MAPA

MAPA

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Desafiando o Rio-mar – Operação Tapajós - Berço da Humanidade I


Desafiando o Rio-mar – Operação Tapajós
Berço da Humanidade I

“(...) por uma grande lapa feita, e talhada por modo de uma grande Igreja, ou Templo, que bem mostra foi obra de arte, ou prodígio da natureza.”
(Padre João Daniel)

Minha permanência em Santarém, depois de aportar na Pérola do Tapajós, tinha por finalidade dar continuidade a uma série de pesquisas que me permitiriam tirar conclusões mais fiéis a respeito das narrativas de pesquisadores e escritores modernos e antigos. Eu concluíra a navegação, mas não as pesquisas referentes à 3ª Fase do Projeto. Uma de minhas maiores indagações se encontrava nas páginas da célebre obra “Tesouro Descoberto no Rio Amazonas”, do Padre João Daniel, escrito na prisão, entre 1757 e 1776. Daniel menciona pelo menos um local, na Bacia do Tapajós, que os nativos reverenciavam como o “Berço da Humanidade”. Como pesquisador, lancei-me de corpo e alma na tentativa de tentar averiguar “in loco” a existência do mesmo. Reproduzo, abaixo, dados do autor e seu intrigante relato para que o leitor compreenda meu interesse.

- João Daniel (1776)

João Daniel nasceu em Travassos, Província de Beira Alta, Portugal, em 24 de julho de 1722. No dia 17 de dezembro de 1739, ingressou na Companhia de Jesus e dois anos depois foi enviado para o Maranhão e Grão-Pará, onde completou sua formação no Colégio São Luís. Viveu dezesseis anos na fazenda Ibirajuba, considerada, na época, a melhor possessão dos jesuítas onde conviveu durante seis anos com nativos de diversas aldeias. Em 1757, o Marquês de Pombal determinou que todos os jesuítas fossem presos e deportados. O Padre João Daniel foi encarcerado no Forte Almeida, Portugal, de 1758 a 1762 e, depois, na Torre Julião, até o dia de seu falecimento em 19 de janeiro de 1776. Sua obra, escrita no período em que permaneceu cativo, revela com riqueza de detalhes incomparável três temas fundamentais: a terra, o homem e a cultura da Amazônia do século XVIII. Embora Padre Daniel faça dois relatos distintos a respeito de monumentos naturais na Bacia do Tapajós alguns autores advogam a possibilidade, ainda que remota, de que se trate do mesmo local já que os relatos poderiam se referir um à época das cheias e outro das vazantes. Digo remota porque na época das cheias as cavernas do Cupari ficam parcialmente submersas e, portanto, a descrição delas deveria ser diversa da apresentada ao Padre Daniel.

“Junto à catadupa do Rio Tapajós, acima da sua foz pouco mais de cinco dias de viagem, está uma fábrica, a que os portugueses chamam convento, por ter o feitio dele. Consiste este em um comprido corredor com seus cubículos por banda, e com suas janelas conventuais em cada ponta do corredor. É fábrica, segundo me parece das poucas notícias que dão os índios brutais em cujas terras está, de pedra e cal, e conforme a sua muita antiguidade mostra ser feito por mãos de bons mestres. É todo de abóbada, e muito proporcionado nas suas medidas, e não é feito, ou cavado em rochedo por modo de lapa, ou concavidade, como são os templos supra, mas obra levantada sobre a terra. Alguns duvidam se toda a fábrica consta de uma só pedra, porque não se lhe vêem as junturas: famoso calhau se assim é e, na verdade, só sendo um inteiro calhau parece podia durar tanto, pois segundo o ditame da razão se infere que ou é obra antes do universal dilúvio, ou ao menos dos primeiros povoadores da América, que por tão antigos ainda se não sabe decerto donde foram, e donde procedem. A tradição, ou fábula, que de pais a filhos corre nos índios, é que ali moraram, e viveram nossos primeiros pais, de quem todos descendem, brancos e índios; porém que os índios descendem dos que se serviam pela porta, que corresponde às suas aldeias, e que por isso saíram diferentes na cor aos brancos, que descendem dos que tinham saído pela porta correspondente à foz, ou boca do Rio; será talvez a principal, e ordinária serventia do palácio, e a outra uma como porta travessa: outros dizem que naquele convento moraram os primeiros povoadores da América, e que repartindo a seus filhos, e descendentes aquelas terras, eles bulharam (discutiram irracionalmente) entre si sobre quem havia de ficar senhor da casa, e que finalmente só se acomodaram desamparando a todos.

Eu não disputo agora sobre estas tradições, cuja ponderação deixo à discrição dos leitores, só digo que o palácio, ou convento bem merece veneração por velho e gozar dos privilégios dos mais antigos. Algum autor houve, que discorria ser a América o paraíso terreal, onde Deus pusera Adão, apontava para isso várias razões, fundadas já na sua grande fertilidade, e já nos seus grandes Rios; e outros que não aponto por me parecerem quiméricos, além de assentarem os maiores escriturários, que o lugar do paraíso era, e é na Ásia, encoberto, e oculto aos homens; e também pode ser na América do que prescindo; só digo que os que o põem na América têm neste “Convento” e tradição dos índios grande fundamento. A verdade é que os índios lhe têm tal respeito e veneração, que se não atrevem a morar nele, não obstante o viverem em suas fracas choupanas quanto basta a encobrir os raios do sol, e incomodidade da chuva; nem têm instrumentos para maiores fábricas, por não terem uso do ferro; e tendo ali casas feitas, e bem acomodadas, as deixam estar solitárias, servindo de covis aos bichos do mato, e de palácio aos grandes morcegos, e aves noturnas, que ali vivem, e moram muito contentes, e sossegadas, enquanto os tapuias não lhes dão caça com as suas flechas, para deles fazerem bons assados, e melhores bocados para os seus sair pela sua porta os índios, e por isso saíram tisnados (enegrecidos), e vermelhos: e quem fumo, e algumas vezes fogo por entre pedras; talvez que nele se tisnassem ao sair pela sua porta os índios, e por isso saíram tisnados, e vermelhos; e quem sabe se por causa deste fogo, e fumo, não habitam o convento? (...)

Mais curiosos foram os que mediram outra semelhante no Rio Tapajós, que com grande cabedal (caudal) deságua acima do Rio Coroa. Entre os mais Rios, e Ribeiras, que recolhe o Tapajós é um o Rio Cuparis, a pouca mais distância de três dias, e meio de viagem da banda de Leste no alegre sítio chamado Santa Cruz; é célebre este Rio, mais que pelas suas riquezas, de muito cravo, por uma grande lapa feita, e talhada por modo de uma grande Igreja, ou Templo, que bem mostra foi obra de arte, ou prodígio da natureza. É grande de cento e tantos palmos no comprimento; e todas as mais medidas de largura, e altura são proporcionadas segundo as regras da arte, como informou um missionário jesuíta, dos que missionavam no Rio Tapajós, que teve a curiosidade de lhe mandar tomar bem as medidas. Tem seu portal, corpo de Igreja, Capela-mor com seu arco; e de cada parte do arco uma grande pedra por modo de dois Altares colaterais, como hoje se costuma em muitas Igrejas; dentro do arco, e Capela-mor tem uma porta para um lado, para serventia da sacristia. O missionário que aí quiser fundar missão, já tem bom adjutório (auxílio) na Igreja, e não o desmerece o lugar, que é muito alegre. Bem pode ser que nos mais Rios e Distrito do Amazonas, e seus colaterais haja algumas outras Igrejas, ou Capelas; nestes três Rios Tapajós, Coroa e Xingu se descobriram estas, por serem mais frequentados”. (DANIEL)

- Jazidas de Gipsita no Rio Cupari

“A ocorrência de gipsita do rio Cupari foi reconhecida desde 1948 por Harald Sioli em trabalho versando sobre a topografia e limnologia do rio Cupari. A jazida está localizada no local denominado Manoel João, no baixo curso do rio Cupari, a 10 km de sua foz. (...) O mercado nacional de gipsita é abastecido, praticamente, na sua quase totalidade, pelas minas do Nordeste Brasileiro, o que reveste o jazimento do rio Cupari com características promissoras para o abastecimento dessa matéria-prima na região Amazônica, podendo eventualmente, atingir os centros consumidores de outras regiões do país, e quiçá, de mercados internacionais”. (CPRM)

O Cupari despertou, mais recentemente, a atenção da mídia, nos idos de 1948, quando foi relatada a existência de gipsita nas suas proximidades. O mineral de múltiplas aplicações é usado na produção do gesso, fertilizante, retardador de cimento, na fabricação cerâmica, de ácido sulfúrico, cervejas, moldes para fundição, vidros, esmaltes, desidratante, aglutinante, corretivo do solo, e aparelhos ortopédicos.

- Incursão ao Cupari (26 de janeiro de 2011)

Depois de Fordlândia meu interesse se concentrou na incursão ao Rio Cupari (Curupará ou Cuparis) e ao “Berço da Humanidade”. Partimos às onze horas para a foz do Cupari onde deveria estar nos aguardando um guia como fora anteriormente acordado, em Aveiro, com o Padre Sidney Augusto Canto, que nos acompanhava na Expedição. Aguardamos trinta minutos pelo guia que não apareceu e depois de colher informações desencontradas, de toda ordem, partimos, às 12h20, para a Comunidade de São Raimundo. O bravo Piquiatuba enfrentava a forte correnteza do Cupari, que beirava os 17 km/h, com muita valentia e mantinha uma velocidade em torno dos 12 km/h. Navegar em um Rio estreito permite que se observem as margens com mais detalhe. Apesar da beleza da vegetação da Floresta Nacional do Tapajós, cujo limite Norte era o próprio Rio, podia-se notar a ausência dos gigantes da floresta vítimas da ação antrópica. Depois de quatro horas de viagem, cinquenta quilômetros percorridos, aportamos na Comunidade de São Raimundo (3°56’48,2”S/55°19’24,5”O).

BM/Piquiatuba na Comunidade de São Raimundo

Para se ter uma idéia da sinuosidade do Cupari basta dizer que a foz ficava em linha reta a apenas vinte e cinco quilômetros de distância. Logo que chegamos o pessoal foi visitar a comunidade que estava bastante movimentada com o resultado da recente caçada: duas pacas, três cutias, um mutum e um tatu. O burlesco festim me fez lembrar uma recente refeição na qual “preservacionistas dialéticos” consumiram, sem qualquer constrangimento, dois pequenos jabutis, de menos de dez centímetros. Embora tenha sido iniciado na arte da caça ainda adolescente, aprendi, desde cedo, a preservar os filhotes e as fêmeas das diversas espécies. Nas praias sulinas retirávamos das redes, com cuidado, os siris que mais tarde serviriam de repasto, mas com a preocupação de devolver ao mar as fêmeas. Como Capitão, servindo em Aquidauana, MS, saíamos para caçar “porcos monteiros”, porcos domésticos criados a campo, e conscientemente evitávamos vitimar as matrizes. Fico impressionado como o discurso, de uns e outros, está longe da ação efetiva. A tolerância no consumo de filhotes de qualquer espécie não se coaduna, absolutamente, com qualquer um que pretenda se proclamar como defensor do meio-ambiente.

O Padre Sidney anunciou, novamente, que iria celebrar uma missa e incitei-o para que isso fosse feito com a presença da Comunidade local. A cerimônia simples foi realizada na escolinha e emocionou a todos nós. Quando jovens adultos mencionaram o fato de ainda não terem sido sequer batizados me aproximei do Padre e afirmei a ele que nada na vida acontecia em vão. O Sidney já havia feito menção de realizar uma missa a bordo em Fordlândia e que por fatores estranhos à nossa vontade não se concretizou. Certamente a cerimônia realizada em São Raimundo surtira um efeito muito maior do que a anteriormente programada. Voltamos para o barco tomando o cuidado de tirar os calçados embarrados e lavá-los nas águas do rio para não sujar o convés.

- Buscando o Berço da Humanidade (27 de janeiro de 2011)

Partimos, debaixo de chuva, às 6h50min, rumo às cabeceiras do Cupari. Improvisamos capas de chuva com sacos de lixo de cem litros tentando nos proteger da chuva fina e fria.

Passamos por uma novilha que lutava, com dificuldade, contra a correnteza forte. Soubemos, mais tarde, que ela fora “piedosamente salva” das águas pelos ribeirinhos que a carnearam sem compaixão. Aportamos nas imediações da casa do senhor Francisco Sales que nos serviria de guia, ele se esquecera de tirar a “malhadeira” e a hélice do 40hp enroscou nela. Nosso piloto, soldado Marçal, teve de lançar mão de um canivete para livrar a hélice, e ao recolher a rede verificamos que havia capturado um peixe cachorro de uns sessenta centímetros. Deixamos a rede e o peixe na embarcação do Sales que se aproximara rapidamente.

Sales em sua embarcação
À medida que subíamos o Cupari a vegetação se tornava mais densa e luxuriante. As gigantescas castanheiras e samaumeiras destacavam-se majestosamente sobre a copa das demais irmãs da floresta. No Solimões estas espécies dominavam a terra firme e agora eram senhoras absolutas da várzea.


  Cruzamos por um magnífico casal de araras azuis e uma infinidade de “ciganas” que se afastavam rapidamente à medida que nos aproximávamos.

Cigana ou Jacu-cigano (Opisthocomus hoazin): ave nativa do Norte da América do Sul. Habita regiões pantanosas e de várzea da bacia do Amazonas e Orinoco. A principal característica dos filhotes é um par de garras na ponta das asas, entre o primeiro e segundo dedos, que se perde quando atingem a maturidade. Os dedos são usados na proteção contra predadores, usando as garras para subir pelas árvores e fugir do ameaça.

Por volta das 7h50 chegamos à bifurcação com o Cuparizinho e continuamos até encontrar umas pedras que impediram nossa progressão por água por volta das 9h30. Descemos para esticar as pernas, analisar o terreno e fazer um pequeno lanche. Consultei o GPS e verifiquei que estávamos próximos à BR 230, ouvimos, ao longe, o som de carros na Transamazônica que estava no máximo a quatro quilômetros de distância. Ao regressarmos consultamos um morador que informou que as “cavernas” ficavam logo depois de nossa última parada e que o melhor acesso era por terra, via Transamazônica. Só então, o padre Sidney lembrou de que depois de Rurópolis, na BR 230, quilômetro 77, havia uma placa anunciando as tais cavernas que certamente eram nosso objetivo. Decidimos tentar, novamente, acessar o “Berço da humanidade” na próxima semana via terrestre.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O Sequestro da Hevea Braziliensis

O Sequestro da Hevea Braziliensis

“Perdido na mata exuberante e farta, com o intento exclusivo de explorar a hevea apetecida, o seringueiro compreende, de pronto, que a sua atividade se debaterá inútil na inextricável trama das folhagens, se não vingar norteá-la em roteiros seguros, normalizando-lhe o esforço e ritmando-lhe o trabalho tão aparentemente desordenado e rude”. (Euclides da Cunha – “Entre os Seringais” – Revista Kosmos, 1906)

Santarém e o Poderoso Tapajós povoam nossa memória com os trágicos acontecimentos que culminaram com a decadência do Ciclo da Borracha. Foram nestas plagas que o famoso biopirata Henry Alexander Wickham, a soldo do governo inglês, embarcou, em Santarém, as 70.000 sementes de seringueira, colhidas na baixo Rio Tapajós com destino à Inglaterra e cujo desenrolar vamos reportar.

- Hevea brasiliensis (Seringueira)

Planta tropical de ciclo perene cultivada com a finalidade de produção de borracha natural. A seringueira é encontrada nas margens dos rios e terrenos sujeitos a inundação da terra firme podendo atingir, em condições ideais, trinta metros de altura. A produção de sementes inicia aos quatro anos, e pouco antes dos sete anos a produção de látex. O diâmetro do tronco varia entre trinta e sessenta centímetros e a sua casca é responsável pela produção da seringa. Submetida a um manejo adequado poderá produzir, economicamente, por um período de vinte a trinta anos. A Hevea, nativa, tem como área de ocorrência toda a Amazônia brasileira, Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Suriname e Guiana, sendo que a brasileira, dentre todas as espécies, a que apresenta maior produtividade. Dentre as diversas doenças e pragas que atacam a espécie, o “mal-das-folhas”, Causado pelo fungo “Microcylus ulei”, é o mais conhecido e temido, e um dos principais fatores que restringem a expansão da heiveicultura no Brasil.

- A Árvore da Borracha - Seringueira

A borracha já era conhecida pelos indígenas antes do descobrimento da América. O Padre d’Anghieria, em 1525, observou índios mexicanos fazendo uso de bolas elásticas em seus jogos. O missionário Carmelita Frei Manuel da Esperança, em 1720, verificou que os índios Cambebas faziam uso da borracha para fabricar garrafas e bolas em forma de seringa. O Frei Manuel resolveu, então, dar à substância o mesmo nome do objeto fabricado com ela – “seringa”. O nome foi consagrado e, desde então, chamam-se de seringueiros aqueles que extraem o sumo leitoso da “Hevea” e a de seringais às plantações de onde ele é extraído.

- Viagem na América Meridional – Descendo o Rio das Amazonas
Fonte: Charles Marie de La Condamine.

La Condamine tinha vindo à América com a missão de medir um grau do meridiano e ao retornar à França levou uma amostra da goma elástica obtida na Amazônia Peruana, em 1.736, para ser examinada. Na sua apresentação aos cientistas da Academia de Ciências de Paris, em 1745, informou que os índios Omáguas davam o nome de “cahuchu” à resina retirada da “hevea”. Na oportunidade os membros da Academia não lhe deram a devida atenção, pois os produtos manufaturados com a substância tornavam-se pegajosos no calor e esfarelavam-se quando resfriados. Graças a Condamine a seiva da “hevea” ficou conhecida, na França, como “caoutchouc”.

“A resina chamada ‘caucho’ nos países da província de Quito vizinhos do mar é também comuníssima nas margens do Maranhão, e tem a mesma utilidade. Quando ela está fresca, dá-se-lhe com moldes a forma que se quer; ela é impenetrável à chuva, mas o que a torna digna de nota é a sua grande elasticidade. Fazem-se com elas garrafas que não são friáveis, e botas, e bolas ocas, que se achatam quando se apertam, mas que retornam a sua primitiva forma desde que livres. Os portugueses do Pará aprenderam com os Omáguas a fazer com essa substância umas bombas ou seringas que não necessitam de pistão: têm a forma de peras ocas, com um pequeno buraco em uma das extremidades a que se adapta uma cânula. Enchem-se d’água, e, apertando-se quando estão cheias, fazem o efeito de uma seringa ordinária”. (CONDAMINE)

O látex produzido pelo caucho (Castilloa ulei), citado por Condamine, é de qualidade bastante inferior ao do produzido pela “hevea” sendo, ainda, sua extração extremamente predatória. O caucheiro após identificar a árvore, limpa um local, próximo a ela, e escava um buraco no chão para coletar o leite. Derruba a árvore e, em seguida, faz cortes profundos para extrair o leite que escorre para dentro do buraco. Quando o produto solidifica ele o retira e dá algumas pancadas para limpar a areia e o barro aderido.

- Abertura das “Estradas”
Fonte: Euclides da Cunha - Entre os Seringais - Revista Kosmos..

“(...) o mateiro lança-se sem bússola no dédalo (Labirinto) das galhadas, com a segurança de um instinto topográfico surpreendente e raro. Percorre em todos os sentidos o trecho de selva a explorar; nota-lhe os acidentes; apreende-lhe a fisiografia complexa, que vai dos igapós alagados aos firmes sobranceiros às enchentes; traça-lhe os varadores futuros; avalia-lhe, rigorosamente, as ‘estradas’; e vai no mesmo lance, sem que lhe seja mister traduzir complicadas cadernetas, escolhendo à beira dos igarapés todos os pontos em que deverão erigir-se as pequenas barracas dos trabalhadores.

Feito este exame geral, apela para dois auxiliares indispensáveis - o toqueiro e o piqueiro (trabalhador que auxilia na abertura de estradas abrindo a picada); e erguendo num daqueles pontos predeterminados, com as longas palmas da jarina, um papiri (tapiri), onde se abriguem transitoriamente, metem mãos à empreitada. O processo é invariável. Segue o mateiro e assinala o primeiro pé de seringa, que se lhe antolha ao sair do papiri. É a boca da estrada. Aí se lhe reúnem o toqueiro e o piqueiro - prosseguindo depois, isolado, o mateiro, até encontrar a segunda árvore, de ordinário pouco distante, a uns cinquenta metros. Avisa então com um grito particular, ao toqueiro, que parte a alcançá-lo junto da nova madeira, enquanto o piqueiro, acompanhando-o mais de passo, vai tirando a facão a picada, que prefigura a ‘estrada’. O toqueiro auxilia-o por algum tempo, abrindo por sua vez um pique para o seu lado, enquanto um outro grito do mateiro não o chame a reconhecer a terceira árvore; e assim em seguida até ao ponto mais distante, a volta da estrada. Daí, agindo do mesmo modo, retrogradando por outros desvios, vão de seringueira em seringueira, fechando a curva irregularíssima que termina no ponto de partida. Ultima-se o serviço que dura ordinariamente três dias, ficando a ‘estrada’ em pique”.

- Extração da Borracha

Antigamente para colher a goma, cingia-se a árvore com um cipó que envolvia o tronco obliquamente a um metro e setenta do solo até o chão onde era colocado um pote de argila. Eram, então, feitos diversos cortes na casca acima do cipó que aparava a seiva e a conduzia até o pote. Este processo de sangria exagerada, conhecida como “arrocho”, acabava por matar a árvore e foi abandonado há muito tempo. Com o passar dos anos o método tornou-se mais racional visando preservar a integridade da “árvore da vida”.

O seringueiro parte, de seu tapiri, a cada dois ou três dias, de madrugada, carregando todos os seus apetrechos pela “estrada”. Este intervalo, antigamente desrespeitado, permite à árvore se recuperar da última sangria. Ele para, em cada uma das seringueiras, e parte para a extração da seringa que é feita através de pequenas incisões de 25 a 30 centímetros descendentes e paralelas na casca da planta, que começam a uma altura de aproximadamente dois metros acima do solo. Une depois, cada uma das extremidades inferiores dos cortes através de um talho vertical de maneira que o leite escorra dentro do traço para o fundo da cuia. A cuia é embutida na casca cortada para este fim e, eventualmente, pode ser usada uma argila para fixá-la no tronco. Os cortes são feitos, normalmente até as onze horas, em todas as árvores da “estrada”, exceto nos meses de agosto e setembro época da floração. Pelo meio-dia ele começa a recolher as cumbucas despejando o látex coagulado nas cuias em um balde ou então em um saco “encauchado” (impermeabilizado com látex).

A tarde, por volta das catorze horas, volta para o rancho, almoça e inicia a defumação do material recolhido que leva umas duas horas para ficar pronto. O fogo é feito debaixo da terra para que a fumaça saia por um furo ao nível do chão. A melhor fumaça é a de coco de babaçu, mas, no Rio Purus usava-se para esta operação os frutos da palmeira urucuri; no Rio Autaz os da palmeira iuauaçu e no Rio Jaú e onde estas palmeiras são mais raras utilizavam-se madeiras como a carapanaúba e a paracuúba. A bola de borracha (“pela”) é rodada em volta de uma vara de aproximadamente um metro e meio de comprimento chamada “cavador”. Para iniciar a bola enrola-se na vara um “tarugo” de goma coagulada no qual o leite gruda facilmente. O homem vai despejando o leite com uma cuia ou uma grande colher de pau, ao mesmo tempo em que gira o “cavador”, a parte líquida se evapora imediatamente, e forma-se uma fina camada de goma elástica, e a bola vai engrossando, cada dia um pouco mais. Uma “pela” pronta, depois de vários dias, pesa em média de 50 quilos, é, então, exposta ao sol, quando toma a coloração escura e assim permanece até ser comercializada.

- Primeiros Empregos da Borracha

A borracha foi empregada inicialmente em usos elementares como apagar traços de lápis no papel. Foi Magellan quem propôs este uso e Joseph Priestley, na Inglaterra, difundiu-o e a borracha recebeu, em inglês, o nome de “India Rubber”, que significa “Raspador da Índia”. Os portugueses a utilizaram para a fabricação de botijas para transporte de vinhos. Em 1785, o físico francês Jacques Alexandre César Charles, pioneiro do uso do gás hidrogênio para encher balões aerostáticos, recobriu seu aeróstato com uma camada de borracha dissolvida em essência de terebentina e a partir de 1790 começou a aplicá-la sobre tecidos e empregá-la na fabricação de molas.

Em 1815, Thomas Hancock, tornou-se um dos maiores fabricantes do Reino Unido, inventando um colchão de borracha e, associou-se à Mac Intosh, para fabricar as capas impermeáveis. Nadier, um industrial inglês, em 1820, fabricou fios de borracha e começou a usá-los em acessórios de vestuário. A América foi assolada, então, pela “febre” da borracha e logo, em seguida, apareceram os tecidos impermeáveis e botas de neve na Nova Inglaterra. A fábrica de Rosburg foi criada, em 1832, mas, como os artefatos de borracha natural sofriam sob a influência do frio e do calor os consumidores logo se desinteressaram dos seus produtos.

Charles Goodyear, em 1836, havia conseguido um contrato, com o Departamento de Correios dos EUA, para fornecer sacos postais de borracha. O problema é que os sacos de borracha eram muito ruins. Goodyear não querendo perder o importante contrato comercial realizou diversas pesquisas para produzir uma borracha de melhor qualidade, misturando dezenas de substâncias à borracha. Três anos depois, surgia a borracha “vulcanizada”, em homenagem a Vulcano, deus romano do fogo.

Em 1842, Hancock de posse da borracha vulcanizada por Goodyear, descobriu o segredo da vulcanização, fazendo fortuna. Em 1845 R.W. Thomson inventou o pneumático, a câmara de ar e a banda de rodagem ferrada. Em 1850 já se fabricavam brinquedos de borracha e bolas (para golfe e tênis). Em 1869, Michaux, inventou o velocípede que provocou o desenvolvimento da borracha maciça, depois da borracha oca e, em consequencia, à reinvenção do pneu, que havia caído no esquecimento. Michelin, em 1895, adaptou o pneu ao automóvel e desde então a borracha ocupou um lugar preponderante no mercado internacional.

- O Ciclo da Borracha

O Brasil inicia, a partir de 1827, a exportação da borracha natural. Charles Goodyear inventa o processo de vulcanização na década de 1840, possibilitando a produção industrial de pneus. No final do século XIX a recém criada indústria de automóvel estava em franca expansão e, com isso, a demanda pela borracha aumentou consideravelmente. O Brasil exportava, então, toneladas de borracha, principalmente para as fábricas de automóveis norte-americanas. A necessidade de atender a demanda crescente do produto gerou uma expansão demográfica importante na região, oriunda, principalmente, do nordeste do país. Em 1830, a população da cidade de Manaus que era de três mil habitantes passou, em 1880, para cinquenta mil. O aumento da população e da renda per capita estimulou o comércio e contribuiu para a construção civil e de obras de infra-estrutura, era o período áureo da Borracha.

- Victor Wolfgang Von Hagen Reportando Richard Spruce

Richard Spruce havia partido de Santarém, a 8 de outubro de 1850, para percorrer os afluentes do Amazonas e depois de quatro anos embrenhado nas selvas do Peru e da Venezuela, coletando exemplares da flora e da fauna, aportou em Manaus. Von Hagen faz uma interessante descrição do retorno do naturalista e de suas impressões a respeito do “boom da borracha”. Adoentado, Spruce, resolvera regressar a Manaus para passar uma temporada de repouso com os amigos mas, antes mesmo de aportar, no seu destino ele verificou que algo de anormal estava acontecendo, o tráfego era mais intenso e apressado.

“E o tráfego não esmoreceu quando eles se foram aproximando da pequena cidade. Canoas coalhavam o rio; caprichosos batelões com gigantescas toldas de popa, botes com imensas pilhas de mercadorias passavam velozes. Nisso, Spruce viu a cidade e quase não acreditou no que via! Não um, mas três barcos a vapor estavam atracados num cais muito bem feito. O fumo que deitavam era como nuvem negra que se erguia no ar imoto. Barcos a vapor no Amazonas!... Que portento!... Ao desembarcar, ficou abismado vendo as ruas cheias de gente: brancos, morenos, pretos, estrangeiros arrastando mercadorias a toda pressa, como se fossem formigas carregadeiras. Sobre o molhe, pilhas enormes de pedaços de borracha negra e manchada de fumo, esperavam a hora de ser transportada para os vapores ofegantes. A cidade toda havia mudado. Estava o dobro do que era; novos prédios haviam surgidos e no armazém do Sr. Antônio (Henrique Antony) a confusão era enorme. Comprava-se tudo – fósforo, espingardas, os mais variados artigos, aos berros e empurrões, agitando na mão o dinheiro para ter primazia nas compras. Teria alguém descoberto para ter primazia nas compras. Teria alguém descoberto o fabuloso Eldorado? O Sr. Antônio viu, do escritório anexo, a chegada de seu velho amigo e veio de lá com os braços abertos para receber Spruce.
- Meu Deus! – disse o botânico, alvoroçado – que foi que aconteceu, Antônio?

- O senhor não sabe? – respondeu o italiano. Não sabe, Sr. Ricardo? Nós descobrimos as riquezas fabulosas. Quem manda agora é a borracha! Estamos na época da borracha!

Richard Spruce tinha estado muito tempo isolado na selva para entender a coisa. Borracha? Sim, borracha! Mas, e aquela azáfama? Um caucheiro barbudo, suando muito e bebendo ainda mais, perguntou a Spruce, com espanto, por onde havia andado. A borracha, que poucos anos antes custava 3 centes o quilo, agora estava 1 dólar e 50, e cada vez subia mais. Cada dia que um explorador de borracha deixava passar, era dinheiro que perdia. A procura de objetos de borracha crescia constantemente com a expressão da indústria. Até mesmo no ‘Palácio de Cristal’, onde os ingleses realizavam a primeira exposição universal, os produtores de borracha atraíram verdadeiras multidões. A guerra também lhe deu o seu impulso. A luta inevitável entre os estados livres e escravos da América do Norte, estava principiando a devorar toneladas de viscoso líquido extraído da árvore chamada ‘Hevea braziliensis’. De tal modo a procura superava o fornecimento, que a cada semana o preço subia.

Ninguém podia resistir à coisa. Manaus, que as lendas do passado davam como a sede do Eldorado, tornara-se efetivamente Eldorado. O ouro corria como água nas suas ruas e a cidade inteira palpitava com o recrudescimento do sonho de riqueza. Os índios que antes se embriagavam com rum, agora mergulhavam seu ‘Weltschmerz’ em champanha. Comia-se até ‘patê de foie gras’, geléia de ‘Cross & Blackwell’, biscoitos de ‘Huntley & Palmers’, bebiam-se vinhos importados. Podia-se sentar a uma mesa para jantar e tinha-se manteiga vinda de Cork, biscoitos de Boston, presunto do Porto e batatas de Liverpol.

Caixeiros e barbeiros, homens de certa posição e mamelucos que no passado mourejavam para ganhar um punhado de mil-réis, agora tinham visões de milionários. Embrenhavam-se na ignota região do Amazonas com uma confiança que causava espanto a Richard Spruce. Seria possível que aqueles loucos não fizessem idéia do lugar para onde iam? O caucheiro começava sua vida de um modo simples. Arranjava dinheiro, vendia a alma a um patrão para lhe pagar em borracha, comprava uma piroga e mantimentos – farinha, peixe seco, garrafas de vinho, sal, artigos caros de importação – depois adquiria mercadorias e, no fim de tudo, machetes com que cortar e fazer porejar todas as árvores de borracha que encontrasse. De muitos que se haviam metido na empresa de obter a borracha e alcançar a glória, nunca mais se teve notícia. Muitos outros voltaram, com o espanto gravado na fisionomia, cheios de rugas pelos sustos que levaram, contando que se viram perdidos, que tinham curtido as torturas e incômodos da fome, da sede, da febre e das intempéries, que tinham lutado incessantemente contra enxames de insetos que não se saciavam de mordê-los e chupar-lhes o sangue. Referiam as suas tristes aventuras ao atravessarem pauis insondáveis, cheios de enguias elétricas e florestas com arbustos e cipós que lhe retalhavam a carne.

Spruce queria ver o progresso chegar ao Amazonas, mas nunca supôs que ele lá seria introduzido dessa maneira. Velhos negociantes que noutros tempos comerciavam em insignificantes quantidades com a opulência da Amazônia, eram agora verdadeiros nababos. Ébrios com o seu triunfo e com a champanha importada, descreviam para Spruce o que seria Manaus dentro de poucos anos. E, por mais que carregassem nas tintas do quadro, tudo o que diziam ainda seria inferior à realidade: dentro de 25 anos Manaus se transformou da aldeia de 3.000 almas que era, na populosa e alucinante metrópole de seus 100.000 habitantes. Transatlânticos fariam escalas obrigatórias junto às suas docas flutuantes, teatros líricos de mármore seriam construídos, bondes elétricos atravessariam velozmente suas ruas calçadas, capital estrangeiro superior a 40 milhões de dólares seria aplicado na cidade edificada sobre o pântano do ouro negro.

Richard Spruce sentiu um arrepio ao pensar naquilo que ele inconscientemente tinha ajudado a formar. Suas mudas, seus espécimes de produtos de borracha tinham estado em exposição e haviam contribuído para fomentar aquele negócio. Agora não havia mais de deter-lhe o avanço. A extração da borracha prosseguia com um entusiasmo que nunca fora igualado por nenhum outro movimento desde a descoberta do Novo Mundo. Essa indústria haveria de tragar os silvícolas. Tribos inteiras de índios seriam dizimadas. A borracha subiria ao preço fantástico de 3 dólares o quilo! Os magnatas da borracha escravizaram o Amazonas inteiro; a cobiça e a ambição aumentariam com o clamor sempre crescente do mundo para obter borracha... Ninguém sabe quanto tempo poderia ter durado o delírio da borracha, mas o famoso ‘seed-snatch’ de Henry Wickman pos-lhe fim. O ouro negro tornou-se lama negra e, por volta de 1900, o pântano da selva engoliu o sonho de um viçoso Eldorado”. (HAGEN)

- Os Rapinantes Europeus

Os laboratórios europeus descobriram outras aplicações para o uso do látex dando início ao Ciclo Industrial da goma elástica. Os empresários europeus, sobretudo os ingleses, mobilizaram seus esforços na tentativa de transplantar a seringueira para suas possessões orientais localizadas na região tropical. Vários botânicos e viajantes foram contratados para tentar contrabandear sementes e mudas de “Hevea”, mas, inicialmente, além de encontrarem dificuldades em burlar a fiscalização das autoridades alfandegárias brasileiras esbarravam na escassez de transportes fluviais.

“Em 1850, Sir William Jackson Hooker, de Kew Gardens, sondara Richard Spruce (então em Santarém) no sentido de obter mudas da árvore da borracha. Spruce tentou atendê-lo, mas sem contar com o transporte adequado a missão era impossível. Entretanto, fez um estudo meticuloso de todas as árvores que produziam borracha, e essas preciosas informações foram enviadas a Hooker, em Kew Gardens, que agia como conselheiro oficial, junto ao governo, em assuntos botânicos. O Brasil, naturalmente, se opôs a que levassem para fora plantas de borracha”. (HAGEN)

Apesar das observações de Hagen, Richard Spruce, um dos maiores botânicos e exploradores da Amazônia, foi, sem dúvida, o mais eficiente biopirata pretérito. Nascido na Inglaterra, em 1817, de família muito pobre, Spruce se ressentiu de dificuldades financeiras por toda a vida. Foi um naturalista profissional, ainda que de formação autodidata. Spruce desembarcou em Belém em julho de 1849, onde se encontrou com Wallace e Henry Bates. Estava a serviço de pelo menos onze herbários europeus para coletar amostras e enviá-las aos interessados. Em 1864, quando viajou de volta para a Inglaterra, levou pelo menos 30 mil plantas, além de mapas, sem considerar uma infinidade de sementes que já havia enviado por outros meios. Entre essas sementes estavam diversas espécies de seringueiras, produtoras de látex, além de plantas para uso medicinal. Após 17 anos de trabalho na Amazônia, Spruce, repercute os interesses imperialistas bretões lamentando:

“Quantas vezes lamentei o fato de não ser a Inglaterra dona do magnífico vale do Amazonas, em vez da Índia. Se o papalvo (indivíduo simplório, pateta) Rei Jaime II, em vez de meter Raleigh na prisão e depois cortar-lhe a cabeça, tivesse continuado a fornecer-lhe navios, homens e dinheiro até ele formar um estabelecimento permanente num dos grandes rios da América, não tenho dúvida de que todo o continente americano estaria neste momento nas mãos da raça inglesa”. (SPRUCE)

Em 1851, Thomas Hancock, inventor do elástico, dono da Macintosh&Company, a maior indústria britânica de produtos derivados da borracha, presenteou o príncipe Albert com uma barra de borracha em que estava inscrito o seguinte poema: “O ramo do comércio foi criado para associar todos os ramos da humanidade. Cada clima necessita o que outros climas produzem e, assim, oferecem algo para o uso geral de todos”. Atendendo aos interesses de Hancock, Sir William Jackson Hooker, diretor do “Royal Botanic Gardens, Kew”, prontificou-se a “oferecer toda e qualquer ajuda para quem desejar transferir a seringueira do Brasil para o território imperial”. Ainda assim, somente a partir de 1870, por pressão das autoridades inglesas radicadas na Índia, que o “India Office”, de Londres, passou a considerar com seriedade o assunto. Era uma questão estratégica piratear a borracha do Brasil e, em 1873, o “India Office” alocou pessoal e recursos financeiros para contrabandear mudas e sementes de seringueira.

- Aventuras e Desventuras de um Biopirata
Fonte: José Augusto Drummond, Boletim Museu Emílio Goeldi - Ciências Humanas, 2009

“Joe Jackson, jornalista e escritor norte-americano, escreveu essa densa e curiosa biografia do cidadão inglês Henry Alexander Wickham (1846-1928), famoso por ter furtado, em 1875, sementes da seringueira e levá-las para a Inglaterra. (...) Foi um aventureiro de um só feito. Era pessoalmente desinteressante, estabanado nas suas ações, monocórdico nas suas obsessões e previsível nos repetidos fracassos dos seus empreendimentos e da sua vida pessoal.

Um único episódio bem sucedido, em meio a uma trajetória cheia de tropeços, explica a fama que justifica o resgate da memória sobre Wickham nesta sua biografia, 80 anos depois de sua morte. Para os brasileiros, especialmente os amazônidas, no entanto, a fama quase pontual de Wickham tem especial e dolorosa relevância. O dia da vitória de Wickham foi o dia da derrota da Amazônia brasileira. Wickham foi o responsável por um dos atos mais famosos e consequentes do que hoje chamamos de ‘biopirataria’ - o furto de sementes da seringueira (Hevea brasiliensis) de seu habitat amazônico. Em 1875, aos 29 anos de idade, Wickham embarcou em Santarém, Pará, com destino à Inglaterra, carregando semi-clandestinamente 70.000 sementes de seringueira, colhidas na baixo Rio Tapajós.

Quarenta anos depois, esse furto premeditado poria fim ao boom econômico e financeiro da borracha nativa extraída na região amazônica. Nas quatro décadas que se seguiram ao furto, cientistas, administradores coloniais e fazendeiros ingleses aprenderam a plantar a árvore e formaram vastas, ordeiras e homogêneas plantações (na Índia, Sri Lanka e Malásia, primeiramente) e a extrair o látex em escala industrial. A enorme produção e a alta qualidade desse látex ‘domesticado’ fizeram com que, a partir de 1914, ele dominasse o mercado internacional. Os seringais nativos da Amazônia viraram relíquias falidas, quase instantaneamente. Em 1905, a região produzia 99,7% da borracha comercializada no mundo; em 1914, a cifra caíra para 39%, chegando a apenas 6,9% em 1922. O plantio ‘racional’ da seringueira liquidou a extração do látex nativo das seringueiras distribuídas ‘irracionalmente’ pela floresta amazônica. Foi o fim de uma era para a região.

Kew Gardens, o jardim botânico real da Inglaterra, situado em Londres, contratou formalmente Wickham para fazer esse furto, com a intermediação do cônsul inglês em Belém. Depois de vacilações e atrasos, Wickham foi feliz na seleção das sementes (grande quantidade, boa qualidade e isentas de doenças) no interflúvio dos rios Tapajós e Madeira, nas matas de terra firme perto de Boim, pequena localidade na margem esquerda do baixo Rio Tapajós. Teve sucesso também ao burlar a vigilância da aduana brasileira no porto de Belém. A sua boa sorte continuou com a baixa mortalidade das sementes durante a longa viagem marítima até a Europa.

Wickham protagonizou, portanto, um eficaz ato de biopirataria, cujas consequências só se materializaram 40 anos depois. (...) Um detalhe biográfico ressaltado pelo autor capta bem a gênese do espírito aventureiro de Wickham. Como adolescente, ele ficou impressionado com a forte repercussão de um episódio de biopirataria. Em 1859, o mesmo Kew Gardens promoveu, também na Amazônia, o furto de várias espécies do gênero Cinchona, arbustos de cujas cascas se retira quinino, usado até hoje no combate aos efeitos da malária. O autor desse outro ato famoso de biopirataria, Richard Spruce, renomado botânico inglês, conseguiu coletar exemplares de cinchona nas florestas tropicais de altitude do Equador e enviá-las para a Inglaterra. Mais tarde, elas foram cultivadas com sucesso em vários pontos do império britânico.

Jackson destaca que o bem sucedido furto de Wickham veio na esteira imediata de quatro anos de marasmo nos quais ele tentou se estabelecer como seringalista e fazendeiro nas imediações de Santarém, sem sucesso. Ainda antes disso, ele fizera excursões aventureiras quase fatais na Nicarágua e na Venezuela, das quais saiu falido, ferido e acometido de malária. Um dos pontos mais interessantes da narrativa de Jackson é que ele mostra que o furto das sementes não mudou a sorte pessoal de Wickham, embora o furto tenha tido repercussões econômicas enormes.

É verdade que Kew Gardens pagou a Wickham a quantia combinada, mas ficou apenas nisso. Diretores e cientistas de Kew bloquearam as duas maiores ambições do biopirata. Ele desejava, primeiro, participar dos estudos de domesticação da seringueira e da eventual distribuição de mudas e sementes a jardins botânicos e fazendeiros ingleses nas colônias tropicais da Inglaterra na Ásia. Segundo, ele queria se tornar um dono de seringais plantados e um produtor de látex, ou seja, um dono de ‘plantation’, em alguma dessas colônias. Jackson mostra que os aristocráticos cientistas de Kew não confiavam em Wickham, duvidavam dos seus conhecimentos sobre a planta e desprezavam a sua origem plebeia e a sua pouca instrução formal. Wickham foi excluído das fases de domesticação da árvore e da expansão dos plantios.

Nem a sua ‘boa fama’ de biopirata ficou incólume. Jackson documenta como a própria equipe de Kew ajudou a espalhar a história de que as mudas e sementes transferidas para Ásia descendiam de um outro lote de sementes, igualmente furtado e transferido do Brasil, por outro biopirata inglês, Robert Cross, também a serviço de Kew. Cross era um respeitado veterano das expedições que transferiram para o mesmo Kew Gardens exemplares da cinchona sul-americana, arbusto de alto valor por causa de suas propriedades medicinais. Ele coletou as sementes de seringueiras em torno de Belém, poucos meses depois de Wickham entregar as suas sementes em Londres.

Ressentido, mas não desanimado, Wickham logo partiu para outras aventuras, em outras terras, nas quais tentou se estabelecer como fazendeiro. Jackson narra coloridamente as suas passagens por Austrália, Honduras Britânica e Papua Nova Guiné. Faltou documentação para que Jackson montasse uma narrativa mais completa delas, mas o autor deixa claro o padrão de sucessivas aventuras e fracassos de Wickham.

Depois de sua estadia de quase cinco anos no Brasil, Wickham passou cerca de dez anos (1876-1886) em Queensland, na Austrália. Plantou café e fumo em terras compradas com o dinheiro ganho com as sementes de seringueira, mas foi à falência. A partir de 1886, tentou a sorte na Honduras Britânica. De novo, não teve sucesso como fazendeiro, tendo perdido as suas terras por causa de dívidas e documentação fundiária inadequada, embora tenha ocupado cargos de escalão intermediário no governo colonial inglês. Em 1895, Wickham estabeleceu-se num remotíssimo arquipélago de 23 ilhas de coral (Contract Islands), na extremidade leste da Papua Nova Guiné. Por cerca de cinco anos produziu coco e mamão, cultivou ostras, coletou esponjas marinhas e lesmas do mar e caçou tartarugas marinhas. Vítima de intermediários comerciais - iguais aos que na Amazônia o impediram de se tornar um seringalista -, mais uma vez o sucesso lhe escapou. Acabou endividado e foi praticamente expulso das ilhas. Desta vez, foi abandonado pela esposa Violet, uma valente inglesa, que o acompanhara ao Brasil, à Austrália, às Honduras Britânicas e a essas ilhas.

Wickham retornou à Inglaterra pouco depois de 1900, mas ainda fez viagens ocasionais às possessões coloniais britânicas no Extremo Oriente. Continuava com o projeto de ser um grande fazendeiro. Investiu em uma plantação de seringueiras na Nova Guiné e em outra de piquiá, na Malásia, planta que ele conhecera no Brasil. Elas não foram para frente.

Quase aos 60 anos de idade, Wickham ainda era um cidadão inglês quase anônimo e cronicamente falido. No entanto, como destaca Jackson, em torno de 1905 abriu-se uma nova era para ele. Começou a ser reconhecido como o ‘herói provedor’ das sementes de seringueira e, indiretamente, como corresponsável pelo espalhamento dos seringais e pelas riquezas que elas geraram. A borracha agora estava criando grandes fortunas para aqueles que plantavam seringueiras e se tornara imprescindível para a industrialização dos países ricos. O nome de Wickham ganhou fama ao mesmo tempo em que crescia a importância da borracha como commodity global.

À falta de outros sucessos, Wickham navegou com prazer na fama tardia conferida pelo seu feito biopirata de 30 anos antes. Publicou uma espécie de manual de cultivo da seringueira, incluindo um relato cheio de bravatas sobre o furto de 1875. Foi contratado como consultor de plantadores de seringueiras em várias colônias inglesas. Comparecia a eventos científicos e comerciais sobre a borracha, como um misto de perito em borracha e de celebridade. Ganhou prêmios em dinheiro de associações de plantadores de seringueiras, em reconhecimento do seu pioneirismo. Em 1920, recebeu da coroa inglesa um título de ‘Cavaleiro’ e uma pensão vitalícia, pelo seu papel na expansão do império britânico. Morreu na Inglaterra, em 1928, sozinho, sem familiares por perto e, como sempre, falido. Jackson o descreve de forma impiedosa nos seus últimos anos: ‘Agora ele era simplesmente um personagem, uma figura amarga, cômica, com uma cabeleira branca e um bigode de leão marinho, que investia contra as novidades modernas dos plantadores de borracha da Malásia cujos bolsos ele enchera”.

- A Decadência do Ciclo da Borracha

A heveicultura foi lançada pelos ingleses e holandeses em suas colônias asiáticas cujo clima era semelhante ao clima tropical úmido da Amazônia. Na década de 1890, as heveas, tinham se adaptado, perfeitamente, ao meio natural da Ásia. Em 1900, as plantações se estendiam às colônias inglesas do Ceilão, Malásia e Birmânia e a holandesa na Indonésia. Os resultados foram fantásticos, foi um sucesso agronômico e econômico. Em consequência, iniciou-se o colapso do ciclo da borracha, com um gradual esvaziamento econômico da região amazônica. Além da concorrência com produto Oriental, adveio uma praga nefasta nas seringueiras nativas, era o “mal-das-folhas”.

Desafiando o Rio-mar – Operação Tapajós - Fordlândia II


Desafiando o Rio-mar – Operação Tapajós
Fordlândia II


‘Há mais pessoas que desistem, do que pessoas que fracassam!’
(Henry Ford)

- Henry Ford

Henry Ford nasceu em uma fazenda em Wayne County, perto de Greenfield, Michigan, em 30 de Julho de 1863, e faleceu em Dearborn, Michigan, a 7 de Abril de 1947. Seu pai, William Ford, nasceu na Irlanda e a mãe, Mary Litogot Ford, filha de imigrantes belgas, nasceu nos EUA. O interesse de Ford pelos motores teve início na fazenda de seu pai onde ele observava com interesse os equipamentos estudando o funcionamento das máquinas. Ford tinha aversão às tarefas agrícolas e almejava diminuir o trabalho manual através da mecanização.

- Ford Motors Company

No dia 16 de junho de 1903, aliado a Alexander Y. Malcolmson, empresário de carvão de Detroit e a mais dez investidores, fundou a Ford Motor Company, com um capital de 150 mil dólares, sendo que 28 mil (valores da época) eram do próprio Ford. Ford investiu em inovações técnicas e de negócios, instituindo um sistema de franquias que criou concessionárias nas principais cidades dos EUA, e nas maiores cidades do planeta, consagrou o chamado “fordismo”, que nada mais é do que a aplicação do princípio da “linha de montagem”, que permitia fabricar um carro a cada 98 minutos. Ford não inventou a “linha de montagem”, ele próprio afirmava que teve a idéia de manter os trabalhadores no mesmo lugar, executando uma tarefa específica, ao observar uma “linha de desmontagem” nos matadouros de Chicago e Cincinnati, onde os açougueiros retalhavam as carcaças que passavam diante deles penduradas em ganchos. Também não foi dele a idéia de tornar as peças intercambiáveis, mas Ford foi o responsável pela aplicação destes dois princípios em uma fábrica transformando-a num sistema complexo de processos de sub-montagem cada vez mais integrados. Ford estabeleceu com seu carro recém-planejado um novo recorde de velocidade terrestre (147 km/h), em uma exposição sobre o gelo do Lago Saint Clair, percorrendo uma milha em 39,4 segundos.

Em 1914, maravilhou o mundo com o que ele denominava de “salário de motivação” (“wage motive”) passando a pagar cinco dólares por dia aos seus operários, mais que duplicando o salário da maioria dos trabalhadores. O resultado foi que os melhores profissionais de Detroit foram contratados pela Ford, aumentando a produtividade e minimizando os custos de treinamento. Aplicou, também, o uso da integração vertical que também provou ser bem sucedida na gigantesca fábrica da Ford, onde entravam matérias primas e de onde saiam veículos totalmente prontos. Ford produzia, na época, 1.200 automóveis por dia, e empregava mais de cem mil operários em suas fábricas.

- Exposição Industrial Ford

Em 1927, a General Motors (GM) oferecia aos seus clientes carros com dezenas de alternativas de cores e variadas opções de estofamento ao passo que os carros Ford só eram fabricados em verde, vermelho, azul e preto, ainda assim, um número maior do que nos anos anteriores, quando Ford afirmava que seus clientes poderiam ter os carros na cor que escolhessem, “desde que fosse preta”. Os usuários viviam uma época de prosperidade e graças a um crédito acessível tinham se tornado mais exigentes e buscavam modelos mais luxuosos. Forçado pela competitividade Ford decidiu suspender a fabricação do Modelo “T” em maio de 1927 jogando todos os seus trunfos no modelo “A” cujo primeiro carro foi montado em outubro do mesmo ano. Era uma tentativa de recuperar sua participação no mercado automobilístico.

A Exposição Industrial Ford, realizada, em janeiro de 1927, no Madison Square Garden, atraiu mais de um milhão de visitantes interessados em conhecer os diversos estilos do novo Modelo “A”, disponível em vários tipos de carrocerias e cores, e do “Lincoln Touring Car” que Ford havia adquirido seis anos antes com a intenção de entrar para o mercado de carros de luxo sem ter a necessidade de reconfigurar suas próprias fábricas. O resultado surpreendeu até mesmo aqueles que não acreditavam que a Ford conseguisse superar a crise motivada pela concorrência com a GM. A exposição exerceu um efeito catalisador que levou dez milhões de americanos a visitar as concessionárias Ford locais e a encomendar 700 mil unidades do Modelo “A”.

No dia 9 de janeiro de 1927, Henry Ford acompanhado de seu amigo Thomas Edison e de seu filho Edsel passeava pela Exposição assediado por inúmeros jornalistas. Mais que uma mostra de automóveis, a exposição pretendia fazer uma demonstração visual da operação das indústrias Ford, desde as matérias primas até o produto acabado. Ford anunciou, na oportunidade, que voaria até a Amazônia para inspecionar sua nova plantação de seringueiras.

- Cartelização da borracha

A indústria automotiva dependia muito da borracha vulcanizada, pois, usava o látex processado não só nos pneus, mas também nas as mangueiras, válvulas, gaxetas e fios elétricos. Setenta por cento da borracha importada era utilizada somente para a produção de pneus e embora a quilometragem das estradas pavimentadas norte-americanas tivesse aumentado significativamente depois da I Guerra Mundial, diminuindo o desgaste dos pneus e o aperfeiçoamento técnico na sua manufatura tenha aumentado a vida média dos mesmos, para mais de seis vezes, a demanda havia saltado para cerca de cinqüenta milhões de unidades por ano.

O látex extraído das seringueiras asiáticas era monopólio inglês que mantinham o preço da borracha em alta, único insumo que Ford não exercia qualquer controle e pretendia alcançar a independência em relação aos fornecedores. Durante décadas as indústrias americanas haviam importado a borracha, sem grandes problemas, das colônias europeias holandesas, francesas, e sobretudo britânicas, do sudeste asiático. Quando os preços começaram a cair, em 1919, Winston Churchill, Secretário de Estado para as Colônias, aprovou uma proposta para regular a produção de borracha bruta a fim de assegurar que a oferta não ultrapassasse a demanda. O aumento na demanda da indústria automotiva americana pela borracha deu nova vida ao colonialismo europeu enfraquecido pela I Guerra Mundial. A receita da borracha ajudou Londres, Paris e Amsterdã a manter suas colônias e a pagar suas dívidas de guerra. O Secretário do Comércio Herbert Hoover, que mais tarde seria Presidente dos EUA, alertou aos empresários norte-americanos de que eles dependiam demais da “Europa Imperialista” e que poderiam ficar sujeitos a preços abusivos caso os holandeses e franceses se aliassem ao Cartel proposto pelos britânicos.

Em fevereiro de 1923, Firestone convocou, no Willard Hotel, em Washington, uma conferência nacional de fabricantes de borracha, de veículos automotores e de acessórios. Além de Henry Ford compareceram mais de duzentos empresários do setor que não se mostraram sensíveis às preocupações de Firestone e à sua ideia de criar a “American Cooperative Association” cujo objetivo seria estabelecer plantações de seringueira na América Latina. Outros esforços, sem sucesso, foram tentados e, em 1926, Ford, que não era um homem habituado a sociedades, resolveu produzir seu próprio látex determinando a seu secretário Ernest Liebold que descobrisse qual o melhor lugar para se cultivar a borracha. As pesquisas de Liebold levaram-no a concluir que a Hevea deveria ser cultivada na sua origem e isso significava na Amazônia. A escolha do Vale do Tapajós para implantação do projeto levou em conta de que de lá tinham sido colhidas as sementes pirateadas por Henry A. Wickham e a região ser considerada o berço das melhores árvores da seringa do planeta.

- A Negociata de Villares

Henry Ford, em julho de 1925, depois do almoço, em sua casa em Dearborn, com Harvey Firestone, em que discutiram a proposta britânica de formação de um cartel, concedeu uma audiência ao Inspetor Consular do Brasil, em Nova York, diplomata José Custódio Alves de Lima. Lima fora autorizado pelo Governador Dionysio Bentes, do Pará, a oferecer “incentivos especiais” na esperança de que Ford instalasse seu projeto no Estado e ajudasse a reanimar a economia regional deprimida, desde 1910, com a perda do monopólio da borracha para as colônias asiáticas. Na oportunidade Ford quis saber qual era o salário pago aos seringueiros e Lima respondeu que era de 36 a 50 centavos de dólar por dia. O empresário respondeu “que pagaria até 5 dólares por dia para um bom trabalhador” e que sua maior preocupação não era o número de horas trabalhadas e sim a produtividade.

“Se Lima, muito citado na imprensa brasileira sobre o sucesso do encontro em Dearborn, era a face pública da campanha para atrair Henry Ford para a Amazônia, Jorge Dumont Villares tinha um papel mais furtivo. Villares pertencente a uma família de ricos cafeicultores e com boas ligações políticas, havia chegado a Belém, a capital do Estado do Pará, no início dos anos 1920. Apesar do colapso da economia da borracha, ainda havia dinheiro a ser ganho nos muitos esquemas criados para reanimar o comércio. Como sobrinho do famoso aviador Santos Dumont, o homem que, para os brasileiros, inventou o vôo a motor, mas teve o crédito roubado pelos irmãos Wright, Villares que gostava de ternos de linho e chapéus Panamá, era relativamente bem conhecido nos círculos da elite. Ele era alto, magro e um pouco inquieto, e era dissimulado. Pouco depois de sua chegada, ele começou a formar uma espécie de confederação de políticos, diplomatas e representantes da Ford, todos interessados em atrair Henry Ford para o Brasil.

O primeiro e mais importante aliado de Villares para fazer com que as coisas andassem foi William Schurz, que foi adido comercial de Washington no Rio, embora, para o aborrecimento do embaixador dos EUA, ele passasse a maior parte do tempo na Amazônia. ‘Gerações de homenzinhos têm mordiscado, como ratos, as bordas da Amazônia’, escreveu Schurz mais tarde em um livro sobre o Brasil – uma observação que poderia ser tomada como autobiográfica. Schurz havia ingressado no Departamento de Comércio no início da década de 1920, quando Herbert Hoover, o secretário, ampliava muito sua influência. Hoover triplicou orçamento do Departamento e acrescentou três mil funcionários, muitos deles adidos como Schurz, vendedores da crescente ambição econômica da América. Esses ‘cães de caça’ dos negócios americanos, como Hoover os chamava, tendiam a ignorar a geopolítica geral que tanto ocupava os diplomatas do Departamento de Estado. Em vez disso, faziam ‘lobby’, muitas vezes de forma muito agressiva, em favor de uma gama mais estreita de interesses específicos de corporações americanas – e também de si mesmos.

Schurz tinha sido membro da comissão organizada em 1923 pelo departamento do Comércio de Hoover, de estudo da possibilidade de reviver a produção da borracha na Amazônia como parte da campanha de Hoover para neutralizar o cartel proposto por Churchill. Era muito provável, pela experiência de Schurz na comissão, que ele tenha se dado conta das possibilidades de lucro, em especial depois da declaração de Dionysio Bentes, Governador do Pará, em 1925, de que ofereceria gratuitamente terras na floresta a qualquer pessoa disposta a cultivar seringueiras. Como diplomata dos EUA, Schurz não podia solicitar terras diretamente; assim, aliou-se a Villares, com a ideia de usar a cruzada de Hoover para vender sua concessão a uma corporação americana. Junto com Schurz e Villares estava Maurice Greite, um inglês que vivia em Belém e se auto-intitulava ‘capitão’, embora ninguém soubesse do quê. Antigo residente da Amazônia sempre em busca de uma grande chance fosse uma mina de chumbo ou um esquema de terras, Greite em pouco tempo tornou-se mais ônus do que um ativo para Villares. Mas prestou um serviço útil. Apresentou Villares a Antônio Castro, Prefeito de Belém, e ao Governador Bentes, dois homens cuja lealdade precisaria ser assegurada para que o plano tivesse possibilidade de sucesso. Em troca de uma parcela do dinheiro, ambos os governantes prometeram seu apoio. O Prefeito prometeu não se opor à transação e o Governador, em setembro de 1926, concedeu a Villares, Schurz e Greite uma opção sobre pouco mais de 10 milhões de hectares no baixo vale do Tapajós – um dos muitos lugares que os especialistas consideravam adequado para o cultivo de seringueiras em larga escala. Os três homens tinham três anos para desenvolver a propriedade ou vendê-la. Caso deixassem de fazer uma coisa ou outra perderiam sua opção e as terras reverteriam para o Estado.

Inicialmente Schurz tentou, da embaixada no Rio, interessar Harvey Firestone. Mas, quando este optou pela Libéria, ele voltou sua atenção para a Ford Motor Company, escrevendo cartas para Henry Ford e Ernest Liebold, seu secretário, exagerando as possibilidades da borracha na Amazônia. Como adido comercial, Schurz tinha acesso à pesquisa sobre a borracha realizada com recursos do governo americano, que ele repassou a Liebold antes que o Departamento do Comércio pudesse processá-la e colocá-la à disposição de outros possíveis investidores. Ao mesmo tempo, ele e Villares entraram em contato com dois homens, W. L. Reeves Blakeley e William McCullough, que Ford havia enviado a Belém depois de seu encontro com Lima para pesquisar locais em potencial para uma plantação de seringueiras. Não há evidências de que Blakeley recebeu dinheiro, mas documentos indicam que McCullough o fez. Villares prometeu lhe pagar US$18 mil por qualquer ajuda que pudesse dar para que o acordo fosse em frente.

Na Amazônia, Villares também começou a recrutar os serviços de John Minter, cônsul dos EUA em Belém. Neste caso, não foi oferecido nenhum dinheiro. Mas o ar conspiratório de Villares conseguia atrair confidentes. Cochichou a Minter que estavam em desenvolvimento planos para infectar as plantações de seringueiras do Sudeste Asiático com uma praga sul-americana, um fungo nativo da Amazônia que com frequência era letal para as seringueiras. Bastaria uma epidemia no Ceilão ou na Malásia, disse Villares ao diplomata americano, para devolver ao Brasil o domínio do mercado global. ‘Para bom entendedor, meia palavra basta’, disse Villares ao cônsul. Ele passava a Minter fragmentos de informações a respeito de suas negociações com corporações americanas, inclusive os contatos que havia feito com a Ford Motor Company, atraindo o diplomata para suas intrigas. Disse que tinha ‘plantado secretamente 500 mil mudas em terras devolutas adjacentes àquelas que Ford deverá assumir’, para que ele contasse com um estoque já pronto de Hevea e começasse a plantar tão logo iniciasse o projeto. A razão pela qual as mudas precisavam permanecer em segredo, disse Villares, era o fato de poderosos interesses locais estarem conspirando contra o fechamento do acordo. Em pouco tempo, Minter estava telegrafando para seus superiores no Departamento de Estado, dizendo-lhes que estava pondo seu escritório e seu pessoal a serviço de Villares em seus negócios com Ford. O passo seguinte de Villares, no fim do verão de 1926, foi viajar a Dearborn para levar sua proposta diretamente a Henry e Edsel Ford, tendo assegurado sua atenção provavelmente por intermédio de McCullough ou Blakely, com quem Villares fizera amizade.

Villares era um bajulador talentoso e, em seu encontro com pai e filho, oscilou entre o medo e a lisonja para defender seu ponto de vista. Apresentou a eles um mapa rascunhado da propriedade, que incluía duas cidadezinhas denominadas ‘Fordville’ e ‘Edselville’. Partindo do trabalhado preliminar de Schurz, pintou um quadro fantástico daquilo que poderia ser realizado na Amazônia, ‘a mais fértil e saudável região do mundo tropical’. O brasileiro elaborou um contrato nomeando-o executor do projeto e concedendo à empresa o direito irrestrito de extrair ouro, petróleo, madeira e até mesmo diamantes. Villares também prometeu a Ford que ele poderia construir hidrelétricas, importar e exportar qualquer material com isenção de impostos e tarifas e construir estradas, inclusive duas que subiriam 480 km em ambas as margens do Tapajós ‘para dentro das florestas virgens de seringueiras’ das cabeceiras do Rio, o que daria a Ford um monopólio completo sobre a produção de látex do vale. Ele disse a Henry e Edsel que preferia entregar as terras a um americano, mas caso não houvesse acordo poderia ser forçado a transferi-las a outros interessados antes que expirasse sua opção. Era doloroso, disse Villares a Ford, até mesmo ‘pensar que uma parte da minha pátria vá para as mãos de japoneses, britânicos ou alemães’. ‘O apelo foi ouvido’, disse Villares concluindo sua apresentação, ‘e a maior garantia de que o empreendimento será um sucesso é que o primeiro a responder ao apelo foi Ford. Ele nunca recua. Nunca fracassa’.

O encontro deixou Villares esperançoso. Do Cadillac Hotel em Detroit, ele escreveu ao seu colega conspirador Greite e pediu-lhe que fosse paciente: ‘Não diga nada’, pois as coisas estão indo bem em Dearborn. ‘Rasgue esta carta’, instruiu ele ao capitão.

Ford parecia fisgado. Contudo, Villares estava ansioso. Foi de Detroit para Nova York, onde escreveu outra carta, desta vez para Blakley. Se Ford não agisse depressa, contou ele ao aliado mais próximo da empresa, ‘logo alguém descobrirá’. ‘Quando você esteve aqui’, perguntou ele, ‘percebeu uma coisa curiosa: A fé que todos têm em Ford? A magia desse nome penetrou nos corações dos mais humildes e também no meu. Eles têm fé em Ford e eu também. Milhares esperam por sua vinda; ele virá’.

Ford permanecia indeciso, mas seu encontro com Villares levou-o a enviar ao Brasil Carl D. LaRue, botânico do campus de Ann Arbor da Universidade de Michigan, para ‘encontrar em algum lugar uma boa área para plantar seringueiras’. LaRue estivera uma vez na Amazônia, em 1923, chefiando a expedição patrocinada pelo Departamento de Comércio de Herbert Hoover para a busca de locais para a produção de borracha em longa escala, a mesma da qual participou o adido comercial William Schurz. Naquela viagem, o botânico cobriu um raio de mais de 40 mil km e suas descobertas, juntamente com aquelas de outras expedições, identificaram vários locais adequados espalhados às margens do Tapajós, um grande afluente do Amazonas que cruzava as terras de origem das seringueiras silvestres. Em grande parte tratava-se de terras públicas, que Ford poderia ter obtido diretamente por concessão governamental, com pouco ou nenhum custo. Mas desta vez LaRue não visitou nenhum dos locais anteriormente explorados; limitou-se a percorrer uma linha reta de 80 km ao longo da margem Leste do Tapajós, parte das terras para as quais Villares, Schurz e Greite tinham uma opção. Mais tarde, quando foram divulgados os detalhes do acordo – pelo qual Ford essencialmente comprou terras que provavelmente teria conseguido de graça –, começaram a circular boatos de que o professor de Michigan fazia parte da conspiração. LaRue negou as alegações, mas Ford não voltou a confiar nele. ‘Não pense que iríamos nos beneficiar usando-o’, foi o comentário escrito por Ford na margem da subseqüente oferta de LaRue para ajudar a colocar em operação a plantação de seringueiras.

(...) Em junho de 1927, delegou procurações a dois de seus funcionários, O. Z. Ide e W. L. Reeves Blakeley, e os enviou ao Brasil. Eles foram encarregados de negociar uma concessão de terras com o Governador do Estado do Pará, a jurisdição em que estava localizada a propriedade recomendada por LaRue, e a incorporação de uma empresa subsidiária pelas leis brasileiras para supervisionar a plantação. Ide e Blakeley, ambos com 37 anos de idade, e suas esposas viajaram até Nova York no final de junho. (...) Em Manhattam, os emissários de Dearborn foram conduzidos em um Lincoln pelo sr. Leahr, da filial, que os ajudou a obter seus vistos e a se prepararem para a partida no SS Cuthbert, da British Booth Line.

(...) Em 7 de julho, o Cuthbert entrou na baía de Marajó, uma das muitas embocaduras do Rio Amazonas, tão enorme que só viu terra no dia seguinte. (...) Mais adiante da água havia uma fileira da casas exportadoras, lojas e residências de comerciantes, atrás da qual, na rua Gaspar Viana, a Ford Motor Company abriria um escritório para coordenar a chegada de cargas de Dearborn e a contratação de trabalhadores. Na praia esperavam, para saudar a delegação da Ford, John Minter, o cônsul americano, e Gordon Pickerell, um revendedor local que havia acabado de se aposentar depois de 13 anos como cônsul dos EUA. Também estava presente Jorge Villares, a quem Blakeley cumprimentou cordialmente, fato que Ide achou estranho, uma vez que não se lembrava do parceiro ter mencionado qualquer contato que não fosse com Pickerell e Minter em sua viagem anterior. Blakeley fez as apresentações, mas de uma forma desajeitada, apenas murmurando o nome de Villarers.

(...) A despeito dessas maquinações ou, como Ide logo percebeu, por causa delas, as discussões com os funcionários do governo brasileiro transcorreram sem problemas. Villares, Blakeley e Ide se reuniram com o governador Dionysio Bentes – homem que havia concedido a Villares, Schurz e Greite a opção para as terras em questão – para começar as negociações. Não havia muito o que negociar. Curvando-se, assentindo e sorrindo para superar a barreira do idioma, Bentes disse aos homens que eles poderiam ter qualquer coisa que a Ford desejasse. A concessão exigia a aprovação do legislativo estadual, mas isso garantiu ele, era mera formalidade.

(...) Uma das primeiras coisas que eles precisavam fazer era elaborar uma descrição legal do imóvel designado. Para isso foram falar com Antônio Castro, Prefeito de Belém, que Ide achou ‘parecido com um macaco’. Castro tinha a promessa de Villares de algum dinheiro, mas ficou feliz em oferecer seus serviços de engenheiro civil por uma taxa adicional.

Ide não conhecia a propriedade – ficava a seis dias de barco de Belém. Mas no seu encontro com Castro desdobrou um mapa do vale do Tapajós e com um lápis preto traçou uma linha de 120 quilômetros Rio acima, depois uma de uns outros 120 terra adentro e outra paralela à primeira, finalmente voltando ao ponto de partida. Um total de 14.562 quilômetros quadrados. É um ‘montão de terra’, exclamou o Prefeito, surpreso. ‘Não é problema seu’, retrucou Ide. ‘Quero apenas que você nos de uma descrição’.

O passo seguinte era uma reunião com Samuel McDowell, o advogado do revendedor Ford local, para elaborar os termos do contrato. Num bloco de papel amarelo, Ide, Blakeley e Villares escreveram ‘exatamente o que queriam na lei que iria ao legislativo’. Tinham somente instruções vagas de Dearborn; então pediram tudo o que poderiam pensar; direito de exploração da madeira e reservas minerais, direito de construção de uma ferrovia e pistas de pouso, de erigir qualquer tipo de edificação sem a supervisão do governo, abrir bancos, organizar uma força policial privada, dirigir escolas, extrair energia de quedas d’água e ‘represar o Rio de qualquer maneira que necessitarmos’. A empresa foi isenta de impostos de exportação, não apenas sobre borracha e látex, mas também sobre quaisquer produtos e recursos que a empresa quisesse enviar para o exterior: ‘peles e couros, óleo, sementes, madeira e outros produtos e artigos de qualquer natureza’. ‘Pensamos em muitas coisas das quais nunca havíamos ouvido falar’, disse Ide, e, ‘à medida que avançávamos, nós as íamos adicionando’.

Em troca da generosidade de Bentes, os negociadores da Ford obrigaram a empresa a apenas plantar 400 hectares de seringueiras no período de um ano. Eles fizeram isso para preservar a ‘simetria e o equilíbrio’ do contrato e dar uma demonstração de boa-fé de que a Ford pretendia realmente cultivar seringueiras e não apenas minerar a terra em busca de ouro ou fazer perfurações em busca de petróleo. Blakeley supunha que seria nomeado gerente da propriedade e que poderia facilmente limpar e plantar 1.200 hectares em poucos meses. Então McDowell ‘colocou o contrato na linguagem correta’ e mandou que fosse traduzido para o português. Quando a equipe passou-o ao governador Bentes, esperava que ele recusasse algumas solicitações. Mas ele apresentou a lei ao legislativo sem qualquer comentário, com tudo aquilo que tinha sido pedido pela equipe da Ford. ‘Muito mais’, escreveu Ide, ‘do que esperávamos obter’.

(...) Bentes era homem de palavra e, em 30 de setembro de 1927, o legislativo estadual ratificou a concessão exatamente como havia sido composta pelos homens de Ford.

(...) Resumindo, o Estado do Pará cedeu a Ford pouco mais de um milhão de hectares, um pouco menos que aquilo que o advogado de Dearborn havia delineado no mapa, mas, sendo quase do tamanho do Estado de Connecticut, um vasto território. Metade dele provinha da reivindicação de Villares, pela qual a Ford deveria pagar US$125 mil, uma ninharia considerando-se a enorme riqueza da família. A outra metade era de terras públicas, que Ford recebeu de graça”. (GRANDIN)

Villares lucrou na negociata 125 mil dólares em terras que o governo paraense pretendia doar à empresa americana. O projeto começara mal e antes de Ford partir para a concretização de seu grande projeto amazônico foi informado de que o cartel da borracha estava desmoronando, porque os holandeses não haviam aderido a ele, mesmo assim o destemido empresário manteve sua decisão. Fordlândia fruto de um golpe arquitetado por um corrupto brasileiro, seria implantada em um terreno montanhoso e impróprio para seringueiras, próxima a cidade de Santarém, no Estado do Pará, à margem direita do Rio Tapajós, na bacia do Rio Cupari, nos municípios de Aveiro e Itaituba, numa comunidade denominada Boa Vista.

– Fordlândia

“O primeiro cuidado dos engenheiros encarregados foi lançar as primeiras fundações, tendo-se agasalhados parte deles na antiga casa de Boa Vista, que foi remodelada. Depois mandaram construir o Barracão Central que serve de escritório, consultório médico e dentário, farmácia, armazém de mercadorias, refeitório, etc., iluminado a luz elétrica, com telefone e ventiladores elétricos”. (Jacob Cohen - Fordlândia)

“A chegada dos americanos ao Tapajós causou uma verdadeira revolução em todo o Rio. Aqueles homens muito brancos, louros, de olhos azuis, falando uma língua diferente era a mesma coisa que a Terra fosse invadida por seres de outro planeta”. (Eymar Franco - O Tapajós que eu vi)

Blakeley e Villares, agora membro da equipe da Ford, montaram um acampamento próximo à vila de Boa Vista. O local permitiria, futuramente, a construção de um futuro cais sem a necessidade de dragagem do Rio e o terreno alto levava a supor que estariam livres dos mosquitos e outros insetos. Depois de resolverem os problemas legais de desapropriação de 125 famílias que moravam na área da concessão, além de alguns grupos indígenas esparsos, deram início ao desmatamento. O empreendimento trazia consigo um alento de esperança para o desenvolvimento daquela região tão esquecida baseado na admiração que todos nutriam pela indústria americana e do aporte de capital que adviria. Em contrapartida havia certa desconfiança em relação às reais intenções de Washington, pois, enquanto Ford arquitetava seu megalômano Projeto, os fuzileiros navais americanos invadiam e ocupavam a Nicarágua, o Haiti e a Republica Dominicana. Ontem, como hoje, os políticos entreguistas só pensam nas benesses que podem auferir sem considerar os prejuízos que suas ações podem acarretar para a soberania nacional.

“O fato de Ford ser obrigado a plantar seringueiras em somente 400 hectares, dos mais de um milhão concedido, levou algumas pessoas a sugerir que o ‘ianque milionário’ estava na realidade interessado não em látex, mas em petróleo, ouro e influência política. Grande parte destas críticas iniciais era, na verdade, um ataque ao homem que dera a concessão, o Governador Dionysio Bentes, um poderoso político local com muitos amigos, alguns inimigos e aspirações políticas mais altas. Foram criticados o sigilo sob o qual a concessão havia sido negociada e as generosas isenções fiscais. Foi observado que o banco autônomo, as escolas e a força policial da propriedade violavam a soberania do Brasil. Era, diziam, como se Ford tivesse o direito de governar a Fordlândia como um estado separado”. (GRANDIN)

Blakeley havia se instalado, com certo conforto, em uma velha fazenda nos arredores de Boa Vista, seus capatazes em um barracão improvisado e os trabalhadores dormiam em redes, ao relento, ou em improvisados tapiris. Blakeley e Villares haviam iniciado, precariamente, os trabalhos de desmatamento na época das chuvas e precisavam usar grande quantidade de querosene para queimar a mata derrubada. Alguns incêndios duravam dias.

“Aquilo me aterrorizou. Parecia que o mundo todo estava sendo consumido pelas chamas. Uma grande quantidade de fumaça subia ao céu, cobrindo o sol e tornando-o vermelho. Toda a fumaça e as cinzas flutuavam pela paisagem, tornando-a extremamente assustadora e opressiva. Estávamos a três quilômetros de distância, do outro lado do Rio, mas mesmo assim cinzas e folhas em chamas caíam sobre nossa casa”. (Eimar Franco)

Os igarapés próximos haviam sido transformados em depósitos de lixo onde os insetos proliferavam. Blakeley foi, finalmente, dispensado e sua partida para Dearborn provocou uma crise de autoridade que gerou uma série de desavenças no acampamento. A incompetência dos encarregados, a falta de equipamento adequado, as péssimas condições de trabalho, o ataque de animais peçonhentos, as doenças e a alimentação deteriorada culminaram com uma revolta e os trabalhadores perseguiram os americanos, armados de facões e machados, que se refugiaram na mata. A calma foi restabelecida e Villares tentou convencer aos americanos que o mérito era seu, mas os americanos estavam cada vez mais convencidos que Villares era um grande e incompetente falastrão. Em 1929, a imprensa nacional trouxe a história dos subornos a público resultando no afastamento definitivo do sobrinho de Santos Dumont da Ford Company.

Ford enviou os navios Lake Ormoc e o Lake Farge, embarcações de setenta e cinco metros de comprimento por quinze de largura, para o Pará. O Lake Ormoc serviria de base de operações durante a construção de Fordlândia e estava equipado com hospital, laboratório, frigoríficos, lavanderia, biblioteca, sala de estar e camarotes. O Farge, transformado em barcaça, foi usado para transportar víveres, uma escavadeira, geradores, tratores, uma britadeira, máquina de fazer gelo, equipamento hospitalar, betoneiras, uma serraria, bate-estacas, destocadores, rebocadores, lanchas, locomotiva, trilhos, prédios pré-fabricados, material de construção, de escritório e mudas de seringueira. Ao chegarem à foz do Tapajós os comandantes foram informados de que o Rio tinha somente noventa centímetros de calado, na época da seca, impedindo que os navios chegassem ao porto de Fordlândia. O capitão Einar Oxholm, que havia assumido o comando na ocasião da chegada dos navios ao Brasil, decidiu, então, transportar o material em balsas alugadas. A transferência atrasou tendo em vista que os guindastes necessários para realizar a operação tinham sido carregados primeiro e estavam sob todo o resto da carga dos navios. A propalada ‘eficiência’ americana mais uma vez dava mostras de sua fragilidade tanto sobre a omissão de informações importantes sobre as condições de navegabilidade do Rio como no carregamento dos navios. Oxholm era um homem honesto, mas não tinha qualquer experiência em botânica ou gerência.

Os operários orientados, agora, por Oxholm, iniciaram a construção da cidade que em pouco tempo se transformaria na terceira mais importante cidade da Amazônia. Uma das embarcações foi preparada para suprir temporariamente a aldeia de energia e servir de hospital. Grande parte da área foi ocupada pelos seringais, divididos de maneira extremamente regular. As condições de trabalho e o salário superior ao de outras cidades da região, pago quinzenalmente em espécie, provocou uma verdadeira corrida no posto de recrutamento da empresa. A mídia convocava trabalhadores, mas metade deles não passava no exame médico. Mas apesar disso a rotatividade dos milhares de empregados contratados por Oxholm era muito grande forçando os gerentes e capatazes a perder muito tempo no treinamento dos novos funcionários. Os trabalhadores assim que juntavam algum dinheiro voltavam para suas famílias e suas plantações.

“Oxholm tinha problemas para manter aceso o cordão de lâmpadas penduradas sobre as poucas ruas sujas que ele havia tirado da selva. Equipamentos e ferramentas descarregados do Ormoc e do Farge estavam espalhados pelo chão, e não houve nenhuma tentativa de fazer um inventário ou estabelecer um sistema de inspeção. Os roubos eram desenfreados. Oxholm não tinha construído uma doca permanente ou um edifício central de recebimento; assim, os materiais adicionais enviados de Belém ou Dearborn se amontoavam na margem do rio, igualmente sem supervisão. Sacos de cimento jaziam na margem ‘duros como pedra’.

As árvores tinham sido cortadas na margem do Rio, mas os arbustos permaneciam intocados. Nos poucos mais de 400 hectares desmatados e queimados para plantar, tocos carbonizados que Oxholm não se deu ao trabalho de arrancar se misturavam, como túmulos escuros, às mudas de seringueira que cresciam, fazendo com que a plantação parecesse um cemitério. O Capitão havia construído algumas casas, mas em quantidade insuficiente para atender às necessidades dos trabalhadores ou dos gerentes e suas famílias. O edifício do hospital tinha ‘afundado sobre seus alicerces e apresentava muitas rachaduras’.

(...) Os madeireiros descobriram em pouco tempo que as árvores potencialmente lucrativas nunca estavam grupadas, mas espalhadas por toda a floresta. E a floresta era tão densa de árvores, trepadeiras e cipós que teriam de ser cortadas quatro ou cinco árvores antes de ser aberta uma clareira para uma queda livre. ‘Custa caro demais’, lembrou um madeireiro, ‘ir aqui e ali pela floresta para obter uma espécie de madeira que valha a pena. Não se consegue andar três metros nesta selva sem ter de abrir seu próprio caminho. Isto é uma massa de árvores e cipós’.

(...) Oxholm começou a comprar madeira para suas necessidades de construção, o queria dizer que a plantação não só estava deixando de gerar receita com madeira, mas também perdia dinheiro para comprá-la. (...) A Ford Motor Company podia estar trazendo para a Amazônia as técnicas de produção industrial em massa, sincronizada e centralizada, mas, ao menos por algum tempo, baseou-se em lenhadores na selva usando pouco mais que machados para suprir sua futura plantação com madeira”. (GRANDIN)

Aos trancos e barrancos a cidade foi crescendo e a enorme caixa d’água de 50 metros de altura e com capacidade de 570 mil litros, símbolo da presença do Ford na Amazônia, foi colocada em ponto estratégico de onde pudesse ser vista por todos que chegassem à Fordlândia. No final de 1929, tinham completado a limpeza e o plantio de 400 hectares, bem aquém da especificada pelos administradores da Companhia Ford Industrial do Brasil. Nos dois anos que se sucederam, mais 900 hectares foram desmatados. Apesar disso as coisas evoluíam ainda que lentamente. A cidade possuía o melhor sistema de saúde da região e as casas dos administradores, na Vila Americana, jardins cuidados, gramados para golfe, quadras de tênis, piscina, campos de futebol, clube e cinema.

- A Revolução ‘Quebra-panelas’

No final de 1930, Fordlândia parecia ter superado os principais óbices, a maior parte das instalações tinha sido concluída, a limpeza de novas áreas estava em andamento, estradas construídas e a plantação de mudas de seringueiras prosseguiam. No entanto os trabalhadores brasileiros não estavam satisfeitos com o regime espartano imposto pelos capatazes americanos o que provocava uma enorme rotatividade entre os trabalhadores. A pontualidade, a proibição da ingestão de bebidas alcoólicas no perímetro da empresa, a alimentação tipicamente norte-americana, e a sujeição a uma forma de gestão a que não estavam habituados, gerava conflitos e diminuía a produtividade. Os brasileiros acostumados a organizar sua jornada de trabalho, de acordo com o Sol e seguindo o ritmo determinado pelos períodos de chuva ou estiagem tinham dificuldade de se habituar aos horários ditados por uma estridente sirene e o controle rígido dos cartões de ponto. Em cada detalhe ficava clara a falta de compreensão entre os dois mundos. Os trabalhadores solteiros foram proibidos de sair da propriedade para freqüentar bares e bordéis. Em Fordlândia era vedado o uso de bebidas alcoólicas, a “lei seca” fora exportada para a Amazônia. O jeitinho brasileiro incrementado pelo repentino influxo de dinheiro deu origem, ao estabelecimento, nas cercanias da cidade “americana”, de bares, casas de jogos e bordéis. Os solteiros de Fordlândia usavam de todo o tipo de artifício para contrabandear bebidas e dar uma “fugida” até a “ilha dos inocentes” onde encontravam bebidas e prostitutas vindas de Santarém e de Belém.

Não tardou para que a insatisfação com as normas americanas provocasse uma grande confusão. O conflito teve início no novo refeitório, uma estrutura de teto baixo, construída de metal, piche e amianto, mal ventilada que se assemelhava a um verdadeiro forno. Contrariando o acordado na ocasião do contrato os administradores decidiram que os operários teriam de pagar pelas refeições cuja dieta, estabelecida pelo próprio Ford, era constituída de farinha de aveia e pêssegos enlatados para o desjejum e espinafre enlatado, arroz e trigo integral para o jantar. A espera na fila era demorada tendo em vista que os funcionários do escritório tinham de registrar o número dos distintivos dos funcionários.

“Os cozinheiros tinham problemas para manter o fluxo de comida e os escriturários levavam tempo demais para anotar o número dos distintivos. Lá fora, os trabalhadores se empurravam, tentando entrar. Dentro, aqueles que esperavam pela comida se juntavam em torno dos atribulados servidores, que não conseguiam colocar o arroz com peixe nos pratos com rapidez suficiente. Foi então que Manuel Caetano de Jesus, um pedreiro de 35 anos do estado do Rio Grande do Norte, forçou sua entrada no refeitório e enfrentou. (...) Ostenfeld mandou Jesus voltar para a multidão e disse: ‘Tenho feito tudo por você; agora você pode fazer o resto’.

(...) A reação foi furiosa, lembrou um observador, como ‘atear fogo a gasolina’. O ‘terrível barulho’ de panelas, copos, pratos, pias, mesas, cadeiras sendo quebradas serviu de alarme, chamando mais homens para o refeitório, armados de facas, pedras, canos, martelos, facões e porretes. Ostenfeld, juntamente com Coleman, que havia presenciado a cena sem saber nada de português, pulou em um caminhão para fugir.

(...) Com Ostenfeld em fuga, a multidão ficou enlouquecida. Depois de demolir o refeitório, destruíram ‘tudo que pudesse ser quebrado que estivesse no seu caminho, o que os levou ao prédio do escritório, à usina de força, à serraria, à garagem, à estação de rádio e ao prédio da recepção’. Cortaram as luzes do resto da plantação, quebraram as janelas, atiraram uma carga de caminhão de carne no Rio e inutilizaram medidores de pressão. Um grupo de homens tentou arrancar os pilares do píer, enquanto outros atearam fogo à oficina, queimaram arquivos da empresa e saquearam o depósito. Em seguida, os desordeiros voltaram os olhos para as coisas mais intimamente associadas a Ford, destruindo todos os caminhões, tratores e carros da plantação. Pára-brisas e faróis foram espatifados, tanques de gasolina perfurados e pneus cortados. Vários caminhões foram empurrados para dentro de valas e pelo menos um foi jogado no Tapajós. Depois eles se voltaram para os relógios de ponto e os despedaçaram.

(...) Ladeado por soldados brasileiros armados, Kennedy reuniu os trabalhadores da plantação e lhes pagou ‘por todo o tempo até 22 de dezembro’. Em seguida demitiu toda a força de trabalho, com exceção de umas poucas centenas de homens.

Com a Fordlândia em ruínas e danos estimados em mais de 25 mil dólares, ele aguardou que Dearborn lhe dissesse o que fazer”. (GRANDIN)

- Fracasso

A comercialização de madeira nobre, das áreas desmatadas, inicialmente, reduziu, o ritmo da limpeza das áreas. A madeira excedente que deveria ser exportada para a Europa e Estados Unidos, depois de ser beneficiada na maior serraria instalada na América Latina foi considerada de aproveitamento caro demais e os administradores optaram pela compra de toras extraídas da mata pelos ribeirinhos. A falta de critério técnico na escolha da área com topografia montanhosa e solo pobre e pedregoso dificultavam o cultivo mecanizado, elevando o custo de implantação do seringal. A despreocupação em relação ao setor agrícola era patente se observarmos a relação dos técnicos que vieram, em 1927, para a implantação do Projeto, haviam engenheiros, médicos, contabilistas, eletricistas, desenhistas, mas nenhum agrônomo, botânico ou fitotecnista fazia parte da equipe inicial. Os gerentes da Ford desconheciam os procedimentos elementares para a plantação de seringueiras, o plantio muito próximo das mudas, a umidade elevada, facilitou a disseminação das pragas agrícolas e principalmente do seu maior inimigo o “Mal das Folhas”, doença causada pelo fungo Microcyclus ulei. Estudos anteriores à implantação de Fordlândia indicavam que a floresta era capaz de proteger a árvore dessa praga. Isso porque a distância entre uma seringueira e outra diminuía a intensidade do ataque. Além da topografia e do clima, Fordlândia estava a quatro dias de barco de Belém, e no período da estação seca o Rio Tapajós baixa o nível de suas águas, não permitindo a entrada ou saída de grandes navios até o porto da Companhia.

- Belterra

Só em 1932, depois do fracasso da baixa produtividade, a companhia decidiu contratar um especialista no cultivo de borracha o botânico James R. Weir, que havia trabalhado na American Rubber Mission. James reportou em seu relatório inicial uma série de omissões em aspectos elementares de gestão agrícola, e sugeriu como medida de urgência a importação do Sudeste Asiático, de clones de alta produtividade garantida e sugeriu a troca da área de Fordlândia por uma nova área, de 281 mil hectares, em Belterra, a 48 quilômetros de Santarém e que permitia a navegação regular de navios de grande calado durante todo o ano. Em Belterra o terreno possuía uma melhor drenagem, era mais ventilado e menos úmido – condições menos favoráveis à propagação do “Mal-das-folhas”. Seis anos depois de ter chegado a Fordlândia, a Companhia reiniciava do zero seu projeto de produzir borracha na Amazônia.

“Weir ensinou o pessoal a fazer enxertos da forma correta. Mas o verdadeiro problema, disse o patologista, era que a Fordlândia não tinha espécimes seguros de onde tirar enxertos. Assim Edsel concordou com o pedido de Weir de viajar ao sudeste da Ásia, para Sumatra e Malásia, a fim de encontrar espécimes garantidos. Weir partiu, em junho de 1933, e obteve rapidamente 2.046 troncos enxertados de uma seleção garantida de árvores de alto rendimento. Embalados em serragem esterilizada, eles deixaram Cingapura no fim de dezembro, cruzaram o oceano Índico, passaram pelo Canal de Suez no início de 1934, atravessaram o Mediterrâneo e o Atlântico e subiram o Amazonas”. (GRANDIN)

Em 1934, chegaram os 53 clones selecionados por Weir. Apesar da melhor localização, salubridade e seleção das mudas o seringal também foi atacado pelo “Mal das Folhas”. Mas graças à utilização de práticas de manejo, seleção de sementes, emprego de mudas mais resistentes, enxertia de copa e controle com fungicidas, permitiram que o seringal passasse a conviver com o Microcyclus. Em 1941, as primeiras seringueiras plantadas em Belterra começaram a ser exploradas, mas a produtividade era extremamente baixa e os trabalhadores continuavam reclamando da alimentação e das normas americanas. Uma vila vizinha fazia o papel de “ilha dos inocentes.

- Fim da Segunda Guerra Mundial

O surgimento de novas tecnologias que utilizavam os derivados do petróleo para a fabricação de pneus inviabilizou totalmente a desastrosa experiência de Ford na Amazônia tendo como resultado um prejuízo de mais de vinte milhões de dólares.

“Com o fim da Segunda Guerra Mundial, muita coisa havia mudado. O principal – e determinante – fator para o fim do sonho de Ford no Brasil foi o surgimento da borracha sintética, que passou a ser largamente produzida em países como Japão, Alemanha e Rússia e que tornou a borracha natural menos interessante. Além disso, a idéia de terceirização surgia e já não era mais necessário se preocupar com o todo da produção de um automóvel. Em 1945, Henry Ford, sem nunca ter pisado em suas terras brasileiras, resolveu deixar de lado a Amazônia e vendeu por 250 mil dólares as cidades ao governo brasileiro, com tudo o que restava nelas. Hoje, Fordlândia está praticamente abandonada, tomada pelo mato. Belterra, pela proximidade com Santarém, tornou-se um município um tanto maior, com cerca de 17 mil habitantes”. (Maria Fernanda Ziegler)

- A retirada

“Foram dezoito anos em que a Companhia exerceu os direitos de concessão de uso de um milhão de hectares na Amazônia, quando resolveu se retirar ‘entregando’ terras e benfeitorias ao Governo Brasileiro. Pelo Decreto Lei 8.440 de 24 de dezembro de 1945, o Governo Federal estabeleceu normas para a aquisição do acervo da Companhia Ford Industrial do Brasil, operação que se efetivou através do Banco de Credito da Borracha S.A, atual Banco da Amazônia, pagando por ele o preço simbólico de cinco milhões de cruzeiros (250 mil dólares). Segundo Warren Dean, valor que a empresa devia a seus trabalhadores de acordo com as leis brasileiras relativas ao aviso prévio. Segundo estimativas, as duas plantações custaram à Companhia Ford um investimento de mais de vinte milhões de dólares. Por esse valor simbólico, o Governo Federal recebeu seis escolas (quatro em Belterra e duas em Fordlândia), dois hospitais, patrulhas sanitárias, captação, tratamento e distribuição de água nas duas cidades, usinas de força, mais de 70 quilômetros de estradas bem conservadas; dois portos; estação de rádio e telefonia; duas mil casas para trabalhadores; trinta galpões; centros de análise de doenças e autópsias; duas unidades de beneficiamento de látex; vilas de casas para a administração; departamento de pesquisa e análise de solo. Além de mais de cinco milhões de seringueiras plantadas: 1.900.000 em Fordlândia e 3.200.000 em Belterra”. (Cristovam Sena)

Fontes: FRANCO E. O Tapajós que eu vi. Santarém: Editora ICBS, 1998.
            GRANDIM, Greg. Fordlândia: Ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
            SENA, Cristovam. Fordlândia: Breve relato da presença americana na Amazônia.