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domingo, 29 de dezembro de 2013

Berço da humanidade (04.11.2013)

Ponta do Cururu / Santarém (27 a 28.10.2013)

Aveiro / Ponta do Cururu (24 a 26.10.2013)

Itaituba / Aveiro (21 a 23.10.2013)


Praia do Escrivão / Itaituba (15 a 17.10.2013)


Igarapé Moratuba / Praia do Escrivão (13 a 14.10.2013)


Lago Maripá / Igarapé Moratuba (11 a 12.10.2013)

Santarém / Lago Maripá (10.10.2013)

Redescobrindo o Berço da Humanidade

Redescobrindo o Berço da Humanidade

Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 09 de novembro de 2013.

História da Companhia de Jesus
(Padre Serafim Leite)

É notável, em particular, a sagacidade e instruções que dá para a agricultura amazônica, hoje ultrapassadas, mas verdadeiro tratado de economia agrícola, bem superior às ideias do seu tempo; refere-se já à indústria hidráulica aplicada, utilização dos ventos; sobre os índios e crendices populares (os homens marinhos) e sobre a etnografia de inúmeras tribos, tatuagem, relações sociais, culto indígena e ciumeira dos maridos, variadas notícias, produto de inigualável observação, direta e amena. Além disto, indicações locais, geográficas e históricas, que, ao menos no tocante aos fatos de seu tempo, se constituem genuínas fontes para a história geral do grande Rio. João Daniel enquadra-se no grupo admirável de escritores que deixaram o seu nome ligado à história do Amazonas. Em todas as partes do Mundo os Jesuítas manejaram a pena. De poucas terão deixado tantos monumentos escritos como desta. (LEITE)

A partir da virada do século tive a oportunidade de ler inúmeras citações de vários pesquisadores sobre interessantes trechos do “Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas”, de autoria do Padre João Daniel. Em 2004, visivelmente fascinado com tudo que lera até então, adquiri a obra editada pela Livraria Contraponto e fiquei mais extasiado ainda com a riqueza de detalhes desta verdadeira Enciclopédia Amazônica considerada, por muitos, como a “Bíblia Ecológica da Amazônia”.

-  Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas
Fonte: César Benjamin (Editora Contraponto)

A versão manuscrita do Tesouro Descoberto tem 766 páginas. Desde 1810 as cinco primeiras partes, de um total de seis, estão depositados nos acervos da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, para onde foram trazidas, em 1808, por Dom João VI, preocupado em evitar a captura do precioso texto pelos exércitos de Napoleão Bonaparte que avançavam sobre Portugal. A sexta parte, dividida em duas, foi perdida e depois reencontrada na Biblioteca de Évora. Somente em 1976 a Biblioteca Nacional estabeleceu a versão completa e definitiva do manuscrito, inclusive com a parte depositada em Évora, recebida em microfilme.

-  Padre João Daniel

Eu gemendo e chorando opresso com o peso da minha cruz, submergido, e enterrado vivo no funesto sepulcro, e subterrânea cova da minha prisão vou pedindo a Deus piedade, e misericórdia: e que com a sua se digne santificar a minha cruz. (DANIEL)

João Daniel nasceu em Travassos, Província de Beira Alta, Portugal, em 24 de julho de 1722. No dia 17 de dezembro de 1739, em Lisboa, Portugal, ingressou na Companhia de Jesus, e dois anos depois foi enviado para o Maranhão e Grão-Pará, onde completou sua formação no Colégio Máximo São Luís, dez anos depois. Viveu seis anos na fazenda Ibirajuba, considerada, na época, a melhor possessão dos jesuítas onde conviveu com nativos de diversas aldeias.

João Daniel, durante os 16 anos de sua permanência na Amazônia, realizou um metódico e profundo trabalho interdisciplinar, coletando dados sobre a região. Este material foi arquivado em incontáveis anotações e gravado na sua memória prodigiosa que, mais tarde, se tornariam fonte inspiradora de sua monumental obra.

Em 1757, o Marquês de Pombal determinou que todos os jesuítas fossem presos e deportados. O Padre João Daniel foi encarcerado no Forte Almeida, Portugal, de 1758 a 1762 e, depois, na Torre Julião, até o dia de seu falecimento em 19 de janeiro de 1776. Na sua reclusão o Padre redigiu seus comentários com a ponta de alfinete no papel de “embrulho das quartas de tabaco, das folhas mancas dos Breviários que ia arrancando, do registro dos Santos e das Bulas feitas em tiras”. Sua obra, escrita durante os 18 anos em que permaneceu cativo, revela com riqueza de detalhes incomparável três temas fundamentais: a terra, o homem e a cultura da Amazônia do século XVIII.

-  Relatos Pretéritos

Barbosa Rodrigues, Gonçalves Tocantins e Henri Coudreau mencionam nos seus relatos, sobre a Cosmogania Mundurucu, uma certa Maloca Acupari (Cupari) e a origem das raças que se originaram de cavernas ou fendas.

Henri Coudreau (1895)

Um dia, diz a lenda Mundurucu, os homens apareceram sobre a terra. Ora, os primeiros homens que os animais das florestas viram por entre as selvas e as savanas foram os que fundaram a Maloca de Acupari. Certo dia, entre os homens da Maloca de Acupari, surgiu Caru-Sacaebê, o Grande Ser. (...) Em seguida, olhando para as plumas que plantara em redor da Aldeia, ergueu a mão de um horizonte ao outro. A este apelo, moveram-se as montanhas, e o terreno onde se localizava a antiga Maloca tornou-se uma enorme caverna. (...) Aí, como Pompeu, bateu com o pé no chão. Uma larga fenda se abriu. O velho Caru dela tirou um casal de todas as raças: um de Mundurucus, um de índios (porque os Mundurucus não pertencem à mesma raça que os índios, mas são de uma essência superior), um casal de brancos e um de negros. (COUDREAU)

João Daniel (1758-1776)

Embora o Padre João Daniel faça relatos distintos a respeito de dois monumentos naturais na Bacia do Tapajós alguns pesquisadores, dentre eles eu e o Padre Sidney Augusto Canto, advogam a possibilidade de que se trate do mesmo local. João Daniel, certamente, coletou estes relatos de fontes diferentes, daí a divergência na indicação da localização correta dos referidos monumentos naturais ora junto à catadupa do Rio Tapajós denominado Convento ou Fábrica ora no Rio Cupari citado como uma Igreja.

Junto à catadupa do Rio Tapajós, acima da sua Foz pouco mais de cinco dias de viagem, está uma fábrica, a que os portugueses chamam “Convento”, por ter o feitio dele. Consiste este em um comprido corredor com seus cubículos por banda, e com suas janelas conventuais em cada ponta do corredor. É “Fábrica”, segundo me parece das poucas notícias que dão os índios brutais em cujas terras estão, de pedra e cal, e conforme a sua muita antiguidade, mostra ser feito por mãos de bons mestres. É todo de abóbada, e muito proporcionado nas suas medidas, e não é feito, ou cavado em rochedo por modo de lapa, ou concavidade, como são os templos supra, mas obra levantada sobre a terra.

Alguns duvidam se toda a “Fábrica” consta de uma só pedra, porque não se lhe vêem as junturas: famoso calhau se assim é e, na verdade, só sendo um inteiro calhau parece podia durar tanto, pois segundo o ditame da razão se infere que ou é obra antes do universal dilúvio, ou ao menos dos primeiros povoadores da América que, por tão antigos, ainda se não sabe decerto donde foram, e donde procedem. A tradição, ou fábula, que de pais a filhos corre nos índios, é que ali moraram, e viveram nossos primeiros pais, de quem todos descendem, brancos e índios; porém que os índios descendem dos que se serviam pela porta, que corresponde às suas Aldeias, e que por isso saíram diferentes na cor aos brancos, que descendem dos que tinham saído pela porta correspondente à Foz, ou Boca do Rio; será talvez a principal e ordinária serventia do palácio, e a outra uma como porta travessa; outros dizem que naquele “Convento” moraram os primeiros povoadores da América e que, repartindo a seus filhos e descendentes aquelas terras, eles bulharam (discutiram irracionalmente) entre si sobre quem havia de ficar senhor da casa, e que finalmente só se acomodaram desamparando a todos.

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Entre os mais Rios e Ribeiras que recolhe o Tapajós é um o Rio Cupari, a pouca mais distância de três dias e meio de viagem da banda de Leste no alegre sítio chamado Santa Cruz; é célebre este Rio, mais que pelas suas riquezas, de muito cravo, por uma grande lapa feita, e talhada por modo de uma grande “Igreja”, ou “Templo”, que bem mostra foi obra de arte, ou prodígio da natureza. É grande de cento e tantos palmos no comprimento; e todas as mais medidas de largura e altura são proporcionadas segundo as regras da arte, como informou um missionário jesuíta, dos que missionavam no Rio Tapajós, que teve a curiosidade de lhe mandar tomar bem as medidas. Tem seu portal, corpo de “Igreja”, Capela-mor com seu arco; e de cada parte do arco, uma grande pedra por modo de dois Altares colaterais, como hoje se costuma em muitas Igrejas; dentro do arco e Capela-mor, tem uma porta para um lado, para serventia da sacristia. O missionário que aí quiser fundar missão já tem bom adjutório (auxílio) na Igreja, e não o desmerece o lugar, que é muito alegre. (DANIEL)

-  Georreferenciando o Berço da Humanidade (4°09’32,8”S/55°25’O)

Quando estive no Tapajós pela primeira vez, em janeiro de 2011, tentei chegar por água ao “Berço da Humanidade”, subindo o Rio Cupari. A tentativa foi frustrada por uma queda d’água impossível de ultrapassar com a voadeira que nos transportava. Quando aportamos na margem direita do Rio, preparando-nos para voltar, ouvi o som de motores de caminhão nas proximidades e georreferenciei a posição. Retornando à Santarém localizei a posição marcada no Google Earth e verifiquei que a mesma ficava muito próxima da Rodovia Transamazônica (BR-230), decidi, então, realizar uma nova tentativa pela estrada. No dia 02.02.2011, emblematicamente no dia de “Nossa Senhora dos Navegantes”, encontrei, ainda que parcialmente encoberta pelas águas, estávamos no inverno amazônico, as cavernas mencionadas pelo Padre João Daniel e presentes na Cosmogonia Mundurucu. Determinado a reconhecê-las, programei uma ida, na estiagem, para realizar nova investida.

-  Berço da Humanidade (4°09’32,8”S / 55°25’O)

Realizei este ano a tão aguardada navegação pelo Tapajós, em pleno verão amazônico com o intuito de pesquisar, novamente, o local na vazante do Rio Cupari. No dia 04.10.2013, visitei a área acompanhado de meus caros amigos expedicionários, do Grupo Fluvial do 8º BEC, Cabo de Engenharia Mário Elder Guimarães Marinho e o Soldado Eng Marçal Washington Barbosa Santos e conduzidos pelo motorista do Sub-Cmt do Batalhão – TCel Eng Artur Clécio Aragão de Miranda, o Sd Eng Ademario César Guerra Costa Neto.

Chegamos por volta das onze horas e, mesmo em jejum, não consegui ingerir qualquer alimento tal era minha ansiedade. Tomei um copo de refrigerante, desci célere pela trilha até as cavernas e fiquei satisfeito com o que vi – as águas estavam suficientemente baixas para que pudéssemos adentrar nas cavernas de montante, submersas em 2011. A grande lapa mencionada por Daniel é uma grande caverna de arenito calcário contendo grandes quantidades de óxido de ferro que há milhares de anos sofreu infiltração d’água (ele menciona que a formação é de pedra e cal) criando estalactites e estalagmites de beleza singular de cor avermelhada em virtude da presença do óxido ferroso.

As grandes colunas e corredores de calcário de tons avermelhados suavemente matizados, magnificamente torneados estimularam nossos sentidos e fizeram emergir de nosso íntimo os sentimentos mais elevados e, evidentemente, esta sensação não deve ter sido diferente da experimentada pelos observadores pretéritos. É lógico, portanto, que a grandiosidade e perfeição destas formações naturais tenham estimulado a imaginação das pessoas produzindo relatos fantásticos que, por fim, chegaram aos ouvidos atentos do Padre João Daniel.

-  Estalactites e Estalagmites

As formações que partem do teto da caverna para baixo são denominadas estalactites, e estalagmites quando crescem a partir do chão para cima. Ambas são produzidas pelo gotejamento d’água através das fendas das paredes das cavernas de rocha calcária, carregando consigo parte deste calcário. Um ínfimo anel de calcita, quando em contato com o ar, precipita-se na base de cada gota. Cada uma dá origem a um novo e diminuto anel, consolidando formas cônicas e pontiagudas denominadas estalactites. As estalagmites, por sua vez, possuem forma mais grosseira, mais arredondada e menos pontiaguda com a tendência de se unir à estalactite dando origem a uma coluna.

O processo de crescimento destes elementos é demorado e ininterrupto variando entre 0,01 mm a 3 mm por ano dependendo da quantidade d’água, velocidade de gotejamento, pureza do calcário e temperatura. Quando as estalactites seguem as frestas do teto da caverna atingem dimensões bem maiores como as que observamos no Berço da humanidade, formando verdadeiros corredores.

–  Vídeos

00 -   Berço da humanidade (04.11.2013)

01 -   Santarém / Lago Maripá (10.10.2013)

02 -   Lago Maripá / Igarapé Moratuba (11 a 12.10.2013)

03 -   Igarapé Moratuba / Praia do Escrivão (13 a 14.10.2013)

04 -   Praia do Escrivão / Itaituba (15 a 17.10.2013)

05 -   Itaituba / Aveiro (21 a 23.10.2013)

06 -   Aveiro / Ponta do Cururu (24 a 26.10.2013)

07 -   Ponta do Cururu / Santarém (27 a 28.10.2013)

–  Fontes:

COUDREAU, Henri Anatole. Viagem ao Tapajós – Brasil – Rio de Janeiro – Companhia Editora Nacional, 1940.

DANIEL, João. Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas – Brasil – Rio de Janeiro – Versão Digital (objdigital.bn.br) – Vol. 95 – Anais da Biblioteca Nacional, 1975.

LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus Brasil – Rio de Janeiro – Civilização Brasileira, 1945.









Aveiro/Santarém

Aveiro/Santarém

Hiram Reis e Silva, Santarém, Pará, 1º de novembro de 2013.

O Tapajós que eu vi
(Eimar Franco)

Uma das belas características do Tapajós são as nuances de cor que apresenta durante os dias e as noites. Algumas vezes ele tem a cor de esmeralda; outras, a de chumbo; outras, o dourado – como se caprichasse para nos extasiar com sua beleza…

-  Partida de Aveiro (24.10.2013)

Partimos de Aveiro ao alvorecer e programamos a primeira parada no Sítio dos Sonhos do Sr. Júlio. Tínhamos acabado de aportar quando ele apareceu, com sua simpática esposa, e aproveitamos, mais uma vez, para nos despedir deste caro e empreendedor amigo.

No Tapajós as enormes Barreiras de arenito, conhecidas com “Barreiras Vermelhas”, na margem direita, são características das praias a partir da Ponta da Fortaleza, a ESE de Aveiro, até as proximidades da Comunidade de Itapuama onde pernoitamos. Na margem esquerda encontramos formações similares que se estendem desde a meia distância entre a Comunidade de Paú e Escrivão para ESE até os limites entre Pinhel e Cametá. As Grandes Barreiras, portanto, estão confinadas, “curiosamente”, às longitudes de 55º37’17,30”O e 55º37’17,20”O, em ambas as margens – em um alinhamento perfeito. Alguns destes ciclópicos paredões exibiam feias cicatrizes de recentes erosões. Algumas provocadas pela ação dos elementos outras pela camada vegetal que se empoleira nas fissuras do arenito ou ainda pela combinação de ambos. A rústica vegetação se desenvolve lentamente equilibrando-se instável e perigosamente nos abismos verticais entranhando suas delicadas raízes nas pequenas frestas da rocha e pouco a pouco como garras vulturinas vão ganhando corpo até que provocam a fratura irreversível do frágil arenito despencando com ele num suicídio deliberado.

Decidimos pernoitar, em uma pequena enseada, a um quilometro após a Comunidade de Itapuama. Estava ajudando o Cb Eng Mário Élder a colocar a “malhadeira” quando um cardume de jaraquis aproximou-se, agitando a superfície d’água, quatro deles emaranharam-se na rede antes mesmo de termos concluído sua colocação. Era muito bom variar o cardápio de enlatados com arroz ou enlatados e massa para uma caldeirada de peixes frescos.

-  Falha Geológica

A simples observação da dilatada foz do Tapajós à jusante de Aveiro, a “curiosa” semelhança da ocorrência das Barreiras Vermelhas nas duas margens em um alinhamento longitudinal perfeito e a verificação de que o desenho destas margens se encaixam quase que perfeitamente me levaram a considerar a possibilidade da ocorrência de uma falha geológica na região. Considera-se falha geológica uma descontinuidade formada pela fratura das rochas superficiais da Terra (algumas dezenas de quilômetros) pela ação das forças tectônicas.

Como leigo no assunto resolvi consultar minha querida e muito especial ex-aluna do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA) Raquel Gewehr de Mello estudante de Geologia da UFRGS e Bolsista de Iniciação Cientifica (PIBIC/CNPq). Disse a ela que a maior parte das formações era de arenito e a minha amada bruxinha foi taxativa:

São arenitos do final do cretáceo, com estratificação cruzada, pelitos e conglomerados. Faziam parte de um sistema lacustrino deltáico com influência marinha e algumas bordas possuem cobertura laterítica e depósitos aluviais recentes.

A Raquel enviou-me mapas e estudos que confirmaram minhas expectativas. Em um deles, intitulado “Neotectônica da Região Amazônica: Aspectos Tectônicos, Geomorfológicos e Deposicionais” de João Batista Sena Costa e outros os autores fazem a seguinte consideração:

Oeste do Pará

Na região Oeste do Pará as estruturas compõem dois conjuntos principais atribuídos ao Terciário Superior e ao Quaternário (J.B.S. Costa et al. 1994, 1995). (...)

b) O segmento distensivo NNE-SSW tem extensão em torno de 200 km, é marcado por falhas normais que controlam o baixo curso do Rio Tapajós, e seu desenvolvimento deve ter relação com reativação das falhas normais do Mesozóico.

-  Partida de Itapuama (25.10.2013)

Partimos mais cedo e fizemos a segunda parada na Ponta Macau. A fotografia aérea do Google Earth mostrava que tínhamos uma ilha à nossa frente e decidi navegar pela parte interna, entre ela e a terra firme, para fugir dos fortes ventos de NE que travavam nosso deslocamento. Ledo engano fomos forçados a voltar. Ainda bem que o erro foi de apenas uns 3,5 km, o grande problema de remar a favor do vento, porém, é que se neutraliza, em parte, a sensação de frescor provocada por ele. Antes de consultar as datas dos mapas do Google Earth e da Carta Náutica da Marinha eu achava que a diferença entre a fotografia e o terreno tinha como justificativa o período em que a fotografia foi tirada. A imagem poderia ter sido obtida durante uma das grandes cheias do Rio Tapajós e agora nos encontrávamos em plena vazante.

O episódio do frustrado atalho fez-me “engarupar na anca da história” e voltar ao caso da superprodução de tartaruguinhas, em 2009, no Tabuleiro Monte Cristo administrado pelo IBAMA. A produção que sempre girava em torno de 500.000 animaizinhos pulou, em 2009, para mais de um milhão. Logicamente as mamães tartarugas, tracajás e pitius acompanharam atentamente os resultados catastróficos provocados pela cheia de 2009 e precavidas procuraram, no final do mesmo ano, um local mais propício para a desova. Os quelônios trocaram as praias em que normalmente desovavam pela segurança oferecida pelo Tabuleiro Monte Cristo, a única praia cuja cota garantia que ficaria fora do alcance das águas durante as grandes cheias na região.

Voltando ao nosso frustrado atalho. Depois de verificar que a fotografia, de baixa resolução do Google Earth, tirada em 31.12.1969, mostrava um acesso ao Rio que estava agora totalmente bloqueado inferi que aconteceu um assoreamento provocado pelos sedimentos carreados pelo Igarapé em consequência do desmatamento sem controle de suas margens. A Carta Náutica, de 30.12.1984, que mais tarde tive acesso, mostrava que na época em que foi confeccionada esta boca já não mais existia.

Continuando com a nossa jornada, acampamos em um enorme Banco de Areia na altura da Ponta Jaguarari onde depois aportou o simpático e festivo pessoal do Hospital Barco Avaré.

-  Partida de Jaguarari (26.10.2013)

Como no dia anterior os ventos fortes e a canícula foram nossos maiores adversários. Procuramos contornar o problema realizando diversas paradas para refrescarmo-nos e hidratarmo-nos. Fizemos as duas últimas antes de Alter do Chão nas proximidades de duas belas Pousadas para poder degustar um bem-vindo refrigerante gelado bem mais barato do que o vendido na Praia de Alter.

Ao ultrapassamos o extenso Banco de Areia do Cururu ouvi um grito de “Selva” vindo da embarcação M. M. Vieira, ao que respondi imediatamente, e só então, ao olhar rapidamente para trás, identifiquei meu caro Amigo o TCel Eng Artur Clécio Aragão de Miranda à bordo. Mais tarde soube, por ele, que havia uma comitiva com diversos Generais à bordo conhecendo as belezas do Rio Tapajós. Dentre eles estava o Comandante Militar do Norte (CMN) – General-de-Exército Osvaldo de Jesus Ferreira – da minha turma de engenharia da AMAN. O Gen Ferreira foi o primeiro dos formandos de 1975 à acender ao mais alto posto da hierarquia militar. Teria sido interessante cumprimentar, na oportunidade, um camarada que não vemos há 38 anos. Aportamos na Praia da Moça às 15h40, dez horas depois de iniciarmos nossa exaustiva jornada.

-  Praia da Moça (Ponta do Cururu)

Era visível a diferença da paisagem da região que observáramos quando por aqui passamos, no dia 10.10.2013, e a de hoje. As praias, que antes recém começavam a despontar, agora exibiam majestosamente suas imaculadas areias brancas. Uma das belas pedras da Praia ostenta uma pequena cruz que segundo o “Magnata” – guia turístico de Alter do Chão – foi onde o corpo de uma jovem foi encontrado após o naufrágio da embarcação que a transportava. Debaixo de uma das árvores, onde acampamos, sob a areia, encontram-se vestígios desta embarcação.

Fiquei encantado com as inúmeras formações rochosas confeccionadas pelas mãos do Grande Arquiteto do Universo. À primeira vista nos parece um caótico e desarranjado amontoado de grandes monólitos, mas, um olhar mais atento, faz-nos descartar esta possibilidade. Há uma estranha e magnífica harmonia por trás desta aparente desordem. Cada formação apresenta um desenho único, uma inclinação, uma composição geológica, uma posição na linda praia que mais parece um museu de arte.

-  Ponta do Cururu – um Pedacinho do Céu Engastado no Tapajós

Travessos e atabalhoados Querubins provocaram a cisão de parte do Paraíso Celeste. Os atentos Arcanjos tentaram prontamente remediar o desastroso acontecimento procurando na terra um local onde o fragmento pudesse pousar suavemente e permanecer camuflado, oculto, despercebido pelo menos da grande maioria dos mortais.

Depois de vasculharem os ermos sem fim do Planeta Terra, encontraram um local apropriado na margem direita de um amazônico Rio cor de esmeralda, cuja paisagem compunha um cenário idílico compatível com aquela pequena fração do Éden.

Três belas enseadas foram então encravadas na ponta do Cururu, à NO de Alter do Chão, permanecendo ocultas aos olhos da maioria dos humanos que trafegam por aquela área, mais preocupados em desviar suas embarcações dos grandes bancos de areia ali existentes do que apreciar a paisagem ímpar daquelas plagas.

–  Amigos Investidores

Nossa jornada tapajônica só foi possível graças ao apoio incondicional do Exército Brasileiro por intermédio do Departamento de Cultura e Ensino do Exército (DCEx), do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), do 2º Grupamento de Engenharia (2º Gpt E), do 8º Batalhão de Engenharia de Construção (8º BEC) e do 53º Batalhão de Infantaria de Selva (53º BIS) além do necessário aporte financeiro patrocinado por 33 fiéis amigos investidores.

–  Parceiros de Fé

Nossa jornada tornou-se mais fácil graças à colaboração sempre pronta de dois grandes amigos expedicionários – o Cabo Eng Mário Elder Guimarães Marinho responsável pela segurança, apoio logístico e imagens da Expedição e o Soldado Eng Marçal Washington Barbosa Santos, parceiro de remadas e nosso caro “mestre cuca”.

–  Próxima Jornada

Ano que vem encerrarei minhas amazônicas expedições realizando a descida de Santarém a Belém pelo Amazonas com o apoio do 2º Gpt E e 8º BEC. Júbilo e tristeza são sentimentos que amalgamados não consigo, por mais que queira, dissociar. Foram jornadas de superação, improvisação, deslumbramento e muito aprendizado mas, também, de etapas não cumpridas como a Descida dos Rios Acre/Purus, AM, e do Rio Branco, RR.

As dificuldades encontradas na Descida do Rio Juruá estão gravadas indelevelmente em minha memória e não pretendo correr os mesmos riscos novamente, dependendo da boa vontade das autoridades de cada cidade para continuar nosso desiderato. A falta de apoio das autoridades municipais de Itaituba mostrou como isso pode ser comprometedor se nos encontrarmos nos ermos sem fim de um Rio Acre, Purus ou Branco.

–  Vídeos

01 -   Santarém / Lago Maripá (10.10.2013)


02 -   Lago Maripá / Igarapé Moratuba (11 a 12.10.2013)


03 -   Igarapé Moratuba / Praia do Escrivão (13 a 14.10.2013)


04 -   Praia do Escrivão / Itaituba (15 a 17.10.2013)


05 -   Itaituba / Aveiro (21 a 23.10.2013)


06 -   Aveiro / Ponta do Cururu (24 a 26.10.2013)


07 -   Ponta do Cururu / Santarém (27 a 28.10.2013)









Boim, PA

Boim, PA

Hiram Reis e Silva, Aveiro, Pará, 30 de outubro de 2013.

Terra Dos Tupinambás
Elísio Eden Cohen e Maria das Graças Pinto Paz

Boim! Boim! Terra dos Tupinambás
Boim! Boim! Não te esquecerei jamais (bis)



Boim dos meus amores
Terra boa de viver
Quero sempre estar bem perto
Pra contigo conviver

Tem festa de Santo Inácio
Que é a grande reflexão
A este Santo Milagroso
Que é nossa proteção

Tem tuas praias encantadas
Igarapés de águas correntes
E a Ponta do Pau-da-letra
Atração p’ra muita gente

Os seringais e os castanhais
Deus deixou foi para nós
E a baia da luz da lua
No majestoso Tapajós
Este povo hospitaleiro
Que em ti vive e reside
Dando prova de amor
Que em ti sempre existe

Digo a Deus muito obrigado
Por viver aqui assim
Com essa gente tão querida
Que é o povo de Boim

Esta terra abençoada
Que Deus, achou por certo
Já, nos deu dois Bispos
Frederico e Gilberto

Quero agradecer a Deus
Por ter dado para nós
O orgulho de teus filhos
Das margens do Tapajós



Volto a reportar informações sobre a região de Boim tendo em vista as conversas que mantive com ribeirinhos e moradores de Aveiro e, em especial, o Sr. Júnior, gerente da Agência do Bradesco em Aveiro.

-  Boim

Distrito de Santarém, PA, assentado na Baía do Boim, margem esquerda do Rio Tapajós, a, aproximadamente, noventa quilômetros da sede do Município de Santarém. O termo “Boim” é de origem tupi e significa “cobrinha”, obtido através da conexão dos termos “mboîa” (cobra) e “mirim” (pequeno).

Foi fundada, em 1737, pelo Padre jesuíta José Lopes com o nome de “Aldeia de Santo Inácio de Loiola”. No dia 9 de março de 1758, a Aldeia teve sua denominação alterada para Vila de Boim.

-  Relato Pretérito (Rufino Luiz Tavares, 1876)

Boim: foi em outros tempos a Aldeia de São Ignácio, habitada por alguns Índios Tupinambás, que os jesuítas fizeram passar de uma outra existente no Lago Uuicurupá, na margem direita do Rio Tupinambarana. É hoje paróquia do Município de Vila Franca sob o nome de Boim. Acha-se situada sobre terras altas e planas da margem esquerda do Tapajós aos 06°36’05” de Longitude Oeste de Belém e aos 02°25’ de Latitude Sul, 76 quilômetros ao Sul de Santarém.
Os moradores ocupam-se exclusivamente do fabrico de borracha, que extraem das seringa existentes nas vizinhanças. Colhem também algum breu, estopa de castanheira, castanhas, plantam mandioca, da qual fabricam farinha de inferior qualidade que exportam para Santarém e Belém. Não tem a menor importância comercial e sua decadência é manifesta. O aspecto da freguesia é o pior possível, contém apenas uma só casa coberta de telha à margem do Rio, todas as mais em número de 62 são palhoça toscamente construídas. A Igreja, parte coberta de telha e parte de palha, é um barracão impropriamente destinada a tão elevado serviço, está consagrada a Santo Ignácio que é o padroeiro da paróquia, mas não tem pároco. É na verdade para lastimar que, sendo Boim uma das freguesias mais populosas e mais bem situadas do Tapajós, contendo terras produtivas, se ocupem somente seus habitantes da extração da goma elástica e da plantação da mandioca. A população conta de 849 indivíduos, 439 do sexo masculino, 406 do sexo feminino, todos livres com exceção apenas de uma mulher. Acham-se presentemente providos de duas escola de instrução elementar, a do sexo masculino frequentada por 55 alunos, a do feminino apenas por 9. (TAVARES)

-  Igreja Católica de Boim

A Igreja de Boim está localizada no centro da Comunidade próxima à Praça Padre António da Fonseca e ao Porto. Tentaram várias vezes, sem sucesso, construí-la de frente para o Rio Tapajós. Os moradores afirmam que cada vez que metade da obra era concluída os temporais a arrasavam. Certa vez um dos operários sonhou que a igreja deveria ser construída na mesma posição em que fosse encontrada a imagem de Inácio de Loiola. No dia seguinte a estátua do Santo foi encontrada de lado para o Rio. Hoje a Igreja de Boim é a única assim posicionada em todo o Tapajós. A versão mais aceita, porém, é a que reproduzimos a seguir.

-  Lenda da Igreja
    Fonte: Maickson Santos Serrão, 18 de janeiro de 2011.

Em 1895, auge da Revolta dos Cabanos, o povo boinense fugiu para a mata. Um certo homem religioso, todavia, tratou de esconder a imagem de Santo Inácio de Loyola. Embora pesada, escondeu-a atrás de uma árvore de Sapupema e a cobriu com folhas de Piririma e Samambaia. Após o fim da revolta, os moradores retornaram à vila e deram pela falta do Santo. O homem, então, disse o local do esconderijo e os comunitários puderam levá-lo à Igreja.

Entretanto, noutro dia novamente o Santo havia sumido. Dessa vez, ninguém sabia onde encontrá-lo. Resolveram procurar atrás da árvore e, para surpresa geral, lá estava ele. Levaram-no por três vezes à Igreja e em todas ele voltava para trás da Sapupema.

Uma senhora idosa, curandeira, consultou os astros e disse que o Santo queria uma Igreja nova. Começaram, portanto, a construção de um novo templo com a frente para o rio, como é de costume. Quando a construção estava quase finalizando, um forte temporal a destruiu completamente. Não desistiram. Voltaram aos trabalhos e novamente veio a baixo. Fizeram por três vezes e todas caíram. Novamente consultaram a curandeira, que garantiu que deveriam construir a Igreja como tinham encontrado o Santo, ou seja, de lado para o rio. Assim fizeram e a Igreja está até hoje de pé, com algumas remodelações feitas em 1949 e em 2005.

-  Flerte de Santo Inácio e Nossa Senhora do Rosário
    Fonte: Manuel Dutra baseado na obra de Elísio Eden Cohen

Entronizado pelos jesuítas, Santo Inácio não foi o primeiro padroeiro, cargo que pertencia a Nossa Senhora do Rosário. As duas imagens ficavam lado a lado, no interior da capela e os moradores logo descobriram que havia um flerte entre os dois. De 1910 para cá, Santo Inácio virou padroeiro e ninguém sabe onde foi parar a Nossa Senhora do Rosário. Insatisfeito com a solidão, o santo guerreiro da Espanha basca, como bom cavaleiro que foi na vida terrena, buscou alternativa.

À noite, quando todos dormiam, exceto o boto conquistador, Inácio Lopez de Loyola deixava o seu pedestal e, descendo algumas léguas Tapajós abaixo, em pouco tempo estava ao lado de Nossa Senhora da Saúde, na Vila de Alter do Chão. Não foi uma nem duas vezes que os fiéis, ao chegarem para a reza matinal, assustaram-se ao perceber as vestes do santo úmidas pelo orvalho e a orla de seu manto apinhada dos carrapichos do mato por onde andara na noite anterior. Seja como for, nada diminui a fé de quantos até hoje prometem-lhe mil coisas em troca de outras tantas, sobretudo pistolas. Assistir a uma festa religiosa em Boim é ouvir o estourar dos fogos do começo ao fim.

Por cima de tudo, Santo Inácio é santo mesmo. Não é o tronco de carvalho no qual a imagem de quase um metro e meio foi esculpida. Ele assume a mesma estatura do fiel que, com devoção, se aproximar dele em oração. Antes da última restauração, que deixou a estátua bem vistosa para a festa de 31 de julho, havia um buraquinho entre os lábios, deixado por um antigo restaurador de imagens de Santarém. Porém, não se tratava de um lapso do artista. Era naquele orifício que Inácio colocava o cigarro que fumava em suas sortidas noturnas, para espantar os carapanãs.

Boim Contra os “ingerados”
    Fonte: Maickson Santos Serrão

Desde a infância, sempre nas contações de histórias que ouvimos dos mais velhos da comunidade, nos deparamos com a figura dos “ingerados”, que são pessoas, segundo a crença, demoníacas que se transformam em outros seres, principalmente animais.

De madrugada o fulano se “ingera” para cavalo. O ciclano se “ingera” para uma onça. A beltrana se “ingera” para uma porca. Essa metamorfose acontece devido essas pessoas possuírem “orações feias”, ou seja, pactos demoníacos.

As incertezas pairam entre as pessoas, mas àquelas de mais idade garantem que é real. Afirmam que já viram, presenciaram esse momento macabro. Os “ingerados” circulam geralmente altas horas da noite e perseguem pessoas, principalmente quando estão sozinhas, e cães nas ruas. Mas há aqueles que, talvez, sejam mais “poderosos” ou mesmo “sem vergonha” e resolvem passear cedo da noite mesmo, sempre em locais com pouco movimento.

Um dia desses um senhor da comunidade foi surpreendido por um desses seres. Próximo ao cemitério deparou com uma porca que o fez correr. O senhor acabou passando mal e foi parar na água doce. Alguns comunitários, em solidariedade, foram caçar a tal porca, que é uma pessoa “ingerada”. Não a encontraram. Acabam surgindo suspeitos nas conversas de vizinhança e outros até apostam que sabem quem é a pessoa que se “ingera” para a porca.

A caçada continua. Quarta, dia 16 de outubro de 2013, algumas pessoas a avistaram no bairro do Tucumatuba. Os mais corajosos da comunidade garantem que o fim dos seres “ingerados” está próximo. Será? Existem mesmo? Já imaginou você encontrando um cavalo, uma onça, que o persiga à noite? Prefiro não duvidar e espero nunca encontrá-los em minhas andanças por aí!

Fontes: TAVARES, Rufino Luiz. O Rio Tapajoz Memória onde se estuda Semelhante Tributário do Amazonas, não só como Elemento de Riqueza e uma das Melhores Vias de Comunicação, como Também Porque Todo o Território que Banha, pelo Primeiro Tenente Reformado da Armada Nacional e Imperial Rufino Luiz Tavares – Brasil – Rio de Janeiro – Typographia Nacional, 1876.







Itaituba/Aveiros

Itaituba/Aveiros

Hiram Reis e Silva, Aveiros, Pará, 30 de outubro de 2013.

Tarde Santarena
(Juliane Oliveira)

São inúmeras as músicas que embalam o amor dos santarenos pela Pérola do Tapajós. Algumas delas falam das praias, do encontro das águas, dos pescadores, dos casais de namorados e por aí vai. Outras falam da sua fauna e flora. Não precisa ser muito sensível ou mesmo inspirado pra fazer poesia para a terra que é banhada pelo verde-esmeralda do Tapajós e cobiçada pelo barrento Rio Amazonas.


–  21.10.2013 – Itaituba/Tabuleiro Monte Cristo

A fidalga e pronta recepção por parte do 53º Batalhão de Infantaria de Selva (53º BIS), capitaneado interinamente pelo Major Paulo Correia Lima Neto foi providencial. O pernoite, nas impecáveis instalações da Área de Lazer dos Oficiais, de quinta a domingo permitiu-nos recompor as energias e recuperar a musculatura. O recompletamento do combustível da lancha de apoio, por sua vez, garantiu-nos a possibilidade de dar continuidade à nossa jornada. Infelizmente, apesar de procurar o Major Correia Lima na sua residência em duas oportunidades, não consegui encontrá-lo para agradecer em meu nome, de minha equipe e do DCEx.

Alvorada às 05h00 e partida às 05h40. O deslocamento que fizéramos anteriormente do Tabuleiro Monte Cristo até Itaituba fora extremamente cansativo, por isso, resolvemos partir cedo. Quando o sol surgiu preguiçosamente na margem Oriental já tínhamos remado uma hora. Um dia ameno, uma suave brisa refrescava nossos corpos extenuados e vez por outra uma nuvem providencial atenuava os causticantes raios solares. Chegamos ao Tabuleiro pouco depois do meio-dia, três horas menos do que levamos, no dia 17, para percorrer a mesma distância no sentido inverso. Embora navegar contra a corrente pudesse justificar essa diferença temos de considerar que o Tapajós em virtude da estiagem pouca ou nenhuma influência tem em relação ao deslocamento Rio acima, o que realmente prejudicou nossa progressão anterior foi o terrível calor e a ausência de ventos e nuvens que amortecessem estes efeitos.

Paramos novamente nas instalações do IBAMA (Tabuleiro Monte Cristo). Infelizmente, apenas três tartarugas tinham realizado a postura, não seria desta vez que conseguiríamos apreciar a desova das enormes tartarugas amazônicas (Podocnemis expansa). Estávamos descansando nas confortáveis instalações do “Lar das Tartarugas” quando observamos a “Expedição Tapajós – 2013” de caiaques subindo o Rio. Um grupo de veteranos estrangeiros alemães estava subindo até o Salto São Luís. Espero que não seja mais um grupo de ativistas manifestando-se contra a construção da hidrelétrica de São Luís do Tapajós, que junto com outras quatro faz parte do Complexo Tapajós, tão necessária ao desenvolvimento da região e do país.

–  Amazônica Intocável

A polêmica em relação à construção das hidrelétricas por parte de manifestantes que defendem que a Amazônia deva permanecer intocável é um sofisma primário que não encontra amparo lógico nem na história da humanidade e muito menos no bom senso. É interessante verificar que todos estes militantes estrangeiros são oriundos de países que cometeram e ainda cometem os maiores desatinos ambientais do planeta e que em vez de cobrarem de seus próprios governos medidas corretivas em relação à poluição e recuperação de áreas degradadas de seus países surgem na “terra brasilis” como insanos arautos do apocalipse ambiental demonizando os brasileiros em geral e os amazônidas em particular.

Uma vez indaguei a um deles qual seria então alternativa energética proposta e o astuto germânico prontamente respondeu – energia nuclear. Logicamente o Brasil deveria comprar os equipamentos de sua querida Alemanha que dominava todas as fases desse tipo de geração – legítimos talibãs verdes a soldo e a serviço de grandes corporações.

–  Madrugando no Passado

Quantas vezes nós mesmos volvemos os olhos para o distante pretérito em busca das mais gratas recordações. Como seria bom que o tempo parasse, estacionasse em uma das melhores fases de nossas vidas, mas, seria este também o melhor tempo dos outros indivíduos?

Lembro quando acompanhava o velho Cassiano, meu saudoso e honorável pai, desde os seis anos de idade, nas pescarias em açudes de meu querido Rosário do Sul, RS. Era um evento formidável, memorável mesmo, partíamos de caminhão, amigos, parentes, assador (Seu Felipe), duas ovelhas vivas, lenha, barco, tralhas de acampamento e pescaria e uma velha cambona preta. A cambona era feita de uma velha lata de óleo com alça de arame e era colocada diretamente no braseiro para aquecer a água do chimarrão.

Durante o dia o pequeno piá Hiram se divertia pescando lambaris com sua tarrafinha que eram usados, mais tarde, no espinhel para pegar as cobiçadas traíras e jundiás. À noite caçava pirilampos que soltava na barraca fechada transformando-a numa mágica miniatura da abóboda celestial salpicada de pulsantes estrelas cor de esmeralda. Bons momentos, talvez dignos de um congelamento temporal.

Lembro, porém, que, na mesma época, a viagem de Porto Alegre a Rosário, no inverno era uma verdadeira odisseia. A estrada de chão esburacada apresentava um obstáculo por vezes intransponível – o temível banhado do Inhatium. Deveríamos ficar reféns eternos do ameaçador estorvo? Rosário era na época abastecido por uma termoelétrica que, quando estava funcionando, fazia as luzes pulsarem e os poucos eletrodomésticos pifarem. Continuaríamos para sempre satisfeitos com este tipo de fornecimento. Parece que não!

O problema é que estes problemas nos afetam diretamente. É diferente quando estas dificuldades dizem respeito aos habitantes dos ermos dos sem fim – os amazônidas. É fácil fazer propostas que embarguem o desenvolvimento e tragam mais conforto para estas populações quando não somos diretamente atingidos. Esquecem, porém, os “talibãs verdes” que não existe desenvolvimento sem energia e que não se faz “omelete sem quebrar ovos”.

As minas de Juriti e Porto Trombetas precisam de muita energia para transformar a bauxita em alumínio ou será que somos incapazes de alterar nossa destinação histórica subserviente de exportar minério bruto e importar o produto final dos países desenvolvidos.

–  22.10.2013 – Tabuleiro Monte Cristo/Aveiros

Resolvemos ir até Aveiros, mais de 72 km em linha reta, 76 km de percurso, desde o Tabuleiro, e partimos às 05h30. Atingimos Fordlândia às 09h00 e aproamos decididamente rumo a Aveiros. O tempo colaborou até atingirmos a Praia do Tecaçu por volta das 12h40. Daí em diante até nosso destino final, onde aportamos, cansados, às 15h40, o sol castigou-nos impiedosamente. Em Aveiros, o Marçal foi para sua casa e eu e o Mário nos instalamos em um hotel da cidade com ar-condicionado.