MAPA

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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Desafiando o Rio-Mar – Comunidade Mauari/Itacoatiara


Desafiando o Rio-Mar – Comunidade Mauari/Itacoatiara



“Em cada margem que passa
Outra estou a conquistar
O futuro não se teme
Quando se está a amar”.
(Ana Paula Filipe)

- Partida para Mauri (24 de dezembro de 2010)

Acordei às cinco horas e me preparei para uma rápida jornada que eu pretendia encerrar antes das onze horas na Comunidade Novo Horizonte, localizada na foz, a jusante, do Paraná da Eva, a apenas 56 quilômetros de distância. Os botos tucuxis por várias vezes evoluíram graciosamente nas proximidades do caiaque, proporcionando momentos de puro encantamento. Volta e meia o foguetório quebrava a tranquilidade que me cercava, anunciando os festejos natalinos. As águas continuavam calmas e consegui manter a média de 6 nós (aproximadamente 11 km/h). Fiz uma parada para descanso na Ilha Juara a Sudeste da Ilha Grande da Eva, onde um bando de aproximadamente doze alegres botos tucuxis pescavam; imediatamente o Comandante Mário determinou que o Vieira Lopes viesse, com a voadeira (barco de alumínio), verificar se havia algum problema.

Chegamos antes das onze ao destino original, mas o Comandante do Piquiatuba, Soldado Mário, achou melhor buscar um porto mais seguro à jusante. Depois de navegarmos alguns quilômetros ele decidiu lançar a voadeira com seu motor de 40HP para agilizar o reconhecimento e, finalmente, localizou um porto adequado na foz do pequeno igarapé Mauari. Cheguei à comunidade por volta das 12h30 depois de navegar mais de 70 quilômetros, por sete horas.

- Porto do Mauari

A foz possuía profundidade adequada para abrigar a grande embarcação de apoio, a montante e à jusante o porto era protegido por curiosos paredões de pedra que abrigavam um aprazível balneário de areias brancas. Depois da rotina de cuidar do caiaque, lavar a roupa e tomar um bom banho a bordo fomos visitar o professor Beque, um dos líderes da comunidade, que autorizara nossa aportagem.

- Professor Beque, o Forest Gump do Mauari

O professor de 53 anos fez curso de magistério, marítimo da marinha mercante e auxiliar de saúde que é muito empregado em apoio aos membros da Comunidade do Mauari. Beque relatou que a Comunidade foi formada por descendentes do Capitão Mariano Teixeira que fugiu de Portugal quando Napoleão Bonaparte declarou guerra aos lusitanos e se radicara no Mauari, Costa do Amatari. O professor amazonense afirma que é produto da miscigenação de portugueses da família Quirino com índias da etnia Mura e que cada patriarca tinha duas ou três esposas fazendo com que a descendência crescesse rapidamente.

Beque relata que: “a Fazenda Muari é um local bonito e pitoresco. Na foz do igarapé temos uma laje de pedra de ambos os lados e no centro uma praia que é usada como balneário. Na ponta da laje de jusante existe uma formação que lembra um rosto feminino e é conhecida como Maria Mococa. Em uma oportunidade veio um pessoal de Manaus e uns amigos depois de tomarem umas ‘geladas’ foram até a praia e não retornavam. A esposa de um deles, ansiosa, me perguntou se havia algo interessante na beira para que o marido demorasse tanto e se havia alguma coisa que pudesse pegá-lo. Respondi que tinha uma mulher de pedra e ela entendeu que tinha uma mulher nas pedras e ficou cheia de ciúmes. Notando sua aflição disse que não havia nenhum problema porque a mulher não tinha coração e era dura de roer porque é uma mulher de pedra. Ela desceu comigo até a praia e ao identificar a pedra da Maria Mococa a começou a rir”.

- Passeio pela Comunidade do Mauari

Depois de um bom banho no balneário e garantir os peixes para a ceia de Natal, acompanhamos o professor no seu périplo pela comunidade onde conhecemos seus membros mais antigos e a enorme plantação de acerolas. A tripulação se animou, momentaneamente, em participar das comemorações natalinas ou dos folguedos pagãos, mas reconheceram que isso não seria possível tendo em vista de que teríamos de partir às cinco da manhã.

- Partida para Itacoatiara (25 de dezembro de 2010)

Quando desci, às cinco horas, para o convés inferior, a tripulação já estava a postos, fiz um rápido lanche e colocamos o caiaque n’água. Ao contrário dos demais dias, o vento de proa e o banzeiro prejudicaram, durante toda a jornada, minha progressão. Havíamos decidido manter a rota pela margem esquerda do Amazonas percorrendo o Paraná da Trindade (Cumaru) ao norte da Ilha do mesmo nome que desvia as águas do Madeira pela margem direita do Amazonas ao longo da Costa do Arapará. A opção tinha a vantagem de ser mais curta embora mais lenta. Continuei a navegação sempre enfrentando o vento de proa e ondas que alcançavam meio metro de altura, nada que prejudicasse a estabilidade do formidável Cabo Horn (caiaque). Por volta das 7h30, logo na entrada do Paraná Cumaru, depois de navegar 18 km, por quase duas horas, avistei uma interessante ponte de ferro em arco sobre o Igarapé Nossa das Graças, aproveitei para fazer uma parada para descansar e fotografá-la. Hidratei-me comi uma banana e uma maçã e voltei para a água. Naveguei para o talvegue do Paraná. Os ventos continuavam prejudicando o deslocamento, apontei a proa diretamente para a Ilha Benta, ia fazer uma parada na face norte de suas areias. Aportei na Ilha Benta, às 9h20, depois de navegar 16 km, observei o Piquiatuba estacionado a 3 km a jusante da foz do Rio Urubu realizei meus procedimentos de rotina e retornei para o rio para meu lance final.

Notifiquei à equipe de apoio a respeito de minha rota, enchi o cantil com refrigerante e parti. Logo que adentrei nas águas oriundas do Rio Madeira encontrei troncos arrastados pela correnteza deste formidável afluente da margem direita do Amazonas. Até então eu não havia encontrado nas águas do Amazonas vestígios desse material já que o Solimões, nesta época, não tinha correnteza suficiente para arrastar os troncos encalhados nas margens ou areais do seu leito. Itacoatiara era perfeitamente visível a mais de 20 km de distância, piquei a voga, mas não adiantou muito, a velocidade dos ventos e a altura das ondas aumentaram de volume. Aportei no Piquiatuba às 12h12 depois de navegar aproximadamente 70 km. Estabeleci os contatos necessários com o pessoal de terra e permaneci a bordo até a tarde de 26 colocando em dia o material colhido ao longo do caminho.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Deise Nishimura, a Samurai de Mamirauá

Deise Nishimura, a Samurai de Mamirauá

“O Ai do samurai
não é um grito de dor:
é a precisão do corte,
a velocidade da morte
na defesa da manhã”.
(Arnaldo Garcez Teixeira)

- Café Regional

Convidei os caros amigos do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA) Tenente Roberto STIEGER e a pesquisadora chefe do laboratório de Mamíferos Aquáticos Amazônicos, VERA F. Silva, para um café regional de agradecimento, por terem viabilizado minha visita a um dos mais fantásticos santuários ecológicos do mundo: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Mamirauá.
Na oportunidade, a Vera, como sempre, nos brindou com seus fantásticos relatos, sendo que um deles – o ataque de um jacaré a uma de suas pesquisadoras, a bióloga paulista Deise Nishimura, chamou-me a atenção em especial. Vera comentou que o anjo da guarda de sua pesquisadora, na oportunidade, deu um cochilo quase fatal, mas, logo em seguida, procurou corrigir sua burrada através de uma série de felizes coincidências.

- O ataque de Dorotéia, a guardiã do Flutuante Boto Vermelho

Foi em dezembro de 2009, véspera do Ano Novo, nas instalações do Flutuante do Boto Vermelho, RDS Mamirauá, município de Tefé, Amazonas. A pesquisadora Deise Nishimura preparava um enorme tambaqui para a passagem do ano. Iniciou a limpeza do saboroso peixe na cozinha e, logicamente, os pequenos detritos puseram em alerta a Dorotéia, a enorme Jacaré-Açu que morava sob o Flutuante. Na hora de cortá-lo preferiu fazê-lo na borda do Flutuante, a menos de um metro d’água. Dorotéia, já na espreita, atacou Deise e puxou-a, pela perna, para dentro d’água, dando início à rotação mortal.

Nesta hora achei que tinha morrido, mas lembrei de um documentário que  havia visto que, quando você é atacada por um tubarão, a parte mais sensível dele é o nariz. Aí pensei qual seria a parte mais sensível do jacaré. Coloquei a mão na cabeça dele, não sei se era o nariz ou o olho, e enfiei meus dedos e apertei com toda força, foi quando ele me soltou e nessa hora percebi que já estava sem a minha perna”, relata Deise.

Deise nadou rapidamente para o Flutuante procurando se colocar a salvo antes que outros jacarés fossem atraídos pelo seu sangue. Arrastou-se pela rampa de acesso aos barcos que fica ao nível d’água e conseguiu, depois muito esforço, pedir socorro pelo rádio. A Vera comenta que, a partir do ataque, o anjo da guarda deve ter acordado sobressaltado e procurou remediar a besteira que tinha deixado acontecer com sua protegida. A artéria femural, na rotação, deu praticamente um nó, impedindo que a pesquisadora viesse a se esvair em sangue. Em Mamirauá, normalmente, ninguém está na escuta nos postos-rádio e, às vezes, não se entende absolutamente nada do que está sendo dito,contudo, nessa ocasião, seu pedido de socorro foi ouvido e, em quinze minutos, uma equipe lhe atendia, acompanhada de um especialista, com curso de primeiros socorros - uma raridade na RDS.
Outro problema crítico seria a evacuação imediata para o Hospital de Tefé. Nesse momento, ocorreu mais uma intervenção do anjo dorminhoco: eis que o Gerente Operacional do Instituto Mamirauá, César Modesto, fazia sua ronda periódica pelos diversos Flutuantes do Instituto numa lancha dotada de possante e barulhento motor. No mesmo instante em que Deise fazia seu apelo pelo rádio, o César havia diminuído a velocidade em virtude dos banzeiros e, graças a isto, pôde ouvir a mensagem, deslocando-se, imediatamente, para o local, fato que possibilitou uma evacuação em tempo recorde.
Deise chegou em estado de choque ao Hospital de Tefé, e foi prontamente atendida pelo Doutor Alberto Villa Lobos.

O Doutor Alberto é um perito em amputações e, graças a ele, a pesquisadora não sofreu nenhuma infecção,recebeu um tratamento especializado, o qual foi elogiado, mais tarde, pelos médicos de São Paulo, local para onde Deise foi transferida, para dar continuidade ao tratamento, e depois ser submetida à fisioterapia.
Nishimura, mostrando ter a fibra dos verdadeiros Samurais, voltou para RDS Mamirauá para dar continuidade às pesquisas sobre o boto vermelho, e lamentou-se ao saber que os ribeirinhos haviam matado sua algoz Dorotéia.

- Rotação Mortal

Achei estranho o comentário de alguns “especialistas” em jacarés, afirmando que o ataque seguido de rotação era privilégio dos crocodilianos. Lembrei-me de ter lido há algum tempo afirmação do ex-presidente americano Theodore Roosevelt e ornitólogo amador que afirmava: “Durante o vôo, o maguari e alguns outros pernaltas esticam o pescoço em linha reta...” fato que pude desmentir através de observação pessoal e fotos mais tarde. Com os jacarés e os crocodilianos, a mesma coisa acontece. Quando a presa é grande e não pode ser abocanhada de uma única vez, é usado o recurso da rotação, para arrancar membros, partir ossos ou matar. Pude observar esse recurso sendo empregado pelos jacarés do Pantanal, quando o alvo era uma capivara, veado ou porco do mato.

- Memória Curta

Quando estive na RDS Mamirauá, de 27 a 31 de dezembro de 2008, naveguei sem qualquer receio entre gigantescos animais que podem chegar, em casos excepcionais, a sete metros de comprimento, maiores que os crocodilos americanos (aligátor mississipienses). Na Pousada Uacari, numa conduta altamente condenável, os guias locais atraíam os enormes animais atirando pedaços de carne na água para que os turistas pudessem fotografá-los. No Flutuante Mamirauá, onde fiquei hospedado havia um gigantesco sauro, conhecido como Léo, animal que considerava o Flutuante como sua propriedade, garantindo sua posse graças aos seus formidáveis cinco metros. Ele, como os outros, eram alimentados, para deleite dos visitantes ou durante a preparação das refeições, o que com o tempo, fatalmente, os levaria a associar o cheiro de comida na Pousada Uacari ou Flutuantes à refeição fácil. Não tínhamos qualquer tipo de cuidado com os grandes animais e todos os consideravam como grandes animais “domésticos”. O acidente cruel com a Deise, segundo a Vera, parece que, depois de quase um ano, já caiu no esquecimento, uma vez que os procedimentos reprováveis voltaram a acontecer.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Desafiando o Rio-mar – Iniciando a 3ª Fase

Desafiando o Rio-mar – Iniciando a 3ª Fase

“Vê bem, Maria aqui se cruzam: este
é o Rio Negro, aquele é o Solimões.
Vê bem como este contra aquele investe,
como as saudades com as recordações”.
 (José Quintino da Cunha)

- Partida para Manaus

Surpreendentemente, a saída de Porto Alegre, pela Gol, saiu dentro do horário previsto, o mesmo não ocorrendo na conexão em Brasília onde o caos havia se instalado e parecia não querer arredar o pé. A todo momento, os passageiros eram orientados a buscar outros portões de embarque e, não raras vezes, em andares diferentes, num desrespeito flagrante ao usuário, e uma patente mostra da desorganização que reina no sistema aeroviário brasileiro, país que se propõe a sediar a Copa em 2014.

- Manaus

Cheguei à tarde em Manaus com um atraso de quase uma hora, e o amigo e Irmão gaúcho - 1º Sargento Vaz, encarregou-se de me conduzir ao 2º Grupamento de Engenharia (2ºGpt) onde fiquei hospedado. O Vaz, gentilmente, convidou-me para tomar um chimarrão em sua residência e saborear, no jantar, uma pizza preparada por sua querida e habilidosa esposa.

- Contratempos

No dia seguinte fiz questão de verificar as condições de meu caiaque, modelo Cabo Horn, fabricado pela Opium Fiberglass; fiquei surpreso e preocupado ao constatar, por estes amazônicos imponderáveis, que haviam extraviado os tampões dos compartimentos de proa e de popa, leme, pás do remo de reserva, e outros itens. Os tampões, eu os poderia improvisar com um plástico grosso e extensores, mas o leme, o qual possui tamanho, peso e formato muito específicos, faria muita falta ao enfrentar os famosos banzeiros e ventos de través. Tentei, sem sucesso, rastrear o caiaque do mesmo modelo que meu parceiro, o Coronel Teixeira, vendera, há dois anos, em Manaus depois de minha descida pelo Solimões. Contatei o amigo canoísta Marcelo da Luz, o “peixinho”, para ver se ele conhecia alguém em Manaus que possuísse um modelo semelhante. Informou-me que havia comprado um e se prontificou a levar os tampões e o leme até o 2ºGpt. Embora os tampões fossem diferentes, o leme era idêntico e ele se dispôs a emprestá-lo. Eu já havia encomendado o material ao mestre Fábio Paiva, da Opium Fiberglass, mas, certamente, ele não chegaria antes de minha partida, prevista para o dia 23 de dezembro. Minha jornada nem começara e eu já amargava um prejuízo de mais de mil reais.

- Lúcio Batista Guaraldi Ebling

Meu grande amigo Coronel Ebling foi, mais uma vez, meu ponta de lança, apoiando-me nos deslocamentos em Manaus para comprar alguns itens complementares. Tive a oportunidade de almoçar com ele por três vezes. Novamente, ele doou ao Projeto um kit completo de reparação para eventuais avarias na fibra de vidro do caiaque.

- Partida para Costa de Santo Antônio (23 de dezembro de 2010)

O 2ºGpt havia providenciado um apoio substancial ao meu deslocamento de Manaus a Santarém, em homenagem aos 40 anos do Grupamento. O Coronel Aguinaldo da Silva Ribeiro, meu ex-cadete e comandante do 8º Batalhão de Engenharia de Construção, sediado em Santarém, deslocou o B/M (Barco a Motor) Piquiatuba para me apoiar durante toda a jornada. A embarcação regional é constituída da seguinte forma: possui um convés principal e um convés superior, uma cozinha, dois camarotes, dois banheiros, freezer, máquina de lavar roupas e televisão. Eu ia contar, graças aos discípulos de Vilagran, de um conforto que jamais havia imaginado, e resolvi dormir embarcado, na véspera da partida na nau para evitar qualquer tipo de atraso. Improvisei tampões para o caiaque, montei minha barraca e a fixei solidamente no convés superior, criando mais um aposento como alternativa. A zelosa tripulação era formada pelos soldados Mário Elder Guimarães Marinho (Comandante do B/M), Walter Vieira Lopes (Sub-comandante do B/M), Edielson Rebelo Figueiredo (Chefe da Casa de Máquinas) e Marçal Washington Barbosa Santos (cozinheiro) nosso bom Gourmet.

Acordei às 4h45min, antes do amanhecer, e iniciei minha navegação pelo Rio Negro, partindo do estaleiro do senhor Oziel Mustafa onde estávamos ancorados. Saí cedo, tentando evitar a agitação que se seguiria. Às 5h45min, o sol apontou, ainda preguiçoso no horizonte - exatamente no alinhamento de minha proa. No mesmo instante em que eu passava na frente da estação de São Raimundo, fui, então, agradavelmente surpreendido com os maravilhosos acordes de nosso Hino Nacional. A magia do emocionante momento envolveu-me e senti uma elétrica vibração a percorrer-me a epiderme. Continuei minha navegação e tive, mais de uma vez, de desviar-me de pilotos mal-educados, que teimavam em sair de sua rota simplesmente para criar marolas, que prejudicassem meu deslocamento. Eu já presenciara este comportamento condenável por diversas vezes no Guaíba, onde pilotos de lanchas e Jet Sky, contrariando normas estabelecidas e o bom senso, não priorizam as rotas de remadores e velejadores. Passei pela área do Porto do Chibatão, onde, no dia 17 de outubro deste ano, ocorreu o deslizamento do barranco, provocado pela ação das águas, arrastando containers e carretas para o leito do Rio Negro.

Fiz a primeira parada na ilha Marapatá em frente à Refinaria de Manaus, recebi um telefonema da minha filha Vanessa, às 7h07min, e enviei uma mensagem para o Coronel Colbelo do 2ºGpt, informando-lhe minha posição. Foi o último contato que pude estabelecer nos três primeiros dias de viagem. A equipe de apoio do Piquiatuba ultrapassou-me e ficou aguardando à jusante da ilha. Continuei minha navegação e, logo em seguida, pude observar o encontro das águas.

- Encontro das Águas

“Vê como se separam duas águas,
Que se querem reunir, mas visualmente;
É um coração que quer reunir as mágoas
De um passado, às venturas de um presente.

É um simulacro só, que as águas donas
D’esta região não seguem o curso adverso,
Todas convergem para o Amazonas,
O real rei dos Rios do Universo;
(José Quintino da Cunha)

O Negro enfrentava a maior estiagem dos últimos quarenta anos e não era páreo para o formidável Solimões. Na altura da Ponta das Lajes, o limite entre ambos era nítido, as alfaces d’água, aguapés, pequenos pedaços de madeira marcavam a fronteira entre os formidáveis mananciais; aqui e ali as águas leitosas do Solimões penetravam céleres no flanco direito do Negro. Os ataques se tornavam cada vez mais frequentes e violentos à medida que eu avançava. Minhas fotografias aéreas, certamente da época da cheia do Negro, mostravam suas águas progredindo, cada vez mais estreitas, até a altura de Itacoatiara, a 200 quilômetros da foz. Hoje as águas do Negro guardavam apenas uma pálida lembrança do pujante afluente. As águas do Solimões passavam o comando para o Amazonas que continuava não dando trégua ao arquirrival e o comprimia sem clemência de encontro à margem esquerda, até que não restasse nenhum vestígio das águas “negras como tinta”. Há séculos, a luta entre estes dois titãs vem encantando aos poetas, naturalistas, pesquisadores e a todos que têm a oportunidade de admirá-las. E pensar que no século XVI o nome do Amazonas - de Orellana a montante de Manaus, foi alterado para Solimões, tendo em vista na época se desconhecer em qual dos dois titãs se encontraria a nascente natural do Amazonas...

- O Conto das Águas

Mais uma vez caí no “conto das águas”. A tripulação do Piquiatuba informou-me que a água do reservatório era de boa qualidade e eu acreditei. Infelizmente, minhas vísceras, não. Estava tresnoitado ao iniciar minha jornada e, além da desidratação, provocada pela disenteria, o sol causticante forçava-me a beber a água contaminada. Só então dei-me conta de que a água deveria ser a causa; acerquei da embarcação de apoio para pedir que enchessem meu cantil com refrigerante. Procedi da mesma forma em mais duas oportunidades - era muito bom poder contar com este tipo de ajuda em pleno rio sem a necessidade de aportar.

- Puraquequara e Missão Novas Tribos

A passagem pelo Puraquequara sinalizada, nitidamente, pelo Farolete Maronas trouxe-me gratas lembranças do Curso de Operações na Selva do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), exemplos de superação, de camaradagem, de coragem, de fé e, sobretudo, de determinação dos companheiros do COS A/99. Dedicarei um capítulo especial em meu futuro livro a respeito deste Centro de Instrução que é considerado, indiscutivelmente, o melhor do gênero em todo o mundo.

Na boca do Puraquequara existe uma instalação da controvertida Missão Novas Tribos do Brasil, filiada à Sociedade Internacional de Linguística, que mereceria um capítulo à parte, mas cujo objetivo pode ser resumido como - aniquilar povos e culturas e salvar línguas. A ONG exerce sua nefasta ação na Amazônia com a total conivência e omissão das autoridades “(ir)responsáveis” e já foi processada por ter invadido área indígena dos Zo’e, provocando a morte de 40 silvícolas por infecções respiratórias. A Associação Brasileira de Antropologia acusa os membros da famigerada seita fundamentalista também pela destruição cultural, por promover a desagregação social, realizar prospecção mineral e contrabando. Vários países latino-americanos mais atentos já expulsaram os vis missionários de seus países.

- Costa de Santo Antônio

A viagem continuou sem grandes novidades pela face Norte da enorme Ilha do Careiro (40 km de extensão), e chegamos ao nosso local de destino por volta das treze horas, depois de remar por 70 quilômetros durante 7h30min. O Porto era um pequeno igarapé na Costa de Santo Antônio, um quilômetro à jusante do igarapé de mesmo nome da Costa - exatamente na parte mais estreita, compreendida entre a margem esquerda do Amazonas e a Ilha das Onças. A tripulação foi pescar com a tarrafa que eu adquirira em Manaus. À noite, no jantar, degustamos o fruto de seu labor.

Uma chuva torrencial iniciou à tarde, felizmente depois de estarmos perfeitamente atracados, protegidos e instalados na foz do igarapé.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Rio-Mar na 56º Feira do livro

Rio-Mar na 56º Feira do livro


“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

- Projeto ambicioso

Desde que iniciei, em 2007, o Projeto-Aventura Desafiando o Rio-Mar, eu tinha um ambicioso sonho de considerar uma fase concluída somente depois da edição de um livro relativo a cada uma delas. Projetei, inicialmente, cinco descidas: 1ª Fase - Rio Solimões; 2ª Fase – Rio Negro; 3ª Fase – Rio Amazonas I (Manaus-Santarém); 4ª Fase – Rio Madeira e 5ª Fase – Rio Amazonas II (Santarém-Belém). Estas descidas poderiam ser estendidas a outros rios da bacia amazônica desde que tivéssemos o devido apoio ou convite para isso, a título de exemplo estamos estabelecendo tratativas para viabilizar a descida do Rio Branco por sugestão do General Eliéser Girão Monteiro Filho, Secretário de Segurança Pública do Estado de Roraima.

- Livro “Desafiando o Rio-mar – Descendo o Solimões”

Embora estejamos partindo para a 3ª Fase, em 23 de dezembro deste ano, somente agora estamos considerando concluída a 1ª Fase.  Graças ao apoio da Editora Universitária da PUCRS - EDIPUCRS e do General-de-Exército Luiz Gonzaga Shroeder Lessa, no dia 11 de novembro, às 19h30min, no Pavilhão Central de Autógrafos, Praça da Alfândega, estaremos autografando o livro “Desafiando o Rio-mar – Descendo o Solimões”, na 56º Feira do Livro de Porto Alegre. O livro pode ser encontrado no estande 31 da EDIPUCRS, na Rua da Praia, próximo ao “Rua da Praia Shopping” ou durante a sessão de autógrafos no próprio Pavilhão Central de Autógrafos.

O livro é endereçado aos amantes da aventura, àqueles que gostam de descortinar meandros históricos intrigantes e raramente divulgados, para quem se interessa pelas coisas da natureza amazônica e pelos belos relatos dos naturalistas de outrora, para os românticos enamorados pela poesia regional, para os pesquisadores das raízes antropológicas e estudiosos da geopolítica. Rascunhei e descartei, por diversas vezes, pequenos resumos de minha amazônica jornada, por fim resolvi reproduzir as palavras que constam da capa do livro e que foram escritas pelo meu amigo e mestre Coronel Soriano. Talvez poéticas demais, por vezes superlativas, mas certamente melhores que as minhas. 

- Navegando sonhos
Coronel Manoel Soriano Neto - Historiador Militar

O Coronel Hiram Reis e Silva, brilhante Oficial de Engenharia do Exército, Professor do Colégio Militar de Porto Alegre, é possuidor de muitas e invejáveis titulações civis e militares. Em seu apostolado cívico em prol da Amazônia, contabiliza vários trabalhos escritos, a par de inúmeras palestras proferidas. Entretanto, ele se fará conhecido, historicamente, pela concretização do Projeto-Aventura “Desafiando o Rio-Mar”. E este precioso livro traz a lume o que foi tal aventura, desde o rigoroso treinamento no lago Guaíba, até o hercúleo desafio em arrostar mais de 1.700 quilômetros (!) do rio Solimões e seus afluentes, de Tabatinga a Manaus, em caiaque, e por quase dois meses.

Este fantástico documento é uma verdadeira joia histórica, pois riquíssimo em valiosos ensinamentos. Ao perlustrarmos as suas páginas, somos conduzidos para a fruição de uma empolgante travessia, não em águas procelosas como as singradas a remo pelo autor, mas em um rio sereno, de encantadoras narrativas acerca de aspectos fisiográficos, sociais e humanos, referentes a “brasis ainda sem Brasil”. Tal como Orellana e Pedro Teixeira, no heroico pretérito, o Coronel Hiram, pela epopeia há pouco realizada, acaba de consagrar, galhardamente o seu ilustre nome em nossa historiografia, “ad perpetuam rei memoriam”. Mas a obra não trata apenas da descrição do memorável percurso aquático, eis que relevantes questões históricas (“Pirara”, Reservas Indígenas, etc) são muito bem abordadas no memorial, como um brado de alerta à cobiça de Nações hegemônicas sobre a nossa Amazônia.

Aduza-se, por derradeiro, que as belezas e lições entesouradas neste livro têm, outrossim, o condão de robustecer, de forma superlativa, o sentimento de brasilidade, o apreço à nossa Soberania e a relembrança de nossos avoengos portugueses - “De nada a forte gente se temia” -, mote que se adapta, perfeitamente, à saga tão bem narrada, prenhe de audácia e coragem...

Que o excepcional lavor deste belo historial, de forte conteúdo cívico-patriótico, da fecunda produção literária do bravo e renomado escritor, Coronel Hiram, sirva de luzeiro àqueles que amam, de fato, a Terra em que nasceram, na inspiração do poeta-soldado Luiz Vaz de Camões: “Não me mandas contar estranha História. Mas mandas-me louvar dos meus a glória”.


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Desafiando o Rio-Mar (3ª Fase) - Rio Amazonas I

Desafiando o Rio-Mar (3ª Fase) - Rio Amazonas I


 “É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito, que nem gozam muito, nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota”. (Theodore Roosevelt)


Estou planejando a Descida do Amazonas, de caiaque, para o período de 23 de dezembro do corrente ano até 28 de janeiro de 2011. A 3ª Fase do ‘Projeto Desafiando o Rio-mar - Descendo o Amazonas I’ vai homenagear os 40 anos do 2° Grupamento de Engenharia (2° Gpt E), Grupamento General Rodrigo Octávio, sediado em Manaus (AM). O 2° Gpt E é, atualmente, comandado por um grande amigo e companheiro de jornada no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre (RS), em 1984, General-de-Brigada Lauro Luís Pires da Silva. A chegada em Santarém, término da 3ª Fase terá um significado igualmente especial, pois o 8° Batalhão de Engenharia de Construção é comandado pelo meu ex-cadete e parceiro de trabalho no 9° Batalhão de Engenharia de Combate, Aquidauana (MS), Coronel de Engenharia Aguinaldo da Silva Ribeiro.

- A Missão

Para que possamos entender o contexto histórico e sermos capazes de reconhecer a importância fundamental da atuação do General Rodrigo Octávio na integração da Amazônia Brasileira vamos reproduzir o pronunciamento que o eminente Presidente Emílio Garrastazu Médici proferiu no Teatro Amazonas, em Manaus, na “Reunião Extraordinária da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM)”, em 8 de outubro de 1970.

“Brasileiros da Amazônia, homens de todo o Brasil.
Venho à Amazônia sob o signo da fé. Venho para estar com o povo na romaria do Círio e confluir com ele na mesma corrente das ruas de Belém. Venho para trazer à gente desta terra a crença de meu governo e o entusiasmo do Brasil inteiro nos destinos da Amazônia. E, por isso mesmo, quero ser, aqui, mais do que nunca, realista e verdadeiro, para não ser, um instante sequer, messiânico, fantasista ou prometedor, na terra em que tudo sempre se permitiu à imaginação. (...)

Seria insensato realizar, aqui e nesta hora, um grande projeto de desenvolvimento puramente regional, que desviasse poupanças e créditos capazes de gerar riquezas maiores e mais rápidas noutras regiões. Muito mais insensato seria, no entanto, ignorar a Amazônia, usando rígidos critérios de prioridade econômica e deixá-la ficar no passado e ainda envolta no mistério, sempre vulnerável à infiltração, à cobiça e à corrosão de um processo desnacionalizante, que se alimenta e se fermenta em nossa incúria.

O coração da Amazônia é o cenário para que se diga ao povo que a Revolução e este governo são essencialmente nacionalistas, entendido o nacionalismo como a afirmação do interesse nacional sobre quaisquer interesses e a prevalência das soluções brasileiras para os problemas do Brasil. Manaus é lugar para que o meu governo apresente as linhas gerais da primeira fase de sua política para a Amazônia e diga a sua decisão de assegurar, com energia e vontade, a soberania brasileira nesta outra metade do Brasil e de fazer andar o relógio amazônico, que muito se atrasou ou ficou parado no passado. (...)

Em síntese: ou cresceremos juntos todos os brasileiros, ou nos retardaremos indefinidamente para crescer. E, como a segunda alternativa não é admissível, o Programa de Integração Nacional terá de ser, como decidimos que será, um instrumento a serviço do progresso de todo o Brasil. (...)

Nosso esforço inicial será concentrado na Transamazônica, começando em Picos, no Piauí, onde se interliga com a Rede Rodoviária Nordestina, vai atingir Itaituba, depois de passar por Porto Franco, Marabá e Altamira, obra essa entregue ao dinamismo do Ministro dos Transportes, Mário Andreazza, para servir àquelas regiões cuja ocupação deverá processar-se de pronto e com absoluta prioridade.

Prolongando a estrada até as fronteiras com o Peru e a Bolívia, cortando as Rodovias Cuiabá-Santarem e Porto Velho-Manaus, e complementando todo o sistema fluvial amazônico, ao interceptar os terminais navegáveis dos principais afluentes, estaremos facilitando a exploração de reservas de ferro, manganês, estanho, chumbo, ouro, cobre e fecundando terras virgens e solos férteis, que vão deixar de ser bens geográficos para se transformarem em verdadeiros bens econômicos. Estaremos, assim, facilitando o esforço de ocupação e desenvolvimento da Amazônia - imperativo do progresso e compromisso do Brasil com a sua própria História. (...)

Papel de extraordinário relevo está reservado ao Ministério da Saúde nesta hora de conquista e povoamento nas terras altas da Amazônia. Aos participantes da epopéia da construção e colonização desta Transamazônica e de outras vias de desbravamento, que Deus haverá de me conceder a coragem de iniciar ao Sul e ao Norte do Rio-mar, confio em que não haverá de faltar todo um sistema de proteção da vida humana.

A soberania brasileira na Amazônia, meta essencial de todo o esforço que aqui começamos a realizar, compreende também a presença e a participação das Forças Armadas, no propósito de assegurar ainda maior capacitação e eficiência a bases e aeroportos, aos órgãos logísticos e operacionais, ao sistema de proteção ao vôo, às flotilhas, às Unidades e colônias de fronteira, assim como aos beneméritos Batalhões de Engenharia. (...)

E se aqui estou testemunhando aos amazônidas o entusiasmo e a solidariedade da Nação inteira, quisera que os Círios, da sempre renovada romaria em louvor da milagrosa imagem de Nossa Senhora de Nazaré, não se acendessem, neste ano, tão-somente na promessa de cada um, mas que se acendam todos os círios em ato de fé pelo Brasil de todos nós”. (Presidente Emílio Garrastazu Médici)

- “The Right Man in The Right Place”

O General Rodrigo Octávio era o “Homem Certo, no lugar Certo”, os desafios propostos pelo “Programa de Integração Nacional” eram ciclópicos, e só um grande Chefe Militar dotado de inigualável visão estratégica e dedicação profissional seria capaz de cumprir as metas propostas pelo Presidente Médici.

- General Rodrigo Octávio Jordão Ramos

O General de Exército Rodrigo Octávio Jordão Ramos nasceu em 8 de julho de 1.910, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, e faleceu em 6 de julho de 1.980, na cidade de São Paulo, SP. Rodrigo Octávio assentou praça na Escola Militar do Realengo em 1.927, tendo sido declarado Aspirante-a-Oficial da Arma de Engenharia, em 21 de janeiro de 1.930, em primeiro lugar na sua turma.

Teve carreira militar brilhante, sempre muito ligado à área da Engenharia Militar, comandou o 1° Batalhão Ferroviário (1° B Fv), a Escola Superior de Guerra (ESG), foi Ministro interino do Supremo Tribunal Militar (como Coronel), comandou o 1° Grupamento de Engenharia de Construção (1° GPT E Cnst), a 7ª Região Militar/7ª Divisão de Exército (7ª RM/7ª DE) e o Comando Militar da Amazônia/12ª Região Militar (CMA/12ª RM), foi diretor da Diretoria de Vias de Transporte (DVT), da Diretoria Geral de Engenharia e Comunicações (DGEC), e chefe do Departamento de Produção e Obras (DPO), foi, ainda, Ministro de Viação e Obras Públicas, Ministro do Supremo Tribunal Militar.

O General Rodrigo Octávio participou ativamente da Revolução de 1930, e atingiu o generalato, em Julho de 1964, mercê de suas inegáveis qualificações morais e profissionais. Classificou-se em primeiro lugar em cada um os cursos que frequentou e se destacou de forma ímpar em todas as funções que exerceu nos seus mais de cinquenta anos de dedicação integral ao Exército e à Pátria.

Mas foi na Região Amazônica que o General “R.O.”, como era, respeitosa e carinhosamente, conhecido no círculo de seus pares e subordinados, deixou, gravada sua passagem para a posteridade. Assumiu o Comando Militar da Amazônia/12ª Região Militar, em 26 de julho de 1968, quando este comando ainda estava sediado em Belém, Pará e vislumbrando a necessidade estratégica premente de uma maior integração, desenvolvimento e defesa da Amazônia Brasileira transferiu a sede do CMA/12ª RM para Manaus, Amazonas.

O Gen Bda Tibério Kimmel de Macedo no seu livro “Eles não viveram em vão”, às páginas 47/48, faz a seguinte referência ao General Rodrigo Octávio, quando este era Comandante do CMA/12ª RM, e decidiu transferir o Comando Militar da Amazônia para Manaus:

“Sabia e sentia que um Comando de tal importância e envergadura, naquelas Latitudes onde as distâncias se mediam pelo grau meridiano, devia estar mais para o interior, mais próximo dos seus elementos subordinados”.

E o Gen Bda Tibério prossegue:

“Quando da criação do 2° Grupamento de Engenharia (2° Gpt E), este incansável ‘Paladino da Integração da Amazônia’, não estava mais no Comando da Amazônia, que comandou de 26 de julho de 1968 até 31 de março de 1970, nas suas sedes de Belém e Manaus”.

Estaria já na Chefia do Departamento de Produção e Obras (DPO), em julho de 1970, Departamento que representava o órgão máximo da Engenharia militar. No fecho do boletim Especial n° 12 do DPO, do ano de 1970, o Gen Rodrigo Octávio fez publicar as seguintes palavras, suas:

“O Exército e a Engenharia em particular, estão prontos a cumprir a sua parte nesta grande obra, malgrado os obstáculos a vencer, os sacrifícios enfrentar, os embates a superar honrando a bravura e o estoicismo de nossos antepassados, representados pelos missionários, soldados e sertanistas, que conquistaram e mantiveram para o Brasil esta grande Amazônia que não é nem um Inferno Verde, nem um Paraíso Perdido, mas que é a Amazônia Brasileira, onde uma geração ansiosa e confiante espera o esplendente alvorecer de um amanhã fecundo, diferente e promissor”.

E acrescentava:

“Só assim, a Amazona se preservará e o Brasil se engrandecerá. Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la”.

Na Cruzada Santa, antes aludida, o Velho Chefe haveria de criar não só o 5° Batalão de Engenharia de Construção (5° B E Cnst), mas, também, os 6°, 7°, 8° e 9°B E Cnst e, por último o 2° Gpt E Cnst.

Havia combatido o bom combate e, por isso, considerava a Engenharia pronta para a grande obra que ele havia imaginado: Integrar a Amazônia ao ecúmeno nacional. O grande Chefe R.O. foi um homem que, visionário, alcançava adiante de seu tempo. Embora homem de seu tempo, desassombrado e realista, via o futuro, sopesava-o e adotava medidas para tornar a Engenharia Militar e o Exército, mais aparelhados, melhor postados e posicionados para enfrentar os embates que, ele sabia, haveriam de vir, no futuro. A propósito da Amazônia e as cobiças do Mundo, costumava citar George Washington: ‘Não pode haver erro maior, para uma nação, do que esperar ou contar com favores desinteressados de outra’. Sobre o Gen R.O., o General de Exército Aurélio de Lyra Tavares, Ministro da Guerra, afirmou:

“O Exército do meu tempo e o Brasil de todos os tempos, muito ficaram devendo ao General Rodrigo Octávio Jordão Ramos no vigoroso e seguro equacionamento da problemática da dinamização da Amazônia e pelo grande impulso da programação projetada, graças ao qual a região ganhou aspecto de uma civilização em marcha, encontrando-se em franca evolução para uma nova realização, agora já irreversível”.

Ao despedir-se do cargo de Ministro do Superior Tribunal Militar, ele assim se definiria:

“Na história de minha existência, o tempo passado a serviço do Brasil, se inscreve em um capítulo de mais de meio século. Na disciplina intransigente, no respeito hierárquico, na firmeza de convicções democráticas, na lealdade inconteste aos camaradas, no companheirismo permanente, no estímulo à juventude, na obsessão da justiça, ele foi vivido com ética, coerência, obstinação e, sobretudo, fé missionária no desejo de, como integrante de um grupo de soldados que guiados pelo mesmo ardor patriótico e comungando das mesmas aspirações e idéias, têm procurado construir um novo Brasil, pleno de humanização, democracia, eternidade e grandeza”.

Graças ao General Rodrigo, e às políticas governamentais, a Amazônia Brasileira, na década de “70, teve um período de desenvolvimentismo sem precedentes na região. O Brasil como um todo experimentou na ciência, educação, saúde, segurança uma fase jamais experimentada em toda a sua história e que servia de inspiração às demais nações soberanas do planeta. Certamente o General Rodrigo Octávio foi um dos elementos propulsores deste ciclo formidável que ficou conhecido, na história das nações, como “Milagre Brasileiro”. Como reconhecimento pelos seus dotes intelectuais, morais e pelos relevantes serviços prestados à Nação Brasileira recebeu 17 condecorações em vida, e “post mortem” a Medalha do Serviço Amazônico e o Diploma de Pioneiro da Engenharia Militar da Amazônia.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Igreja de Nossa Senhora da Conceição

Igreja de Nossa Senhora da Conceição


Trezentos anos há que, entre os indígenas
De Bettendorf – os velhos Tapuias –
Teu Nome foi erguido como Lábaro
A guiar esse povo pra Jesus. (SANTOS)

- Igreja Matriz

No dia 22 de junho de 1661, o Padre João Felipe Bettendorff fundou a Aldeia de Nossa Senhora da Conceição dos Tapajós (Santarém) com a construção, de taipa, da Capela de Nossa Senhora da Conceição. A primeira Igreja foi edificada no Largo do Pelourinho, na época, centro da Aldeia. Em 1698, outra Igreja foi erguida, em local próximo ao da primitiva que ruíra, pelo missionário João Maria Gorsoni com a ajuda do Capitão Manoel da Motta de Siqueira que, na época, estava empenhado na construção da Fortaleza do Tapajós. Em 1756, o Governador da Província do Grão Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, comandando uma missão em viagem para Iquitos, no Peru, fez uma parada em Santarém. Acompanhava a missão o arquiteto italiano Antônio Landi que, visitando a capela, apresentou algumas sugestões em relação à estrutura do templo. O antigo sítio do templo, localizado na Praça Rodrigues dos Santos, é ocupado atualmente pela “Padaria Vitória”, em frente à Câmara Municipal.

No ano de 1761, centenário da construção da Igreja e da fundação de Santarém, iniciou-se em um novo local, a construção de uma nova Igreja Matriz com duas torres laterais, mais baixas do que as atuais, situada na Praça Monsenhor José Gregório, centro da cidade de Santarém. Na tarde do dia 25 de março de 1851, logo após o toque da “Ave Maria”, a torre esquerda desmoronou. A outra torre foi posta abaixo e construídos dois “gigantes” laterais para reforçar as abaladas paredes. Em 1876, a matriz ameaçava, novamente, ruir. As obras se arrastaram vagarosamente, no mesmo ritmo em que eram arrecadadas as contribuições dos fiéis. No dia 8 de maio de 1880, foi instalada no alto da Igreja a nova cruz de ferro, o altar-mor foi concluído, no dia 17 de maio de 1880 e, somente, no dia 24 de setembro de 1881, foi considerada concluída. Em 1895, foi executada a reforma do forro e vitrais nas janelas laterais e frontispício e em 21 de junho 1965, foram iniciados os trabalhos de recuperação de maior vulto que incluíam a demolição das colunas, altares, etc.

Dentro em minh’alma, bendizia eu o século futuro, que verá o mais majestoso caudal da terra, habitado por homens livres e felizes, e dei as mais ardentes graças ao Ente todo de amor, que me havia guiado através de tantos perigos, protegendo-me acima e dentro desse Rio, a cujas águas amarelas de novo me entreguei. (MARTIUS)

- O Naufrágio de Martius

É curioso Martius não ter reportado o seu naufrágio na sua obra “Viagem pelo Brasil 1817 – 1820”. A menção só é feita na chapa de ferro que acompanha o crucifixo doado à Igreja Matriz de Santarém. Nele, Von Martius relata que escapou de morrer num naufrágio, no dia 18 de setembro de 1819, e foi “salvo por misericórdia divina do furor das ondas do Amazonas, junto à Vila de Santarém”.

- O Crucifixo de Von Martius

O Cavaleiro Carlos Fred. Phil. de Martius, membro da Academia R. das Ciências de Munich, fazendo de 1817 a 1820, de ordem de Maximiliano José, Rei da Baviera, uma viagem científica pelo Brasil, e tendo sido, aos 18 de setembro de 1819, salvo por misericórdia divina do furor das ondas do Amazonas, junto à Vila de Santarém, mandou, como monumento de sua pia gratidão ao todo poderoso erigir este crucifixo nesta igreja de Nossa Senhora da Conceição, no ano de 1846.
 (gravação, em relevo, na chapa de ferro que identifica o crucifixo)

Como sinal de agradecimento ao Grande Arquiteto do Universo por ter sobrevivido a um naufrágio no Rio Amazonas, Von Martius ofertou à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, um crucifixo de ferro fundido, dourado, com um metro e sessenta e dois centímetros de altura. O crucifixo, fundido em 1846, é uma réplica perfeita de uma das obras do escultor, gravador e pintor Albert Durer (1471/1528) de Nuremberg. Os olhos do Cristo de Martius fitam os céus procurando o Pai, os músculos do pescoço retesados pelo esforço e os lábios doridos, queimados pelo vinagre, deixam escapar sua súplica “Eli, Eli, Lamma Sabachtani?”. A imagem do Cristo crucificado impregnada de profunda angústia e expiação física e moral, emociona, desperta os mais nobres sentimentos e convida à reflexão. Certamente essa era a intenção de Von Martius conforme ele mesmo comenta:

“a obra saiu excelente e a contemplei com profunda emoção, pensando no modo pelo qual só por um verdadeiro milagre, fui salvo do Rio Amazonas. Se a contemplação desse crucifixo em alguns devotos despertar uma piedosa comoção, terei eu feito alguma coisa pela raça meridiana à qual sinto nada mais poder dedicar senão votos piedosos. Há muitas pessoas, católicas e protestantes, que não sabem como se pode desenvolver no cérebro e no coração de um naturalista a idéia do Salvador do Mundo, a ponto de ser base de sua existência espiritual; a isso se chama filosofia de século XIX...” (MARTIUS)

“Foi a imagem enviada ao Pará aos cuidados do Cônsul alemão na Província, que se incumbira do transporte e entrega ao vigário de Santarém. Compreende-se que seria difícil vir o crucifixo já armado, pelo tamanho que teria a cruz e o volume que faria para as embarcações da época. Assim, Martius remeteu apenas a estátua e a lâmina com a inscrição comprobatória do seu voto, dentro de um único caixão. Nem se pode admitir que para o Brasil, pátria de belas e excelentes madeiras, o naturalista enviasse uma cruz confeccionada com madeira europeia. Depois de longo estágio na alfândega de Belém, aguardando transporte, foi finalmente a grande e pesada caixa embarcada num dos barcos a vela que faziam tráfego entre Santarém e a capital, e descarregada no porto mocorongo em fins de 1848 ou princípios de 49, consignada ao vigário local. (...) O volume foi conduzido à igreja, e na sacristia aberta a caixa, foram encontradas a bela imagem de Jesus e a chapa com a inscrição em relevo. (...) Enquanto isso, a linda imagem de Cristo continuava no seu caixote de pinho, por falta de uma cruz que todos lhe negavam! (...) Finalmente, em princípios de 1851, Cônego Fernandes foi a Belém e consegui interessar o Presidente da Província, Fausto A. de Aguiar, que lhe prometeu fazer incluir no orçamento quantia para a obra prevista. (...) Tratou-se logo de outro problema onde colocar a imagem? Uns queriam vê-la na atual capela de Bom Jesus, à entrada do templo; outros preferiam que fosse erigida num dos altares laterais da nave, onde, aliás, já se encontrava outro crucificado, quase em tamanho natural, porém de madeira ou massa, colocado por trás da imagem de Nossa Senhora das Dores, no altar hoje considerado do Rosário. Estavam as coisas neste pé, aguardando-se somente a verba que iria ser votada – como, realmente, o foi – quando, a 26 de março desse ano de 1851, surgiu, de súbito, grave imprevisto que causou desolação geral: uma das torres da Matriz ruiu fragorosamente, quase destruindo a parede da frente e danificando as outras. (...) Os reparos que se faziam, então, na Igreja de Santarém, só ficaram terminados, mais ou menos, em 1868, segundo relatório do Presidente da Província, José Bento Figueiredo, de 1869, e é provável que somente então fosse o Crucificado de Martius colocado no seu altar”. (SANTOS)

- O Círio da Padroeira

“Nem sempre as festas da Padroeira, Senhora da Conceição, começaram pelo Círio, ou antes, pela transladação da véspera. Durante anos a festividade principal da terra constava somente das novenas, iniciadas impreterivelmente a 28 de novembro, mesmo que fosse um dia útil, e iam até 6 de dezembro; depois, as vésperas, a 7, e finalmente, o dia da festa, 8 de dezembro que fechava com a grande procissão. Ninguém pensava em Círio. Nos primeiros tempos da República, surgiu uma romaria a que chamavam “Círio da Bandeira”, que se compunha de uma bandeira com a efígie da Santa, alguns estandartes, confrarias, povo e banda musical que percorriam as principais ruas, recolhendo-se à Matriz. Era o sinal de que na noite seguinte teria começo o novenário. Esses “Círios da Bandeira” saiam da Capela de São Sebastião, e em 1896, como a Igreja estivesse em concertos, saiu da Casa da Câmara. Foi somente, a partir de 1919, inclusive, que, sendo intendente municipal o Dr. Manuel Waldomiro Rodrigues dos Santos, foi instituído o uso da transladação e círio, como início da festa da Padroeira, tal qual se fazia em Belém na festa de Nazaré. O costume pegou e já constitui tradição”. (SANTOS)

A festa de Nossa Senhora da Conceição inicia no sábado, véspera do Círio, quando a imagem da Virgem, em procissão é levada da Igreja Matriz para a Igreja de São Sebastião de onde a romaria parte na manhã de domingo. Desde o primeiro Círio, realizado em 29 de novembro de 1919, a romaria foi atraindo um número cada vez maior de fiéis. Há mais de nove décadas, o círio percorre cerca de dez quilômetros, durante mais de 3 horas, as principais ruas e avenidas da cidade, congregando católicos de diversas comunidades do Baixo Amazonas. O encerramento das comemorações, no dia 08 de dezembro, dia da festa de Nossa Senhora da Conceição, culmina com uma tradicional queima de fogos.

“Realizou-se ontem, pela manhã com a concorrência e a pompa que era de esperar o Círio da Imaculada – imponente manifestação de devotado amor que o povo de Santarém dedica ao culto de Maria, iniciando, este ano, a tradicional festividade, o Círio revestiu-se de uma singeleza espiritualizada, mui solene e muito significativa, emoldurado, para melhor realce, pelo brilho difuso de uma linda manhã santarense de luz gloriosa e belo sol. Tendo saído da Capela de São Sebastião, para onde fora a imagem em procissão no dia anterior à noite – percorreu as principais ruas da cidade, sempre na melhor ordem, aumentando gradativamente de vulto aquele imponente estuário humano, em meio ao qual se destacava a linda imagem da Padroeira em sua berlinda artisticamente ornamentada, sendo de notar a coroa de ‘sempre vivas do campo’, naturais, admirável trabalho de uma piedosa filha de Maria. Ao entrar o Círio na Catedral a aglomeração de gente era enorme, reinando, entretanto, a melhor ordem e a mais completa satisfação”. (SUSSUARANA)


Fontes:

SANTOS, Paulo Rodrigues dos. Tupaiulândia. ICBS/ACN. Santarém, PA: Gráfica e Editora Tiagão, 1999.

SPIX e MARTIUS, Johann Baptist Von Spix e Carl Friedrich Philipp Von Martius. Viagem pelo Brasil 1817 - 1820 - Brasil - São Paulo, 1968. Edições Melhoramentos.

SUSSUARANA, Felisbelo. Jornal “A Cidade”. Santarém, PA, 29 de novembro de 1919.


domingo, 5 de setembro de 2010

Theatro Victória – Santarém – PA

Theatro Victória – Santarém – PA


Chovia dinheiro em Manaus, na alucinação do “ouro negro”, e numerosas empresas teatrais, às vezes de renome mundial, passavam por Santarém. (...) O Victória contava, então com dezessete camarotes, sendo um oficial, cento e quarenta e duas cadeiras numeradas na plateia, e cerca de cento e oitenta gerais. (SANTOS)

- As Primeiras Sementes

Nos idos de 1855, os comerciantes e artistas dramáticos Antonio Maximiano da Costa e sua esposa Carolina Helpídia da Costa conseguiram que o Presidente da Província Henrique de Beaurepaire Rohan editasse a Lei nº 289, de 3.10.1856, concedendo-lhes duas loterias cujo produto deveria ser aplicado na edificação de um Teatro na Cidade de Santarém. A loteria redundou num completo fracasso e o casal, desiludido, abandonou o projeto e partiu para outras plagas.

Alunos do Colégio Conceição, no período de 1875 a 1878, fundaram o “Teatro Conceição”. O educandário cerrou suas portas, em 1878, e com ele o teatro dos alunos.

O objetivo inicial de um jovem grupo de artistas amadores, em 1894, era arrecadar fundos, através de suas apresentações teatrais, para a construção de um Hospital de Caridade em Santarém. Realizaram alguns espetáculos mas as dificuldades encontradas e o retorno financeiro muito abaixo do esperado desanimaram o grupo que preferiu entregar o numerário já apurado para as obras da Matriz e da Igreja de São Sebastião. A semente, porém, fora lançada em terra fértil e a magia do palco havia contagiado a mocidade santarena.

No dia 15 de janeiro de 1895, o “Clube Dramático Santareno” foi fundado por artistas amadores apoiados por alguns cidadãos de destaque da comunidade. Foi eleito para Presidente da Comissão de Obras o entusiasta e próspero comerciante português Manoel Gomes Veludo. Veludo, vez por outra, participava, como comediante, das exibições teatrais e encaminhou, imediatamente, uma petição à Câmara Municipal solicitando um terreno para a construção de um Teatro.

A Câmara municipal, no dia 20 de janeiro de 1895, em sessão extraordinária, aprovou por unanimidade, a concessão, por aforamento, de um “terreno entre as Ruas da Alegria e 22 de junho, junto à casa do Comendador Joaquim Honório da Silva Rebêlo, medindo 64 palmos de frente por 120 de fundo, para ali ser construído o Teatro que o Clube Dramático pretende edificar nesta cidade”. O terreno estava localizado na principal Praça de Santarém, a Praça da República (atualmente Praça Rodrigues dos Santos).

Seus idealizadores, sem contar com qualquer tipo de apoio das autoridades municipais, contavam apenas com as doações de contribuintes, sócios amadores e o dinheiro arrecadado nos espetáculos que passaram a ser apresentados no “Teatro Caridade” e, depois, no “Teatro Provisório”.

- Lançamento da “Pedra Fundamental”

A planta do “Theatro Victória” foi projetada pelo engenheiro francês Maurice Blaise, professor de Desenho da Escola Normal do Pará, e previa uma lotação de quinhentos espectadores. No domingo, de 5 de maio de 1895, foi realizada a solenidade do lançamento da “Pedra Fundamental”, no dia 14 de agosto era levantada a cumeeira.

“Apesar da escassez de recursos, o ‘Clube Dramático Santareno’ recusou a subvenção de seis contos, votada pela Assembleia Estadual, em 1896 – Governo Lauro Sodré – sob a alegação de que estando a obra quase terminada, era vergonha ou insulto para os sócios do Clube a exigência do governo para tornar efetivo o auxílio votado. Queria a lei que fossem apresentados o documento de posse do terreno, a planta da obra, seu orçamento etc., etc., as costumeiras papeladas da burocracia. Os ‘Dramáticos’ tomaram a exigência como desaforo; era uma desconsideração essa confiança lançada contra a sua honorabilidade. Parecia que a Assembleia duvidava que a obra estivesse realmente em construção, quando lhe faltavam, apenas, retoques internos, separação das frisas e camarotes, pintura e mobiliário. Esse o pretexto da recusa, mas, no fundo, era o dedo sectário de alguns políticos da terra, aborrecidos porque o projeto havia sido apresentado e defendido pelos adversários...” ( SANTOS)

Foi inaugurado, a 28 de junho de 1896, contando com as presenças ilustres do Governador e do Deputado Adriano Miranda. A casa de espetáculos foi batizada, inicialmente, de “Teatro 15 de janeiro” em referencia à data de fundação do “Clube Dramático Santareno”, em 15 de janeiro de 1895, mas teve seu nome modificado, logo depois, para “Theatro Victória”. Poucos anos depois o “Clube Dramático” encerrou suas atividades e entregou o Teatro à Intendência Municipal. Foi a fase áurea do Victória que durante algum tempo proporcionou momentos de arte, cultura e alegria aos santarenos.

O primeiro grande revés ocorreu, em 1912, quando a Companhia Portuguesa de Operetas e Comédias depois de encenar alguns espetáculos no Teatro foi dizimada pela epidemia de febre amarela que se alastrou na cidade. A partir de então o Victória passou a funcionar também como cinema (mudo), concertos, conferencias, etc.

Em 1917, na administração do intendente Dr. Oscar Barreto, o “Theatro Victória” foi restaurado e ganhou nova pintura e novos cenários e mobiliário. Nesse mesmo ano foi fundado o Grupo Cênico do “Tapajós Futebol Clube” cuja estréia, na noite de 15 de novembro de 1917, contou com a presença do Senador Antonio de Souza Castro.

Em 1925, o intendente Joaquim Braga e, em 1933, o prefeito Ildefonso Almeida realizaram obras de restauração do Teatro sem promover alterações na sua arquitetura original. O Teatro, neste período, tinha sido transformado em salão de bailes, escola, salão de banquetes, hospedaria e depósito de juta que acabou provocando o desabamento do tablado da platéia além de ameaçar a estrutura do prédio.

Em 1956, serviu de acantonamento para um contingente de pára-quedistas militares, comandando pelo Coronel Santa Rosa, com a missão de debelar a revolta liderada pelo Major Haroldo Veloso na Base de Jacaré-Acanga.

O Prefeito Armando Lages Nadler (1955/59), considerando o prédio muito pequeno para uma casa de espetáculos, resolveu aproveitá-lo como Biblioteca Pública até que as goteira resultantes da falta de conservação acabaram por transformá-lo em albergue.

Em 1965, foi novamente reformado, desta vez perdeu totalmente suas formas originais passando a ser utilizado como Câmara Municipal e, atualmente, Secretaria Municipal de Educação e Desporto.

Mais que uma casa de espetáculos, mais que uma obra arquitetônica, o “Theatro Victória” representa a força, a energia e a determinação do povo santareno na busca de um ideal.

Fonte: SANTOS, Paulo Rodrigues dos. Tupaiulândia. ICBS/ACN. Santarém, PA: Gráfica e Editora Tiagão, 1999.