MAPA

MAPA

sábado, 23 de fevereiro de 2013


Juruá – Tefé (2ª Parte)

Hiram Reis e Silva, Tefé, Amazonas, 23 de fevereiro de 2013.

“A partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu mais belo e arrojado ideal. Partirei sem temores; e nada absolutamente me demoverá de tal propósito”.
(Euclides da Cunha)

-  Estirão das Gaivotas – Tamaniquá (17.02.2013)

Dormi mal, a expectativa era muito grande. Estava prestes a me despedir definitivamente deste belo, tumultuário e sinuoso amigo, encantador e cheio de surpresas, mas que exigira de cada membro da Expedição o limite de sua força, tenacidade, capacidade de vencer o cansaço, o calor insuportável, o assédio constante dos insetos, o desconforto muscular e a constante incerteza de encontrar um abrigo seguro e salubre ao final de cada jornada.

Para conseguirmos completar nossa próxima jornada de 135 km precisaríamos contar com a boa vontade de São Pedro, uma determinação férrea e torcer para que nossos músculos cansados e maltratados aguentassem mais este enorme esforço. Partimos as 05h30 da manhã imprimindo inicialmente um ritmo lento para aquecer progressivamente nossos corpos, uma agradável garoa acariciava-nos como querendo mostrar que São Pedro, o Santo Padroeiro do meu pago, Mestre dos ventos e das chuvas nos prometia uma trégua neste derradeiro dia vagando pelo Juruá. Curiosamente confirmava-se a previsão, feita na noite anterior por um dos moradores da Comunidade, que apesar da noite muito clara e sem nuvens, afirmara categoricamente que iria chover a manhã inteira.

Confirmamos, no terreno, o que nos informara o Secretário Extraordinário do Município de Juruá José de Arribamar, o grande vazio demográfico que existia desde o Estirão até a próxima Comunidade em condições de se buscar abrigo, exatos 60 quilômetros. A chuva só parou por volta das 13 horas e o calor amazônico começou a minar nossas forças. Por volta das 15 horas o Arribamar passou por nós numa embarcação escolar e daí em diante fomos costurando nossas rotas já que o dinâmico secretário estava realizando a matrícula escolar das crianças ribeirinhas e precisava aportar em cada Comunidade.

Chegamos à foz do Juruá às 17h30 e me surpreendi com a mudança processada nos últimos 5 anos, a Comunidade Nova Matusalém (antiga Porto Columbiano) que ficava à margem esquerda da Boca do Juruá simplesmente sumira. O Rio que antes apontava para Leste num percurso de 5 km até encontrar o Solimões retificara sua rota final rumo Norte e assoreara o antigo braço aterrando-o. Encontramos, depois, Nova Matusalém a cinco quilômetros à jusante da foz.

“É o mais original dos lazaretos – um lazareto de almas! Ali, dizem, o recém-vindo deixa a consciência...  A Ilha que existe à Boca do Purus, perdeu o antigo nome geográfico e chama-se ‘Ilha da consciência’; e o mesmo acontece a uma outra, semelhante, na foz do Juruá. É uma preocupação: o homem, ao penetrar as duas portas que levam ao paraíso diabólico dos seringais, abdica às melhores qualidades nativas e fulmina-se a si próprio, a rir, com aquela ironia formidável.
(Euclides da Cunha)


Quando desci o Solimões, em dezembro de 2008, ainda se podia vislumbrar o que restara da abalada Ilha da Consciência. Naquela época ela já era uma mera sombra do que fora no passado. Parece que a natureza resolveu definitivamente exterminar este “lazareto de almas”, a que se refere o grande Euclides da Cunha, como se quisesse varrer da memória as sandices praticadas outrora.

Chegamos a Tamaniquá, às 06h30, exaustos. O Mário já tinha feito os contatos necessários e fomos alojados na escolinha podendo usar a cozinha e o banheiro.

-  Tamaniquá – Flu. Novo Horizonte – Flu. Cauaçu (18 e 19.02.2013)

Graças ao Coordenador de Operações do Instituto Mamirauá Sr. Armando Athos Rebelo de Medeiros Filho conseguimos autorização para pernoitar nos confortáveis Flutuantes Novo Horizonte e Cauaçu. Nosso caro amigo Josivaldo Ferreira Modesto, mais conhecido como César Modesto é agora Coordenador do Núcleo de Inovações Tecnológicas Sustentáveis. O César nos apoiou incondicionalmente por ocasião de nossa Descida pelo Solimões.

-  Flutuante Cauaçu – Tefé (20.02.2013)

O General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, Comandante da 16º Brigada de Infantaria de Selva, Tefé, AM, montou um aparato fantástico para nossa chegada em Tefé. Pela primeira vez desde que iniciei minhas descidas pelos amazônicos caudais tive uma recepção desta magnitude. Fomos acompanhados, desde a Boca do Lago de Tefé no Solimões até o Porto, por uma escolta fluvial e na chegada além dos sons marciais proporcionados pela excelente Banda de Música da 16ª Bda Inf Sl e dos fogos de artifício fomos recepcionados pelo Chefe do EM Coronel Dougmar Nascimento das Mercês, Ten Cel Marcelo Rojo, Comandante da 16ª Base Logística de Selva e diversos oficiais do alto comando da 16ª Bda.

O E/5 da Bda, Capitão Diógenes Pinheiro Pimentel, havia agendado diversas entrevistas na cidade e além delas, à noite fui entrevistado, às 21 horas, via celular pelos nossos fiéis amigos da AmazonSat que nos acompanham a par e passo desde o início de nossa jornada no Acre. O querido Ir:. Carlos Atanau também havia agendado uma entrevista na Rádio Luz e Alegria de Frederico Westphalen (FW), RS, para as 19 horas (hora do Amazonas). Nessa entrevista lembrei que desde que iniciei, há 13 anos uma série de palestras sobre a Amazônia Brasileira, hoje ultrapassam a 400, esta foi a segunda vez que não consegui segurar a emoção e as lágrimas escorreram sobre a face enrugada deste velho guerreiro. A primeira foi em FW, RS, o Ir:. Carlos convidou-me a realizar uma palestra para estudantes do ensino fundamental do Colégio Nossa Senhora da Auxiliadora. Ao final do evento as crianças vieram me abraçar, beijar e pedir autógrafos, chorei e ao olhar para meus irmãos maçons, que me acompanhavam, Carlos, Teixeira e Deoclécio vi que eles também não tinham conseguido conter as lágrimas. Quando me perguntam porque não cobro pelas palestras eu digo que este é o meu pagamento – a emoção de ter transmitido algo que tenha, de alguma forma, repercutido no coração e nas mentes das pessoas.

-  Adeus Irmão Juruá

Concluindo agora minha saga pelo Rio mais sinuoso do mundo só tenho a agradecer a todos que de uma maneira ou outra colaboraram para que atingíssemos nosso objetivo. Tivemos desde o início o apoio fundamental do Exército Brasileiro através da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Tefé, AM, e seu 61º Batalhão de Infantaria de Selva, Cruzeiro do Sul, AC, do 2º Grupamento de Engenharia representado pelo 5º Batalhão de Engenharia de Construção, Porto Velho, RO, 7º Batalhão de Engenharia de Construção, Rio Branco, AC e 8º Batalhão de Engenharia de Construção, Santarém, PA. No Acre e no Amazonas fomos apoiados pelas Polícias Militares desses Estados. Gostaríamos de agradecer particularmente ao Capitão PM Moura e Sgt PM Antônio que nos apoiaram em Cruzeiro do Sul e Porto Valter, ao Tenente PM Rodney, em Ipixúna, Tenente PM Ricardo em Eirunepé, Sargento PM Barbosa em Itamarati, Tenente PM Alain em Carauari e Tenente PM Jesus de Juruá. Além destas Instituições fomos assistidos pelos irmãos maçons de Eirunepé e Carauari liderados pelos veneráveis Ir:. Francisco Djanir e Santiago, respectivamente, pelo Sr. Armando Athos Rebelo de Medeiros Filho do Instituto Mamirauá e pelo empresário Abraão Cândido em Ipixúna.

http://www.youtube.com/watch?v=hRYd2M_hYSE&feature=youtu.be





Juruá – Tefé (1ª Parte)


Juruá – Tefé (1ª Parte)

Hiram Reis e Silva, Flutuante Cauaçu, Amazonas, 19 de fevereiro de 2013.

“A partida para o Alto Purus é ainda o meu maior, o meu mais belo e arrojado ideal. Partirei sem temores; e nada absolutamente me demoverá de tal propósito”.
(Euclides da Cunha)

O início de minha Expedição pelo Juruá foi carregado de incertezas, dificuldades e obstáculos de toda a ordem, o bom senso recomendava que eu abortasse a Missão. Esta era, porém, uma oportunidade única de desbravar novos horizontes, navegar por estes “brasis ainda sem Brasil” tão desconhecidos dos nacionais e olvidados pelo poder público, perlustrar infindos meandros do serpenteante Juruá, conhecer novas gentes e, sem dúvida, de ter a ventura ímpar de fazer parte de uma Expedição histórica que desceria de caiaque, pela primeira vez, na história do tumultuário Juruá, percorrendo-o na sua integralidade. Tudo conspirava contra, mas as palavras do imortal Euclides da Cunha, meu escritor favorito, retumbavam na minha mente e me impulsionavam a continuar. Henry Ford dizia que “existem mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. Eu podia até fracassar, não concluindo a missão sucumbindo aos inúmeros fatores adversos identificados desde o planejamento, mas desistir nunca. Esta opção jamais foi considerada, eu ia reconhecer o Juruá me empenhando de corpo e alma como se esta fosse a Missão mais importante de toda minha vida. Eu estava confiante, embora ciente das agruras que iria encontrar nestes “ermos dos sem fim”. Como oficial de engenharia de construção aprendi a superar, improvisar, criar, a buscar recursos onde fosse necessário e não seria agora que as dificuldades logísticas iriam comprometer este projeto.

-  Inconstante Juruá

“A inconstância tumultuária do Rio retrata-se ademais nas suas curvas infindáveis, desesperadoramente enleadas, recordando o roteiro indeciso de um caminhante perdido, a esmar horizontes, volvendo-se a todos os rumos ou
arrojando-se à ventura em repentinos atalhos...”
(Euclides da Cunha)

Nos Municípios ao Norte da Bacia do Juruá no Estado do Amazonas as aulas só se iniciam após as cheias enquanto ao Sul elas começarão agora e serão interrompidas quando as águas da grande alagação chegarem. O comportamento do Rio influencia sobremaneira a vida dos ribeirinhos e é preciso conhecer os segredos de sua hidrodinâmica para administrar corretamente o cotidiano dos que vivem às suas margens. Os Rios de planície tem um comportamento bastante diverso de seus irmãos que fluem por terrenos mais acidentados onde a variação do nível das águas é praticamente uniforme em seu todo curso. Um infindável número de Lagos, Sacados e Igapós sangram ferozmente as águas do Juruá até que estejam nivelados ao tumultuário Rio determinando que a cheia se processe progressivamente por platôs. É interessante observar suas águas fluindo para maioria dos pequenos afluentes transformando-o, temporariamente, em tributário de seus próprios afluentes. As cheias se processam, portanto, por setores já que as águas do Rio são drenadas intensiva e inexoravelmente desde sua nascente.

As escuras marcas no caule das árvores deixadas pela última alagação mostravam nitidamente este comportamento peculiar. Em Carauari, quando por lá passamos, a marca estava a apenas 50 cm do nível do Rio enquanto que no Município de Juruá, uma semana mais tarde, mais abaixo, faltavam 2,50 m para atingi-la.

-  Juruá – Comunidade Estirão das Gaivotas (16.02.2013)

Aprontamos nossas tralhas e, às 05h30, antes mesmo de telefonar para a Polícia Militar a viatura já estava a postos. Partimos rumo à Comunidade Saudade, a única das três contempladas no Mapa do DNIT que realmente existia. Há pouco mais de sete quilômetros passamos pelo Arrombado do Batalha, que parece ser o único furo que sofreu intervenção institucional no Rio Juruá. O então Prefeito Raimundo Batalha Gomes determinou que seu pessoal escavasse um furo para abreviar os deslocamentos de quem demandasse do Juruá para o Solimões.

Marcamos a foz do Rio do Breu e entramos no braço Ocidental do Juruá onde se encontra a Ilha de Antonina. A formação de Antonina foi similar à das Ilhas de Marari e Chué, o Rio do Breu tangenciava o Juruá até que o barranco que separava os dois caudais foi rompido criando a lha de Antonina. No início a largura deste canal era a mesma do Rio do Breu que o originou e com o passar dos anos solapado pela energia das alagações foi se transformando no talvegue do Rio enquanto o braço Oriental foi, aos poucos, perdendo sua importância.

Depois de remarmos 70 quilômetros comecei a me sentir mal. Meu coração batia muito rapidamente e fiquei preocupado com a pressão, chamei o Mário que me alcançou imediatamente meu kit de medicamentos e tomei três remédios para baixar a pressão. Melhorei um pouco e retornamos aos remos, a jornada era longa e não podíamos nos dar ao luxo de perder tempo. O sol a pino e a ausência de ventos transformara o Juruá num imenso espelho a refletir a abóboda celeste e as nuvens. Era um momento mágico e eu absorto navegava ou flutuava mesmo sobre nuvens em busca da Terceira Margem.

Dez quilômetros antes do que eu achava ser o nosso destino, a Comunidade Saudade, despachei o Mário para fazer contato, e para nossa surpresa depois de uma curva avistamos um povoado que, mais tarde, ficamos sabendo se tratar da Comunidade do Estirão das Gaivotas. Imediatamente eu e o Marçal nos refugiamos nas canaranas aguardando o resultado das negociações do Mário temerosos de que aparecendo comprometêssemos a transação. Depois de algum tempo fomos ao encontro do Mário que, para nossa surpresa, vinha ao nosso encontro. Achamos que mais uma vez tinham nos fechado as portas e desanimados aguardamos nosso companheiro. Ele vinha ao nosso encontro informar que o Secretário extraordinário de Juruá o amigo José Arribamar já tinha passado por ali e recomendado que pernoitássemos no Estirão das Gaivotas já que esta era a única Comunidade que possuía uma escolinha para nos abrigar nos próximos 60 km.



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013


Carauari – Juruá (2ª Parte)

Hiram Reis e Silva, Juruá, Amazonas, 15 de fevereiro de 2013.

-  Baixo Juruá

O Baixo Juruá, que vai desde sua foz no Solimões até a boca do Rio Tarauacá, próximo a Eirunepé, apresenta características que em muito diferem do Médio Juruá que vai do Tarauacá até a foz do Breu. O curso do Juruá apresenta neste trecho curvas mais amplas com raios que por vezes ultrapassam a um quilometro e alongados estirões. À medida que nos afastamos da fronteira com o Peru os declives se tornaram cada vez mais insignificantes, parece que se navega em um terreno plano embora vez por outra se possa sentir algumas vezes a torrente fluir com mais impetuosidade. As margens no Baixo Juruá são na sua maior parte planas e baixas ainda que às vezes avistemos terras firmes com barrancos de 12 a 50 metros de altura.

-  Comunidade Juanico – Forte das Graças (11.02.2013)




Como de costume partimos ao alvorecer com destino à Comunidade Forte das Graças. Despedimo-nos de nossos novos amigos e partimos céleres para enfrentar os 105 km que nos separavam de nosso destino. Meu parceiro Marçal recuperara sua energia graças a um chá preparado pela sogra do Sr. Manoel em Juanico. Tínhamos a pretensão de alcançar nosso objetivo por volta das três horas da tarde, mas a canícula, ventos de até 50 km/h, banzeiros fortes e chuva torrencial retardaram nossa progressão e só conseguimos atingir nosso destino por volta das dezesseis horas.

A bela Comunidade firmemente assentada em terra firme é banhada por um Lago de águas negras chamado Andirá cujas águas penetram no Juruá algumas centenas de metros sem se misturar. Ao desembarcar, no “Bocão”, preparamo-nos para o ataque sem dó nem piedade dos piuns e nada aconteceu, talvez graças às águas ácidas do Lago, o fato é que foi a Comunidade mais salubre que tivemos a oportunidade de conhecer em toda a Bacia do Juruá. Os líderes da Comunidade já tinham franqueado ao Mário, que nos precedera, a Casa do Professor que além de vários quartos possuía um banheiro e cozinha, coisa rara nestas paragens.

À noite, durante o jantar, recebemos a visita dos líderes que relataram ser a primeira vez que canoístas visitavam aquelas paragens. Depois da visita continuei lançando os dados colhidos e o Mário e o Marçal foram fazer uma incursão pela Comunidade. Como não poderia deixar de ser tiveram de enfrentar as costumeiras provocações a respeito dos paraenses. É estranho que os amazonenses que se referem aos paraenses, em geral como bandoleiros, piratas e outros qualificativos nada lisonjeiros tenham escolhido, pelo sufrágio universal, um político nascido naquele Estado para governá-los. Na oportunidade o Sr. João Batista Ramos de Carvalho, que estava com viagem marcada para Juruá na manhã seguinte, se prontificou a nos acompanhar mostrando os diversos furos que abreviariam em muito nossa jornada.




-  Comunidade Forte das Graças – Juruá (12.02.2013)



Acordamos mais tarde (06h30), os 65 km que nos separavam de Juruá poderiam ser vencidos na parte da manhã sem maiores dificuldades, além do que podíamos contar com a possibilidade de abreviar a distância ao penetrar nos Furos do Antonio, Arati e Taboca. Pedi ao Mário para fazer uma filmagem da Comunidade vista do Rio e parti com o Marçal para nossa derradeira jornada até o Juruá. Identificamos o Furo do Antonio e penetramos nele enquanto o Mário fazia a volta procurando marcar no GPS a localização de alguma Comunidade que por ali existisse. Logo que saímos do Furo encontramos o João Batista, que se desencontrara do Mário quando este concluiu a filmagem e aproou para a cidade de Juruá. O João nos guiou, pacientemente, até a Cidade de Juruá e tivemos, mais uma vez a oportunidade de admirar, de perto, a beleza dos Igapós e Lagos ao navegar por estes belíssimos labirintos naturais.

Nas cercanias de Juruá despedimo-nos do João Batista e voltamos nossas proas para o Porto de Juruá. Despachei o Mário à frente com o intuito de que este fizesse contato imediato com a PM e qual não foi minha surpresa ao verificar que uma viatura da PM já nos aguardava postada na parte mais alta do formidável barranco que dá acesso ao Porto. Os informantes já tinham alertado os Policiais Militares da nossa chegada julgando, mais uma vez, que se tratava de traficantes ou fugitivos. Apesar do alerta vermelho dos ribeirinhos fomos muito bem recebidos pelos PMs que nos encaminharam imediatamente ao Vice-prefeito José Leland Herculano Saraiva que autorizou que ficássemos alojados no Hotel Amazonas com as despesas pagas pela Prefeitura do Juruá.

-  Juruá (13 a 15.02.2013)

No Hotel conhecemos dois personagens muito interessantes, o engenheiro Roberto Carlos Coêlho Dibo e o senhor Reis, um típico nordestino. No dia 14 assistimos, de manhã, a palestra “Profissional com Alto Desempenho” promovida pelo Engenheiro Roberto na sede da Prefeitura de Juruá e, à tarde, depois de conceder uma entrevista à Rádio Juruá FM 104,9 MHz, ao repórter e Secretário Extraordinário da Prefeitura Sr. José de Arribamar Mendes de Souza, realizamos uma entrevista com o Vice-prefeito José Leland que discorreu com desenvoltura sobre assuntos atinentes ao seu Município, projetos em curso e futuros. Depois da entrevista conseguimos, graças à Secretária Marly da S. Mota, um computador para fazer o “upload” das fotos para o facebook do trecho de Cararuari até Juruá.



quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Carauari – Juruá (1ª Parte)


Carauari – Juruá (1ª Parte)

Hiram Reis e Silva, Juruá, Amazonas, 14 de fevereiro de 2013.

Nossa passagem por Carauari, AM, foi bastante gratificante. Desde nossa chegada até a partida os Policiais Militares, comandados pelo 2º Ten PM Alain Nalon Ferreira de Menezes, do 5º Grupamento de Polícia Militar, não pouparam esforços para tornar a nossa permanência na pequena, mas muito simpática cidade, a mais agradável possível. Através do Venerável Santiago e do Ten Alain conhecemos o Prefeito Chico Costa que nos concedeu uma interessante entrevista e proporcionou-nos gratuitamente a estadia no Hotel Monteiro e alimentação no Restaurante Bom Gosto.

Na véspera de nossa partida realizamos, de forma expedita, tendo em vista a exiguidade do tempo disponível, o cálculo das áreas dos diversos bairros da cidade. Poderíamos ter realizado um trabalho mais acurado se o tivéssemos realizado a pé e não motorizado como foi. O Sd PM Charly Mota Fernandes, que dirigiu a viatura da PM, conhecia perfeitamente o Plano Diretor da cidade, mas esbarrou em um sério obstáculo técnico – as chuvas tornaram o acesso a algumas ruas impraticável, teríamos de fechar o cálculo utilizando os resultados apurados pelo meu GPSmap 62sc da Garmin acrescidos de um pequeno percentual estimado para compensar.

O Venerável José Santiago Magalhães, da Loja Maçônica Cândido Honório Soares Ferreira nº 30, do Oriente de Carauari, AM, realizou conosco um tour pela cidade que só não foi completo devido às péssimas condições da estrada que liga Carauari a seu Porto no Juruá construído próximo à Comunidade do Gavião. Carauari na sua origem foi construída às margens do Juruá, mas com o passar do tempo o tumultuário Rio resolveu procurar outros rumos e hoje a mesma está assentada em um grande e assoreado Lago que permite o acesso de embarcações maiores apenas na época das cheias. A construção do Porto à margem esquerda, na região de Gavião, viabiliza o acesso de mercadorias à cidade no verão amazônico desde que a estrada, de aproximadamente 8 km, apresente condições de trafegabilidade. Mais uma vez observamos que o Porto, localizado em uma curva, suporta toda a impetuosidade das águas do Juruá que incidem sobre o local e que acarretarão, futuramente, vultosos recursos para a sua manutenção além de exigir dos práticos e pilotos muita perícia para aportar suas embarcações em pleno inverno amazônico. O Venerável Santiago tornou-se mais um destes caros amigos investidores já que os membros de sua Loja brindaram-nos com alguns gêneros alimentícios necessários para nossa nova etapa.

-  Carauari – Comunidade Concórdia (08.02.2013)

Acordamos cedo, telefonamos para o 190 e imediatamente uma viatura da PM estava a postos para nos levar até o porto. O Mário tinha deixado as três embarcações em um flutuante ancorado no meio do Lago de Caruari.

Partimos com a idéia fixa de percorrer um Furo que nos pouparia de percorrer novamente o braço do Lago percorrido na chegada. Não tivemos dificuldade em achar a entrada do Furo, mas mais adiante, por estas coisas do destino, eu e o Marçal enveredamos por um longo e tortuoso descaminho que era tão longo quanto à rota original. Quando chegamos novamente ao Juruá, na altura da Comunidade Gavião, o Mário nos aguardava aflito há mais de 90 minutos.

Nossa pequena aventura não abreviou distâncias e o tempo, mas valeu pelas belas imagens dos igapós infindos, pelos lagos de águas negras, pelas imensas bromélias que enganchadas no alto dos galhos ostentavam orgulhosamente suas flores, passamos por enormes bandos de uacaris que faziam acrobacias na copa das árvores despreocupados com os dois canoístas que navegavam muito abaixo deles.

Uacari-branco (Cacajau calvus): primata do gênero Cacajao, encontrado originariamente na Amazônia brasileira. A pelagem é laranja-pálido, amarelada, acinzentada ou esbranquiçada, a região do ventre e a cauda alaranjada ou amarelada e a face e as orelhas avermelhadas são desprovidas de pelos.

Chegamos ao Porto de Carauari e o Mário, que nos aguardava na Comunidade Vila Nova, veio juntar-se a nós. A progressão foi tranquila e aportamos por volta das duas da tarde na Comunidade Concórdia depois de navegar 90 km. Verificamos com os ribeirinhos que nenhuma das três próximas Comunidades que tínhamos planejado pernoitar antes de chegar a Juruá, confirmadas em Carauari, existia. Reprogramamos nosso planejamento ciente da dificuldade de alcançar Juruá em apenas cinco dias.

-  Comunidade Concórdia – Casa Abandonada (09.02.2013)

Partimos cedo antes do alvorecer e mais uma vez constatamos uma série de erros nos mapas do DNIT. Parece que a localização das Comunidades no Mapa Multimodal foram feitas apenas no Cartório dos Municípios sem a devida checagem através dos trabalhos de campo. Antigos seringais extintos há mais de cinco décadas lá estão, pequenas Comunidades são referenciadas enquanto as maiores ficaram de fora, nomes e localizações erradas, enfim praticamente de nada estava servindo o Mapa do DNIT.

Paramos na Comunidade Uniãozinha (região onde se localizava o antigo Seringal União) e fingi não ter notado que o morador local tinha ido até sua moradia buscar uma espingarda. Passado o impacto inicial, em que mais uma vez nos tomavam por bandoleiros ou traficantes, ele foi esclarecendo uma a uma nossas indagações sobre as próximas Comunidades e suas respectivas distâncias, em praias é claro. Íamos procurar a residência de um compadre seu, Sr. Pedro Glicério, que morava em uma Comunidade abandonada.

Antevendo problemas como os que aconteceram em Imperatriz, onde não fomos autorizados a pernoitar, resolvi, doravante, despachar o Mário à frente quando faltassem uns quinze quilômetros para atingir nosso objetivo evitando que nos fechassem as portas novamente. O Mário trocou o motor rabeta de 15 hp pelo 40 hp e partiu célere para fazer os devidos arranjos para nosso estacionamento. Como já tínhamos remado mais de 90 km resolvi parar em uma casa abandonada, 27 km à jusante da extinta Comunidade de Caitetu e próxima da Comunidade da Campina indicada no mapa do DNIT e que absolutamente não existia, onde três pescadores de Carauari estavam acantonados. O Marçal improvisou o fogo no que restava de um fogão para preparar nosso almojanta enquanto eu lançava os dados coletados no computador e o Mário preparava a lancha para a nova jornada. Foi uma noite tranquila sem galos, porcos ou cachorros para nos incomodar.

-  Casa Abandonada – Comunidade Juanico (10.02.2013)

Reprogramei nossa próxima parada para Juanico a 120 km de distância, foi um dia exaustivo sob uma canícula impiedosa, as contraturas começavam a aparecer e usamos um gel mento-salicilado para tentar suportar as incomodas dores musculares. As dores lombares começaram a aparecer, minha coluna veterana com três cirurgias no currículo se ressentia do esforço diário de remar nove horas diárias. Quando faltavam 90 minutos para aportar na Comunidade despachei o Mário para que ele realizasse os devidos ajustes para nossa permanência na Comunidade.

Chegamos à Comunidade Juanico depois de remar exatas nove horas diárias em um percurso de 120 km, mantendo uma média horária de 13,3 km/hora incluindo as quatro paradas para hidratação no talvegue do Rio Juruá. As “paradas dinâmicas” a bordo têm duas vantagens em relação às “paradas estáticas” nas margens, a primeira e mais importante é que não ficamos sob o ataque dos piuns e a segunda é que a correnteza nos arrasta permitindo que este “repouso ativo” progrida algumas centenas de metros a cada uma chegando a somar mais de um quilômetro no final do dia.

A Comunidade está corretamente localizada no mapa do DNIT, mas chama-se Juanico e não Juanito como consta do Mapa Multimodal. Quando chegamos à Comunidade o Mário já tinha montado acampamento no flutuante do Sr. Manoel Pereira de Moura e sua esposa Sra. Maria Antonia Albuquerque de Moura já estava preparando nosso almoço que foi incrementado com alguns peixes que o Mário tinha pescado e miúdos de pirarucu.

Fomos, mais tarde, convidados para jantar. A refeição constava de carne de Paca, Matrinxã e de sobremesa suco de açaí. Depois do jantar estávamos conversando do lado de fora da casa flutuante quando pousou a arara de estimação da família. O belo animal foi resgatado de um lago quando pequeno e sobreviveu graças aos cuidados dispensados. A ave passa o dia perambulando pela mata e retorna ao flutuante apenas de tardezinha para comer e dormir. O Sr. Manoel nos deu informações valiosas para o dia seguinte e decidimos pernoitar na Comunidade Forte das Graças.


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013


Itamarati – Carauari (2ª Parte)

Hiram Reis e Silva, Itamarati, Amazonas, 06 de fevereiro de 2013.

Continuamos encontrando dificuldades no acesso à internet. Adquirimos em Rio Branco, AC, numa loja próxima ao Mercado Velho um modem 3G que, segundo a atendente da VIVO, possibilitaria nosso acesso à internet nas cidades da Bacia do Juruá. Propaganda enganosa, até hoje só conseguimos comunicação sofrível em Cruzeiro do Sul e Itamarati.

-  Comunidade Morada Nova – Boca do Preguiça (01.02.2013)

Novamente nos deparamos com uma Ilha formada nas últimas décadas – a Ilha do Chué. A única diferença que existe na formação desta Ilha e a de Marari, citada no artigo anterior, é que o canal agora era formado por igapós. Curiosamente a posição da Ilha, as curvas do Juruá e do afluente são muito semelhantes às do Marari.

Remamos freneticamente neste dia para conseguirmos realizar nosso intento de alcançar Carauari em seis dias. Vale a pena relatar um caso insólito que aconteceu em Rio Manso. Ao nos aproximarmos da Comunidade as pessoas em fila indiana se dirigiram rapidamente para uma das casas e como esta era muito pequena para acomodar tanta gente buscaram imediatamente uma maior e fecharam apressadamente portas e janelas. Perguntei a uma senhora que perdera a estranha “procissão” se ela podia me dizer o nome do povoado e ela, visivelmente apavorada, disse que não sabia de nada. Depois de algum tempo um homem entreabriu uma das janelas do refúgio. Informei-lhe sobre nossa missão, que não éramos celerados e que aquela multidão não precisava ter medo de dois inofensivos canoístas.

Rio Manso parece ter sido um presságio que não identificamos na oportunidade. Depois de remar mais dez quilômetros, chegamos exaustos à Imperatriz por volta das quinze horas, após navegar durante nove horas, sem aportar, foram mais de 105 km sob sol causticante, banzeiros e ventos fortes. O Mário já fizera os devidos contatos e estava desembarcando o material na frente da escolinha da grande povoação que possui Igreja, Centro de Recreação, enfim diversos locais onde exaustos peregrinos poderiam encontrar abrigo.

Puxamos nossos caiaques para a margem, retiramos a água do convés, e estávamos carregando também nossas tralhas para a escolinha quando surgiu um elemento, não sei de onde, dizendo que a chave da escolinha estava com a líder do povoado e que a mesma se encontrava em Carauari. O impressionante disso tudo é que ninguém interviu oferecendo uma varanda, um telheiro, enfim um abrigo. A sugestão “surreal” e absurda dos “hospitaleiros” ribeirinhos é que deveríamos procurar abrigo em Nova Esperança uma Comunidade que fica a quase quarenta quilômetros de distância e que jamais teríamos condições de alcançar naquele dia remando.

Observem os leitores que em nenhuma oportunidade me referi à Imperatriz como COMUNIDADE, ela absolutamente não merece este título. A primeira lição que recebi de COMUNIDADE foi de uma índia Kokama da Comunidade Prosperidade quando lá aporei em dezembro de 2008 pedindo abrigo. Ela veio até nós e nos ajudou a carregar nossas tralhas para a escolinha e quando foi interpelada, por um jovem e arrogante nativo, porque estava nos ajudando ela lhe respondeu altiva – porque isto aqui é uma COMUNIDADE!

A falta de hospitalidade de Imperatriz ficará, para sempre marcada em nossas memórias. Que saudades tenho dos pescadores da minha Laguna dos Patos que, numa emergência, nos abrigaram, vestiram e alimentaram. Saudades da Dona Anésia lá da Santa Isabel do Rio Negro que mesmo acompanhada de apenas duas filhas e dois netos numa ilha remota não deixou de alimentar e abrigar o canoísta que se perdera da equipe de apoio. Aqui mesmo no Juruá quantas vezes fomos abrigados e convidados a partilhar do jantar na casa de ribeirinhos, não esquecerei jamais do professor Raimundo Nonato Andriola, da Comunidade da Boca da Campina que comemorou meu aniversário na sua casa com direito a bolo e refrigerantes. Muito tem de aprender os ribeirinhos de Imperatriz com seus vizinhos, perfeitos comunitários.

O desastre só não foi total porque encontramos a sete quilômetros de distância de Imperatriz a Comunidade da Boca do Preguiça. Nesta época de alagação na Bacia do Juruá não existem praticamente locais de terra firme para acampar e os que existem estão cobertos de mata. Depois de uma longa curva à esquerda, uma esperança, avistamos ao longe o Mário conversando com uma moradora, até que, de repente, o Mário acelerou o motor e achamos que mais uma vez tínhamos sido enxotados. Felizmente ele estacionou a lancha na frente de outra casa e nos sinalizou, de longe, com o polegar para cima. A nossa barraca seria montada na varanda da humilde habitação do hospitaleiro Sr. Antônio Geraldo Brito dos Santos e o Marçal dormiria na sala-cozinha da casa. Tomei meu banho, coloquei meu abrigo e meias para não ser torturado pelos piuns, coloquei um filmete de nossas jornadas para as crianças verem no computador enquanto conversava com nosso anfitrião. O contraste era nítido entre Imperatriz e a Comunidade da Boca do Preguiça, uma com boas e numerosas construções, escola, templo, casa de recreação e a outra com apenas quatro famílias vivendo na penúria, mas solidários e dispostos a dividir o pouco que tem. Obrigado Sr. Antônio Geraldo por nos acolher, não encontraríamos outro abrigo até chegar à distante Nova Esperança.



-  Comunidade Boca do Preguiça – Goiabal (02.02.2013)

O Sr. Antônio Geraldo nos orientou a respeito dos dois furos que encontraríamos na nova etapa, Jaibá e Pupunhas. O Mário teve dificuldades para entrar com a lancha na boca do Jaibá tomada por troncos, mas superado o entrave inicial o amplo Furo não possuía obstáculos. Antes do Furo Pupunhas existem algumas entradas que podem ser identificadas como Bocas de Lagos pela cor escura de suas águas e que não enganariam um nauta atento, o Furo Pupunhas fica na curva, depois de um barranco, e para confirmar nossas expectativas surgiram dele duas rápidas voadeiras.

Chegamos à Comunidade Goiabal por volta das duas da tarde. Localizada a pouco mais de um quilometro do Arrombado do Idílio. O Mário aguardou nossa chegada para confirmar a parada já que a próxima Comunidade ficava muito longe. Decidimos permanecer em Goiabal já que a próxima etapa até Carauari era inferior a sessenta quilômetros. O Sr. Ataíde Soares dos Santos e o líder da Comunidade Sr. Mário Castro dos Santos ajudaram-nos a carregar as tralhas e nos instalaram na Casa de Recreação. A esposa do Líder comunitário, Srª Antonia Rosa Pires dos Santos permitiu que o Marçal preparasse a refeição na sua cozinha. Tomei meu banho, almocei e permaneci na barraca lançando os dados no computador e tratando da perna que vinha me incomodando há dois dias.



-  Comunidade Goiabal – Carauari (01.02.2013)

Partimos por volta das sete horas já que a jornada era bem mais curta neste último dia. Passamos pelo Arrombado do Euré que certamente em menos de uma década deverá alterar novamente o seu curso. Ele deverá romper o bloqueio em um pequeno estreito (05º04’04,8”/66º52’39,2”) diminuindo ainda mais a distância até Carauari. Chegamos depois do meio-dia ao canal que já foi um dia o leito principal do Juruá e avançamos lentamente até a bela cidade. Sem o auxílio da correnteza do Rio nossa velocidade que antes girava em torno dos 13 km/hora passou para 7,7 km/h.

Novamente fomos socorridos pelos amigos da Polícia Militar liderados pelo 1º Tenente Alain que providenciou para que ficássemos instalados no confortável Hotel Medeiros e realizássemos as refeições no Restaurante Bom Gosto. O acesso a internet, por sua vez, só foi possível graças à boa vontade da Fernanda Camilo Ferreira, Agente de Pesquisas e Mapeamento do IBGE.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Itamarati – Carauari (1ª Parte)


Itamarati – Carauari (1ª Parte)

Hiram Reis e Silva, Itamarati, Amazonas, 06 de fevereiro de 2013.

Chegamos a Carauari, às 14 horas do dia 03.02.2013, depois de seis dias de exaustiva navegação nos mais de 500 km que separam as duas cidades. Tão logo cheguei ao Hotel retirei o celular da sacola de viagem para tentar contatar meu grande amigo Comandante Pastl e saber notícias de seus filhos vítimas do descaso e da omissão das autoridades e da ganância de empresários da Boate Kiss, Santa Maria, RS. Tão logo liguei o aparelho entrou uma mensagem do Coronel Pastl, enviada às 14h14 de 03.02.2013, informando, naquele justo momento, que os rapazes estavam melhorando e haviam inclusive jantado, mais tarde, às 16h14, relatou que os mesmos tinham tomado banho de chuveiro, que os ferimentos estavam cicatrizando e que o aparelho respiratório apresentava melhoras significativas. Eu tinha passado seis dias sem poder ter notícias de meus queridos ex-alunos e recebi emocionado a notícia, Deus seja louvado! Estava digitando estas linhas, na tarde do dia 04.02.2013, e nova mensagem avisava que os meninos deveriam ir para o quarto na terça-feira (05.02.2013).

-  Itamarati - Comunidade São Braz (29.01.2013)

Infelizmente não tivemos a oportunidade de conhecer o Prefeito da pequena exótica e muito bem cuidada Itamarati ou mesmo algum de seus secretários. Partimos antes do alvorecer, tinha feito uma proposta aos meus parceiros, navegar sete dias e pernoitar em Carauari três dias ou navegar seis dias e ficar na cidade quatro dias. Logicamente a segunda opção ganhou. Eu sabia que isto demandaria um esforço muito maior e um desgaste físico considerável, pois deveríamos, mesmo contando com a passagem pelos “furos” navegar uma média superior aos 90 quilômetros diários obrigando-nos a permanecer numa posição incomoda por aproximadamente 9 horas diárias.

O dia ensolarado minava nossas forças que ganhavam novo alento apenas quando avistávamos os botos bailarinos, as garças surfistas, as escandalosas araras, os enormes troncos que mais pareciam aríetes impulsionados pela torrente do Juruá ou ainda os raros sítios de terras firmes que contrastavam com a várzea infinda. Num destes belos locais, o da Comunidade de Santo Antônio, o Mário foi brindado com uma preciosa e cobiçada garrafa “Pet” de dois litros de água gelada.

Comunidade Santo Antônio

Pela fotografia aérea suspeitei da existência de um Furo num estreito localizado logo depois da Comunidade de Santo Antônio. Perguntei a um ribeirinho da região sobre a existência do mesmo que nos informou mal humorado que não se tratava mais de um Furo, mas de um Arrombado. Navegamos pelo meio do Rio já que para se chegar até o dito “Arrombado” bastaria ser levado pela correnteza. Ledo engano, quando alcançamos, mais abaixo, a Comunidade de Vista Alegre fomos avisados que o pequeno furo ficara para trás. Enganchamos na lancha e voltamos mais de três quilômetros até chegar ao almejado Furo Samaúma.

Tão logo avistamos o furo avistamos um nativo da etnia Deni que desaconselhou a passagem da lancha tendo em vista as enormes toras que bloqueavam parcialmente a entrada do mesmo. Enquanto o Mário fazia a volta de 15 quilômetros eu e o Marçal nos lançamos no Furo. As manobras radicais foram necessárias apenas na entrada, o Furo estava sendo trabalhado pelas Comunidades para se tornar um Arrombado encurtando em 15 quilômetros a distância que os separava de Itamarati. Depois de o ultrapassarmos ficamos um bom tempo de bubuia aguardando o Mário, que contornava a enorme volta, até que resolvi aproveitar o tempo e mapear a Comunidade Conceição do Raimundo. Lá confirmei a localização de São Tomé para onde nos dirigimos já que eu previra realizar ali nosso primeiro estacionamento. Como o local não era apropriado para um acantonamento nos deslocamos até a Comunidade de São Braz.

As terras do antigo Seringal ou Colocação Nazaré do Bóia foi dividida pelos proprietários que venderam uma parte ao Sr. Pedro Rodrigues de Oliveira ex-seringueiro do Nazaré. Após a morte do Sr. Pedro a propriedade passou para sua esposa Sra. Celeste Taveira da Silva, mãe do atual líder comunitário Antonio Raimundo Taveira de Oliveira. Cuidadoso o Sr. Antonio Raimundo nos interrogou a respeito de nosso trabalho e só sossegou depois que lhe mostramos a carteira de identidade do Ministério da Defesa. A escolinha em que ficamos alojados era tão simples como as demais, mas se destacava pelo capricho e a decoração das salas de aula. O Marçal preparou nosso “almojanta” na residência do Antonio Raimundo. Conquistamos, no Braz, um amigo sincero, na área um irrequieto guri chamado Estevão que acompanhou meus lançamentos na caderneta de campo e acordou cedo para de nós se despedir.

-  Comunidade São Braz – Chibaua Grande (30.01.2013)

Partimos, novamente enfrentando um dia quente, pensando em parar na Comunidade de São Romão. Ao ultrapassar o Rio Xeruã adentramos no Município de Carauari. Preocupados com a carência de Comunidades procuramos confirmar em cada ponto a localização e características da próxima para podermos acantonar com mais conforto e segurança. Na proximidade de nosso destino avistamos um enorme morro que emoldurava uma majestosa sumaumeira decorada com uma grande quantidade de ninhos de japiins. Nosso Anfitrião, em Chibaua Grande, nossa segunda parada neste trajeto, foi o Sr. Raimundo Rodrigues de Souza, um manauara, que se encontrava na Comunidade para consertar a cerca da residência da sua irmã Sra. Maria Matilde Rodrigues de Souza proprietária da casa onde nos alojamos. Por uma destas amazônicas coincidências, ele nos informou que a madeira seria fornecida pelo Sr. Antonio Raimundo da comunidade de São Braz. A confortável casa, além de uma cozinha completa, que facilitou o trabalho de nosso cozinheiro Marçal, tinha um banheiro com chuveiro de águas cristalinas, um caso raro nessas paragens.

Comunidade Chibao Grande

Aproveitei o conhecimento do caseiro Sr. José Adilson Rodrigues da Silva para confirmar alguns detalhes do próximo lance, conseguindo dicas preciosas de Furos e Comunidades. O Sr. José preparou uma pirara que havia pescado e nos convidou a degustá-la. Fugindo ao nosso costume de fazer apenas uma refeição durante o dia aceitamos o convite.

Nosso anfitrião estava tomando banho quando surgiu uma enorme cobra papa-pintos, a cobra estava de barriga cheia possivelmente de pererecas que pululavam na umidade do recinto. Depois de fotografarmos e filmarmos o réptil o soltamos no campo.

-  Comunidade Chibaua Grande – Morada Nova (31.01.2013)

O Furo do Itanga já foi parcialmente arrombado e conecta-se com um sacado que permite a navegação de grandes embarcações no seu braço Ocidental e das menores também no Oriental. Atualmente as balsas que sobem o Juruá fazem uso do braço Ocidental. Embora encurte o caminho em aproximadamente dez quilômetros este braço possui correnteza muito fraca o que no nosso caso pouca diferença representou no final. Foi, no entanto, um itinerário importante para se poder verificar como se processa a navegação nestas paragens.

Cinco quilômetros depois do Itanga deparei-me com uma inesperada bifurcação. Fiquei momentaneamente desorientado até que ao olhar com maior atenção para a fotografia aérea do Google Earth, de 31.12.1969, entendi o que se passara nestas últimas décadas. O Igarapé Marari que na década de sessenta (1960-1967) tangenciava a margem direita do Juruá foi desgastando o barranco esquerdo que o separava do Juruá enquanto este fazia o mesmo pelo lado direito até que surgiu uma segunda boca, no final da década (1968-1969). A energia das águas do Juruá foram, então, progressivamente, principalmente no período das alagações, ampliando o pequeno canal que se abrira com o rompimento da segunda Boca do Mirari criando a Ilha do Marari. Mais um belo exemplo da inconstância tumultuária do mais sinuoso dos Rios. Embora os Arrombados ou mesmo os Furos formem, ainda que momentaneamente, diversas Ilhas ao longo do curso do Rio Juruá considero que se deva considerar como Ilhas apenas as mais perenes. Consideramos, portanto, a Ilha do Marari, como a primeira desde que partimos da Foz do Breu.

O Sr. José Adilson, em Chibaua Grande, tinha-nos dado uma descrição pormenorizada da localização e das condições do Furo Morro Alto. Segundo ele existia uma casinha com cobertura de palha logo depois da Comunidade Morro Alto e o Furo ficava ao lado da mesma. A amplitude do canal permitiu que o Mário entrasse com a lancha de apoio e fizesse algumas tomadas com a câmera. Chegamos à Morada Nova, nosso destino final por volta das quinze horas onde fomos muito bem recebidos e alojados na casa de reuniões da Comunidade. Encontramos na Comunidade o Sr. Percivaldo, mencionado pelo Sargento Barbosa em Itamarati, um artista da construção náutica. Na frente de sua casa está estacionado um belo iate de madeira de linhas arrojadas construído pelo conhecido artesão.

Comunidade Morada Nova