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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Ferrovia do Diabo (Capítulo X)

Madeira-Mamoré
Ferrovia do Diabo (Capítulo X)


Em suma, podemos afirmar que, para o ruinoso fracasso da citada empresa, influíram os fatores seguintes: crise, má administração, excessivos gastos, inconcebíveis e imperdoáveis caprichos comerciais, além de um profundo desconhecimento das características psicológicas do meio em que se exerciam as suas atividades.
(J. de Mendonça Lima – Cônsul do Brasil em Guaiara Mirim, Bolívia)

-  Administração da Madeira-Mamoré Railway


Os dois primeiros anos de operação (1912 e 1913) foram os de maior receita e maior saldo da Madeira-Mamoré Railway, a partir destes anos, porém, as receitas acompanharam a queda do preço da borracha. Os anos de 1914 e 1918, o período de 1921 a 1924 foram igualmente deficitários para a empresa. Acompanhando o “crack” da Bolsa de Nova York, de 1929, a empresa entrou em sérias dificuldades que a levaram a solicitar à União a interrupção do tráfego.


Receita
Saldo
Déficit
Ano
(Contos de Réis)
1912
4.656
3.188

1913
4.995
5.562

1914
2.724

209
1915
2.767
732

...
...
...
...
1922
1.443

821
...
...
...
...
1925
4.373
1.557

...
...
...
...
1929
1.990

156
1930
1.556

541

O advogado e representante da empresa, Dr. Ricardo Xavier da Silveira, no dia 25.06.1931, entrou com uma petição declarando que a empresa estava disposta a interromper o tráfego e solicitava que a Justiça citasse a União para receber o acervo da ferrovia. À meia-noite, do dia 30.06.1931, a Madeira Mamoré Railway suspendeu o tráfego da Ferrovia.

No dia 03.07.1931, o Procurador Geral da República Dr. Carlos Olyntho Braga comparece em juízo, e apresenta a contestação do Governo Federal afirmando que este se opunha à entrega da Estrada.

-  Administração do Governo Federal

No dia 10.07.1931, o Chefe do Governo Provisório, através do Decreto n° 20.200, determinou o restabelecimento do tráfego da Ferrovia. O Decreto afirmava que o tráfego seria restabelecido por conta da empresa arrendatária, com recursos provenientes da própria receita e caso estes não fossem suficientes seriam computados como débito da Railway. É interessante ressaltar que o decreto não menciona que conforme o estabelecido no contrato de arrendamento, de 1909, o Governo teria “o direito de impor uma multa por dia de interrupção igual à renda líquida do mesmo dia no ano anterior ao da interrupção”. Esta omissão era proposital já que no ano anterior, 1930, a receita tinha sido de 1.556 com um déficit de 541 contos de réis, não havendo, portanto, nenhuma multa a cobrar da companhia.


Receita
Saldo
Déficit
Ano
(Contos de Réis)
1932
1.008

257
...
...
...
...
1936
2.138
155

1937
2.615
245

...
...
...
...
1939
2.496

803
...
...
...
...
1944
5.755

1.188
...
...
...
...
1951
5.358

15.147
1952
7.261

21.780
1953
6.849

29.779
1954
7.087

40.845
1955
6.772

52.887
1956
8.778

83.341

No dia 06.07.1934, o Governo Federal assinou o Decreto n° 24.596 autorizando a rescisão amigável do contrato de arrendamento com a Railway. No dia 05.04.1937, o Decreto n° 1.547 declarou rescindido o contrato de 1909.

-  Decreto n° 1.547

Condições a que se refere o Decreto n° 1.547, de 5 de abril de 1937.

I    - Como indenização pela rescisão do contrato aprovado pelo Decreto n° 7.344, de 25 de fevereiro de 1909, o Governo Federal pagará à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. a quantia de 17.514:198$000.

II  - O Governo Federal restituirá à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. a caução, no valor nominal de 500:000$000 depositada no Tesouro nacional.

III - Para efeitos do recebimento do acervo da Estrada, que estava arrendada à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd., a rescisão do contrato será tida por verificada em 10 de julho de 1931, considerando-se iniciada na mesma data a administração da Estrada por conta do Governo Federal.

IV  - (...) A Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. desiste de toda e qualquer reclamação, por fatos ou atos praticados pelo Governo Federal em relação aos contratos de construção, arrendamento e outros, bem como da reclamação para se cobrar de prejuízos sofridos com o afundamento do pontão Guaporé. Por sua vez, o Governo Federal desiste de qualquer penalidade imposta à Madeira-Mamoré Railway Co. Ltd. pelo Ministério da Viação e Obras Públicas, com fundamento no contrato.

O Governo Federal tomava posse, definitivamente, de uma Ferrovia que na verdade era de sua propriedade.

-  Relatório do Superintendente da Ferrovia (1946)

No final do ano de 1946, o engenheiro Joaquim de Araújo Lima, superintendente da Ferrovia envia ao Governo Federal um relatório no qual ele aponta uma série de problemas enfrentados pela sua administração e apresenta um Programa, orçado em Cr$ 42.000.000,00, que visava modernizar e melhorar a eficiência da Estrada, as condições de trabalho e assistência aos trabalhadores:

A Madeira-Mamoré, não obteve recursos especiais, em 1946, para melhorar os seus serviços, em virtude da compressão geral de despesas adotadas pelo Governo da União. (...) É angustiosa a falta de braços ao longo da linha férrea, e a instabilidade dos trabalhadores que são admitidos ao serviço da ferrovia deve-se, em grande parte, ao estado sanitário da região agravado pela deficiência alimentar, e pelo desconforto absoluto existente nas precárias e anti-higiênicas barracas de palha onde moram os ferroviários.

Tendo reunido, com enorme sacrifício, cerca de 50 homens para a extração de dormentes, intensificando assim a produção dos mesmos na expectativa de receber numerário suficiente para atender ao pagamento correspondente, teve a Superintendência da Estrada que suspender, constrangida, a produção de dormentes sem os quais não poderá atender à sua linha que se encontra em deplorável estado. Sem uma linha firme e correta, não há material rodante que resista.

A omissão e a péssima administração do Governo Federal, os déficits sucessivos, a insalubridade, as intempéries e o processo inflacionário culminaram, por fim, com a inviabilização econômica da Ferrovia. A função da ferrovia deve ser, hoje, reavaliada, se, por um lado, ela não foi viável economicamente, sob o ponto de vista da nacionalidade ela teve influência capital. O desenvolvimento e o progresso acompanharam o lançamento de cada dormentes, o Estado começou a se fazer presente em regiões antes esquecidas e os brasileiros de todas as querências volveram os olhos para esta terra da promissão, prenhe de desafios e seara de tantos heróis.

A Amazônia ainda requer atenção especial das autoridades, não devem eles, em nome de preceitos ambientalistas radicais, estancar o progresso, inviabilizando ou dificultando a permanência humana na região. O Governo Federal, finalmente, reconhece a necessidade da construção das hidrelétricas, mas, infelizmente, adia a construção das eclusas que viabilizariam o transporte fluvial nessa imensa terra das águas. O último capítulo da história da Ferrovia do Diabo só será escrito no momento em que as eclusas das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio estiverem funcionando. Um sonho de mais de século e meio que um dia se concretizará.



Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.



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