificuldade mas consideramos que seria temerário tentar fazer o mesmo com a pesada canoa. Achei uma passagem à sirga a cavaleiro da margem direita e auxiliado pelos “camaradas” realizamos a difícil e dorida transposição. Solicitei autorização do Dr. Marc para transpor seu caiaque, não consegui regular o pedal do leme que tinha sido apertado com alguma ferramenta e, além disso, o remo era muito diferente do meu. O resultado é que senti dificuldade em manobrá-lo na veloz torrente e bati o casco em uma das pedras, a mesma que eu conseguira desviar, sem problemas, pilotando meu caiaque, felizmente a embarcação não sofreu nenhum dano e poupamos assim de ter de conduzir o caiaque à sirga ferindo-nos como acontecera na descida da canoa.

Tínhamos navegado 34km e transposto uma Cachoeira média. O local de acampamento à jusante da corredeira era aprazível e o fragor das águas embalou nossos sonhos.

02.11.2014 (domingo) – AC10 (KM 440 – Cachoeira) – AC11 (KM 477 – Fazenda Buritizal)

A navegação foi quase toda por rápidos, as rochas emergiam das águas e pareciam observar curiosas nossa progressão. Depois de navegar uns 10 km chegamos à outra Cachoeira (KM 450 – 09°29’38,6”S / 60°35’21,8”O), perguntei a alguns pescadores que estavam na margem esquerda se ela tinha alguma passagem e eles me informaram que os práticos cruzavam pelo lado direito sem grandes problemas – se eles passavam nos também o faríamos. Enquanto eu realizava o reconhecimento meus parceiros ficaram conversando com os pescadores. Verifiquei as duas opções possíveis, chamei meus companheiros, e lhes indiquei a mais viável. Passei primeiro mostrando que devíamos passar bem à direita e não seguir a torrente principal pois esta jogaria a embarcação sobre uma grande pedra. Desci sem mesmo colocar a saia, atirei o corpo para trás para o caiaque não mergulhar a proa, tangenciei a margem direita exatamente como pretendia e o leme deu um leve toque em uma pequena rocha, como eu previra, deixando a perigosa pedra bem à minha esquerda. Os camaradas e o Dr. Marc passaram igualmente com tranquilidade. O Dr. Marc que no primeiro dia naufragara por duas vezes enroscando-se nas galhadas meio submersas agora saia-se airosamente passando nas quedas como um legítimo veterano. Como só teríamos pela frente alguns rápidos informei aos companheiros que iria à frente para contatar o Jair Schiavi , Gerente da Fazenda Buritizal, para que ele nos auxiliasse na travessia da Cachoeira do Chuvisco, caso contrário, teríamos de realizar uma “portagem” de mais de 1.000m. O Jair Schiavi tinha sido indicado pelo Lourival, gerente da Fazenda Perautas.

Seguindo a orientação do Lourival desembarquei, na margem direita, próximo à segunda casa e segui a trilha que me conduziria rumo Norte até encontrar uma estrada. Estava quase chegando quando ouvi vozes de dois homens que ali estavam colhendo mangas. Eram amigos do Jair Schiavi e as frutas eram para os porcos dele, eles me levaram de barco até a margem oposta e me apresentaram ao Jair Schiavi. Muito falante e prestativo o Gerente da Buritizal disse que eu chegara em boa hora pois no dia seguinte ele sairia cedo para resolver alguns problemas particulares. Perguntei se ele tinha condições de nos abrigar e alimentar informando que estávamos prontos a pagar-lhe pelos serviços. Ele apenas sorriu, chamou a esposa que aquiesceu em preparar-nos o jantar. Embarquei na lancha e ele pilotou habilmente pelas estreitas passagens da Cachoeira Chuvisco. Quando chegamos ao local, aonde eu deixara o meu caiaque, meus companheiros tinham acabado de desembarcar. Carregamos na lancha do Jair Schiavi a carga da canoa e partimos céleres atrás dele, nosso anfitrião pilotava com rara habilidade. Ele foi um guia extraordinário mostrando os locais exatos por onde deveríamos passar e nos aguardando quando nos atrasávamos um pouco.

Aportamos, depois de navegar por 37 km, e levamos a bagagem estritamente necessária para dormirmos já que o Jair nos disponibilizou uma casa para o pernoite. Tomamos um bom banho com água translúcida e fomos jantar na casa do Gerente da Buritizal. Sua esposa Edna Maria de Lima Schiavi tinha preparado um verdadeiro banquete, eles nos contaram que tinham abrigado, também, os canoístas americanos Paul Schurke e Dave Freeman, além de cinco canoístas brasileiros, que realizaram uma descida de 438km pelo Rio Roosevelt em homenagem à Expedição original. Schurke e Freeman também interromperam, como nós, sua jornada na Ponte Tenente Marques mas reiniciaram, segundo o Dr. Marc, a descida na Foz do Rio Branco (KM 427), bem abaixo do KM 280 de onde partimos para executar a 2ª Fase até o Aripuanã.
O Jeffrey aproveitou para usar a internet e enviar algumas notícias. Tive de chamar a atenção dele de que já eram 23h00 e que devíamos deixar os donos da casa descansar. A dona da casa e o filho Jackson Schiavi já tinham dado visíveis sinais do adiantado da hora retirando-se da mesa e nosso anfitrião fazia força para manter os olhos abertos. Meu amigo não tinha se dado conta de que o relógio dele ainda estava com o fuso horário de Rondônia (22h00) e que não devíamos abusar das gentilezas de nossos anfitriões. No Rio Grande do Sul, permanecer na casa de alguém após as 23h00 é considerado uma indelicadeza imperdoável, não sei se nos EUA é diferente.
Na hora da partida fui com o Jackson Schiavi colher algumas laranjas e mangas. Enchemos um dos sacos com laranjas sempre tomando cuidado para que os porcos que ficavam à espreita não as roubassem. Depois fomos pegar algumas mangas, sempre seguidos pelos esfaimados suínos, descuidei-me, por um instante, e uma das porcas abocanhou um dos sacos e saiu arrastando-o espalhando as laranjas campo afora. Corremos atrás dela tentando recuperar o fruto do seu furto quando, de repente, o animal pisou na borda do saco e deu uma incrível pirueta mortal estabacando-se espetacularmente. A porca, contrariada, e amuada afastou-se grunhindo e nós conseguimos reaver a maioria das laranjas furtadas. O Angonese comentou que no Sul do país esta não era época de colher laranjas.




Estrada Maraquitã – AC08 (Ilha)


Cada torrão desta terra é sagrado para meu povo, cada folha reluzente de pinheiro, cada praia arenosa, cada véu de neblina na floresta escura, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo. A seiva que circula nas árvores carrega consigo as recordações do homem vermelho. O homem branco esquece a sua terra natal, quando – depois de morto – vai vagar por entre as estrelas. Os nossos mortos nunca esquecem esta formosa terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela é parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia – são nossos irmãos. (Cacique Seattle)

27.10.2014 (segunda-feira) – Vilhena, Ro – AC05 (KM 126 ‒ Estrada Maraquitã)

Em Vilhena, ficamos hospedados, sábado e domingo, no Hotel Colorado, e depois de nos reorganizarmos e identificarmos o ponto mais favorável para dar continuidade à nossa Expedição partimos, na segunda-feira, de Vilhena com destino à Balsa do “Condomínio Aprovale” (KM 268 desde a nascente do Roosevelt ‒ 10°40’16,3” S / 60°30’58,9”O). A viagem transcorreu sem grandes novidades até alcançarmos a TI dos Zoró, onde era intenso o movimento de caminhões carregados com toras de madeira. Observamos algumas destas toras sem a devida identificação e outras cortadas dentro da TI aguardando transporte ‒ sinais claros de exploração madeireira irregular dentro da Área Indígena. Assim como os Cinta-Larga, os Zoró barganham, sem qualquer controle suas riquezas naturais mostrando total despreocupação com o legado de seus antepassados. Certamente eles não partilham da mesma filosofia do Cacique Seattle cujas palavras encabeçam este capítulo. Felizmente ninguém nos cobrou pedágio na passagem da cancela por uma de suas Aldeias. Às margens do Roosevelt, constatamos sua pujança depois de receber seu mais poderoso afluente – o Rio Cardoso. Embora a balsa seja uma propriedade particular, bancada pelo “Condomínio Aprovale” (Associação dos Produtores Rurais do Rio Roosevelt), fomos levados cortesmente até a margem direita sem qualquer empecilho. Precisávamos de um lugar para acantonar e o balseiro nos informou que encontraríamos guarida na Serraria Madeireira Ita da Fazenda Fonte Viva que ficava a apenas 05km adiante. A Fazenda Fonte Viva faz parte de um belo projeto de desenvolvimento sustentável que explorava os recursos naturais através do manejo sustentável.

Manejo sustentável: administração da vegetação natural para a obtenção de benefícios econômicos, sociais e ambientais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo e considerando-se, cumulativa ou alternativamente, a utilização de múltiplas espécies madeireiras ou não, de múltiplos produtos e subprodutos da flora, bem como a utilização de outros bens e serviços. (Lei Federal N° 12.651, de 25.05.2012)

Para a execução do manejo florestal é necessária a elaboração de Plano Operacional Anual (POA) definindo o cronograma de atividades, os métodos de operação e manejo florestal a serem aplicados na colheita.

1ª Fase: realiza-se o inventário florestal levantando todas as árvores de valor comercial existentes numa área de exploração anual, o traçado e dimensões das estradas e pátios de estocagem, corte das árvores e arraste de toras.
2ª Fase: visa a identificação da área do projeto, dos talhões, marcação das áreas permanentes, demarcações de faixas e picadas nos talhões, árvores porta sementes, árvores de corte e árvores proibidas de corte.
3ª Fase: faz-se o cálculo do inventário florestal e o cálculo do volume comercial.
4ª Fase: compreende a segurança no trabalho e infra-estrutura do acampamento.
5ª Fase:   corresponde ao abate de árvores propriamente dito que envolve as técnicas a serem empregadas no corte, segurança dos operadores, definição das estradas e trilhas de arraste, pátios de estocagem, carregamento das toras e monitoramento da exploração florestal.

O manejo visa, então, uma exploração racional da floresta respeitando sua dinâmica natural. Ao longo do Rio Roosevelt observamos várias áreas semelhantes onde o respeito a essas técnicas vem permitindo que além da flora a fauna se reproduza abundantemente. Na serraria fomos muito bem recebidos e conseguimos um lauto jantar e um local para dormir. Conhecemos o simpático Sr. Zé Patroleiro, um paranaense cujo pai veio, como tantos, para a região depois de vender suas terras no Sul com o sonho de comprar uma gleba suficiente para ser dividida pelos futuros herdeiros. Infelizmente o sonho transformou-se em pesadelo ao ser enganado por um corretor inescrupuloso e verificar que a área da terra comprada era muito menor do que lhe anunciara o malfadado vendedor. O pai sempre se culpou pela desdita a que condenara toda a família e o desgosto foi-lhe aos poucos minando as forças e a saúde. Os filhos tiveram de procurar emprego e foi assim que o Zé transformou-se de agricultor em operador de máquinas. Mas como reza a peça de teatro de Shakespeare “All's Well That Ends Well” (Tudo está bem quando termina bem), o Zé é hoje o orgulhoso pai de uma estudante de medicina e os filhos que não quiseram continuar os estudos são como o pai operadores de máquinas. O Coronel Angonese, cuja filha Rafaela também é uma discípula de Hipócrates (o pai da medicina), sabe muito bem o custo que isso representa para um assalariado.

28.10.2014 (terça-feira) – Rio Roosevelt (KM 284) – AC06 (KM 314 – Ponte da Aprovale)

Tivemos muita dificuldade na hora de partir, a bateria do carro dos bombeiros, que estava com todo o nosso material, estava totalmente descarregada e, embora o Zé Patroleiro insistisse em que se trocassem as baterias do carro com as de sua máquina, o pessoal ficou insistindo durante muito tempo usando os cabos para dar a famosa “chupeta”. O motor só deu partida depois da troca recomendada pelo Zé, o passo seguinte foi a recolocar, novamente a bateria velha e tomar cuidado para não desligar o motor.

Percorremos uma das trilhas usada pelos pescadores para chegar até a margem direita do Rio, descarregamos as embarcações e a carga e reiniciamos nossa jornada. O Rio Roosevelt tinha agora outras características, a correnteza, a largura eram maiores, a fauna mais diversificada com a presença das belas e solitárias garças mouras (Ardea cocoi) que agora davam seu ar de graça.

As aves mais comuns em toda extensão continuavam sendo as andorinhas-de-peito-branco (Atticora tibialis), os martins-pescadores-pequenos (Chloroceryle americana) e martins-pescadores-grandes (Megaceryle torquata), os biguás (Phalacrocorax brasilianus) e os socós-boi (Tigrisoma lineatum). As araras Canindé (Ara ararauna) de vistosa coloração azul ultramarino no dorso e amarelo-dourado na parte inferior que avistamos na 1ª Fase de nossa descida (Rondônia) foram, progressivamente, substituídas aqui pelas belas Araracanga (Ara macao) de intensa coloração vermelha escarlate; asas tricolores (vermelho, amarelo na parte média e azul intenso nos extremos), rabadilha e base do rabo azul.

Aportamos, por volta das 14h00, na margem esquerda, em um aprazível lugar à montante da Ponte da Aprovale (KM 314 – 10°21’55,7”S / 60°36’14,9”O), depois de percorrer 30Km. O local era usado sistematicamente por pescadores e as áreas de acampamento e fogo já estavam praticamente prontas, bastava, apenas, uma pequena limpeza. Avistei uma família de capivaras na cabeceira da ponte, e à noite fomos visitados por um tatu. O Jeffrey como de costume, apesar de ter sido advertido, por diversas vezes, por mim e pelo Angonese para que não o fizesse, à noite, se refrescava, no Rio, ficando apenas com a cabeça de fora e desta feita afirma ter levado choque de um poraquê.

Relata o Coronel Angonese:

Na ponte, o Jeffrey foi tomar banho no Rio devido ao calor. Ficou alguns minutos n’água, quando deu um baita berro. Eu que estava arrumando meu material fui correndo até a margem para acudi-lo. Na saída ele deu outro grunhido, relatando, logo em seguida, que tinha recebido duas descargas elétricas de Poraquê. Disse que estava muito dolorido mas logo se recuperou do susto e foi deitar-se. De madrugada Jeffrey acordou com barulho perto da barraca, com a lanterna avistou um tatu passeando pelo acampamento.

29.10.2014 (quarta-feira) – AC06 (KM 314 – Ponte da Aprovale) – AC07 (KM 345 – Fazenda Bom Jardim)

Definimos como objetivo para este dia como local de acampamento a Fazenda Bom Jardim, a 31km de distância do acampamento atual. A progressão foi igualmente tranquila e só precisei reconhecer a passagem por uma Ilha (Mapa 69 – 10°28’21”S / 60°31’30”O). Ao aportar assustei um cardume de piraputangas (Brycon hilarii) e depois de realizado o reconhecimento partimos pelo braço esquerdo sem qualquer percalço.

Chegamos no nosso destino (KM 345 – 10°08’27,4”S / 60°38’55,7”O) que eu marcara no mapa como “Porto” e realmente nele estava ancorado um barco de alumínio. O aprazível recanto tinha, à sua frente, uma pequena e bela Ilha pedregosa e era, também, um local usado por pescadores, tinha mesa, bancos e grelha à nossa disposição. Como o mapa mostrava a sede de uma fazenda a apenas 1.500m de onde estávamos resolvi, depois de montar a barraca, pedir autorização ao encarregado. Na sede, encontrei o gerente, chamado Lourival, um mineiro de boa cepa, muito prestativo e falante que me levou na sua camionete de volta até o acampamento, foi uma carona muito bem vinda, já que eu estava de pés descalços.

Ele se apresentou ao pessoal, deu-nos algumas dicas do que iríamos encontrar pela frente e recomendou-nos procurar o Jair quando chegássemos à Cachoeira do Chuvisco, depois disso voltou aos seus afazeres ficando de retornar mais tarde. O Angonese achou uma tapera e um antigo pomar onde conseguimos colher algumas mangas verdes já que as maduras, ou de vez, os animais selvagens já as tinham consumido. À noite o Lourival e a esposa vieram nos convidar para ir até sua casa e, como estávamos muito cansados, somente o Jeffrey aceitou o convite visando carregar as baterias de seus equipamentos eletrônicos. Em sua casa, o Lourival, como bom mineiro, convidou o Jeffrey para degustar uma cachacinha e os dois voltaram bem mais tarde muito eufóricos e trouxeram de brinde uma garrafa d’água bem gelada que foi muito apreciada.

30.10.2014 (quinta-feira) – AC07 (KM 345 – Fazenda Bom Jardim – AC08 (KM 375 – Ilha)

Partimos por volta das 08h00. O Lourival tinha prometido vir se despedir, antes da partida, mas acho que a cachacinha noturna tinha vergado a determinação de nosso amável anfitrião. Encontramos alguns rápidos e pequenas cachoeiras pelo caminho que não obstaculizaram nossa progressão. Eu vinha acompanhando a progressão de meus companheiros até que, depois de navegarmos quase 20km, decidi ir à frente e esperá-los em um lugar mais aprazível. Aportei em uma bela Ilha (09°58’39,3”S / 60°38’11,9”O) aproveitando para esticar as pernas, hidratar-me e refrescar-me mergulhando nas límpidas águas do arenoso leito do Rio Roosevelt. Aguardei durante uma hora e como meus camaradas não aparecessem resolvi verificar se tinha acontecido algum imprevisto. Depois de remar mais de 02km Rio acima, enxerguei o trio descendo calmamente. Eu ainda não tinha assimilado que as longas paradas faziam parte da “americana” rotina da equipe. Aguardei-os e prosseguimos juntos passando pela aprazível Ilha em que eu tinha feito meu alto-horário, pela Foz do pequeno Igarapé Santa Maria (09°58’05,73”S / 60°37’51,4”O), situada à margem direita, e aportamos na praia de uma Ilha (09°57’34,0”S / 60°39’18,8”O) a exatos  30km do acampamento anterior. O local apresentava vestígios de estar sendo usado sistematicamente por pescadores que ali estacionavam e estavam massacrando em lenta agonia a mais bela e frondosa árvore da Ilha fazendo fogo junto às suas raízes. O Angonese, como de costume, foi tentar a sorte na pescaria enquanto aprontávamos o acampamento.




Os Cinta-Larga


Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 08 de dezembro de 2014.

O grupo, originalmente, usava uma larga faixa confeccionada da entrecasca de tauari (Couratari spp) que lhes cingia a cintura e, por isso, os regionais passaram a denominá-los Cinta-Larga codinome que foi adotado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Na verdade sob a denominação de Cinta-Larga foram aglutinados três grupos distintos, que possuem língua e cultura semelhantes, autodenominados Kabã, Kakin e Mã.

As Terras Indígenas (TI) Cinta-Larga, Zoró e Suruí estão inseridas no Parque Indígena (PI) Aripuanã localizado no Leste do Estado de Rondônia e Noroeste do Mato Grosso somando uma área total de aproximadamente 2,8 milhões de hectares. A FUNAI criou, no último decênio do século XX, quatro TI adjacentes dentro do território ocupado pelos Cinta-Larga – PI Aripuanã, Área Indígena (AI) Roosevelt, AI Serra Morena e AI Aripuanã cuja população está distribuída em 33 aldeamentos.

Questão Cinta-Larga

Até o final dos anos 1960, os Cinta Larga, ocupavam (e dominavam) uma área de 4,5 milhões de hectares entre os Rios Roosevelt e Aripuanã, repleto de riquezas historicamente exploradas por seu valor de mercado: primeiro como uma província seringueira, depois mineral, depois madeireira e hoje ambas. Foi com seringueiros e garimpeiros que invadiram seu território que os Cinta-Larga contataram os “zaryj” (civilizados), em uma região pródiga em borracha, ouro, diamante e madeiras nobres.

Os Cinta-Larga observaram que esses inimigos tinham as cobiçadas ferramentas de metal, sobretudo machados e terçados (facões), já que no começo desprezavam e não viam utilidade nas espingardas. Justamente aí tem início a “Questão Cinta-Larga”, na divulgação regional e nacional das riquezas minerais em suas terras e da sua antropofagia, noticiadas na imprensa nos anos 1960. A FUNAI somente chegaria à região após essas notícias, alguns anos depois de a maioria dos grupos locais Cinta-Larga do Aripuanã e do Roosevelt terem contatado garimpeiros e visitado a estação telegráfica de Vilhena.

As primeiras ações desses funcionários foram justamente as de expulsar os “amigos garimpeiros” e tomar o lugar deles, inclusive instalando-se em suas casas, dando aos Cinta-Larga as tão desejadas ferramentas – além de remédios e sementes. Os funcionários do órgão indigenista (FUNAI) passaram, pouco depois, a organizar a vida aldeã, convocando os Cinta-Larga para o trabalho na roça, corte de seringa e outras atividades cotidianas, de modo a concorrer com o próprio “zapivaj”, como é chamado o chefe da aldeia.

No fim dos anos 1980, críticas e ameaças contra a “mesquinhez” da FUNAI se tornaram regra entre os Cinta Larga que foram sendo transformadas em indiferença ao longo desta última década. Por essa razão, os Cinta-Larga substituíram a FUNAI pelos “amigos madeireiros”, os novos doadores de ferramentas – e moradias, estradas e Toyotas e L200. Quando a FUNAI deixou de se comportar “no registro de zapivaj”, deixando de concorrer com os verdadeiros donos da casa, tudo voltou como antes na ordem sociopolítica Cinta-Larga.

Assim, a iniciativa dos contratos de madeira, se no começo dessa atividade (1986-1988) passava pelos funcionários da FUNAI, foi completamente assumida pelos “zapivaj” de todas as aldeias quando esses funcionários foram afastados e aqueles que entraram tinham como postura predominante o “não se meter”. “Liberar” a exploração de madeira ou garimpo para “pegar dinheiro”, visando atender suas necessidades atuais de bens e serviços (como moradias, saúde, educação) – dado que a FUNAI, falida, não os propicia, “como no começo fazia” – passou a ser a regra dominante da economia política dos Cinta Larga. (BETO & FANY)

Progressivamente a cobiça desenfreada pelos recursos naturais na TI Cinta-Larga passou a contar com a participação efetiva e ostensiva de funcionários da FUNAI que contavam com o beneplácito dos mais altos escalões do órgão pseudo-indigenista. As máfias ligadas à exploração madeireira e garimpo passaram a fazer uso de “contratos” estabelecendo como moeda de troca com os líderes indígenas corruptos e corruptores, todo o tipo de mercadorias, caminhonetes e dinheiro vivo ‒ fruto da participação nos “lucros” que pretensamente dariam respaldo às invasões e demais atos ilícitos. Desde então o patrimônio cultural, moral e natural dos Cinta-Larga foi sendo sistematicamente dilapidado.

Os Kimberlitos da TI Cinta-Larga

Lá está a riqueza que os estrangeiros e os políticos querem tirar do meu povo. Tudo o que saiu é pouco. Os garimpeiros estão somente arranhando a rocha maior (kimberlito), abaixo do igarapé, onde está o grosso do diamante”.

(Tataré Cinta-Larga – Isto É, Edição: 1731, 05.12.2002)


Os kimberlitos são a mais importante fonte de diamantes e sua existência só foi comprovada nos idos de 1866. Kimberlito é uma homenagem a Kimberly, na África do Sul, onde a existência destas miraculosas chaminés foi comprovada pela primeira vez.

A maioria dos diamantes que encontramos hoje formaram-se há milhões de anos e violentas erupções de magma trouxeram-nos até a superfície através das chaminés de kimberlito. Estas chaminés foram criadas à medida que o magma emergia pelas mais profundas fissuras da Terra empurrando os diamantes e outros minerais para a superfície da crosta terrestre. Após o magma esfriar ele deixava atrás de si as características veias cônicas da rocha de kimberlito.

Embora alguns de nossos mais ilustres magistrados manifestem-se contrários à exploração mineral nas TI os caciques Cinta-Larga continuam zombando da Lei e gerindo suas terras como se não fizessem parte de nosso País. A prepotência se deve simplesmente à ausência de medidas coercitivas que os atinjam, a morte de centenas de garimpeiros, a ingerência até mesmo em terras que não lhes pertencem, os “contratos” permitindo o garimpo e a exploração madeireira atentam contra tudo e contra todos.

Filhos da Terra, 15.07.2014 – Redação 24 Horas News

Extração de diamantes em terra indígena em MT atrai conflitos e mortes, ladrões, prostitutas e contrabandistas.

A partir de agora, devem ser cancelados os requerimentos para realização de pesquisa mineral em terras indígenas da comunidade Cinta-Larga e no seu entorno, conforme decisão obtida pelo Ministério Público Federal (MPF) junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). No dia 1º de julho, o Superior Tribunal de Justiça concedeu liminar para retirar efeito suspensivo que impedia a decisão do TRF1 de ser cumprida. Desde a ação civil pública em primeira instância, o MPF demonstrou que as pesquisas e lavras autorizadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) no interior da terra indígena têm servido para aumentar a criminalidade na área.

Relatório da Polícia Federal (PF) citado nas peças do MPF assinala os conflitos gerados entre garimpeiros, minerados e indígenas por causa da comercialização ilícita de diamantes extraídos nas terras ocupadas pelos índios Cinta Larga, com produção avaliada em torno de US$ 20 milhões mensais. Segundo apuração da PF em Rondônia, a vida dos contrabandistas tem sido facilitada pela concessão de licenças de pesquisas minerais próximas às áreas indígenas pelo DNPM e “a presença de mineradoras nas áreas circunvizinhas às terras indígenas fomenta o contrabando e o crime organizado que atua contrariamente aos interesses indígenas”.

A área indígena dos Cinta-Larga possui um raro kimberlito – rocha vulcânica onde é encontrado o diamante – que, segundo estudo da Companhia de Pesquisa e Recursos Minerais, órgão do Ministério das Minas e Energia, é único no país, podendo gerar uma mina industrial de diamante de gema com capacidade para produzir, no mínimo, um milhão de quilates de pedras preciosas por ano.

Além disso, a exploração atrai ladrões de pedras, prostitutas e traficantes para a região. Já provocou a morte de pelo menos cem garimpeiros, índios e contrabandistas nos últimos dois anos, e é responsável por sérios danos ambientais, tais como o assoreamento do Rio Roosevelt. (...)

Certamente será mais uma Lei que não será cumprida, parece-me que teríamos de começar encarcerando as autoridades do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que autorizaram este tipo de pesquisa e lavra.

Fonte: BETO & FANY, Beto Ricardo & Fany Ricardo. Povos indígenas no Brasil, 2006/2010– Brasil – São Paulo – Pancrom Indústria Gráfica, 2011.