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sábado, 28 de janeiro de 2012

TG 12-002 de Manicoré, AM, um Paradigma

TG 12-002 de Manicoré, AM, um Paradigma

Si vis pacem, para bellum.

Conheci o Tiro de Guerra de Manicoré graças ao grande amigo e excelente jornalista Walter de Azevedo Filho, da Rede Amazônica. As instalações primorosas e bem cuidadas refletem o êxito da bela parceria que se formou entre a Prefeitura Municipal de Manicoré (PMM) e o Exército Brasileiro (EB).


Antes da Parceria.

Depois da Parceria.
  A instalação de uma modelar e bem equipada Unidade Básica de Saúde (UBS), no interior do aquartelamento, com recursos Municipais, permite, hoje, que a população manicorense conte com atendimento de qualidade proporcionado pelos profissionais de saúde do Exército Brasileiro. O equipamento odontológico, de última geração, por sua vez, foi doado pelo judiciário local o que demonstra de forma definitiva que os poderes unidos são capazes de fazer a diferença.


A Escola Municipal, mais conhecida como a “Escola do Tiro de Guerra”, conta, igualmente, com instalações confortáveis, salas de aula climatizadas, quadro branco, e, o que é fundamental, professores qualificados e dedicados. O Capitão De Souza, Instrutor Chefe do TG, que na oportunidade estava se preparando para passar o comando, mostrou-nos as instalações visivelmente emocionado com o resultado dessa “parceria que deu certo” entre o EB e a PMM.


No dia 24 de janeiro, realizamos uma entrevista com o Comandante do Comando Militar da Amazônia (CMA), General de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, dileto amigo com o qual tivemos a honra e o privilégio de conviver, como instrutores, na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), no início da década de 80. Um dos assuntos tratados foi o dos Tiros de Guerra e aproveitei a oportunidade para citar o TG de Manicoré como exemplo que deveria ser seguido pelas demais Prefeituras que ao melhorar as instalações dos aquartelamentos estariam fazendo um investimento que resultaria em benefício direto para a população local.

-  Histórico
    Fonte: Tiro de Guerra 12-002 - Manicoré-AM

A Portaria Ministerial n° 394/Reservada, de 15 de julho de 1996, criou o Tiro-de-Guerra de Manicoré com a designação de TG 12/002. Seu primeiro Diretor foi o Prefeito Municipal Sr. Waldomiro Gomes e seu Chefe de Instrução o 2° Ten R/1 Francisco Edmar Aguiar Medeiros.

O TG iniciou suas atividades em Manicoré, no dia 1° de março de 1997, utilizando provisoriamente as instalações do antigo prédio da Embratel, enquanto se construía sua sede atual, em terreno cedido pela Prefeitura Municipal, com recursos da Fundação Nacional da Saúde.

No dia 17 de julho de 1998, as instalações foram entregues pela Fundação Nacional de Saúde. Em 28 de julho de 1998, após solenidade na Praça da Bandeira, a nova sede foi inaugurada oficialmente pelo Comandante Militar da Amazônia General de Exército Germano Arnoldi Pedrozo, contando com as ilustres presenças do Comandante da 12ª Região Militar General de Brigada Eron Carlos Marques e do Prefeito de Manicoré Sr. Waldomiro Gomes, Vereadores, autoridades, lideranças locais acompanhados de grande número de populares.

O TG recebeu a denominação de “Tiro de Guerra Dr. Edmundo Juarez”, em homenagem ao médico sanitarista de renome internacional, à época Presidente da Fundação Nacional de Saúde, que patrocinou a construção das instalações que a área do TG possui, e que falecera em março de 1998, antes da inauguração do Tiro.

O Tiro de Guerra já formou um contingente de 108 Cabos, sendo 04 mulheres, e 527 Atiradores dos quais 16 do segmento feminino.

Em 19 de novembro de 2011, foi inaugurada pela Prefeitura Municipal de Manicoré, a ampliação da Escola Municipal Dr. Edmundo Juarez; a Unidade Básica de Saúde Lucy Marques Cavalcante e a reforma do Pavilhão de Administração, com a presença do Prefeito em Exercício Lúcio Flávio do Rosário – Diretor do TG, autoridades locais e população em geral.

Seu atual Diretor é o Sr. Manoel Galdino de Oliveira, Prefeito Municipal e seu efetivo é composto por um Instrutor Chefe, um Tenente dentista, um Tenente médico e um Sub-Tenente Instrutor




terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A Corrida do Ouro no Rio Madeira

A Corrida do Ouro no Rio Madeira


Elas não podem impedir a navegação. Isso é proibido.
Se forem vistas fazendo isso, é apreensão na certa.
A lavra deve ser feita apenas onde não houver risco ambiental.
 (Fred Cruz - Assessor do DNPM)

O Rio Madeira esconde sob suas águas barrentas e apressadas a ilusão de enriquecimento “rápido” de milhares de seres humanos que abandonaram o conforto de suas casas e a convivência de seus familiares para morar em precários e barulhentos flutuantes, cercados por estranhos, ancorados no leito do Rio, em busca do ouro. Na “Corrida do Ouro”, da década de oitenta, o Rio Madeira foi palco de um drama onde raras pessoas fizeram fortuna e onde muitas perderam tudo que tinham e, não raras vezes, a própria vida.

Em nossa descida, pelo maior afluente da margem direita do Rio Amazonas, avistamos milhares de dragas trabalhando diuturnamente removendo areia, lama e cascalho com tal intensidade que são capazes de alterar a geografia do Rio. São verdadeiras Vilas flutuantes, algumas margeando, quase bloqueando, perigosamente os canais de navegação, prejudicando o tráfego naval e colocando em risco as vidas de seus residentes e dos tripulantes das embarcações. A partir de Borba à medida que nos aproximamos da foz do Madeira seu número vai diminuindo lentamente até se tornarem raras. Avistamos à noite algumas trafegando temerariamente, praticamente, às escuras, sem qualquer tipo de sinalização com a finalidade de mudar de local de garimpo ou, em virtude da cheia, voltar à sua Comunidade de origem onde permanecem estacionadas até a vazante.


-  A Amalgamação
Fonte: Jurandir Rodrigues de Souza e Antonio Carneiro Barbosa

A utilização do mercúrio no processo de amalgamação do ouro já era conhecida pelos fenícios e cartagineses em 2.700 a.C. Caius Plinius, em sua “História Natural” (50 d.C.) descrevia a técnica de mineração do ouro e prata com um processo de almagamação similar ao utilizado hoje nas minas de ouro. O Brasil não produz mercúrio. A sua importação e comercialização são controladas pelo IBAMA por meio da Portaria n° 32 de 12/05/95 e Decreto n° 97.634/89, que estabelece a obrigatoriedade do cadastramento no IBAMA das pessoas físicas e jurídicas que “importem, produzam ou comercializem a substância mercúrio metálico”. O uso do mercúrio metálico na extração do ouro é também regulamentado. O Decreto 97.507/89 proíbe o uso de mercúrio na atividade de extração de ouro, “exceto em atividades licenciadas pelo órgão ambiental competente”. Por outro lado, a obrigatoriedade de recuperação das áreas degradadas pela atividade garimpeira é igualmente regulamentada pelo Decreto 97.632/89.

As dragas, instaladas em flutuantes, estendem suas lanças de sucção, acionadas por bombas de 5 a 12 polegadas, que reviram o leito arenoso e despejam o cascalho, lodo e areia juntamente com milhares de litros de água em uma calha.

Lança de Sucção: tubulação com sistema de cabeças cortantes que penetram as rochas duras no fundo dos Rios. Algumas destas lanças são manuseadas por mergulhadores que permanecem por mais de quatro horas submersos. A baixa visibilidade das águas contribui para a incidência de acidentes fatais casuais ou mesmo intencionais provocados por garimpeiros rivais.

O material passa, então, por uma calha concentradora que elimina a lama e a água, o restante é misturado ao mercúrio (Hg) que tem a propriedade de unir-se a outros metais produzindo uma amálgama.

Calha Concentradora: nessas calhas acarpetadas a recuperação do ouro, normalmente, é inferior a 50%. A amalgamação dos concentrados é feita através de misturadores de alta velocidade, bastante ineficientes, que permitem que as partículas finas de mercúrio sejam despejadas nos rios juntamente com os rejeitos de amálgama. O mercúrio vai, então, formando os chamados “hot spots” (pontos quentes), isto é pontos com alta concentração do poluente. O mercúrio metálico inicia, lentamente, seu processo de oxidação aumentando sua solubilidade e tornando-se um poluente da biota aquática.

Posteriormente, para separar o ouro do mercúrio, usa-se o processo conhecido como “queima do amálgama”, onde a liga metálica é submetida a altas temperaturas fazendo o mercúrio voltar ao estado líquido, separando-o do ouro. O preço do mercúrio nos garimpos embora atinja cinco vezes o preço internacional é um reagente considerado relativamente barato tendo em vista que um quilo de Hg pode ser adquirido com apenas um grama de ouro.

-  Garimpo nos Reservatórios das Hidrelétricas

Em 2008, foi liberada atividade garimpeira no Rio Madeira em duas áreas determinadas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e Secretaria de Estado de Meio Ambiente/RO. A primeira ficava a uns 20 quilômetros a montante da Cachoeira do Teotônio e se estendia até as proximidades do Rio Jaci e a outra desde uns 15 quilômetros a montante da Cachoeira do Jirau até a Cachoeira do Paredão. Na época mais de 1.700 requerimentos foram protocolados no DNPM, mas apenas um garimpeiro e duas cooperativas apresentaram licenças ambientais e receberam as 28 permissões para extrair ouro na região. Cerca de duas mil pessoas, 250 pequenas balsas e 70 dragas trabalharam nas duas áreas liberadas antes da inundação dos reservatórios de Santo Antônio e Jirau.

-  Licenciamento do IPAAM

A garimpagem do ouro ao longo do Rio Madeira foi autorizada pelo DNPM após licenciamento do IPAAM. A decisão foi tomada apesar de o Rio ser uma Hidrovia Federal e esta atividade ocorrer, também, na Floresta Nacional de Humaitá e nas suas cercanias. A legalização teve participação da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiental do Amazonas (SDS), que elaborou o “Projeto de Extrativismo Mineral e Familiar do Rio Madeira” incentivando a criação de uma Cooperativa e facilitando a compra de equipamentos (cadinhos ou retortas) que deveriam ser usados para reduzir a poluição com mercúrio.

Cadinhos ou Retortas: o cadinho, ou retorta é constituído por um compartimento onde o amálgama é aquecido por uma tocha ou um leito de carvão incandescente e um tubo condensador resfriado a água. O uso deste recurso permite que 95% do mercúrio das amálgamas de ouro possa ser condensado e novamente usado.

Segundo relatório do IBAMA, o projeto do Governo Estadual não considerou a proibição de o garimpo ser executado nas margens ou barrancos de rios nem limitou o número de bombas de sucção ou de balsas por área. O documento afirma, ainda, que o mercúrio continua a ser usado indiscriminadamente, apesar dos equipamentos disponibilizados pelo Governo Estadual e que o destino dos rejeitos deste metal não foi estabelecido no projeto. Os garimpeiros, segundo o documento, não foram orientados, devidamente, para adquirir os cadinhos (retortas), somente de comerciantes cadastrados pelo IBAMA, como, também, não foram devidamente instruídos sobre a atividade na FLONA Humaitá e no seu entorno.

Podemos afirmar, contrariando a preocupação do IBAMA, que à jusante de Porto Velho não existe nenhum tipo de garimpagem sendo executado nas margens ou barrancos do Rio Madeira. Outro ponto importante, que devemos ressaltar, é o que se refere à violência que, normalmente, impera, nas regiões de garimpo. Como a maioria das dragas é operada por membros das Comunidades, que se conhecem e não raras vezes unidos por laços de família, o aspecto da violência foi praticamente anulado.
No Eldorado do Juma (Nova Aripuanã), o Governo do Estado do Amazonas, atropelando a Constituição Federal, pretende executar um processo semelhante ao do Rio Madeira. O ouro do Juma além de se encontrar no subsolo, propriedade do Governo Federal, está situado em um Assentamento do INCRA, cabendo, portanto, a um Órgão Federal, no caso o IBAMA, o processo de licenciamento ambiental.

-  Contaminação por Mercúrio

São agressões ao sistema nervoso, comprometimento da visão,
locomoção, surgimento de anomalias. (Biólogo Vanderley Bastos)

O garimpo, além do impacto social relevante, provoca um prejuízo ambiental importante. As margens do Rio são destruídas, o material dragado resulta no assoreamento do leito e o mercúrio, altamente tóxico, afeta a cadeia alimentar da região contaminando os peixes, principal base alimentar da população ribeirinha. Mesmo na comercialização, longe dos garimpos, o mercúrio continua fazendo vitimas. A decomposição térmica da amálgama gera uma “esponja” de ouro contendo 20 g de Hg residual por quilo de ouro. Os compradores de ouro, nas povoações fundem o ouro a ser comprado à vista dos garimpeiros para eliminar as impurezas minerais associadas. O processo desprende o mercúrio residual que contamina a atmosfera do ambiente de trabalho e as imediações do estabelecimento comercial contaminando as pessoas que vivem nas imediações.

Pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), analisaram amostras de peixes, detritos e fios de cabelos dos ribeirinhos. Os exames mostraram que o nível de contaminação por mercúrio é três vezes maior que o permitido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). O Hospital de Base de Porto Velho já registrou dezenas de casos de crianças anencéfalas (sem cérebro). A maioria dessas crianças recém-nascidas, com deformidades, é de áreas próximas aos garimpos. O mercúrio pode contaminar o ser humano de duas maneiras: ocupacional e ambiental. A ocupacional está ligada ao ambiente de trabalho, como mineração e indústrias. A contaminação acontece pelas vias respiratórias atingindo o pulmão e o trato-respiratório. A inalação dos vapores de mercúrio acarreta fraqueza, fadiga, anorexia, perda de peso e perturbações gastrointestinais. A contaminação ambiental é provocada pela dieta alimentar, usualmente através da ingestão de peixes, entrando diretamente na corrente sanguínea, afetando o sistema nervoso central. A ingestão de compostos mercuriais provoca úlcera gastrointestinal e necrose tubular aguda. O mercúrio vai progressivamente se depositando nos tecidos, causando lesões graves nos rins, fígado, aparelho digestivo e sistema nervoso central.

Um processo de conscientização e fiscalização rígida é extremamente necessário. No processo de recuperação do ouro, não devem ser lançados resíduos de mercúrio no solo e no leito dos rios e a queima do amálgama deve ser executada em retortas, evitando que o vapor de mercúrio contamine a atmosfera.

-  Doença de Minamata
    Fonte: Marcello M. da Veiga e Jennifer J. Hinton - Universidade de British Columbia, Canadá e Alberto Rogério B. Silva - ARBS Consultoria Belém-Pará.

A “Doença de Minamata” foi pela primeira vez detectada em 1953, mas somente em 1959, cientistas da Universidade de Kumamoto atribuíram os sintomas ao metilmercúrio consumido através de peixes e de moluscos. De 1932 a 1968 a companhia Chisso produziu acetaldeído, utilizando óxido de mercúrio como catalisador. O metilmercúrio era formado na reação e descarregado (cerca de 400 toneladas) com os efluentes na baía de Minamata. Moradores de Minamata e vizinhanças, que consumiam extensivamente peixes e frutos do mar sofreram as piores consequências desta irresponsabilidade industrial. Até 1997, 10.353 pessoas, das quais 1.246 faleceram, foram certificadas pelo governo japonês como vítimas da “doença de Minamata”.

Sintomas da doença de Minamata nunca foram comprovados na Amazônia, mas constatação de efeitos neurológicos em pessoas que se alimentam frequentemente de peixe com médios a altos níveis de metilmercúrio têm sido reportadas. O metilmercúrio é excretado lentamente pelas fezes (de 1 a 4% por dia) e uma pequena parte pelo cabelo. Normalmente, o nível de metilmercúrio no cabelo é 300 vezes mais alto do que a concentração no sangue. (...) Teores de Hg em cabelo inferiores a 5 e 10 ppm são aceitáveis para não impor nenhum risco ao feto (em caso de grávidas) e ao adulto respectivamente. Infelizmente teores de até 84 ppm Hg foram analisados em cabelos de mães da região garimpeira do Rio Madeira.


-  Produção

As Balsas de Grande Porte trabalham durante todo o ano a uma profundidade de até 45 metros produzindo, mensalmente, uma média de 2 kg de ouro enquanto as Balsas de Pequeno Porte (chamadas na região de Chupadeiras) trabalham, normalmente, no período de estiagem, em torno de seis meses por ano, trabalhando a uma profundidade de, no máximo, 10 metros e produzem mensalmente uma média de 350 gr de ouro.

-  Muitos Sonhos Desfeitos, Poucos Sonhos Realizados

Milhares de pessoas, vindo inclusive de outros Estados, vieram em busca do Eldorado no Rio Madeira. A maioria sucumbiu ao trabalho difícil, o ambiente hostil ou não conseguiu se adaptar às leis selvagens do garimpo abandonando a atividade logo no início. Poucos, mas muito poucos, dos que resistiram, conseguiram juntar ouro suficiente para mudar de vida.

-  Futuro do Garimpo do Rio Madeira
    Fonte: Marcello M. da Veiga e Jennifer J. Hinton - Universidade de British Columbia, Canadá e Alberto Rogério B. Silva - ARBS Consultoria Belém-Pará.

A atividade garimpeira no Rio Madeira e afluentes está com os dias contados, ano a ano a produção diminuiu e é inevitável que a lavra artesanal, com o passar dos anos venha a ser substituída pela industrial como afirmam, no seu excelente artigo, os autores de “O Garimpo de Ouro na Amazônia: Aspectos Tecnológicos, Ambientais e Sociais”.

A tendência de todos os garimpos de ouro é semelhante no mundo inteiro, ou seja, a transformação da atividade artesanal em industrial. À medida que o ouro superficial e de fácil extração for se exaurindo, o garimpeiro tenta a sorte extraindo ouro primário. Sem o domínio técnico, o garimpeiro vê seus investimentos sendo dragados pelos altos custos operacionais. Quando os garimpeiros possuem titulação mineraria, através de concessão (Alvará de Pesquisa), ou permissão (Permissão de Lavra Garimpeira), o passo natural é vender ou se associar com empresas de mineração que possuam competência técnica.




sábado, 21 de janeiro de 2012

A Amazônia para os Negros Americanos

A Amazônia para os Negros Americanos


Temos um destino a cumprir, um “Destino Manifesto” sobre todo o México, sobre a América do Sul, sobre as Índias Ocidentais e Canadá.
 (J.D.B. De Bow - De Bow’s Review)

Ao ler, recentemente, “A Amazônia para os Negros Americanos”, da historiadora paulista Nicia Vilela Luz, observamos que as articulações, os conchavos, os artifícios e pressões diplomáticas de toda ordem e o processo de “convencimento” de políticos e empresários brasileiros através de propinas ou oferta de cargos, regiamente remunerados em empresas multinacionais, em troca do controle das companhias estatais e privadas nacionais por estrangeiros não se alterou através dos tempos.



Como não se alterou a determinação das grandes potências de dominar os demais países seja, a curto prazo, através da força ou de seu poderio econômico a médio e longo prazo. O Brasil pressionado pelos países hegemônicos interessados em manter seu “status quo” aceitou sediar uma Copa que irá aumentar ainda mais sua Dívida Interna, hoje, em torno dos dois trilhões de reais.

-  Fuga de Divisas

O Governo Federal faz alarde sobre o volume crescente de nossas exportações, mas a própria UNESCO reconhece que elas são em grande parte realizadas por empresas estrangeiras, que adquirem os produtos nacionais a um preço aviltante para desfrutar de consideráveis margens de lucro lá fora.

Nossas exportações de soja crescem vertiginosamente, mas a maior parte deste lucro é rateado entre transnacionais como a Bunge e a Cargyll, respectivamente quarta e sexta maiores exportadoras “brasileiras” do setor.


O Ministério do Desenvolvimento, em 2003, mostrou que as vendas de minério do Brasil totalizaram US$ 7 bilhões e 800 milhões, mas em decorrência da absurda isenção de impostos para exportações o país arrecadou apenas 136,8 milhões de reais.
A PETROBRÁS não é mais do povo brasileiro e quem vem se beneficiando com a sua “auto-suficiência” e exportações são os estrangeiros. Hoje quase 70% do capital social da Petrobrás é privado e na divisão dos lucros de todo petróleo extraído e beneficiado pela Petrobrás a maior parte vai parar nas mãos do capital privado, sendo que mais da metade de sua composição é de capital estrangeiro.
-  Matthew F. Maury

Maury nasceu, em 14 de janeiro de 1806, em Fredericksburg, Virginia, USA. Descendente de Huguenotes franceses, por parte de pai, e de Ingleses e Holandeses por parte de mãe, Maury trazia no DNA uma mistura de visionário, cientista e homem de negócios. Incapacitado para o serviço ativo, em virtude de um acidente, foi designado para o “Depósito de Cartas e Instrumentos do Departamento da Marinha em Washington” que, depois de algum tempo, transformou no “Naval Observatory and Hydrographic Office”. Seus estudos a respeito das Cartas dos Ventos das Correntes Marítimas alteraram as rotas dos navios à vela, encurtando os percursos e diminuindo o tempo de viagem, contribuindo, significativamente, para a evolução da marinha mercante americana.

Matthew F. Maury

 
-  Matthew e a Amazônia

O mundo amazônico é o paraíso das matérias primas, aguardando a chegada de raças fortes e decididas para ser conquistado científica e economicamente.(Matthew F. Maury - The Amazon and the Atlantic Slopes of South America, 1853)

Matthew procurou despertar a atenção de seus compatriotas, principalmente os sulistas, para a colonização da Amazônia. Comparava os vales da Bacia do Mississipi com a do Amazonas afirmando que esta última, além de ser duas vezes maior, o trabalho de um único dia por semana era o suficiente para abastecer a mesa do agricultor com abundância. Matthew afirmava que:

Se o comércio estendesse uma única vez suas asas sobre este vale, sua sombra seria como o toque de mãos de um mágico: estes imensos recursos logo se transformariam em vida e atividade.

E continuava dizendo que sob a ação milagrosa do progresso e do comércio a região:

seria levada a “desabrochar como uma rosa” – Temos, portanto, apenas de dar livre curso às máquinas do comércio – o vapor, o emigrante, a imprensa, o machado e o arado – e ela regurgitará de vida. (...) Agora começamos a ver que poderosa máquina é a atmosfera e mesmo que, aparentemente, seja tão caprichosa (...) em seus movimentos, há aí evidência de ordem e arranjo que devemos reconhecer e prova que não podemos negar, pois ela provê com regularidade e certeza esta poderosa precipitação e, é, portanto, tão obediente à lei como é máquina a vapor à vontade do seu construtor. (...)

Está inteiramente dentro do trópico. Seu clima quente e úmido dá origem a um desenvolvimento de forças vegetais, energias produtivas e possibilidades agrícolas as mais ilimitadas e maravilhosas.

As variações de clima negadas a essa região pela latitude, são possíveis graças às cadeias de montanhas e às altitudes, de tal forma que, dentro da extensão das encostas drenadas pelo Amazonas, pode-se encontrar toda variedade de clima com seus produtos peculiares, desde as regiões de neve eterna às de verão perene.

Matthews e seus compatriotas, advogando o princípio do determinismo geográfico, consideravam a Amazônia como um tributário do Mediterrâneo Americano, formado pelo Golfo do México e Caribe. Segundo eles, a Bacia Amazônia fazia parte do Sistema Americano de bacias hidrográficas formado pelo Mississipi e Orenoco. Baseavam esta tese levando em conta a proximidade, relativa, entre a Foz do Amazonas e do Estreito da Flórida além de considerar que os sedimentos, carreados pelo Amazonas, graças às correntes marítimas, passavam pela foz do Mississipi e chegavam até o “Gulf-Stream”.

Além do aspecto comercial, Matthews se preocupava com a problemática que seria criada após a abolição da escravidão nos USA, cuja raça poderia vir a se multiplicar de tal maneira que, no futuro, comprometeria a hegemonia da raça branca. Os sulistas precisavam, de qualquer maneira, livrarem-se do excesso de negros e uma maneira seria enviá-los para a Amazônia Brasileira a exemplo do que já havia sido feito pela “Sociedade Americana de Colonização”.

Sociedade Americana de Colonização: fundada em 1816, com a finalidade de enviar escravos alforriados de volta à África. A primeira leva chegou à Libéria, em 1822.

Matthews como todos os naturalistas e pesquisadores estrangeiros que aqui estiveram, desdenhava, da capacidade dos nossos nativos, aos quais chamava de “povo imbecil e indolente” e concordava, erroneamente, com eles ao considerar como extremamente férteis as terras do Grande Vale do Amazonas. Convencido da superioridade da raça branca ele pretendia que a região fosse povoada pelos negros americanos, logicamente sob o jugo dos brancos, o que mais tarde poderia servir de justificativa para legitimar a posse americana da Região.

Este vale (amazônico) é uma região para o escravo. O europeu e o índio estiveram lutando com suas florestas por 300 anos, e não lhe imprimiram a menor marca. Se algum dia a sua vegetação tiver de ser subjugada e aproveitada; se algum dia o solo tiver de ser retomado à floresta, aos répteis e aos animais selvagens e submetido ao arado e à enxada, deverá ser feito pelo africano. É a terra dos papagaios e macacos e só o africano está à altura da tarefa que o homem aí tem de realizar.

-  Missão Herndom-Gibbon

Era preciso revolucionar e anglo-saxonizar o vale constituindo ali uma República Amazônica. (Carta de Maury ao cunhado Herndon)

Maury acreditava, piamente, que Deus mantivera a Amazônia deserta para que os problemas do Sul dos USA pudessem ser resolvidos. O visionário não se contentou em formular teorias e incitar seus compatriotas e colocou em marcha um plano, que tinha como objetivo final, de salvar o instituto da escravidão transportando para a Amazônia os sulistas com seus escravos.

Maury indicou para realizar uma missão exploratória, à Bacia Amazônica, o seu cunhado Tenente da Marinha William Lewis Herndon acompanhado de Lardner Gibbon que partiram de Valparaiso para Lima em fevereiro de 1851. A partir de Lima a expedição se dividiu em dois grupos, Herndon deveria descer o Amazonas depois de alcançar o Marañon e Gibbon desceria o Rio Madeira a partir da Bolívia.

O relatório de Herndon, como não poderia deixar de ser, era uma reafirmação do ideário de Maury, que, aproveitando as informações colhidas pelo cunhado, elaborou uma série de artigos em que qualificava de “japonesa” a política brasileira a respeito da navegação na Bacia do Amazonas apelando para as ambições expansionistas de seus compatriotas. A águia iniciava uma campanha sistemática para estender suas garras e submeter, aos pouco, região aos interesses mercantis yankee. A primeira fase do Plano de Maury entrava em ação.

-  Reflexos da Campanha Sistemática de Maury

Em 1850, as Guerras de fronteiras entre Brasil, Uruguai e Argentina, e pelo direito de navegar nas águas da Bacia do Prata, iniciaram quando o governador Juan Rosas, bloqueou os rios da bacia platina ao comércio e à navegação de outros países. As tropas brasileiras venceram Rosas forçando a Argentina a reabrir a bacia para a navegação internacional. Maury atento aos acontecimentos aproveita o momento para excitar as ambições dos empresários americanos exaltando as riquezas da Amazônia.

1853   -  é decretada, no dia 27 de janeiro, a abertura à navegação dos rios bolivianos a todas as nações.

1853   -  é decretada, no dia 15 de abril, a abertura à navegação dos rios peruanos.

1862   -  o General James Watson Webb, ministro plenipotenciário de Washington junto à corte de D. Pedro II, encaminhou solicitação ao Imperador, propondo a vinda e fixação de negros americanos na Amazônia.

1866   -  aproveitando-se das dificuldades do Brasil com a Guerra do Paraguai (que os EUA apoiaram dissimuladamente), o governo norte-americano volta a insistir na proposta de assentamento de populações negras no vale amazônico.

1866   -  em dezembro, o governo brasileiro liberou a navegação internacional do Amazonas. O decreto estabeleceu que a abertura vigoraria a partir de 7 de setembro de 1867, e definiu quais rios estariam abertos à livre navegação, evitando o acesso irrestrito de estrangeiros à região.


Fonte:  LUZ, Nicia Vilela – A Amazônia para os Negros Americanos – Brasil – Rio de Janeiro – Editora Saga, 1968.



terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Os Canoistas nos Rios Madeira/Amazonas



Humaitá, AM

Rumo à Foz do Rio Madeira

Rumo à Foz do Rio Madeira


-  Rumo à Fazenda do Sr. José Holanda (16.01.2012)

Resolvi passar a última noite, em Nova Olinda do Norte, nas confortáveis instalações do Palace Hotel. Precisava descansar para enfrentar o último lance que faltava do Rio Madeira e o Porto Hidroviário, onde aportara o Piquiatuba, com sua movimentação constante não permitiria um sono reparador. Havia prometido ao grande Amigo e Mestre José Holanda que chegaria à sua Fazenda, a 78 km de distância, exatamente às onze horas e para isso precisava manter uma média de 13,8 km/h, um ritmo bastante forte para o final dessa 1ª Etapa da 4ª Fase do Projeto Desafiando o Rio-mar.

Sd Marçal pilotando o "Indomável"

Acordei às 4h45 e fui direto para o Porto, às 05h30 partimos, eu e o Soldado Marçal Washington Barbosa Santos (Cozinheiro do B/M Piquiatuba), embarcado no caiaque “indomável” de propriedade do José Holanda. A correnteza forte, a ausência de troncos, as nuvens encobrindo o sol causticante tudo conspirava para que atingíssemos nosso objetivo no tempo estipulado. O Marçal resolveu deixar o João Paulo remar comigo os últimos quinze quilômetros. Uma esperada garoa começou a cair refrescando nossos corpos, o Grande Arquiteto, por intermédio de São Pedro, resolvera dar uma “forcinha” para que atingíssemos nosso objetivo com mais tranquilidade ainda. Chegamos às 11h01, um minuto além do programado para o tão esperado churrasco. O Mestre Holanda fora abastecer sua lancha e chegou logo em seguida. Degustamos uns saborosos jaraquis e carne de porco assados enquanto ouvíamos atentamente as histórias de sua vida.

  
Jaraqui (Prochilodus brama): peixe teleósteo, caraciforme, caracídeo, muito comum no Amazonas, o corpo apresenta listras negras horizontais na parte superior da linha lateral, mais acentuadas na parte posterior. Semelhante ao curimatá.
Sua biografia é um exemplo de luta e determinação de um homem que jamais se conformou, nunca se acomodou e, que se hoje tem condições de levar uma vida confortável é porque o fez por merecer. É um privilégio poder dizer que sou seu Amigo e mais que isso que ele é, sem dúvida, um de meus Mestres. O Mestre perguntou a meu filho se ele estava satisfeito com o caiaque que ele emprestara e como ele respondesse positivamente ganhou o caiaque de presente, ele já tinha deixado, também, em Itacoatiara, um carro para ficar à nossa disposição.

Por volta das 14 horas partimos para Manaus, eu precisava conhecer a Ponte sobre o Rio Negro depois de pronta, checar alguns projetos rodoviários, visitar alguns diletos amigos em Manacapuru e Iranduba, comprar alguns livros e buscar bibliografia especializada na Biblioteca Pública. A ida também tinha um aspecto logístico importante, precisávamos reabastecer o Piquiatuba para continuar nossa jornada pelo Rio Amazonas de Mauari, Costa do Amatari, AM, até Santarém, PA, renovar o estoque do rancho e trocar nossas roupas de cama por outras limpas já que as águas amareladas do Madeira tinham deixado sua marca nelas.

-  Irmão Rio

A sensação de navegar de madrugada é mágica, as luzes e as lembranças de Nova Olinda aos poucos foram ficando para trás e desvanecendo-se. As pás do remo mergulhavam carinhosamente nas águas tranquilas que mais pareciam um colossal espelho a refletir infindáveis emoções. Redescobri o Madeira ao meu estilo, vasculhei impressões colhidas pelos “civilizados” desde o século XVII, extasiado aprendi com o engenheiro e escritor Manoel Rodrigues Ferreira a verdadeira história da “Ferrovia do Diabo”, tive a oportunidade, graças ao Jornalista José Carlos de Sá Júnior, de conhecer as obras e as características técnicas da Hidrelétrica de Santo Antônio, vivenciei com citadinos, ribeirinhos e garimpeiros suas experiências, suas histórias, seus sonhos. Naveguei mais de 1.100 km do Rio Madeira durante 24 dias, dos quais 14 dias de navegação e 10 dias de estada em 5 cidades e 1 comunidade, e, em todo este período, ele foi meu Mestre e eu seu atento discípulo. Fizemos uma média de 45,8 km/dia se considerarmos os deslocamentos e as paradas e 78,5 km/dia se considerarmos apenas os dias de deslocamento.





Ferrovia do Diabo (Capítulo X)

Madeira-Mamoré
Ferrovia do Diabo (Capítulo X)


Em suma, podemos afirmar que, para o ruinoso fracasso da citada empresa, influíram os fatores seguintes: crise, má administração, excessivos gastos, inconcebíveis e imperdoáveis caprichos comerciais, além de um profundo desconhecimento das características psicológicas do meio em que se exerciam as suas atividades.
(J. de Mendonça Lima – Cônsul do Brasil em Guaiara Mirim, Bolívia)

-  Administração da Madeira-Mamoré Railway


Os dois primeiros anos de operação (1912 e 1913) foram os de maior receita e maior saldo da Madeira-Mamoré Railway, a partir destes anos, porém, as receitas acompanharam a queda do preço da borracha. Os anos de 1914 e 1918, o período de 1921 a 1924 foram igualmente deficitários para a empresa. Acompanhando o “crack” da Bolsa de Nova York, de 1929, a empresa entrou em sérias dificuldades que a levaram a solicitar à União a interrupção do tráfego.


Receita
Saldo
Déficit
Ano
(Contos de Réis)
1912
4.656
3.188

1913
4.995
5.562

1914
2.724

209
1915
2.767
732

...
...
...
...
1922
1.443

821
...
...
...
...
1925
4.373
1.557

...
...
...
...
1929
1.990

156
1930
1.556

541

O advogado e representante da empresa, Dr. Ricardo Xavier da Silveira, no dia 25.06.1931, entrou com uma petição declarando que a empresa estava disposta a interromper o tráfego e solicitava que a Justiça citasse a União para receber o acervo da ferrovia. À meia-noite, do dia 30.06.1931, a Madeira Mamoré Railway suspendeu o tráfego da Ferrovia.

No dia 03.07.1931, o Procurador Geral da República Dr. Carlos Olyntho Braga comparece em juízo, e apresenta a contestação do Governo Federal afirmando que este se opunha à entrega da Estrada.

-  Administração do Governo Federal

No dia 10.07.1931, o Chefe do Governo Provisório, através do Decreto n° 20.200, determinou o restabelecimento do tráfego da Ferrovia. O Decreto afirmava que o tráfego seria restabelecido por conta da empresa arrendatária, com recursos provenientes da própria receita e caso estes não fossem suficientes seriam computados como débito da Railway. É interessante ressaltar que o decreto não menciona que conforme o estabelecido no contrato de arrendamento, de 1909, o Governo teria “o direito de impor uma multa por dia de interrupção igual à renda líquida do mesmo dia no ano anterior ao da interrupção”. Esta omissão era proposital já que no ano anterior, 1930, a receita tinha sido de 1.556 com um déficit de 541 contos de réis, não havendo, portanto, nenhuma multa a cobrar da companhia.


Receita
Saldo
Déficit
Ano
(Contos de Réis)
1932
1.008

257
...
...
...
...
1936
2.138
155

1937
2.615
245

...
...
...
...
1939
2.496

803
...
...
...
...
1944
5.755

1.188
...
...
...
...
1951
5.358

15.147
1952
7.261

21.780
1953
6.849

29.779
1954
7.087

40.845
1955
6.772

52.887
1956
8.778

83.341

No dia 06.07.1934, o Governo Federal assinou o Decreto n° 24.596 autorizando a rescisão amigável do contrato de arrendamento com a Railway. No dia 05.04.1937, o Decreto n° 1.547 declarou rescindido o contrato de 1909.

-  Decreto n° 1.547

Condições a que se refere o Decreto n° 1.547, de 5 de abril de 1937.

I    - Como indenização pela rescisão do contrato aprovado pelo Decreto n° 7.344, de 25 de fevereiro de 1909, o Governo Federal pagará à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. a quantia de 17.514:198$000.

II  - O Governo Federal restituirá à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. a caução, no valor nominal de 500:000$000 depositada no Tesouro nacional.

III - Para efeitos do recebimento do acervo da Estrada, que estava arrendada à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd., a rescisão do contrato será tida por verificada em 10 de julho de 1931, considerando-se iniciada na mesma data a administração da Estrada por conta do Governo Federal.

IV  - (...) A Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. desiste de toda e qualquer reclamação, por fatos ou atos praticados pelo Governo Federal em relação aos contratos de construção, arrendamento e outros, bem como da reclamação para se cobrar de prejuízos sofridos com o afundamento do pontão Guaporé. Por sua vez, o Governo Federal desiste de qualquer penalidade imposta à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, com fundamento no contrato.

O Governo Federal tomava posse, definitivamente, de uma Ferrovia que na verdade era de sua propriedade.

-  Relatório do Superintendente da Ferrovia (1946)

No final do ano de 1946, o engenheiro Joaquim de Araújo Lima, superintendente da Ferrovia envia ao Governo Federal um relatório no qual ele aponta uma série de problemas enfrentados pela sua administração e apresenta um Programa, orçado em Cr$ 42.000.000,00, que visava modernizar e melhorar a eficiência da Estrada, as condições de trabalho e assistência aos trabalhadores:

A Madeira-Mamoré, não obteve recursos especiais, em 1946, para melhorar os seus serviços, em virtude da compressão geral de despesas adotadas pelo Governo da União. (...) É angustiosa a falta de braços ao longo da linha férrea, e a instabilidade dos trabalhadores que são admitidos ao serviço da ferrovia deve-se, em grande parte, ao estado sanitário da região agravado pela deficiência alimentar, e pelo desconforto absoluto existente nas precárias e anti-higiênicas barracas de palha onde moram os ferroviários.

Tendo reunido, com enorme sacrifício, cerca de 50 homens para a extração de dormentes, intensificando assim a produção dos mesmos na expectativa de receber numerário suficiente para atender ao pagamento correspondente, teve a Superintendência da Estrada que suspender, constrangida, a produção de dormentes sem os quais não poderá atender à sua linha que se encontra em deplorável estado. Sem uma linha firme e correta, não há material rodante que resista.

A omissão e a péssima administração do Governo Federal, os déficits sucessivos, a insalubridade, as intempéries e o processo inflacionário culminaram, por fim, com a inviabilização econômica da Ferrovia. A função da ferrovia deve ser, hoje, reavaliada, se, por um lado, ela não foi viável economicamente, sob o ponto de vista da nacionalidade ela teve influência capital. O desenvolvimento e o progresso acompanharam o lançamento de cada dormentes, o Estado começou a se fazer presente em regiões antes esquecidas e os brasileiros de todas as querências volveram os olhos para esta terra da promissão, prenhe de desafios e seara de tantos heróis.

A Amazônia ainda requer atenção especial das autoridades, não devem eles, em nome de preceitos ambientalistas radicais, estancar o progresso, inviabilizando ou dificultando a permanência humana na região. O Governo Federal, finalmente, reconhece a necessidade da construção das hidrelétricas, mas, infelizmente, adia a construção das eclusas que viabilizariam o transporte fluvial nessa imensa terra das águas. O último capítulo da história da Ferrovia do Diabo só será escrito no momento em que as eclusas das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estiverem funcionando. Um sonho de mais de século e meio que um dia se concretizará.



Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.