MAPA

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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Projeto Desafiando o Rio-Mar: Fonte Boa/Tamaniquá

Projeto Desafiando o Rio-Mar: Fonte Boa/Tamaniquá

"Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Polícia Militar de Fonte Boa

Desde nosso contato com Coronel Rômulo, comandante do Policiamento do Interior, os policiais militares do Amazonas foram incansáveis em nos apoiar no transporte de material e contato com autoridades locais. Gostaríamos de deixar registrado o profissionalismo, a urbanidade e a atenção com que nos trataram os policiais de São Paulo de Olivença, Amaturá, Santo Antônio do Içá, Tonantins e Jutaí. Realmente, Fonte Boa foi uma exceção à regra; o descaso e a falta de apoio por parte do comandante do destacamento não são compatíveis com as tradições da instituição que deveria representar.

Largada para Tamanaquá

O senhor José Antonio, do Hotel Eliana, suprindo a falta da Polícia Militar, conduziu-nos, gentilmente, até o Frigorífico Pescador. Partimos por volta das 8h, depois de agradecer o apoio do senhor Sabá Franco, administrador do frigorífico e paramos duas vezes antes de chegar às proximidades da foz do Juruá.

Foz do Juruá

Na segunda parada, por volta das 11h35min, verifiquei a enorme discordância da carta com o terreno em relação à margem direita do Solimões perto da foz com o Juruá. Já acostumado com os devaneios deste rio errante, concluí que toda ilha à margem esquerda do Juruá tinha sido violentada pela fúria do rio-mar na sua ânsia de remodelar o relevo a seu bel prazer. A transformação criou um delta na foz do Juruá. A dilapidada ilha da inocência, à jusante da foz, talvez venha a se transformar num ícone da perda da inocência do rebelde rio-menino.

Nova Matusalém

Na foz do Juruá, parei para tirar algumas fotos, que foram prejudicadas, porém, pela altura da vegetação. Na margem direita da foz, aportamos no local denominado pelas cartas como Porto Colombiano, mas chamado pelos populares ribeirinhos como Nova Matusalém. Fomos impedidos de pernoitar, tendo em vista que o presidente e o vice-presidente da comunidade se encontravam ausentes. Pela primeira vez nos foi recusado abrigo no Amazonas.

Tamaniquá

Partimos para Tamaniquá, que podia ser avistada no horizonte a uns sete quilômetros. Tamaniquá é a cidade natal do amigo Sabá Franco. Sabá havia recomendado que procurássemos o Flutuante do Ribeiro. O nosso dia, que começara mal com o “calote na recepção” por parte da polícia militar de Fonte Boa e continuara assim com a falta de hospitalidade da comunidade nova Matusalém, consagrou-se com o descaso do Ribeiro.

Professor Emanuel Carvalho

Fomos até a escolinha local, onde encontramos o gestor Emanuel. O professor foi extremamente educado e receptivo, acolhendo-nos em uma de suas salas de aula onde permitiu que acampássemos.

Amigo Chico

Descarregamos o material na sala de aula e fomos, imediatamente, tomar um banho no rio. Revigorados, fomos degustar os saborosos 'dindins' (sacolés) da D. Maria, esposa do Chico. Quase acabamos com o estoque da casa. Contratamos o Chico para nos levar, de rabeta, até uma comunidade indígena, Kulina, às margens do Juruá. Terminado o pequeno lanche, saímos pela comunidade para fotografar.

Pernoite

Para nos livrarmos dos mosquitos, dormimos na barraca montada dentro da sala de aula, livre dos mosquitos, mas não do calor. O gerador desliga às 23h e, a partir daí, foi difícil conciliar o sono em decorrência do calor com os latidos de cães à noite toda.

Ritmo Amazônico

O Chico, como bom caboclo, deixou tudo para a última hora: preparação do barco e compra de combustível, talvez para não fugir à regra ou talvez querendo nos adaptar ao 'ritmo amazônico de fazer as coisas'.

Visita ao Juruá

Atalhando por um Paraná, dois furos e um lago, chegamos à comunidade. O percurso se reveste de uma beleza sem igual. Longe da impetuosidade dos grandes mananciais, estas artérias têm um ritmo dolente; o motor de 6,5 Hp nos impulsiona com vagar, permitindo admirar a natureza ao redor.

Mário Quintana

Perguntaria, intrigado, o leitor, como recordar Mario Quintana, um poeta da cidade, no coração da selva hostil. A lembrança nos veio ao avistar os formidáveis colossos arbóreos tombados junto às margens. Troncos e galhos desfolhados e esbranquiçados pelo tempo imitavam a agonia das 'mãos de enterrados vivos' do Quintana.

Evolução das espécies

Lembrar Charles Darwin talvez seja mais racional ao divagarmos sobre a adaptação da Amazônica Biodiversidade. As árvores tombam com facilidade porque as raízes que as sustentam são por demais superficiais. O solo pobre não estimula a que procurem nutrientes, aprofundando suas raízes. Algumas árvores, porém, mais sábias, mais adaptadas ou evoluídas, utilizam de verdadeiros estais para procurar manter sua estabilidade, que na região são chamados de sapopemas.

Comunidade Kulina

Entrevistamos o cacique Francisco e fotografamos diversas crianças da comunidade. O cacique é o único professor e ministra aula do primeiro ao quarto ano. Algumas mães nos procuraram para que seus filhos fossem fotografados. Os kulina formam um grupo de pouco mais de 700 membros e ainda preservam sua língua e cultura. A falta de apoio por falta da prefeitura de Juruá ficou patente no pronunciamento do cacique.

Retorno

Na maior parte do tempo enfrentamos chuva e um 'banzeiro', vencido com facilidade pela destreza do Chico. Somente na foz do Juruá, onde eu pretendia tirar umas fotos, a chuva deu uma pequena trégua. O Romeu preparou um arroz com sardinha e enquanto descansava, preparando-se para a aula de canoagem para a gurizada, eu consegui com o professor Emanuel autorização para utilizar o computador, descarregar as fotos (mais de cem) e escrever este artigo.

Resolvi que os próximo artigos - como serão todos produzidos na reserva Mamirauá, quando ocuparemos os quatro flutuantes do Instituto, antes de chegar a Tefé - serão compilados em um único documento. Estamos ansiosos e esperando que o apoio por parte do Exército em Tefé seja total, já que as Prefeituras, com as quais não tínhamos maiores vínculos, não pouparam esforços em nos agradar.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Projeto Rio-Mar: Jutaí – Fonte Boa

Projeto Rio-Mar: Jutaí – Fonte Boa
“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

- Lauri Corso

O Romeu conheceu o gaúcho Lauri, apaixonado pela terra amazônica, funcionário do IBAMA, que agora faz parte de um grupo que coordena os trabalhos na Reserva extrativista de Jutaí. Jantamos no Restaurante Natureza, o Lauri contou sua experiência de vida e discorremos sobre temas ligados ao seu trabalho. Depois do jantar, fui até sua casa onde me mostrou sua bota de fibra de vidro, ainda em desenvolvimento, para evitar picadas de cobra.

- Largada para o Flutuante do Orlaney

Acordamos às 5h do dia 18 de dezembro e nossos amigos da Polícia Militar nos auxiliaram no carregamento do material dos caiaques. Passamos na casa do Lauri, que tinha prometido documentar nossa saída, e nos dirigimos ao Flutuante do Daniel, onde aportáramos nossos caiaques. Depois que nos ajudou a carregar a tralha, Lauri resolveu experimentar a navegação nas nossas embarcações. Tiramos algumas fotos e partimos por volta das 6h30min.

- Primeira Parada

Remamos num ritmo forte e cadenciado, aproveitando a correnteza superior a 10 Km/h que nos permitiu desenvolver uma velocidade de 15 km/h. Depois de pouco mais de duas horas de navegação, paramos na margem oeste da Ilha da Guarida, próximo à casa de um ribeirinho. A viagem não apresentara, até então, nenhum fato relevante, nenhum golfinho, apenas um Tucanuçú sobrevoando a copa das árvores e o som dos pássaros saudando a alvorada. Para quebrar a monotonia e abrandar a saudade dos pampas passei a declamar, para mim mesmo, as poesias do augusto poeta do Rio Grande, Jaime Caetano Braum (Galo de Rinha, Amargo, Galpão de Estância, Quero-Quero, Negrinho do Pastoreio e Adaga).

- Segunda Parada

A Ilha da Guarida, em comparação com as fotografias do Google Earth, havia estendido um pouco sua extremidade de jusante e ao contorná-la nos deparamos diretamente com a entrada do furo Aramanduba. A meio curso do furo, por volta das 10h, paramos numa bela praia de areias muito brancas. Segundo meus cálculos, estávamos apenas há uns 6 Km do Flutuante de destino. Caminhei ao longo da praia procurando relaxar a musculatura e tirar algumas fotos daquela natureza pujante.

- Flutuante Oderley

Chegamos ao flutuante do Orlaney que leva o nome do filho Oderley, que morrera afogado há algum tempo. Fomos recebidos com a costumeira cortesia e, em seguida, convidados para degustar um saboroso peixe liso (peixe de couro). Após o almoço, tomamos as medidas de praxe e montamos a barraca no flutuante. A montagem em terra iria nos atrasar na saída. O Orlaney estava envolvido na colocação do forro do flutuante, buscando solucionar o problema do calor provocado pelo telhado de zinco e os mosquitos que infestam a região (carapanãs, miruins e piuns).

- Canoagem

Por volta das 17h, o Romeu iniciou as aulas de canoagem com o Orlaney e filhos. Foi um acontecimento único para aquelas crianças ilhadas em um flutuante nos confins da Amazônia. Novamente ficamos impressionados com a destreza daquelas criaturinhas ‘anfíbias’. O equilíbrio e a facilidade com que aprendem a manejar o remo duplo do caiaque são impressionantes.

- Heróis Anônimos

É estranho verificar que estas pessoas, que vivem em condições tão adversas nos confins da floresta, achem nossa aventura um desafio de titãs. Heróis anônimos, titãs da terra das águas são eles que, apesar de enfrentar todos os rigores de uma natureza hostil, não se dobram, não esmorecem. As políticas públicas, tão benevolentes com a população indígena, subsidiadas por capitais estrangeiros, não os atinge. Sobrevivem graças à sua estirpe heróica e viril e a sua capacidade de trabalhar em regime de mutirões dentro da mais legítima convivência cristã. Em conjunto, irmanados pela mesma determinação de seus antepassados, enfrentam todo tipo de adversidade imposta pela selva e pelas águas. Queremos deixar aqui registrado o nosso preito de admiração e respeito pela população ribeirinha do Solimões que, apesar de possuir tão poucos bens, nos apóia quando aportamos em suas pequenas aldeias, numa prova irrefutável do espírito cristão que os anima.

- Luz Elétrica

O flutuante possui um pequeno gerador a gás que funciona do entardecer até o final da novela preferida da dona da casa e de seus filhos. Jantamos, desta vez um tambaqui e, depois de assistir o jornal, nos recolhemos, pois pretendíamos sair antes do alvorecer.

- Largada para a Fonte Boa

Não foi uma noite repousante. Os mosquitos zumbiam do lado de fora da barraca sem nos incomodar, em compensação, os holofotes dos ‘motores’ que passavam nos focaram a noite inteira. Parece que os vigias dessas embarcações estavam mais preocupados em vislumbrar as intimidades dos ribeirinhos do que se precaver de embarcações ou troncos que venham em rota de colisão.

Partimos às 5h15min do dia 19 de dezembro e, sem muita dificuldade, apesar das nuvens que bloqueavam a luz das estrelas e da lua que nascera há pouco mais de 2 horas, conseguimos achar a entrada do furo Tarara. O Tarara é tortuoso e lento e levamos mais de 2 horas para percorrê-lo. O ritmo que imprimíamos era cadenciado, pois tínhamos plena consciência de que os quase 70 Km que nos separavam de Fonte Boa exigiriam muito de nossas forças.

- Primeira Parada

A primeira parada às 7h30min, na confluência do Tarará com o Solimões, foi rápida em virtude da ofensiva dos carapanãs. Só cessaram o ataque quando fiz uso do mau-cheiroso sabonete de alcatrão doado pelo amigo Oscar Luís.

- Alterando a Rota

A partir desse ponto, o rio inflete para o sul numa grande alça. O amigo Antonio Carlos, em Jutaí, havia nos aconselhado a manter a margem direita para evitar erros de percurso. Seguir a orientação facilitaria a navegação em virtude das ilhas existentes na ponta sul da península, mas, em compensação, aumentaria o percurso em aproximadamente 7 km, um luxo que eu não estava em condições de negociar. As pequenas ilhas com vegetação eram representadas bastantes desatualizadas pelo mapa do Google Earth como enormes bancos de areia.

- Segunda Parada

Avistamos a primeira ilha próxima à ponta, na margem esquerda do rio e aportamos numa magnífica e extensa praia. Estiquei as pernas fazendo uma boa caminhada e tirando algumas fotos dos enormes troncos arrastados para aqueles bancos na época das cheias numa fantástica demonstração de força.

- Chuva Amazônica

Partimos com chuva e decidi, mesmo assim, manter a rota alternativa, para ganhar tempo. Diminuímos a distância entre os caiaques e me aproximei das margens das ilhas por causa da baixa visibilidade. Adaptei novamente o percurso, buscando uma ilha que me permitisse continuar comparando a fotografia aérea com o terreno, embora isso fizesse aumentar um pouco o percurso.

- Dinâmica da Natureza

Era impressionante verificar que os enormes bancos de areia reproduzidos nas fotos haviam se transformado em ilhas de vegetação luxuriante. Precisei viajar no tempo para poder comparar a foto com o terreno. A predominância de imbaúbas nessas ilhas era a prova de que eu precisava de sua formação recente. As ilhas haviam, também, estendido significativamente suas porções terrestres à jusante da correnteza e com muita imaginação conseguimos, sem maiores problemas, chegar ao furo Cajaraí.

- Frigorífico Pescador

No extremo norte do Cajaraí ancoramos no Frigorífico Pescador. Imediatamente, procuramos o administrador senhor Sabá Franco, indicado pelo amigo Álvaro Cabral, de Tonantins, como um contato importante em Fonte Boa. O Romeu navegou com uma das funcionárias do frigorífico pelo Furo Cajaraí e depois fomos almoçar um tucunaré cortesmente oferecido pelo Sr. Sabá. Sabá fez um contato, a meu pedido, com a dona do Hotel Eliana que assegurou um razoável desconto na diária.

- Polícia Militar

Fizemos, como de praxe, contato com a Polícia Militar para levar nosso material até o hotel e tivemos uma desagradável surpresa ao chegar ao nosso destino. O carro era um táxi que cobrou 15 reais pela corrida.

- Rádio Cabloca FM

Depois do banho, saímos para tomar um sorvete e procurar a rádio da cidade onde concedemos uma prévia da entrevista agendada para as doze horas do dia seguinte. Logo após o Romeu foi estabelecer alguns contatos telefônicos e eu fui até a única lan house da cidade. Iniciei o upload dos arquivos e concomitantemente conversei com minhas filhas Vanessa e Danielle e os amigos Araújo e Rosangela, quando sobreveio um Black out. Fui, então, para o hotel arrumar meus pertences e me preparar para o dia seguinte.

- Novo Black-Out

Acordamos ainda com falta de luz, redigi o artigo enquanto aguardava a volta da energia e o Romeu foi até o frigorífico dar aulas de canoagem para o filho do Sabá, o menino João. Deixei o computador da lan house reservado, subindo as fotos e, às 11h45min, fui até a Rádio Cabocla FM. Novamente a ‘comunicação’ amazônica estava presente. Fomos informados que aquele horário era evangélico e que só à uma hora da tarde seria possível. Fiz os contatos necessários e deixei um aviso para o Romeu no hotel e voltei para a lan house. Como passei o dia inteiro envolvido com a atualização dos artigos e uploads das fotos, o Romeu fez uma bela entrevista na Rádio local, que durou mais de uma hora. Por volta das 17h fui até o Hotel Eliana para almoçar. Embora tenha permanecido sentado o dia todo, estou cansado, pois esqueci de me alimentar até agora. A refeição foi ótima, pirarucu com arroz e feijão.

- Tour em Fonte Boa

Contratei um moto-táxi e saímos para fotografar a cidade e arredores. A cidade é nova, sua arquitetura histórica foi toda perdida, pois na década de 70 toda a parte antiga foi arrasada pelo Solimões. Às dez horas me dirigi à casa do professor Humberto Ferreira Lisboa, autor do livro ‘Fonte Boa – chão de heróis e fanáticos’, que concedeu uma entrevista bastante interessante. Discorremos sobre diversos assuntos relativos à história e geografia da região e, em seguida, dirigi-me à lan house.

‘Inconstância Tumultuária’ do Solimões

‘Inconstância Tumultuária’ do Solimões

“A inconstância tumultuária do rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou arrojando-se à ventura em repentinos atalhos. ... ou vai, noutros pontos, em furos inopinados, afluir nos seus grandes afluentes, tornando-se ilogicamente tributário dos próprios tributários: sempre desordenado, e revolto, e vacilante, destruindo e construindo, reconstruindo e devastando, apagando numa hora o que erigiu em decênios - com a ânsia, com a tortura, com o exaspero de monstruoso artista incontentável a retocar, a refazer e a recomeçar perpetuamente um quadro indefinido...” (Euclides da Cunha)

- Sidarta (Hermann Hesse)

O autor nos reporta as experiências de um jovem brâmane em eterna busca pelo conhecimento e a luz. Abandonando a casa paterna, Sidarta iniciou sua jornada na companhia dos Samanas. Três anos se passaram e Sidarta verificou que vida samana era uma forma de fugir da vida e do eu e os abandonou. Seguindo sua busca, Sidarta se tornou discípulo do Buda. Algum tempo depois, porém, ele se convenceu de que a iluminação não podia ser alcançada por doutrinas, só por vivência, e que a experiência da iluminação era impossível de ser descrita. Resolveu seguir seu próprio caminho sem nenhuma doutrina, nenhum mestre, até alcançar a redenção ou morrer. Atraído pela beleza e sensualidade da cortesã Kamala, se entregou de corpo e alma aos prazeres mundanos até que, arrependido, se deu conta de que tudo “causavam-lhe asco a sua própria pessoa, os cabelos perfumados, o bafo de vinho que sua boca exalava, a flacidez e o mal-estar de sua pele.”

Depois de pensar, inclusive, em suicidar-se, encontrou a paz, o conhecimento divino e se tornou um ser de luz através de um homem simples, um balseiro que lhe reportou os mistérios da vida aprendidos no levar constante de pessoas de uma margem à outra e nos conhecimentos adquiridos com o irmão rio.

- O Mestre Rio

Depois de navegar algumas centenas de quilômetros observando, ora a generosidade plena deste manancial de água doce, ora seu poder de promover profundas mudanças na geografia da terra, nós começamos a entender-lhe o espírito. Sua generosidade se manifesta na oferta de pescado farto e de boa qualidade aos ribeirinhos, como via de acesso aos mais inóspitos rincões, na fertilização das várzeas que por ocasião da vazante propiciam o plantio fácil e colheita abundante.

Sua força, seu poder destruidor estão presentes nas barrancas solapadas pela corrente voraz e na vegetação arrastada violentamente para outras plagas. Sua arrogância é capaz de destruir em poucos meses ilhas que levou anos para formar, de alterar os canais abandonando cursos já consagrados para experimentar novos rumos por puro capricho. É a ‘inconstância tumultuária’ do rio adolescente relatada por Euclides da Cunha.

O rio, cujo avô formidável corria para o Pacífico nas priscas eras da Pangea, teve como pai o ‘Mar Pebas’, quando os continentes se separaram e suas águas foram barradas pela Cordilheira dos Andes que se formou.

Talvez o Solimões, herdeiro destes extraordinários colossos, queira mostrar ao mundo sua força e o faz afrontando tudo à sua volta, provocando alterações profundas na natureza e na vida dos ribeirinhos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Rio-Mar - Tonantins/Jutaí

Rio-Mar - Tonantins/Jutaí

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
- Véspera da largada

O Romeu fez contato com o professor Cristovão, diretor da Escola Estadual Irmã Terezinha, que nos autorizou a utilizar a internet da escola para subir os arquivos de imagem e de áudio. Deslocamos-nos para a escola por diversas vezes para esse fim, interrompendo o jantar e o agradável bate-papo com os donos do bar e restaurante Dona Ray, Sr. Raimundo e sua querida esposa Raimunda e o dileto amigo Sr. Álvaro Cabral e esposa. O Raimundo, um mestre contador de histórias, esmerou-se em desfiar um longo repertório de piadas com matizes regionais. Com o amigo Cabral, discorremos sobre a questão indígena, abordando, dentre outros temas a polêmica questão da demarcação contínua da Raposa e Serra do Sol em que nossos magistrados do Supremo Tribuna Federal deram, mais uma vez, sobejas demonstrações de que estão submissos às pressões de organizações estrangeiras e totalmente alheios aos interesses nacionais. O voto dos magistrados demonstra sua total ignorância sobre a história da demarcação e da manipulação criminosa dos dados e da realidade pelos técnicos encarregados que contavam com o beneplácito da FUNAI, totalmente submissa a interesses alienígenas. Graças ao professor Cristovão, consegui enviar todo o material relativo ao projeto até nossa parada em Santo Antonio do Içá. Na primeira oportunidade, talvez em Jutaí, enviarei os arquivos de Tonantins em diante.

- Café da manhã frustrado

Às 5h20min do dia 14 de dezembro, quando pedimos para abrir as portas do Hotel Garcia, os Policiais Militares já estavam a postos para carregar o material até os caiaques. Deixamos os caiaques em condições e fomos até o restaurante da Ray, que nos prometera um café antes da partida. Aguardamos por 20 minutos e como não verificássemos nenhuma movimentação, decidimos partir sem o café prometido. Meu relógio de pulso parou e vou ter de utilizar a hora do GPS doravante.

- Alterações na programação

As inúmeras incorreções na localização de comunidades e nome das mesmas nos fizeram alterar nosso deslocamento até Jutaí. A previsão inicial era de três paradas e agora planejamos para apenas duas e aumentamos em um dia nossa permanência em Jutaí.




- Largada para Prosperidade

Largamos às 6h20min com uma chuvinha fina caindo e uma agradável temperatura de 22º C. Fizemos a primeira parada às 8h e a segunda às 10h já no extremo sul da ilha, em frente à comunidade indígena Prosperidade, da etnia Cocama.

- Prosperidade

Apresentamos-nos, como é de praxe, imediatamente ao cacique Salim, que embora seja um homem sério e de poucas palavras, franqueou-nos as instalações da Escola Municipal. O Romeu improvisou um almoço com sardinha em lata e farinha e deitamos um pouco para recuperar as energias, aguardando o cacique Almir, mais conhecido como Pacú.

- Professor Romeu

O Romeu instou os amigos indígenas a andar de caiaque. O seu Rui deu um show de habilidade desembarcando com desembaraço, de pé, ao chegar à margem. O Antonio, filho do cacique Almir, obsequiou-nos com um Matrinxã acompanhado de arroz e farinha, que foi degustado com muito prazer. Ao anoitecer, novamente nos trouxe um café à base de ‘beijus’. Retribuímos a gentileza com uma camiseta do projeto e um saco de alimento não perecível.

- Cacique Almir

O cacique chegou junto com os carapanãs que o Sr Rui nos informara que eram poucos. A noção de quantidade do amigo Rui é bastante questionável. Nunca havíamos enfrentado tamanha quantidade de insetos. O cacique é um homem lúcido, inteligente e preocupado com as questões que afetam sua comunidade. Presenteou-nos com algumas velas, já que Prosperidade não possui energia elétrica. O telhado da escolinha não possuía forro e os carapanãs kamikazes zuniam sobre nós sem respeitar o ‘Boa noite’ aceso pelo Romeu e as camadas de repelente que passáramos pelo corpo.

- Café da manhã com o cacique

Tomamos o café da manhã com o cacique e partimos em direção à comunidade de Jerusalém. Tinha chovido muito à noite e a manhã estava fresca e nublada, ideal para a navegação.

- Furo Urutuba

Antes de chegarmos ao Furo, o Romeu resolveu pescar um pouco e conseguimos apanhar apenas dois bodós (cascudos). Fomos acompanhados à retaguarda por um enorme boto cor-de-rosa. Chegamos ao extremo oeste do furo por volta das 12h. Segundo informações obtidas em Tonantins, procuramos Jerusalém no extremo oeste. Sem sucesso, avistamos ao longe, rio abaixo, uma comunidade e nos dirigimos a ela. Um enorme bando de botos tucuxis nos acompanhou com alegres volteios até a comunidade, que, mais tarde, constatamos se tratar de Porto Alegre.

- Porto Alegre

Depois de contatarmos o presidente da comunidade, fomos autorizados a ocupar o Centro Cívico. O Romeu preparou um miojo com farinha, montamos a barraca e o Romeu, novamente, dedicou-se a ensinar as crianças na arte de dominar a técnica de remada nos caiaques.

- Alças invertidas

Partimos de manhã às 6h05min e nos preparamos para enfrentar dificuldades adicionais na orientação. No trajeto que iríamos percorrer, o rio apresentava duas grandes alças como um enorme ‘m’ visto do espaço. Sabíamos que esse tipo de traçado, mais que qualquer outro, significava que o rio mostrava sua ‘inconstância tumultuária’. Os furos se transformam em canais principais e estes por sua vez em trechos assoreados e imprestáveis à navegação, áreas de praia em ilhas e ilhas arrasadas pela força formidável do colossal Solimões. Apesar das dificuldades, conseguimos progredir com sucesso, ora comparando o terreno com os mapas, ora seguindo apenas o instinto e o bom senso aliados a um conhecimento da geografia de um rio em constante mudança.

- Chegando à Jutaí

Em Jutaí, nos dirigimos diretamente ao flutuante do Daniel, como já tinham aconselhado alguns amigos. Nossa recepção, apesar da ausência do Daniel, em tratamento em Manaus, não poderia ser mais cordial. Autorizaram-nos a desembarcar no flutuante e nos convidaram para o almoço. Eles próprios entraram em contato com os policiais militares e nos auxiliaram a carregar o material até a viatura que nos deixou no Tuchaua Palace Hotel. Quando estava escrevendo este artigo, recebi a notícia que o prefeito eleito de Tonantins, que tão gentilmente hipotecara-nos seu apoio, faleceu em um ‘acidente’ logo após sua diplomação, quando se dirigia de voadeira para santo Antonio do Içá.

- Paulo Coelho

De manhã, 17 de dezembro, respondi a alguns e-mails, e fomos até o flutuante do Daniel cumprimentar nossos amigos. A Silvana ligou para o Paulo Coelho e ele ficou de nos receber. Paulo é acostumado a este tipo de tratativas e não se furtou a nos relatar toda sua incrível história de vida. Fomos até o seu sítio, onde cria animais exóticos, peixes como o tambaqui e o pirarucu em lagos ornados por açaís e buritis e diversos locais encantadores para lazer. No local mais alto, contemplando sua magnífica obra, iniciamos a entrevista. Nascido no Espírito Santo, filho de uma família muito religiosa, era considerado a ovelha negra da família. Envolveu-se com a droga e por fim rumou para o norte do país em busca de garimpos. O lucro da faina diária era consumido à noite com drogas, até que um dia resolveu mudar e se tornou um próspero empresário muito bem quisto pela comunidade local. Seu sítio é palco de comemorações locais e Paulo só tem uma cobrança: de que no final dos eventos tudo esteja limpo e arrumado.
O jovem empresário nos levou até o melhor restaurante de Jutaí, restaurante Natureza, com sua magnífica vista para o encontro das águas do rio Solimões com o Jutaí e depois deixou o Romeu no Hotel e eu em uma Lan House. Paulão, como é conhecido, fez questão de pagar 50% das despesas de hospedagem.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Projeto Desafiando o Rio-Mar – Retrospectiva Quinzenal

Projeto Desafiando o Rio-Mar – Retrospectiva Quinzenal

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
- Retrospectiva

Hoje completamos duas semanas de descida do Rio Solimões. Sonhos desfeitos, inocência perdida, muitas observações, mitos desfeitos, ratificação de conceitos, retificação de rumos. Um crescimento como ser humano. A ternura e a alma hospitaleira do homem do Norte nos enchem de humanidade. O amor para com o semelhante invade, penetra cada poro, cada capilar. O carinho com que nos recebem nos mostra o quanto somos egoístas no nosso dia a dia. São mestres da harmonia e nos ensinam, capítulo a capítulo, a cordialidade e o desprendimento.

- Lendas e Mitos

As muitas lendas, cujas narrativas pacientemente ouvimos e constatamos serem plágios de outras plagas, outras gentes, outras eras, são contagiantes em suas minúcias. A maioria possui um elo comum, o evangelizador, que as trouxe em sua bagagem e as disseminou. Lendas que foram adaptadas à realidade amazônica, mas que pouco ou nada têm a ver com os povos da floresta. Outras foram alteradas, buscando prepará-los para aceitar a ‘verdadeira fé’.

Temos o Jurupari, o Moisés tapuio que começou a ‘editar’ leis de interesse exclusivo do clero; lendas exóticas como a de um cavalo-marinho em plena Hyléia ou, ainda, um saci incorporado por indígenas que jamais tinham contatado um afro-americano. Nos dias de hoje, o Mapinguari foi substituído por alienígenas pilotando OVNIS.

- Tradição

A língua dos Cocamas e Caixamas se perdeu no túnel do tempo. O artesanato e o folclore vêm, pouco a pouco, sendo substituídos por modismos ditados pela mídia televisiva presente ostensivamente em todos os lares. As festas tradicionais só são lembradas, em algumas comunidades, através de relatos dos anciãos, e até os sucos naturais foram substituídos pelos refrigerantes industrializados. Caciques reclamam não receber, da FUNAI, artefatos para fabricar seus ‘originais’ artesanatos.

- Miscigenação

A pureza das raças defendida pela alienada FUNAI e ONGs alienígenas vem sofrendo uma salutar, progressiva e inexorável miscigenação. As duas principais lideranças Tikunas de Feijoal e Belém do Solimões trazem o sangue Paraense a fluir em suas veias.

- Nômades

O nomadismo foi substituído por sedentarismo, com o apoio incondicional da FUNAI e ONGs que tratam diretamente da questão indígena. As políticas públicas de melhoria das comunidades, como pavimentação, luz elétrica, tratamento d’água e outras obras de infra-estrutura, eliminam a possibilidade de um retorno ao nomadismo.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Projeto Rio-Mar: S. Antonio do Içá - Tonantins

Projeto Rio-Mar: S. Antonio do Içá - Tonantins

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

- Primeira Baixa

Na noite de 11 para 12 de dezembro, levando em conta os pressupostos de segurança e saúde, chegamos à conclusão, de comum acordo, que a Fabíola não estava em condições de acompanhar a equipe, com o quê ela iniciou o retorno ao Sul.

- Largada para Tonantins (12 dez 2008)

Não contamos com o apoio de viatura para carregar o material do Hotel até os caiaques e isso acarretou um atraso de uma hora no horário previsto para a partida. Calibrei novamente o GPS, com a expectativa de corrigir as incorreções verificadas nos percursos anteriores. Às 07 horas iniciei as remadas com um ritmo bastante lento, para que o Romeu se adaptasse novamente ao fato de remar um caiaque duplo sozinho.

- Primeira Parada

Depois de uns dez minutos já havíamos chegado a um cadenciado ritmo de 12 km/h. Apareceram, então, dois botos cor-de-rosa que nos acompanharam a uns 50 metros de distancia durante 30 minutos. A primeira parada, a uns 16 km de distância do porto, foi na extremidade sul da ilha do Pupona. As extensas praias de areias brancas abrigavam um considerável rebanho bovino, e aqui e ali se avistavam pés de feijão e de melancia, certamente remanescentes de plantações das várzeas dos períodos da vazante do rio. O GPS estava funcionando corretamente e me desloquei até o ponto assinalado para conferir sua exatidão. Fiquei satisfeito com o resultado e calibrei novamente o equipamento. A possibilidade de poder contar com o GPS em trechos mais complexos me deixou mais tranqüilo em relação às navegações futuras.

- Segunda Parada

Acompanhamos por um bom período um rebocador que, rio abaixo, empurrava uma balsa carregada de seixos rolados, mantendo um ritmo forte, até que resolvemos parar novamente no extremo norte da ilha Pupona. Ficamos observando pescadores que recolhiam o espinhel em sua montaria, resignados com o insucesso de seu labor.

- Avistando Tonantins

Depois de uma acentuada curva à esquerda, na altura da Ilha do Macuco, avistamos Tonantins a uns 8 km de distância. A correnteza forte facilitou bastante a navegação e aportamos no flutuante da prefeitura às 11h 45min.

- Contatos em Tonantins

O Romeu permaneceu com as embarcações e eu parti em busca do irmão do prefeito eleito de Tonantins, Sr Álvaro da Silva Cabral. O Cabral, como é conhecido, nos foi indicado pelo seu irmão, quando eu o conheci no Quartel General da Polícia Militar, em Manaus, no gabinete do Coronel Rômulo, Comandante do Policiamento do Interior. Na oportunidade, o futuro prefeito nos hipotecou total apoio em alimentação e pousada na sua cidade.

- Os amigos da Polícia Militar (PM)

Subimos as escadarias do porto e, como não avistasse nenhum telefone público para recorrer ao 190 (Polícia Militar), recorri a um moto-táxi e me desloquei para a casa do Sr Álvaro Cabral que, na oportunidade, não se encontrava em casa. Deixamos um recado informando de nossa chegada e nos dirigimos para o Hotel Garcia, de propriedade dele. Entregamos, na portaria, o bilhete para o prefeito e solicitamos que fosse feito contato com a PM. O cabo Libório nos atendeu cortesmente e destacou o Cabo Arcanjo e dois auxiliares para nos apoiar.

Deixamos os caiaques sob a guarda do Sr. Rodrigues no Flutuante da Prefeitura e carregamos nossos pertences, auxiliados pelos policiais militares, para a viatura policial que estacionara junto à escadaria, nos dirigindo então ao Hotel Garcia.

- Bar e Restaurante Dona Ray

Ocupamos o apartamento número 2 e os policiais nos levaram até o Restaurante da Ray, nos apresentando aos seus proprietários. A Senhora Raimunda, seu esposo Raimundo e sua adorável filha Patrícia foram extremamente amáveis conosco. Fizemos nossas refeições diárias no restaurante, sempre à base de Tambaqui frito.

- Associação dos Pescadores

O Romeu fizera, à tarde, um contato com o pastor Haroldo Fernandes de Lima e marcou uma entrevista para as dez horas do dia seguinte. Mais tarde, fizemos contato com o pastor e este nos contou sua história de vida, sua participação na criação da Associação dos Pescadores e a fundação da rádio FM Vila Nova. Ele nos agendou uma entrevista com o presidente da Associação, o senhor José Fernando de Oliveira, que nos mostrou suas realizações e projetos futuros.

- Padre Elias Augusto José

À noite tivemos o privilégio de conhecer o padre Elias, que agendou uma entrevista para as 08 horas de 13 de dezembro, a qual será colocada em http://diarioriomar.blogspot.com. Como havíamos solicitado, o padre discorreu sobre sua origem. Como fiel representante da ‘raça mestiça’, traz nas veias o sangue matizado pelas cores das diversas bandeiras consolidadas, hoje, nas cores verde e amarela. O padre discorreu com incrível lucidez sobre a história dos missionários católicos na região, sobre as necessidades da população e as atividades políticas na sua área.

- Senhor Francisco Alberto do Nascimento

Após a entrevista com o padre Elias, ele recomendou que conhecêssemos o avô de sua secretária. Ela nos conduziu até a casa do Sr Francisco. Personalidade das mais antigas de Tonantins, foi soldado da borracha e nos concedeu uma entrevista apaixonante contando sua história. O Sr Francisco nos presenteou com o livro de seu filho Alberto Francisco Nascimento – “Tonantins: sua história e sua gente”.


- Pastor Haroldo Fernandes de Lima

Às dez horas, fomos entrevistados na rádio Vila Nova pelo pastor Haroldo. Ambos nos emocionamos. O pastor é um homem dinâmico e empreendedor. Prometemos manter contato e reportar nossas impressões tão logo cheguemos à Porto Alegre.

- Sr Álvaro da Silva Cabral

Após uma série de desencontros, tivemos oportunidade de conhecer nosso mecenas, o Sr Cabral, no Bar e Restaurante Dona Ray. Conversamos sobre diversos temas e descobri que o Cabral era um irmão de armas, tendo servido em diversas unidades militares da região amazônica. Ratificou o apoio hipotecado pelo seu irmão e nos desejou sucesso na empreitada.

- Professor Cristovão Lopes Ramos

O diretor da Escola Estadual Irmã Terezinha, professor Cristovão, gentilmente, permitiu que utilizássemos suas instalações para escrever o presente artigo.

- Conclusão

Mais uma vez se torna patente a alma generosa e acolhedora do povo desta terra, cujo carinho, certamente iremos guardar eternamente em nossas lembranças.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Projeto Rio-Mar: Amaturá - Santo Antonio do Içá

Projeto Rio-Mar: Amaturá - Santo Antonio do Içá

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

 
- Largada para Santo Antonio do Içá

Acordei às 4h30min e depois me dirigi ao posto da Polícia Militar para confirmar o apoio agendado para as 5h30min. Acordei o plantonista, confirmei o horário e me dirigi para a praça central. Aguardei o frei capuchinho durante 30 minutos na praça para a entrevista que ele disse que me concederia; como não apareceu, fui ajudar os parceiros a carregar os caiaques. Partimos às 6h15min de 9 de dezembro; o dia estava magnífico, os golfinhos nos saudaram logo de manhã cedo com suas evoluções dolentes.

- Trajeto

Depois de remar por uma hora e um quarto, paramos para o descanso numa praia onde comemos um pedaço de pão e bebemos bastante líquido. O dia continuava agradável e, na segunda parada, na altura de Várzea Grande, observamos vários botos pescando. A orientação, apesar dos problemas com o GPS, continuava fácil e conseguíamos identificar no terreno as comunidades e acidentes sem qualquer dificuldade.

- Santo Antonio do Içá

Na chegada a Santo Antonio, por volta do meio-dia, mais botos em sua operação de pesca; ninguém sabe como, a Fabíola conseguiu virar o caiaque. Graças à experiência do professor Romeu, o fato foi contornado sem maiores problemas. O porto velho estava lotado e desembarcamos, com alguma dificuldade, no flutuante para embarcações maiores, escalando os pneus que servem de amortecedores para o casco dos navios. Novamente, utilizei o 190 em busca de apoio e apareceu o Policial Jeniel, que nos levou até a casa do vice-prefeito, já que o prefeito estava viajando. O vice não se encontrava, e sua esposa orientou o Jeniel a respeito de nossa hospedagem. Fomos até o Hotel Rio Solimões, próximo ao porto, e confirmamos nossas reservas. No porto, o Jeniel montou uma rápida operação de maneira que pudéssemos manobrar os caiaques para uma área segura e os descarregássemos; em seguida, deixou-nos no hotel junto com a bagagem.

Uma cidade grande para o contexto amazônico, com um traçado moderno e bastante organizada, construída a 70 m acima do nível do mar, a 888 km em linha reta de Manaus e 1199 km via fluvial.

- Rádio Felicidade

O Romeu marcou uma entrevista, às 7h30min de 10 de dezembro, na rádio Felicidade com o professor Sebastião Batalha. A Fabíola não quis participar. O professor nos deixou bastante à vontade e apresentamos o projeto e seus objetivos. Retornamos ao Hotel, que ficava a uns dez minutos da rádio e, antes de chegarmos a ele, fomos interpelados, na rua, pelo secretário da saúde do município, irmão do prefeito, que nos hipotecou apoio em viatura e alimentação.

- Turismo com o amigo Jorge

Pouco depois, estávamos com o amigo Jorge, funcionário da prefeitura, fazendo um tour pela cidade. Conhecemos a comunidade indígena do Lago Grande e o maravilhoso lago que lhe empresta o nome. A comunidade possui uma estrada asfaltada, pela gestão do prefeito Antunes, até as suas proximidades e, em reconhecimento, observamos uma bandeira do PT, partido do prefeito, tremulando no centro da aldeia. Conhecemos um balneário de águas cristalinas, em que os populares preparavam um tambaqui assado, e o aeroporto local que aguarda liberação da Infraero para funcionar.

- Apoio incondicional

Fomos deixados no hotel para nos refrescarmos e logo após nos dirigimos ao restaurante indicado pelo amigo Cristóvão, que lá nos esperava com alguns elementos ligados à saúde nas comunidades indígenas. Conhecemos a enfermeira Cristiane, uma paulista entusiasmada com os desafios que a comunidade de Betânia lhe propicia. Cristóvão autorizou que acompanhássemos o deslocamento da equipe de saúde pelo rio Içá, atendendo a um desejo nosso. Conversamos demoradamente com a Cristiane e marcamos a saída para as dez horas no dia seguinte. Só faltava resolver o problema da Internet, enviar as fotos tiradas até agora e escrever os artigos atrasados. O secretário escalou seu assessor - o Jaran - para que isso fosse resolvido. Jaran nos deixou as chaves de seu gabinete e nos lançamos sofregamente a escrever o diário de bordo e encaminhar arquivos de imagem e áudio. Só interrompemos para o jantar, lá pelas 19h30min, só parando à 1h da madrugada. Neste intervalo, ficamos escrevendo e conversando com a Cristiane, que também colocava sua correspondência em dia.

- Rio Içá

O Içá, como tantos outros afluentes do Amazonas (Jutaí, Juruá, Japurá, Purús ...), pode ser descrito pelas palavras incomparáveis do imortal Euclides da Cunha na obra póstuma ‘À Margem da História’ (lançada um mês após a morte do escritor):

“A inconstância tumultuária do rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou arrojando-se à ventura em repentinos atalhos ... Vai, noutros pontos, em ‘furos’ inopinados, afluir nos seus grandes afluentes, tornando-se ilogicamente tributário dos próprios tributários; sempre desordenado, e revolto, e vacilante, destruindo e construindo, reconstruindo e devastando, apagando numa hora o que erigiu em decênios - com a ânsia, com a tortura, com o exaspero de monstruoso artista incontentável a retocar, a refazer e a recomeçar perpetuamente um quadro indefinido ...

O Içá era tudo isso que esperávamos encontrar!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Projeto Rio-Mar: Santa Rita – São Paulo de Olivença - Amaturá

Projeto Rio-Mar: Santa Rita – São Paulo de Olivença - Amaturá

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
- Largada para São Paulo de Olivença

A Fabíola abandonou, temporariamente, a equipe indo de ‘recreio’ (barco a motor) para São Paulo de Olivença. Saímos, dia 05 de dezembro, eu e o Romeu, exatamente às 6 horas e fomos brindados com um amanhecer fantástico. A leste, matizes formidáveis enfeitavam os céus e, a oeste, um arco-íris completo, o primeiro que pude observar em toda a minha vida, formava um perfeito semi-círculo. O Romeu teve de se desdobrar para remar, sozinho, um caiaque duplo. Mesmo assim, descontadas as paradas de descanso, conseguimos fazer em cinco horas o que os barcos a motor fazem em quatro. Chegamos a São Paulo por volta das 12h.

- São Paulo de Olivença

Conforme tinha nos orientado o amigo Sub-Oficial da Marinha Clementino, atracamos junto ao frigorífico azul do Nonato, prefeito eleito de São Paulo. Solicitei a um de seus servidores que entrasse em contato com a Polícia Militar local para nos apoiar. Uma viatura imediatamente se apresentou no local e, graças a ela, contatamos o delegado e depois descarregamos nossos pertences no Hotel Marques, a poucos metros do frigorífico. As instalações não podiam ser mais simples, mas por R$10,00 a diária não tínhamos por que reclamar. Conhecemos a cidade e, por toda ela, a influência dos capuchinhos era patente: na igreja matriz, casa paroquial e na escola recém-restaurada. Não conseguimos estabelecer contato com o pároco, já que o mesmo estava em Tabatinga.

Conseguimos acessar a internet e mandar alguns arquivos de fotos através de uma amiga professora.

- Contatos

Estabelecemos alguns contatos interessantes na cidade. Um deles com o Sr. Bonifácio, personagem emblemática da cidade, e outro com uma amiga professora, que nos relatou o caso da menina Íris, cujo desaparecimento na floresta envolveu toda a cidade. Ambos os relatos estão disponíveis no link:
< http://diarioriomar.blogspot.com>

- Largada para o município de Amaturá

O mapa não retrata corretamente o nome das comunidades, por isso me preocupei apenas com a localização geográfica de Amaturá, na margem esquerda do Solimões a uns 5 quilômetros da ilha de Caturiá. Saímos às 6h e 45min do dia 7 de dezembro, com o dia nublado. Havia chovido muito na véspera e a temperatura estava agradável. A primeira parada foi na foz do rio Jandiatuba. Histórias de americanos explorando ouro no seu leito e impedindo os ribeirinhos de adentrar na sua área são bem conhecidas. O rio serve, ainda, de rota alternativa para o tráfico, pois possibilita contornar o posto da Polícia Federal (PF) chamada Base Anzol. Com a presença ostensiva da PF, os ilícitos estão sendo solucionados.

A segunda parada na Comunidade Porto Lutador foi rápida, e a comunidade tikuna se mostrou bastante amigável. A terceira parada foi já ao sul da ilha Caturiá, onde encontramos um mineiro, casado com uma cabocla, chamado Paschoal. Descansamos à sombra generosa de uma frondosa árvore. Paschoal é um homem inteligente e falante. Contou alguns casos de estranhas luzes, de que já ouvíramos falar desde Feijoal. Fizemos uma parada estratégica para dimensionarmos o tamanho da próxima comunidade e nos dirigimos até ela. Fomos orientados a entrar em contato com o vereador Torquato Araújo, dono de um flutuante que, junto com sua esposa Leila, acolheu-nos fraternalmente. Eu e o Romeu fomos tomar banho num igarapé local para recompor as energias. Sua esposa nos ofereceu um jantar formidável. Após, nos recolhemos no flutuante para dormir. Acordamos mais tarde, já que o deslocamento até Amaturá era de apenas 40 Km. Fomos novamente brindados com um café com banana frita e outras guloseimas preparadas pela encantadora Sra. Leila.

- Largada para Amaturá

No dia 08 de dezembro partimos. A vista de Amaturá é reconfortante. O encontro das águas pretas do rio Acuruí com as barrentas do Solimões é um espetáculo à parte. Protegida das investidas do rio, o barranco gramado ostenta o nome da cidade e, ao fundo, as construções dos capuchinhos dão um ar nostalgicamente agradável à cidade. Deixei a equipe tomando conta dos barcos e me dirigi, a pé, à Polícia Militar, já que o 190 não funcionava. Mais uma vez a cortesia dos oficiais militares foi patente e, depois de procurarmos junto com o Presidente da Câmara Municipal um hotel para pernoitarmos, fomos acolhidos, gentilmente, pelo prefeito Luiz Pereira na sua Fundação. Tentamos, em vão, uma entrevista com ele.

O Romeu sugeriu procurarmos a Dona Nessi, anciã local, com mais de 100 anos de idade. Filha de um peruano com uma índia Cambeba, possui uma lucidez invulgar para alguém de idade tão avançada. Apesar de ter a vista e a audição prejudicadas, historiou sobre a chegada dos capuchinhos, citando nominalmente cada um, sua procedência e personalidade. Emocionou-se quando falou dos filhos, alguns já falecidos. Contatei o frei, que me prometeu uma entrevista para o dia seguinte a partir das 5h 30min. Provoquei-o e ele discorreu com invulgar conhecimento sobre a história dos capuchinhos e sua influência nas áreas da educação e desenvolvimento da região.

Como prometido, às 5h 15min, do dia 9 de dezembro, eu estava na praça esperando o frei, que não apareceu. Partimos então para Santo Antonio do Içá.