MAPA

MAPA

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Maçarabi - Santa Isabel

Maçarabi - Santa Isabel

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)


Parti às sete horas com a intenção de atingir a Comunidade Boa Vista, que também, segundo o mapa do ISA, possuía telefone. Durante todo o trajeto avistei apenas três outras pequenas embarcações cruzando o rio e pouco ou nenhum movimento nas raras comunidades. Grandes bancos de areia me fizeram desviar por mais de uma vez da rota planejada. Em cada parada eu me refrescava nas águas cor de chá do Negro, recuperando a energia.

Continuava comparando as fotografias aéreas do Google com o terreno sem qualquer dificuldade até chegar ao mapa de número 12. A fotografia aérea estava tomada por nuvens, não permitindo avaliar o formato das ilhas ou furos. Marquei o rumo e segui remando. Devo ter entrado em um furo diferente e sai a montante do planejado, avistando algumas ilhas não previstas. Resolvi não arriscar; se ultrapassasse a Comunidade Boa Vista, só chegaria à noite na próxima aldeia.

Avistei uma cabana numa prainha a montante do ponto em que me encontrava. Remei forte contra a correnteza e aportei, exausto, no sítio do senhor Manoel Menezes, da etnia Tuiuca. Menezes me informou que Boa Vista ficava perto, mas eu não estava em condições de continuar.

- Manoel Menezes, um contador de estórias

Montei meu acampamento sob uma rala cobertura de palha e depois de tomar um revigorante banho e ingerir uma porção de macarrão crua, estava pronto para descansar. Fiquei conversando, ou melhor, ouvindo meu novo amigo. Falou ininterruptamente sobre a língua geral, as dificuldades para manter seu roçado, de sua vida desde Pari da Cachoeira até as cercanias de Boa Vista, da preparação do caxiri...

Deixei uns comprimidos para gripe com um dos quatro netos do Sr. Manoel e todo meu estoque de massa. A penúria daquela gente era muito grande. Tinham apenas farinha de mandioca para comer.

- Encontro com a equipe de apoio

Parti às sete horas, já que o trecho a percorrer era mais curto que os demais. Quando ia passando ao largo da Comunidade Boa Vista ouvi o Coronel Teixeira me chamando e apontei a proa para a origem dos gritos. Foi bom avistar, pela primeira vez, minha equipe de apoio. Já estava achando que desceria sozinho o Negro. A embarcação usada pela dupla de apoio, porém, era de assustar, feita de um único tronco, seu fundo arredondado não tinha qualquer estabilidade e somente graças à destreza do piloto é que se mantinha a flor d’água.

Pedi ao Teixeira que fosse buscar minha bússola que esquecera na casa do Tuiuca Manoel. Parti antes do seu retorno, tendo em vista que meu deslocamento era muito lento em relação ao barco da equipe.

A viagem transcorreu sem alteração e ao meio dia, numa pequena praia, degustei um peixe pescado e preparado pelo nosso piloto, acompanhado de arroz. A tranquilidade de ter por perto uma equipe de apoio para atender a essas necessidades básicas era reconfortante. Depois do almoço, seguimos para Santa Isabel.

- Santa Isabel do Rio Negro

A vista da cidade é a mais bela que tive a oportunidade de avistar desde o Solimões. A Igreja, o novo Hospital, a Missão e um belo jardim compõem um agradável conjunto para quem chega pelo rio, vindo do norte. Transcrevo, abaixo, alguns dados da Biblioteca Virtual do Amazonas sobre o Município.

Aspectos Históricos

Após e expulsão dos jesuítas da Amazônia, em 1661, o povoamento do rio Negro é relativo a partir de 1695 com a chegada de religiosos de outras congregações que, com a finalidade de catequizar os índios, vieram fundando vários povoados ao longo do rio. Em 1728 é fundada a Missão de Nossa Senhora da Conceição de Mariuá, berço da atual cidade de Barcelos. Em 1760, estabele-se um destacamento militar e, em seguida se constrói um forte no local onde hoje é a cidade de São Gabriel da Cachoeira. Toda a região constitui então a capitania de São José do Rio Negro, com sede em Barcelos.

Aproximadamente meio caminho entre Barcelos e São Gabriel da Cachoeira, floresce a povoação da Ilha Grande, à margem direita do rio e defronte a essa incidência geográfica que lhe deu o nome. Em 1931, quando é definitivamente restaurado o município de Barcelos, a região do atual município de Santa Isabel do Rio Negro fazia parte de seu território. Em 29.12.1956 pelo desmembramento determinado pela Lei Estadual nº 117, é criado o Município de Santa Isabel do Rio Negro, com sede na vila antigamente chamada Ilha Grande. Em 04.06.1968, pela Lei Federal nº 5.449, o município é enquadrado como Área de Segurança Nacional. Em 10.12.1981, pela Emenda Constitucional nº 12, Santa Isabel do Rio Negro perde parte de seu território em favor do novo município de Bittencourt.

- Agricultura: suporte econômico do setor absorve a maior parte da mão-de-obra local; com destaque para a mandioca, abacaxi, arroz, cana-de-açúcar, feijão e milho. E nas culturas permanentes destacam-se abacate, laranja, coco, banana, limão, manga e tangerina ao nível de subsistência.

- Pecuária: não tem representatividade para a formação econômica do setor, registrando-se pequenas criações de bovinos, suínos e bufalinos.

- Pesca e Avicultura: é praticada em moldes artesanais e sua produção é voltada para o consumo familiar. Não incrementa economicamente o setor primário.

- Extrativismo Vegetal: aparece em pequena escala, baseando-se na exploração de gomas não elásticas, aparecendo num plano mais distanciado, a castanha, a piaçaba e borracha”.




Tapuracuara Mirim - Maçarabi

Tapuracuara Mirim - Maçarabi


“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)


Acordei às min e comecei a desmontar o acampamento e arrumar os sacos de viagem. Encontrei a Comunidade toda fazendo a higiene matinal, nos despedimos e deixei avisado que se a equipe de apoio aparecesse por ali eu pretendia pernoitar na Comunidade de Maçarabi. Escolhi esta Comunidade tendo em vista de que o mapa que eu conseguira com o Instituto Sócio Ambiental (ISA) anunciava que lá poderia fazer uso de um telefone para me comunicar com meus familiares e equipe de apoio em Porto Alegre.

- Partida (26 de dezembro)

O deslocamento solitário nos remete à reflexão. Mergulhado, literalmente, na selva tropical ouvia somente o ruído das pás dos remos golpeando as serenas águas do dolente Negro. As paisagens se sucediam como numa caprichosa exposição fotográfica em que entes celestiais procuravam expor suas mais belas imagens. Tinha arbitrado parar nas mais belas praias, e a escolha não estava sendo fácil. As festas de Natal regadas a muita bebida tinham deixado apenas para mim aquela imensidão aquática. As Comunidades ainda se ressentiam das ressacas pagãs dos festejos natalinos.

- Comunidade Maçarabi

A Comunidade está encravada em altos rochedos na margem meridional do Negro. A visão do alto das rochas é formidável. As diversas ilhas com suas rochas, vegetação e praias nos remetem a uma Amazônica Polinésia. O ruído das inúmeras corredeiras quebra a monotonia silenciosa que envolve o Negro. Contatei o Capitão, graças a Dona Isabel, e este autorizou que eu me estabelecesse na Casa de Apoio. A Casa de Apoio estava localizada atrás das caprichosas instalações da FUNASA. Infelizmente o telefone não funcionava e não consegui estabelecer contato com meu pessoal.

- Lenda dos Bares

“A teia aracnídea das lendas amazônicas, vasta e complicada, cômica e trágica, tanto mais extraordinária quanto envolta no mistério, é originária de todos quadrantes do globo. (...) Em cada ponto da planície equinocial, no ocidente ou no oriente, nas colinas do sul ou nas serras do norte, inventadas pelo aborígene, trazidas pelo africano, espalhadas pelo português, divulgadas pelo forasteiro, ingênuas, inverossímeis, risonhas, tenebrosas – as histórias dos animais e das sereias, dos gnomos e dos pajés empolgam a imaginação fecunda, plástica da gente que erra no Vale”. (Raymundo Moraes)

Dona Isabel, da etnia Baré apareceu mais tarde para conversar. Viúva, morava com a filha e estava desiludida com a maneira que se festejava o Natal nas Comunidades. Provoquei-a para que me relatasse a lenda da origem do povo Baré. As coincidências de relatos me levaram a eleger uma das lendas coletadas, por mim, já há algum tempo, cujo autor, Braz de Oliveira França, apresenta com certa coerência a lenda da origem do povo Baré.

Antigamente, ainda no início do mundo, entrou no rio Negro, vindo do rio maior um grande navio, cheio de gentes no seu interior e cada um com seu par. Apenas um homem viajava neste mesmo navio, pelo lado de fora, pois o mesmo não foi aceito dentro por não estar acompanhado. Ao passar pela foz do rio Negro viajava tão próximo das margens do rio, que os passageiros viram que havia muitas pessoas na margem, inclusive o homem que viajava pelo lado de fora, o qual não resistindo à tentação, logo se jogou para fora e nadou para a margem do rio. Ao alcançar a beira, ele foi agarrado por um grupo de mulheres guerreiras que tinham o costume de aceitar apenas mulheres em seu grupo. Quando tinham necessidade de ter filhos, aprisionavam machos de outras tribos e dessa relação, se nascesse mulher elas criavam, e se fosse homem elas matavam. Esse seria o destino do homem que nadou até a margem, para quem deram o nome de ’Mira-Bóia’ (Gente-cobra), se não fosse sua estrutura física ser um pouco diferente das que elas já conheciam, por isso resolveram poupar-lhe a vida depois de terem submetido ‘Mira-bóia’ a um rigoroso teste de masculinidade. As guerreiras então prepararam uma grande festa na primeira Lua Cheia, grande fogueira no centro do pátio foi feita, muitas frutas e mel silvestre foram coletados. A festa com os rituais rolaram durante oito dias. No fim da festa, o grupo tomou a seguinte decisão: ‘Mira-bóia’ ficaria morando com um grupo com a condição de gerar um filho com cada uma delas. Teria que dormir três noites com uma mulher que estivesse na época do seu período fértil. Terminando essa missão, ele seria executado, assim como todo filho que nascesse homem. ‘Mira-bóia’ então passou a conviver com o grupo por um longo período, nessas condições, até que gerasse filho com a última mulher, e essa última era a ‘Tipa’ (Rouxinol), uma jovem muito bela que estava no primeiro período de menstruação. Ela, por ser a mais nova, a mais bonita e muito querida pelo grupo, teve o privilégio de morar com Mira-bóia até que sua gestação aparecesse visualmente para o resto do grupo. Devido a isso Tipa e Mira-bóia passaram a viver uma vida a dois e quando ela percebeu que já estava gestante, descobriu-se também perdidamente apaixonada pelo companheiro. O mesmo acontecia com Mira-bóia. Como o destino do nosso herói seria a morte, ela conseguiu convencer o seu já considerado marido para uma fuga. No primeiro período de Lua Nova ele e ela fugiram, aproveitando o momento em que as guerreiras saíram para caçar e coletar mel e frutas, o que serviria de consumo nos dias da festa da execução do homem que dera para o grupo muitas guerreiras de sua geração. Foram viver distante dos demais grupos. Acredita-se que esse local tenha sido nas proximidades de Mura no baixo rio Negro. Depois de mais ou menos 30 anos, a família já estava grande, Tipa e ‘Mira-bóia’ todos os dias pela tarde curtiam sua felicidade juntos com os filhos e filhas de sua geração. Com isso eles viram que podiam ser uma família muito maior. Foi então que Tupana ordenou que viesse até eles o seu Mensageiro, o qual se chamou Purnaminari para lhes dizer o seguinte: ‘Aquilo que vocês estão pensando agrada a Tupana, por isso ela me enviou, para ensinar vocês a trabalhar e com isso garantir a comida de vocês todos os dias’. Purnaminari então passou a morar com eles por um longo período, ensinando-os a fazer canoa, remo, roça, armadilha para pegar caça, peixe e treinar o novo grupo para guerra. Quando o pequeno grupo já sabia de tudo que lhe foi ensinado, ele organizou uma grande festa com Dabucury, Adaby e Curiamã para preparar o povo na sua caminhada, dizendo: ‘Agora que vocês já sabem de tudo o que eu lhes ensinei para viver, voltem para a terra de Tipa e tomem todas as mulheres do antigo grupo de Tipa para serem mulheres de vocês, aí então vocês serão grandes e respeitados e conhecidos por Baré-mira (povo Baré)’. Purnaminari, o mensageiro de Tupana, voltou várias vezes para visitar e instruir seu povo. O grupo cresceu bastante a ponto de dominar totalmente a região do baixo e médio rio Negro. Ao chegarem a Cachoeira de Tawa (São Gabriel) permaneceram ali até que Purnaminari decidisse o novo destino do seu povo. No entanto, nessa cachoeira Kurukui e Bururi desentenderam-se e brigaram muito entre si, por isso resolveram separar-se, ficando Kurukui de um lado e Buburi de outro lado do rio. Essa separação acabou provocando desobediência às regras de Purnaminari, que ordenou ao povo não se misturar com outros grupos, porém Kurukui e Baburi acharam que para poder aumentar os seus grupos tinham que ter muitas mulheres. Foi quando eles guerrearam com grupos menores para tomar suas mulheres e se multiplicarem. Assim Tipa e ‘Mira-bóia’ fizeram e conseguiram ser pais de um grande povo que, até a chegada dos ‘brancos’, habitava o rio Negro desde a foz até as cachoeiras. (Braz de Oliveira França)

SGC - Tapuracuara Mirim

SGC - Tapuracuara Mirim


“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)


 
Um desencontro de informações e tivemos de remarcar a saída do dia 24 para 25 de dezembro. O positivo deste atraso é que consegui fazer o ‘upload’ das fotos tiradas em São Gabriel da Cachoeira (SGC), fotografar a Missão Salesiana e mergulhar nas águas do Rio Negro.

Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto. (Quintino Cunha)

- Partida (25 de dezembro)

Às min a viatura do Exército estacionou na porta de nosso apartamento no Círculo Militar do Alto Rio Negro; como o material já estava perfeitamente embalado, o carregamento foi rápido. O Coronel Teixeira embarcou na boléia com os militares e eu preferi cuidar de meu caiaque, viajando na carroceria. O deslocamento foi rápido até o porto de Camanaus, a estrada asfaltada pela 21ª Companhia de Engenharia de Construção estava em boas condições. Descemos o caiaque e carreguei, cuidadosamente, o material no mesmo.

Parti às 5h50min, o sol ainda não havia aparecido no horizonte, mas a tênue claridade era suficiente para que eu pudesse avistar as rochas e desviar delas em tempo. Minha equipe de apoio capitaneada pelo Coronel Teixeira partiria no dia seguinte e nos encontraríamos, se tudo desse certo, a jusante da Ilha de Aracabu.

O alvorecer no Negro era totalmente diferente do Solimões. Não havia a gloriosa sinfonia de pássaros acompanhada pelo soturno coral de guaribas (bugios) ao fundo. O sol não demorou a surgir; a popa apontava diretamente para o astro rei e tive de colocar os óculos de sombra. O amanhecer no Negro lembrava o do Purus. As imagens perpassavam pela minha mente numa fantástica velocidade e eu, ora mergulhando no passado, ora no presente, viajava ao sabor dos acontecimentos de outrora misturados às cenas de agora. Minha memória recolhia fragmentos das passagens de um Alexandre Rodrigues Ferreira.

- Alexandre Rodrigues Ferreira

Penetrou na embocadura do Rio Negro, em 13 de Fevereiro de 1785, e rumou até a Vila de Barcelos, situada na margem direita do rio, 496 quilômetros à montante, aonde chegou no dia 2 de Março. Rodrigues Ferreira montou, aí, sua base de operações. Partiu de Barcelos a 20 de Agosto de 1785 e continuou a subir o Rio Negro, alcançando, em 14 de Novembro, a Fortaleza de São José de Marabitanas, limite extremo do domínio português. Durante o trajeto explorou diversos afluentes e visitou inúmeras povoações, recolhendo farto material de estudo. Uma semana depois retomou a Barcelos em 7 de Janeiro de 1786.

Empreendeu uma nova excursão, depois de refeito da viagem ao Alto Rio Negro. A 23 de Abril de 1786, desceu o rio, atingiu a foz do Rio Branco; subiu-o, ultrapassando a Fortaleza de São Joaquim, onde permaneceu algum tempo, convalescendo. Explorou diversos afluentes do Branco e regressou à base de operações, chegando a esta em 3 de Agosto de 1786.

Na expectativa de instruções da metrópole de além-mar, quanto à nova meta a ser atingida, permaneceu na base de Barcelos até 1788. Nesse período, realizou diversas jornadas no entorno da base, explorando as matas do Rio Negro, e determinou que o botânico Agostinho do Cabo explorasse o trecho do Solimões, até a altura do primeiro pesqueiro (290 quilômetros). Finalmente, após receber determinações expressas de Portugal, deixou a expedição a Vila de Barcelos em 27 de Agosto de 1788, em direção ao Rio Madeira.

- Comunidade Tapuracuara Mirim

“Ferreira menciona mais de 60 grupos indígenas, a que faltava até mesmo a identidade lingüística, com os seus variados dialetos. E como as povoações nem sempre se constituíam de famílias da mesma origem, em cada uma delas se ouviam vozes poliglotas, interpretativas do linguajar de cada componente etnográfica. Depois, examina-lhes as superstições, os costumes, os ornatos, bailes, instrumentos de toda espécie.”
 (José Pereira da Silva)

Ao sul da ilha de Aracabu, aportei na comunidade Tapuracuara Mirim. Os adultos me olhavam com certa desconfiança e logo descobri a razão, as garrafas de cachaça atiradas pela aldeia. As festividades de Natal há muitos anos eram regadas a caxiri e agora pelo produto manufaturado pago regiamente aos regatões.

Caxiri - para preparar o caxiri deve-se descascar e lavar a macaxeira e cortá-la em pequenos cubos que são colocados numa panela com água e cobertos com folhas de bananeira, para cozinhar. Após o cozimento, amassa-se bem a macaxeira com uma colher de madeira e deixa-se a massa esfriar. Depois a macaxeira cozida é triturada até que adquira a consistência de uma pasta. Côa-se a pasta. Acrescenta-se um pouco de água, e a caxiri está pronta para ser consumida. O grau de fermentação depende do tempo destinado a isso; quanto mais tempo, maior o teor alcoólico.

Depois de convencer o vice-cacique José Vicente Pena que não era um fiscal da FUNAI e sim um pesquisador, a desconfiança se dissipou e ele ordenou que o caiaque fosse transportado até sua casa, onde fiquei hospedado em um anexo. Embora os líderes das diversas comunidades que encontrei ao longo do percurso fossem de origem tucana, cada uma das comunidades guarda no seu seio diversas etnias que acabam miscigenando entre si. Existe um certo ressentimento das demais etnias em relação aos tucanos, já que sendo maioria sempre, por votação ocuparão cargos de liderança nas comunidades.

Comprei um pedaço de carne de porco moqueada e a esposa do Professor Agostinho, irmão do vice-cacique, preparou o jantar com um pouco de arroz e dois pacotes de massa que forneci. Comprei, do regatão estacionado na frente da comunidade, um refrigerante de dois litros a R$

“(...) O bufarinheiro conhecido nas cidades por teque-teque chama-se, no interior, regatão; somente, em lugar de transportar nas costas – pitoresco atlas da quinquilharia – o mundo de miudezas, transporta-o no bojo de uma galeota que desloca duas, três, quatro toneladas, dividida em seções de secos e molhados e tiradas a remo de faia. (...) Ninguém labuta mais arriscadamente do que ele no vale, rodeado de inimigos, cercado de perigos. Nada o faz, entretanto, esmorecer ou recuar, e, afrontando a própria morte, sobe aos últimos manadeiros para extorquir uma bola de borracha e vender algumas garrafas de cachaça”. (Raymundo Moraes)

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

São Gabriel da Cachoeira

São Gabriel da Cachoeira

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

Hoje, 22 de dezembro, apresentamo-nos ao General Rosas, atual comandante da 2ª. Brigada de Infantaria de Selva, e já nomeado para a chefia do Estado Maior do Comando Militar da Amazônia. Depois de um longo e agradável bate-papo, fomos até a 21ª Companhia de Engenharia de Construção, comandada pelo Major Vidal, onde conversamos longamente com os irmãos de arma e fizemos questão de verificar o nosso caiaque, que estava no almoxarifado da Companhia.
Meu parceiro de jornada do Solimões aparentemente estava em condições de enfrentar as águas pretas do Rio Negro. Chequei o material de reparo, fibras de resina, comprado pelo Cel Ebling em Manaus.
Guiados pelo motorista do Comandante da Companhia, realizamos um tour pela cidade. Na delegacia, paramos para fazer contato com o Comandante do Destacamento da Polícia Militar, Capitão PM Lamonge. O Capitão encontrava-se em Manaus e o destacamento estava sobre o comando do Soldado PM Heleno. O Heleno encarregou-se de estabelecer os contatos necessários para conseguir uma ‘voadeira’ para o deslocamento do Cel Teixeira. Este então embarcou na viatura da PM com o Heleno e eu continuei com o motorista da Companhia.
Fomos até a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro ‘FOIRN’. A bela construção de madeira guarda no seu interior belas peças de artesanato de diversas etnias indígenas do Alto Rio Negro. Um conjunto em especial me chamou a atenção: a cestaria Baniwa, cuja harmonia de formas e cores se destacava dentre todos.
Cestaria Baniwa
As grandes cestas são, originalmente, usadas para armazenar alimentos e roupas. Para fins comerciais, são enfeitadas com grafismos coloridos.
A cestaria de arumã é realizada pelos homens. O arumã, de colmos lisos e retos tem sua superfície flexível e permite o corte de finas fibras que são trançadas para formar as cestas. As fibras, sem qualquer tratamento, são usadas na manufatura de cestas mais resistentes. As cestas coloridas exigem um processo trabalhoso que inclui o uso de fixadores extraídos da entrecasca do Ingá e de outras árvores, que é misturado aos pigmentos desejados.

Morro da Fortaleza
Após a visita à FOIRN, dirigimo-nos ao Morro da Fortaleza.
Reproduzimos o texto abaixo do então Capitão Boanerges, quando em missão de demarcação de fronteiras setembro/1928
“Fizemos uma excursão às ruínas do Forte São Gabriel, onde só vimos 8 canhões de ferro abandonados, do tempo de D. Maria I. Foi, com efeito, bem escolhida a posição em que existiu o Forte. Como se sabe, foi mandado construir pelo governador do Pará, Manuel Bernardo de Melo e Castro, em 1763, a fim de evitar incursão de espanhóis procedentes das Províncias da Venezuela e Nova Granada. O Forte, colocado à margem esquerda, a cavaleiro do ponto em que o rio se estrangula reduzido a 370 metros de largura, dominava os dois grandes estirões. Tinha a forma de uma luneta, de figura irregular, cuja gola – que é uma frente abaluartada, - defronte com o rio. Nada mais resta do forte, a não ser os 8 canhões citados”. (Sousa)
Três se encontram hoje na Segunda Brigada e outros três no Quinto Batalhão de Infantaria de Selva.
Nesse local tirei, mais tarde, várias fotos com o Cel Teixeira do alto da caixa d’água da Cosana.
23/12/2009
O major Vidal providenciou para que o caiaque fosse trazido até o Circulo Militar, onde eu e o Cel Teixeira iniciamos sua manutenção. O Teixeira notou um pequeno dano no compartimento de popa, que foi devidamente resolvido por mim com o material de reparo.
Para evitar os problemas que enfrentei no Solimões com o nome do caiaque, Opium, e suas cores azul e amarelo que lembram a bandeira colombiana, resolvi raspar o ‘O’ de Opium e agora navego com o modelo ‘pium’ mais adequado ao contexto amazônico.
Na hora do almoço, o Soldado PM Cavalheiro acertou com o Cel Teixeira o deslocamento da sua ‘voadeira’ pilotada pelo senhor Osmarino, de São Gabriel até Manaus.
Missão salesiana
Na Missão entrevistamos o bispo emérito Walter Ivan de Azevedo. Nascido em São Paulo, trabalhou durante oito anos em Santa Catarina e São Paulo em colégios, desenvolvendo trabalhos com a juventude.
“Sempre tive intenção e desejo de trabalhar como missionário.
Os superiores, então, me mandaram para a Europa fazer o curso de missionário que é antropologia cultural aplicada a envagelização. Permaneci dois anos e mais tarde, um ano me doutorando nessa matéria em Roma. Na Pontifícia Universidade Gregoriana e doutorado na Urbaniana. Fui então para as missões e foi bom porque além de ter um pouco de experiência em visitas com jovens junto às tribos no Mato Grosso, tinha também esse cabedal teórico ou digamos assim: fundamental e cientifico para abordar as missões.
Vim para cá, primeiro como simples missionário em Rondônia, por quatro anos. A partir de 1976. Depois desse período me fizeram inspetor provincial dos salesianos da Amazônia. Visitando as casas paroquiais do Pará, Amazonas e Rondônia, pude conhecer bem a Amazônia. Depois de seis anos de inspetor me fizeram bispo dessa região (SGC) que é uma região onde os habitantes são 90% indígenas e a maior parte dos outros caboclos, de modo que eu estava no meu ambiente mesmo. Trabalhei aqui como bispo diocesano e depois como emérito durante 20 anos. Nesses últimos três anos estou trabalhando com seminaristas em Manaus que são os futuros missionários, quando eu tenho tempo, uma vez por ano, eu fujo para cá para continuar minhas visitas a aldeias, principalmente a nação ianomâmi que é a mais primitiva ou seja, aquela que teve contato mais recente com os civilizados.”
O bispo editou diversos livros, dentre os quais ‘Pinceladas de Luz na Floresta Amazônica’ que reproduzirei, oportunamente, alguns trechos no meu livro sobre o Rio Negro. O livro não é uma narrativa de viagens, muito menos a biografia de um missionário; é tudo aquilo que Dom Walter conheceu de bom e de belo na natureza, mostrando, principalmente, o homem da Amazônia.

Fontes:
BOANERGES, Lopes de Sousa – Do Rio Negro ao Orenoco - Brasil, Rio de Janeiro, 1959 – Ministério da Agricultura – Conselho Nacional de Proteção aos Índios.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Partida para São Gabriel da Cachoeira

Partida para São Gabriel da Cachoeira

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
No domingo (20/12/09), participamos do almoço de despedida do General-de-Divisão Marco Aurélio, realizado na Companhia de Embarcações do Comando Militar da Amazônia (CECMA). Percebemos o carinho e o respeito dos oficiais e praças para com o notável comandante.
Na segunda-feira (21/12/09), assistimos a uma palestra do Gen. Marco Aurélio, em que ele apresentou os diversos projetos do COGEAC (Comitê Gestor de Ações Conjuntas), desenvolvidos em parceria com órgãos dos governos federal, estadual e municipal.
SUSTO NO EMBARQUE
Após a palestra, dirigimo-nos ao aeroporto. No chek-in fui surpreendido com a notícia de que o remo talvez não coubesse no compartimento de carga. Embarcamos sem ter maiores notícias sobre o remo. A chuva deu uma trégua depois que nos afastamos de Manaus, permitindo, em algumas oportunidades, admirar as belas praias do Rio Negro, que começa pouco a pouco a ganhar volume. Os belos afluentes da margem direita do Negro serpenteavam até a linha do horizonte. Os lagos em forma de ferradura e os inúmeros furos davam um encanto especial ao sutil traçado que mais parecia obra de uma rendeira celestial.
Depois de duas horas de viagem avistamos o Rio Negro, a uns 70 km a Este de São Gabriel da Cachoeira. As suaves corredeiras, as ilhas, as praias imaculadas e as rochas encantavam.  Uma sensação mágica tomava conta de mim, uma estranha sensação, como se eu já tivesse singrado aquelas revoltas águas acompanhando um Boanerges ou um Rondon. Nos relatos desses bravos brasileiros, eu já arrastara canoas pelas traiçoeiras corredeiras, demarcara fronteiras, assinalava presença do Brasil nessas terras sem Brasil.
SÃO GABRIEL DA CACHOEIRA – o município que faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela está a uma distância de 858 quilômetros da capital Manaus. É considerado um dos maiores potenciais turísticos do Estado do Amazonas.
Quando descemos do avião, o Cel. Teixeira avistou o remo entre as bagagens, tranquilizando-me.
O General Rosas, comandante da 2ª. Brigada de Infantaria de Selva, havia determinado uma equipe de apoio que nos levou até o Círculo Militar do Alto Solimões. O hotel permite que se avistem imagens incomparáveis do Rio Negro, emolduradas ao fundo pela Serra da Bela Adormecida.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Projeto Sargento Agrário

Projeto Sargento Agrário

“Mais do que um simples plantador de hortaliças e criador de pequenos animais na área do quartel, ele tem de ser um técnico em assistência e extensão rural destinado a incentivar as comunidades no entorno dos Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs) a estabelecer uma produção rural continuada e permanente”. (General de Divisão Marco Aurélio Costa Vieira)

No dia 19 de dezembro, de manhã, eu e o Coronel Teixeira fomos até o Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) onde se realiza, de quinze em quinze dias, a Feira de Produtos Regionais, para encontrar o ‘16’, coronel da PM Leão, companheiro do Curso de Operações na Selva, em 1999.

- Feira de Produtos Regionais

Além da grata oportunidade de rever o velho amigo, pudemos, através do General Marco Aurélio e do coronel Lauro Pastor, conhecer de perto este projeto de iniciativa da Região Militar, que visa possibilitar a inclusão de produtos regionais no cardápio das Organizações Militares do Exército Brasileiro sediadas em Manaus e a comercialização desses produtos junto a população manauense, sem intermediários.

Desde fevereiro de 2008 a feira vem estimulando o consumo de produtos oriundos da agricultura regional, beneficiando os pequenos e médios produtores do Estado do Amazonas.

A parceria, inédita no País, conta com mais de sessenta expositores, que comercializam carnes, peixes, mel queijos, ovos, frutas, hortaliças e artesanato por preços bem mais acessíveis, beneficiando mais de três mil e quinhentas famílias ligadas à agricultura familiar.

Os Sargentos Agrários comparecem à feira com a missão de verificar a qualidade e o preço dos produtos.

- Amazônia! O eterno desafio!

“As hortas de Cucuí são todas suspensas em caixas feitas com paus roliços ou caixotes, algumas diretamente sobre o rio. Disseram-me que a pobreza do solo e o grande número de saúvas eram responsáveis por tal medida. Aliás já venho observando isso desde Barcelos acima. Nestas caixas, colocam apenas solo mais humoso, retirado do subosque da mata. Aqui em Cucuí até as bananeiras são cercadas, e no seu pé também é amontoada terra do subosque. (...) Assim é que um pé de feijão germina e cresce assustadoramente em poucos dias. Daí em diante, qualquer sol ou chuva mais forte, causa queima de suas folhas ou tombamento de sua haste. Chegado o momento de produzir, a planta já exauriu grande parte de suas reservas, sendo, dessa forma exígua a produção. Pensei também nessa lei natural tantas vezes observada na fazenda de meu pai, quando criança. Uma planta em solo muito favorável a seu cultivo, nem sempre era a que produzia mais. Assim é que nos arrozais plantados em terreno virgem cresciam assustadoramente e, na época do cacheamento, soltavam apenas uns poucos cachos raquíticos aqui e acolá, logo tostados pelo sol ou mantidos sem granar por efeito das chuvas. Acredito que, no Amazonas, o fenômeno seja o mesmo, não tanto em relação ao adubo, porém em se considerando, sobretudo, a umidade e o calor”.
(Dr. José Cândido de Melo Carvalho)

“O inusitado de servir e trabalhar na Amazônia é que, passados séculos, muitos dos desafios praticamente permanecem, a despeito de toda tecnologia, apesar dos novos conhecimentos que deveriam facilitar o dia a dia e em que pese o imenso esforço despendido pelos nossos antecessores.

Na verdade, a renovada vontade de conduzir esforços, projetos e programas, quase sempre tem sido vencida pela perversa solução de continuidade decorrente da democrática mudança de governos, em todos os níveis. Assim que inúmeras das iniciativas jamais saíram da fase embrionária, ou se perderam totalmente mesmo depois de concretizadas, pela falta de recursos dos planejamentos irreais, ou pelo desinteresse daqueles dirigentes que elegeram suas próprias prioridades, criando-se assim várias ruínas de belos empreendimentos, abandonados ao longo de sucessivas administrações.

No campo militar não foi diferente, e os valorosos militares que nos antecederam também tiveram de contabilizar muitas frustrações, ainda que em menor escala, também frutos dessa descontinuada gestão através dos tempos. Mesmo os Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs), cujas Comunidades do entorno sempre contaram com a organização, hierarquia e disciplina castrenses, a natural alternância periódica de pessoal ocasionou significativos hiatos administrativos, com profundos reflexos nas ações de subsistência e infra-estrutura, principalmente quanto aos sistemas de geração de energia, sistema viário e de saneamento básico!

Cientes do sofrimento dos nossos antecessores, louvando-se da experiência, do esforço e do exemplo incansável dos soldados que conquistaram e souberam manter a Amazônia, os militares da atualidade entendem que tem de mudar esse quadro.

Hoje, sabe-se que assegurar a permanência de recursos e a continuidade dos projetos são a certeza da garantia de uma qualidade de vida mínima para o militar e sua família, além de um desenvolvimento humano necessário à comunidade do entorno das Organizações Militares da Fronteira, aspectos fundamentais ao bom desempenho na missão constitucional do exército para a defesa da pátria.

Neste sentido, o exército vem implementando projetos empreendedores de longo prazo junto aos Grandes Comandos Operacionais da Amazônia Ocidental com responsabilidade sobre as Unidades na fronteira, observando como condição básica a característica de disporem de mecanismos de defesa contra a solução de continuidade.

Um deles, justamente o pioneiro, apesar das dificuldades iniciais, já começa a fincar as suas raízes. Trata-se do chamado ‘Projeto Sargento Agrário’, fruto de uma idéia simples de aproveitamento de profissionais egressos da Escola Agrotécnica Federal de Manaus para o trabalho junto aos PEFs.

(...) Estrategicamente, o Sargento Agrário vai cumprir a sua missão quando obtiver a sustentabilidade do Pelotão e da comunidade, que inclusive poderá passar, em curto espaço de tempo, a fornecer gêneros para os militares e suas famílias.

Este é o desafio do Sargento Agrário”. (General de Divisão Marco Aurélio Costa Vieira)

- VIDA, COMBATE E TRABALHO!

“O Pelotão Especial de Fronteira (PEF) é uma Organização Militar com características diferenciadas. A missão de um PEF não se limita ao campo da atividade militar (Combate), mas inclui, necessariamente, atividades ligadas à sobrevivência (Vida) e à prestação de serviços diversos (Trabalho) em favor da Organização Militar e da Comunidade Civil, indígena ou não, das imediações do aquartelamento.

Pela sua localização em plena área de floresta Amazônica, os PEFs buscam desenvolver seus trabalhos observando fielmente o chamado tripé da sustentabilidade, a fim de garantir a preservação da floresta, da biodiversidade e da cultura local, quer seja ele indígena ou ribeirinha.

Amparado no tripé da sustentabilidade, a missão do PEF pode ser expressa pelo seguinte viés: VIDA, COMBATE E TRABALHO!

A VIDA pode ser observada nos quesitos ligados às atividades de cultivo de hortaliças, da fruticultura, da piscicultura, na criação de pequenos animais, na preservação do meio ambiente e no bem-estar e lazer das famílias.

As atividades de COMBATE podem ser observadas na instrução militar, nos exercícios de adestramento da tropa, no patrulhamento e no reconhecimento da área de fronteira do estado do Amazonas, além da defesa do aquartelamento e de combate a incêndio.

No quesito TRABALHO são desenvolvidas atividades de manutenção das instalações, dos equipamentos, atividades de saúde e serviços diversos. Junto às Comunidades desenvolvem-se trabalhos de preservação da cultura, preservando as etnias indígenas, apoio em serviços de transporte e evacuação aeromédica.

Os PEFs desenvolvem um papel de relevância nas comunidades fronteiriças contribuindo não só para a defesa nacional, mas também no apoio àquelas populações distantes dos benefícios públicos. E é nesse ambiente que os Sargentos Agrários desenvolvem seu trabalho, servindo de importante elo de ligação entre o Pelotão e a Comunidade”. (Ten Cel R/1 Lauro Pastor)

Fonte: CARVALHO, José Cândido de Melo - Notas de viagem ao Rio Negro - Brasil, São Paulo, 1983 - Edições GRD

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Partida para o Rio Negro

Partida para o Rio Negro


“(...) o nosso ‘faro’ de historiador está rareando no seio dos que se dedicam a perlustrar o passado, para dele haurir ensinamentos. (...) Creio que o amigo, até por estar envolvido com a execução do memorável feito, não tenha ainda aquilatado a grandiosidade do ‘Projeto Rio-Mar’, já realizado (e ainda a se realizar!), como este seu admirador, que aferindo com sensibilidade prospectiva, à distância, ‘do alto da janela’, de forma cósmica, holística, o considera de superlativa magnitude histórica”. (Coronel Manoel Soriano Neto)

Antes de minha partida para Manaus, eu havia dedicado grande parte do meu tempo à logística doméstica, na vã tentativa de minimizar um pouco as tarefas que seriam acumuladas pelos meus três queridos filhos. As despesas com enfermeiras, estoque de gêneros, remédios controlados e dieta tinham sido oportuna e perfeitamente equacionados.

O caiaque que uso nos treinamentos foi deixado aos cuidados de meu fiel escudeiro, o Cabo Dewite. As avarias sofridas no meu último embate com a Lagoa dos Patos tinham provocado sérias cicatrizes no casco, entortado o leme e precisavam ser reforçados e reparados. Eu ainda não desisti da travessia da Lagoa.

- O Vôo (16/12/2009)

O check-in, ao contrário do ano passado, foi rápido e eficiente, os funcionários da Gol-Varig foram bastante atenciosos e o vôo saiu exatamente no horário previsto. Eu havia escolhido um vôo (1725) com escalas em Curitiba, PR, Campo Grande, MS, Cuiabá, MT e Porto Velho, RO. Junto à janela eu pretendia, sempre que as nuvens permitissem, admirar a paisagem única dessa ‘Terra Brasilis’. Extasiado, eu admirava o ciclópico mosaico que se estendia até o horizonte. As formas regulares das matas nativas e das diversas culturas agrícolas lembravam um gigantesco quebra cabeças.

À medida que nos aproximávamos da linha do equador, as áreas de mata nativa se expandiam e as de plantações se contraiam. A devastação, que havia notado até o sul do estado de Rondônia, estancava na fronteira do estado do Amazonas, onde o solo formava uma bela e uniforme floresta primitiva.

A última escala de Porto Velho a Manaus permitiu-me admirar, por entre as nuvens, o belo traçado do rio Madeira. O belo contorno do rio e suas praias imaculadas me encantaram. A 3ª Fase do ‘Projeto Rio-mar’, ainda em aberto, tem as seguintes opções; a Descida do Madeira, de Porto Velho até sua foz no Amazonas e daí até Itacoatiara, ou a descida de Manaus até Santarém, no Pará. A definição dependerá do apoio que recebermos para a execução da jornada.

A chegada em Manaus, depois de nove horas, seria antecipada em oito minutos, o que poderia ser considerado um recorde, considerando o número de escalas. A natureza, mais uma vez, resolveu mostrar quem manda, e uma chuva torrencial fez o piloto arremeter. O sobrevôo permitiu, mais uma vez, observar os gigantes aquáticos que teimavam em não misturar suas águas no monumental Amazonas e as extensas praias que se estendiam preguiçosamente ao longo das margens. Belas feridas provocadas por uma das mais sérias estiagens que assolou a região nas últimas décadas.

Nosso grande amigo, o Coronel Ebling, esperava-nos como havia prometido, e nos conduziu até o 2º Grupamento de Engenharia (2º Gpt E), onde ficaríamos alojados até seguir para São Gabriel da Cachoeira.

- Manaus (17/12/2009)

Uma viatura do Grupamento me conduziu até a 4ª Divisão de Levantamento (4ª DL), onde pretendíamos confirmar algumas coordenadas e outros dados sobre o rio Negro. Infelizmente, o Tenente-Coronel Clóvis Gaboardi, chefe da 4ª DL, nos informou que os dados estavam sendo processados por uma empresa terceirizada e que os mapas digitalizados só estariam disponíveis a partir de 2016.

Tentei, então, obter estas informações com o Centro de Embarcações no Comando Militar da Amazônia (CECMA). Graças aos ST James de Magalhães Melo, Sgt Solis Rodrigues e Sgt José Maurício Oliveira da Silveira, chefiados pelo Major Rommel Valério Menezes Brito da Silva, conseguimos transferir os dados do trajeto utilizado pelas embarcações de CECMA para o meu GPS.

No grupamento, após a instalação do programa do GPS, baixei o trajeto completo e, comparando com as fotografias aéreas, fui locando as referências mais importantes. Interrompi minha labuta apenas para cumprimentar o Gen Bda Lauro Luís Pires da Silva, novo comandante do 2º Gpt E, que estava recebendo a apresentação de seus comandados. O General Lauro é um velho amigo do tempo em que éramos instrutores do Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva (CPOR/PA).

- 2º Gpt E

“Narrar a história da Engenharia Militar na Amazônia é falar do 2º GECnst, com sede em Manaus/AM e suas Unidades de Engenharia de Construção, pois as duas histórias estão amalgamadas pelos objetivos de seu idealizador, o General-de-Exército Rodrigo Octávio Jordão Ramos, que já nos idos de 1970 vislumbrava a importância fundamental de uma infra-estrutura viária para o desenvolvimento da Amazônia.

A Engenharia Militar tem como missão de promover meios para a defesa da região e, ao mesmo tempo, sua integração estratégica à vida brasileira. Desta forma, a engenharia militar aplica, diuturna e permanentemente, a sua peculiar dualidade: adestrar sua tropa operacional e tecnicamente, e, simultaneamente, cooperar com os programas de desenvolvimento regional.

As grandes distâncias, as dificuldades do apoio logístico, a impenetrabilidade da floresta, as características fisiográficas do terreno e o vulto das operações são desafios vencidos ombro-a-ombro, com a determinação e a perseverança peculiares do soldado-engenheiro.

Desde que iniciou suas atividades até os dias atuais, um grande acervo de obras e realizações se alinha entre as missões cumpridas pela Engenharia Verde-Oliva, destacando-se a construção de 90% das estradas federais existentes na Amazônia, a implantação de aeródromos, portos fluviais e construção de aquartelamentos.

Além da execução de tão importantes trabalhos, a Engenharia Militar busca soluções tecnológicas para ultrapassar as dificuldades impostas pelas condições locais, participa ativamente da qualificação de jovens que prestam o Serviço Militar, facilitando sua reinserção no mercado de trabalho e coopera com o desenvolvimento das comunidades, visando o uso sustentável dos recursos locais e o fortalecimento da região onde atua, o que resulta em maior benefício social e segurança para a população”. (Seção de Comunicação Social do 2º Gpt E)

- Passagem de comando do 2º Gpt E (18/12/2009)

Meu amigo e parceiro de jornada, Coronel André Flávio Teixeira, chegou à tarde e o acomodamos no alojamento de oficiais superiores do Grupamento.

O 2º Gpt E realizou, às min, a solenidade de Passagem de Comando do Coronel Carlos Alberto Borges Teixeira para o General-de-Brigada Lauro Luís Pires Da Silva. O General Lauro servia no Departamento Geral de Pessoal em Brasília/DF.

Tive a grata oportunidade de encontrar, neste dia, dois grandes amigos: o General Lauro e o General José Cláudio Fróes de Moraes. A expedição pelo rio Negro dava sinal, desde o início, de que as coisas transcorreriam de acordo com o planejado e com as bênçãos do Grande Arquiteto.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Treinamento

“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)

-  O Rio Guaíba e a Terceira Margem
“Desembarcou aqui como passageiro comum entre tantos que procuram a terceira margem do Rio entre o céu e a terra”.
(Wilson Nogueira - O Andaluz)
Meu amigo e irmão General-de-Divisão Jorge Ernesto Pinto Fraxe me presenteou, quando era comandante do 1° Grupamento de Engenharia, com o livro “O Andaluz” que nos remete a uma reflexão importante a respeito de pessoas culturalmente diferenciadas ou portadoras de deficiências e o respeito e a compreensão que devemos ter em relação a estas diferenças. A leitura, aliada aos meses de afastamento das águas amigas do Guaíba, aumentou minha sensação de solidão e saudade.
Ilha das Pombas
Irmão Guaíba, navegando por tuas águas, afasto-me do mundo real e mergulho na tua essência mística, deixo o limitado pragmatismo de lado e penetro na tua fluidez infinita. Meu nível de consciência se altera, afastando de mim o cotidiano insano e permito que tuas ondas me conduzam a uma nova realidade materializada pelas tuas cálidas ondas que me arrastam. Uma estranha solidão invade meu íntimo e a onírica experiência faz com que assumas uma nova forma de vida. De repente, se estabelece uma relação única entre nós e, tu e eu, somos um só. Sinto como se regredíssemos ao útero da mãe Terra, um morno e profundo silêncio nos envolve e ao longe avistamos, por trás da bruma que se desfaz - a Terceira Margem.
Irmão Rio
“E entrou Jesus no templo de Deus, e expulsou todos os que vendiam e compravam no templo, e derribou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas; E disse-lhes: Está escrito: A minha casa será chamada casa de oração; mas vós a tendes convertido em covil de ladrões”.
(João 2: 13-25; Mateus 21: 12-13; Marcos 11: 15-19; Lucas 19: 45-49)
Os gananciosos empresários e políticos que desconhecem teu encanto, tua serenidade e visam tão somente a interesses econômicos estão preocupados em alterar tua classificação para te corromper e te agredir, ainda mais, através da especulação imobiliária. Somente aqueles que te trazem no coração, que te consideram uma obra do Grande Arquiteto do Universo - um santuário - somente aqueles que compreendem tua história e teu destino são capazes de vislumbrar as maquiavélicas intenções destes vendilhões que mercadejam vilmente, procurando abalar as colunas do teu sagrado templo. Comento, com alguns diletos amigos, que não treino no Guaíba, mas que treino contigo, Guaíba. Com o passar do tempo, fui te conhecendo, amando e respeitando cada vez mais. Foste meu Mestre Amado nas horas difíceis em que eu tentava, com dificuldade, não naufragar na depressão e no desalento.
Nas tuas águas, afogo meus desesperares, meus desencantos, meus desamores. No aconchegante embalo de tuas ondas, encontrei forças para perseverar e enfrentar minhas angústias e meu desânimo. Tua imensidão me abraça e conforta, tuas tranquilas águas me acalmam. Tua suave brisa insufla nos meus pulmões a mais bela e pura energia e me aproxima, cada vez mais, da Terceira Margem. Tuas águas revoltas mostram a rota da humildade que devo seguir e a névoa que te cobre nas manhãs de inverno trazem sinais de esperança nos horizontes que aos poucos se revelam.
Sinto tua falta como do ar que penetra em meus pulmões e oxigena meu sangue. Nas inúmeras rotas em que me acompanhaste, foste um fiel e silente parceiro. A afinidade que nos irmana dispensa palavras, não precisa, absolutamente, delas. Aprendi contigo a interpretar os sinais da natureza, a me deixar levar pelos ventos e pelas ondas, a mergulhar na tua memória ancestral e dela recolher fragmentos da sabedoria dos tempos. Tuas belas ilhas e praias estarão sempre registradas na minha retina, os momentos de puro êxtase que, juntos, experimentamos, permanecerão gravados eternamente na minha memória. Só aqueles que trazem na alma o amor pela natureza talvez entendam o sentimento que me invade, quando navego pelas tuas águas infindas. Sejam capazes de entender a estranha energia que me invade e revigora e a sensação mágica que toma conta de minha alma como se eu estivesse entrando, sozinho, em um recinto misterioso e sagrado. Que Deus não permita que os vendilhões triunfem. Por isso te trato como Rio, com letra maiúscula mesmo, como sinal de respeito e quase devoção que me mereces.
O treinamento para o Rio Negro continua e, depois dele, outros virão. Os obstáculos, me ensinaste, existem apenas para aumentar nossa determinação e vontade de prosseguir. Parar, um dia sim, talvez, mas só quando meus braços não conseguirem empunhar o remo e manter a voga. O Rio Negro tem a magia das suas águas pretas, das suas praias de brancura imaculada e natureza exuberante, mas nenhum outro se igualará, jamais, a ti meu Amigo e Irmão Guaíba.
-  Ode à Maguari - Requiem à Lagoa da Fortaleza
“Às vezes, as garças se animam com o assovio dos ventos chamando a noite. E dançam. Dançam o passado cravado às asas. Nunca procuram caminhos de volta: foram apagados”. (Maria Lúcia Martins)

Maguari
Nem mesmo os rigores do inverno devem impedir ou prejudicar o treinamento para meu novo desafio. Minhas raias têm se alternado, regularmente, entre as águas do Rio Guaíba e das Lagoas Litorâneas. A terça-feira (28 de julho 2009) amanheceu ensolarada, esperei até as onze horas para que a temperatura se tornasse mais amena antes de iniciar a navegação na Lagoa da Fortaleza, em Cidreira.
Seria apenas um treinamento curto, tendo em vista que as previsões meteorológicas previam tempo ruim na parte da tarde. A velocidade do vento oscilava entre dois e três nós e as ondas entre 20 e 40 centímetros, tudo indicava que seria mais um habitual dia de treinamento. A Lagoa e as paisagens no seu entorno eram minhas velhas conhecidas e, em consequência, o percurso não prometia grandes novidades.
Ode à Maguari
Eu havia decidido iniciar minha rota contornando o perímetro da Lagoa remando a uns 50 metros da margem rumo Norte. Depois de remar por 15 minutos passou, a poucos metros de altura, uma enorme Garça Real, também conhecida como Garça Moura ou Maguari. Diferente dos demais pássaros que se afastam repentinamente, quando se aproximavam do caiaque, ela não alterou seu curso e foi pousar tranquilamente dentro d’água próxima à margem de onde ficou me observando.
Garça Maguari (Ardea cocoi): é a maior das garças brasileiras podendo atingir 1m80 cm de envergadura. Fora do período reprodutivo, vive solitária e, mesmo nessa época, a maioria mantém-se isolada durante a alimentação. O vôo, em linha reta, com o pescoço e as pernas totalmente esticados, é ritmado com lentas batidas de asas. Pousa nas margens dos Rios, Lagoas e banhados, oculta pela vegetação, onde captura peixes e anfíbios. Nidifica na parte superior das árvores mais altas e os ovos são chocados e cuidados pelo casal. A plumagem apresenta um contraste do branco do pescoço com o dorso acinzentado e as laterais escuras do ventre. Possui uma listra negra da parte inferior do pescoço, bem como no alto da cabeça. Ao redor dos olhos possui uma coloração azulada e o bico é amarelo. (Pantanal - Guia de Aves - RPPN - SESC)
Continuei minha jornada e fui surpreendido novamente, quando a “Maguari” passou, desta vez, pela proa do caiaque, virando sua cabeça, me observando, indo pousar logo adiante de onde permanecia me avaliando. A cena se repetiu diversas vezes e, em uma das oportunidades, ela pousou nas areias da praia de uma pequena enseada e de lá acompanhou, de modo a não me perder de vista, a passos largos, a minha movimentação. Quando aportei, depois de remar uma hora, ela se afastou desaparecendo ao longe por trás das brancas dunas de areia.
Fiz um “tour” pela área admirando a vegetação e identificando os vestígios de capivaras e ratões do banhado que ainda habitam a região protegidos, que são, pelos zelosos e conscientes fazendeiros locais. Não esperava mais rever minha estranha amiga, mas, alguns minutos depois de iniciar meu retorno, a “Maguari” cruzou novamente pela proa do caiaque a uns dez metros de distância de maneira que pude identificar até a cor de seus olhos. Ela continuou a me acompanhar até o sítio de onde iniciara seu périplo.
O que era para ser mais um rotineiro dia de treinamento se transformou numa experiência mágica em que dois seres, tão distintos, tiveram seus destinos cruzados, ainda que momentaneamente, pelas mãos do Grande Arquiteto do Universo. Foi um dia muito especial. Guardarei com carinho a cor daqueles brilhantes olhos da amiga “Maguari” me fitando.
Requiem à Lagoa da Fortaleza
Mas nem tudo foi perfeito. Verificando as águas rasas junto às margens da Lagoa, não havia qualquer sinal de vida aquática. Nem mesmo os famosos pequenos peixes “barrigudinhos” que infestam qualquer pequena lâmina d’água. Lembro de minha adolescência quando se apanhavam, nas suas águas, lambaris, tainhas, peixes-rei e mesmo siris.
Iniciei, há uns vinte anos, minhas navegações pela Lagoa de Cidreira (Fortaleza) e desde então observo, constrito, a vida a se esvair de suas águas. A Corsan, há anos, represou as águas da Lagoa da Fortaleza para captação de suas águas para o consumo humano. Os peixes que migravam desde o mar pela barra do Rio Tramandaí e pelos canais que o unem às Lagoas do Armazém - Custódia - Gentil - Manoel Nunes até a Lagoa da Fortaleza foram impedidos de fazê-lo. A diferença dos níveis das águas que, na estiagem, pode atingir dois metros, no dique, impede tainhas, peixes-reis, dentre outros, de alcançar as águas da Fortaleza. Não houve, na época da construção da represa, a preocupação de construir um acesso aos peixes para que isso não acontecesse.
É interessante verificar que os ecologistas gaúchos, que se preocupam e se mobilizam com desmandos tão distantes de suas plagas, não se interessem pelas ações inconsequentes que são perpetradas debaixo de suas ventas. Será que aos talibãs verdes não interessam uma empreitada deste tipo porque ela não obteria a tão “necessária” repercussão na mídia sensacionalista?
-  Vendaval na Lagoa da Fortaleza
“Eu era o vendaval que às flores puras
Do amor nas manhãs o lábio abria!
Se murchei-as depois... é que espedaça
As flores da montanha a ventania!”
(Lord Byron - Sombra de Don Juan)
O treinamento para a descida do Rio Negro é um eterno aprendizado e, desta vez, a protagonista foi a Lagoa da Fortaleza em Cidreira.
El Niño
O aquecimento das águas do Oceano Pacífico acarreta mudanças significativas nas correntes atmosféricas, provocando secas na região Norte/Nordeste e a ocorrência de intensas chuvas na região sul do país provocando, muitas vezes, catástrofes que assolam impiedosamente a região serrana de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Nas planuras lacustres ao longo do litoral gaúcho, porém, estas mesmas águas trouxeram muita beleza e revitalizaram a região.
Lagoa da Fortaleza
Na manhã de sábado, 10 de outubro de 2009, ventos superiores a 10 nós (18 km/h) encrespavam a superfície da Lagoa da Fortaleza, com ondas superiores a meio metro de altura. O caiaque oceânico mais parecia um potro redomão corcoveando sobre as águas. As ondas revoltas lavavam o convés e tornavam a navegação bem mais emocionante, embora mais lenta.
Rumei direto para a pequena represa construída no canal que une a Lagoa à sua vizinha do norte (Laguna Manuel Nunes). As águas tinham inundado os campos mais baixos e, quando me aproximei do dique, constatei que a diferença do nível das águas de montante e jusante, que há três meses, era de um metro e oitenta era, agora, de apenas de 25 centímetros. O barranco que dificultava o acesso ao canal simplesmente desaparecera, suas águas estavam niveladas com o campo.
A quantidade de aves era impressionante: bandos de marrecas da patagônia (não avistei nenhum macho no bando), marrecas piadeiras (Dendrocygna viduata), caneleiras (Dendrocygna bicolor) e pés-vermelhos (Amazonetta brasiliensis) que levantaram vôo logo que me avistaram. Apenas um fleumático casal de tarrãs me observava curioso do alto de um morrote sem esboçar qualquer reação. Pouco antes de me aproximar da represa, um movimento intenso sob as águas mostrava que os peixes tinham, graças às cheias, conseguido alcançar, finalmente, a Lagoa da Fortaleza, revitalizando-a. A represa, antes da cheia, era uma barreira intransponível para os peixes que tentavam migrar desde a barra do Rio Tramandaí e chegar à Lagoa da Fortaleza, depois de passar por quatro Lagoas atravessando os seus canais.
Tarrã (Chauna Torquata): ave da família dos anhimídeos, natural da Argentina, Bolívia e região Sul do Brasil. Medem cerca de 80 cm de altura, com uma envergadura de 120 cm e 4,5 kg de peso. As pernas são vermelhas e as plumagens pardo-acinzentadas, pescoço com gola negra e estreito círculo branco. As asas são negras e com uma grande área branca visível durante o vôo. Conhecidas, também, pelos nomes de anhuma-do-pantanal, anhumapoca, anhupoca, chajá, inhumapoca, taã, tachã-do-sul, tajã, xaiá e xajá.
Tirei algumas fotos da represa e cercanias e naveguei para a foz a jusante do canal onde estacionei. A imagem da Laguna Manuel Nunes era bastante diferente da que eu encontrara meses atrás. Na época, a foz, totalmente assoreada, permitia que se atravessasse o canal a pé com água pelo tornozelo e, hoje, tive de nadar para alcançar a margem oposta. Uma grande cobra d’água lutava contra a correnteza forte do canal. Uma pequena tartaruga e um grande cágado lagarteavam num local protegido dos ventos aproveitando o calor amigo dos raios solares. Encontrei um crânio de capivara que resolvi levar para os professores de biologia do Colégio Militar de Porto Alegre. A natureza irradiava uma harmonia contagiante.
Vendaval na Lagoa
Na manhã de domingo, 11 de outubro de 2009, ventos superiores a 30 nós (54 km/h), encastelavam as águas da Lagoa da Fortaleza, com ondas de metro e meio de altura. Remei durante algum tempo mas, apesar de manter o remo abaixo da linha dos ombros, procurando evitar a ação dos ventos nas suas pás, o esforço exigido era muito grande e resolvi executar, apenas, pequenos percursos próximos à largada.
Eu já enfrentara um vendaval semelhante no Guaíba ao retornar do Parque Itaponã. A distância de dez quilômetros que eu vencia, normalmente, com 01h25min em média, sem apresentar qualquer sinal de cansaço precisou, na época, de 02h55min para ser vencida e, ao final, eu me encontrava exausto.
-  Canoagem “Radical”
“Nos últimos cimos dos montes erguidos,
Já silva, já ruge do vento o pegão;
Estorcem-se os leques dos verdes palmares,
Volteiam, rebramam, doudejam nos ares,
Até que lascados baqueiam no chão”.
(Gonçalves Dias - A tempestade)
Treinamento para Travessia da “Lagoa dos Patos”
Continuamos com os treinamentos para a Descida do Rio Negro. O “encerramento” desta vez será a “Travessia da Lagoa dos Patos”, com saída da “Praia da Pedreira”, madrugada de 25 de novembro, Parque Itapoã, e chegada, prevista, em Rio Grande no dia 1° de dezembro.
Ontem a previsão de mau tempo me forçou a navegar costeando a margem esquerda do Guaíba até a frente Sul da “Ponta Grossa”. Os fortes ventos de popa na ida e, por incrível que pareça, na volta, favoreceram bastante o deslocamento. Acostumado a remar longe das águas de Ipanema e da Vila dos Sargentos, havia esquecido da poluição que infesta aquelas áreas. Às vezes tenho de concordar com os “Talibãs Verdes” de que o homem está se tornando um vírus letal para a Mãe Terra.
Hoje, dia da Bandeira, resolvi, contrariando o bom senso, atravessar o Guaíba rumo ao Parque Fazenda Itaponã, meu idílico refúgio. É verdade que o tempo estava perfeito, não fosse um pouco de neblina na linha do horizonte. Visitei meu velho amigo pescador, Senhor Américo, e fui passear pelo campo admirando a floração das palmas onde os insetos polinizadores disputavam freneticamente cada flor.
Abençoados “Teiús”
Ao retornar ao cais, onde havia deixado o caiaque, e preparar-me para o retorno, fui surpreendido com a visão de um enorme teiú que ziguezagueava pelo campo procurando ovos de quelônios.
Teiú (Tupinambis merianae): cabeça comprida e mandíbula e maxilar fortes, repletos de pequenos dentes pontiagudos. A língua é cor-de-rosa comprida e bífida. A cauda é longa e arredondada. O dorso apresenta barras negras transversais que se alternam com faixas transversais mais claras, com pontos negros e cinzas. A região ventral é clara, com barras negras transversais irregulares. Maior lagarto do continente, atingindo até um metro e vinte centímetros de comprimento. A cauda chega a medir 60 centímetros. Alimentação: variada, incluindo moluscos e artrópodes, vegetais, frutas, ovos, roedores, aves e anfíbios. (Guia Ilustrado de Animais do Cerrado de Minas Gerais - CEMIG - Editare Editora - 2003)
A língua cor-de-rosa movimentava-se freneticamente tentando localizar alguma presa. De repente, o réptil estancou e, depois de alguns giros sobre o mesmo Lugar, iniciou a escavação. O primeiro ovo apareceu logo em seguida e foi de pronto devorado. Quando estava para devorar o quinto ovo, surgiu, não sei de onde, um lagarto bem maior que o primeiro. Alguns giros e demonstrações de hostilidade fizeram o primeiro abandonar o tesouro recém-descoberto. Não sei se por estar saciado ou acovardado perante tamanho adversário. O segundo lagarto continuou a escavação e só se retirou após devorar os oito ovos restantes.
A Tormenta
O leitor deve estar se perguntando onde está o “Radical” de tudo isso. Às 12h20min iniciei minha viagem de retorno, rumo Nordeste. Após remar vinte minutos, alguma coisa ou “Alguém” me fez olhar para o Sul. Um enorme, belo, sinistro e arroxeado cogumelo de tempestade, com belas franjas verticais de brancas e diáfanas nuvens, limitado a Este pelo Farol de Itapoã e a perder de vista a Oeste, brotou do nada. Resolvi picar a voga achando que seria possível chegar antes dele ao meu destino - a Raia 1, na Pedra Redonda. Pouco depois, me virei novamente e o limite Este já era a Ilha do Chico Manoel, a tempestade percorrera 20 quilômetros em menos de doze minutos. Resolvi aportar na margem direita até que a tempestade passasse, afinal estava a apenas 400 metros de distância e levaria, no máximo, três minutos para chegar até lá.
Quando alterei o rumo, uma visão cinematográfica: a superfície da água, varrida pelos fortes ventos, formava uma sutil cortina branca de uns dez metros de altura e célere se aproximava. A forte rajada quase me arranca o remo das mãos. Tentei alinhar a proa com o vento usando o leme e remando vigorosamente sem sucesso. Os ventos de 110 km/h tentavam assumir o comando do caiaque mas, depois de quinze minutos, que mais pareceram horas, de muito esforço, consegui acostar e navegar por entre os juncos, próximo à margem, refugiado dos ventos, até achar uma pequena casa de pescador na Ponta da Figueira.
O dono da casa, o Senhor Inácio, e seu amigo, o Senhor Áureo, gentilmente me convidaram para entrar e ficamos contando estórias de pescador até o tempo melhorar um pouco. Às duas da tarde, cessada a ventania, me despedi dos novos amigos.
O Inigualável “Cabo Horn”
No Rio Purus, o caiaque duplo, pilotado pelo meu parceiro, estava sendo rebocado por uma embarcação a motor, a média velocidade, e sofreu sérias avarias. Eu já havia testado o caiaque no Guaíba em circunstâncias similares e o mesmo havia saído incólume do teste. Naquela oportunidade, bastante contrariado com o fato de nenhum de meus companheiros de viagem conseguir concluir a totalidade do percurso, escrevi um artigo me referindo ao caiaque como “Frágil”. Hoje, conhecendo todos os fatos, quero me penitenciar junto ao amigo Fábio Paiva, da Opium Fiberglass, fabricante dessa formidável embarcação.
Meu parceiro confessou, em Porto Alegre, enquanto aguardávamos uma entrevista, no programa “Bandeirantes a Caminho do Sol”, da rádio Bandeirantes, com o jornalista Milton Cardoso que, por diversas vezes, próximo à margem, “esticava as pernas” de pé dentro do caiaque, evidentemente forçando a estrutura justamente no ponto que mais tarde veio a cisalhar. Sentava no convés, nos locais de parada, carregava o caiaque antes de colocá-lo n’água e, nas aulas que se permitia dar aos filhos dos ribeirinhos, as crianças não tinham o devido cuidado com as embarcações. Como nas provas de equitação, o canoísta e o caiaque formam um conjunto harmonioso e perfeito, desde que se respeitem as características de cada um. Já naveguei 15.500 km com o fantástico “Cabo Horn” da Opium e posso dizer que não o trocaria por nenhum outro da sua categoria. A sua estabilidade, enfrentando vento de 110 km/h demonstra, sem sombra de dúvida, sua inigualável qualidade.
-  Fracasso Anunciado nas Desertas
Às duas horas e trinta minutos, de 25 de Novembro de 2009, iniciei, na Praia da Pedreira - Parque Itapuã, a planejada ‘Travessia da Lagoa dos Patos’, com destino a Rio Grande. Como a enseada se mostrasse tranquila e sem ondas, decidi rumar direto para o Farol de Itapuã. Tão logo me afastei da praia, fui surpreendido pela força dos ventos do quadrante Norte até então barrados pelo Morro da Fortaleza.

Ponta das Desertas
Alterei a rota de modo a contornar cada uma das enseadas. Sob o manto da escuridão me espreitavam as pedras submersas e, por mais de uma vez, o convés sofreu com o impacto das rochas. Era difícil distinguir as praias de areia dos calhaus. O vento formava ondas que vinha de todos os lados e, com a visão dificultada pela escuridão, resolvi aportar na Praia do Sítio que fica a uns seiscentos metros a Este do Farol. Passei por ela sem avistá-la, cheguei próximo ao Farol, retornei novamente e nada.

- Praia do Sítio e Farol de Itapuã

Em 1845, com a chegada dos Imperialistas à região, os Farrapos afundaram seus brigues ‘Bento Gonçalves’ e ‘20 de Setembro’ entre a Praia do Sítio e o local onde se encontra hoje o Farol de Itapuã. Aportei no Farol de Itapuã às três horas e quinze minutos. Aguardei quase três horas o sol sair e os ventos diminuírem para transpor os umbrais da Lagoa dos Patos.

- Pedra da Argola

Às seis horas, logo depois de passar o Farol, avistei a Pedra da Argola. A enorme argola, de uns cinquenta centímetros, fixada às rochas com chumbo derretido (chumbada), fazia parte de um sistema que visava facilitar a entrada no Guaíba quando soprava o vento Norte. As embarcações faziam uso das argolas para, tracionadas através de cabos, vencer a Ponta onde se localiza, hoje, o Farol de Itapuã.

- Praia do Tigre e Praia de Fora

Contornei a Ponta de Itapuã e, ao alterar o rumo pra Este, novamente o vento forte se fez presente desta vez diretamente de proa. Passei pela Praia do Tigre e logo, em seguida, pela interminável Praia de Fora. Os dezesseis quilômetros que me separavam até a Ponta das Desertas não me permitiam visualizá-la. Não havia avistado viva alma desde que partira da Pedreira, apenas um grande cargueiro entrando no Guaíba, próximo ao Farol, dava o sinal da presença humana até ali. A solidão me encantava.

Os cágados, tomando banho de sol, impressionavam pela quantidade. O número, certamente, era justificado pela ausência de seu maior predador natural o ‘Teiú’, que barbaramente violenta os ninhos desses quelônios e come seus ovos. Devem ter uma boa visão, pois quando me aproximava dos bandos, remando, a uns trezentos metros de distância eles mergulhavam afoitamente nas águas da Lagoa.

As tainhas davam um espetáculo a parte, o número era impressionante. A área protegida, do Parque, lhes servia de abrigo e parece que elas tinham consciência disso. A água, às vezes, parecia ferver, tal o tamanho do cardume. Uma ou outra saltava na vertical, coisa que eu ainda não tinha visto, projetando seu belo e esguio corpo prateado sobre a linha do horizonte.

Remei três horas e meia até o último renque de árvores localizado a pouco mais de um quilômetro da Ponta das Desertas. Descansei meia hora, me hidratei e alimentei, telefonei para os familiares e a Equipe de Coordenação formada pelo Coronel PM Sérgio Pastl (Diretor de Ensino da Brigada Militar e experiente velejador), o Coronel Leonardo Roberto C. Araujo (Chefe da Seção de Comunicação Social do Colégio Militar de Porto Alegre - CMPA) a professora Silvana Schuller Pineda (Clube de História do CMPA) e a amiga Rosângela Maria de Vargas Schardosim.

- O caiaque oceânico ‘Cabo Horn’ e a Travessia das Desertas

Os ventos continuavam muito fortes vindos do quadrante Este, meu destino. Resolvi tentar a travessia e parti às dez horas. A margem do lado oposto não podia ser avistada e tive de me guiar pelo GPS. Havia marcado um ponto diretamente a Leste para diminuir a rota, vinte quilômetros. Em condições normais levaria em torno de quase três horas para percorrer tal percurso.

As ondas de dois metros e meio e o vento de proa freavam meu deslocamento, mas, mais uma vez, o caiaque de Opium se portava galhardamente. Carregado ele se tornara mais estável ainda e eu jogava o corpo para trás para evitar que enterrasse a proa nas grandes ondas. Tinha de manter a concentração na navegação, pois uma enterrada de remo um movimento inadequado poderia virá-lo. Como não avistava a margem oposta, vez por outra, tinha de me guiar pelo GPS e constatava que ia, inadvertidamente, ziguezaguendo, aumentando ainda mais o percurso.

Às onze horas confirmei, pelo GPS, que havia navegado apenas 4 quilômetros e meio. Cheguei a conclusão de que não teria condições físicas de manter aquele ritmo e a concentração durante outras três horas e meia e, se o conseguisse, estaria me sujeitando a enfrentar uma possível e indesejada mudança do tempo no meio da Travessia. Resolvi abortar a missão e retornar à minha última parada.

- Montando acampamento nas Desertas

Aproveitei, na volta, o vento de popa e as ondas, surfando. Foi um deslocamento bem mais rápido. Escolhi um lugar entre as árvores, protegido por pequenos montes de areia, protegido do vento e iniciei a limpeza da área e a montagem da barraca. Lavei a roupa e a estendi nos galhos, reparei o convés do caiaque das avarias que sofrera com Fita Crepe. Estava cansado, frustrado. Era a segunda vez que enfrentara condições adversas extremas em meus deslocamentos e a primeira que tivera que abortar.

Ponta das Desertas
Tinha decidido descansar e, no dia seguinte, no momento em que o vento diminuísse, tentar novamente a Travessia. Saí para observar o local, inúmeros biguás e cágados infestavam as praias e o vento continuava castigando impiedosamente. Retornei à barraca, montei o colchão de ar, e depois de me hidratar e comer massa crua, descansei um pouco.

Acampamento nas Desertas
Recebi informação da Equipe de Coordenação que a previsão para o dia seguinte era de trovoadas e ventos mais fortes ainda e fui orientado a abortar a Travessia. O Cel PM Pastl providenciou uma equipe de resgate formada pelo 1º Sgt QPM1 - João Batista Prates Pedroso, do Departamento de Ensino, e do Sd QPM2 - Evertom Haupenthal, da Escola de Bombeiros. Desmontei o acampamento e remei mais de onze quilômetros até o local onde se encontrava a viatura da PM.

Operação de Resgate
- Fracasso anunciado nas Desertas

A Travessia, no seu planejamento original, contava com a presença e apoio, diretamente de bordo, de nosso caro amigo o Cel PM Pastl e seu veleiro. Teríamos o conforto de sua embarcação nos locais de parada sem a necessidade de montar acampamentos. Por problemas de saúde com familiar ele não pode nos acompanhar, mas continuou se preocupando em fazer contato com todos os elementos que, de uma forma ou de outra, poderiam nos apoiar ao longo da rota.

O sinal tinha sido claro. A missão deveria ser efetivada em outra ocasião. O enfrentamento recente com vento de cento e dez quilômetros por hora no Guaíba tinha sido outro sinal. Por teimosia, talvez, e outras condicionantes escolares, alheias à nossa vontade, tínhamos de tentar. Ano que vem pretendemos tentar novamente e continuaremos tentando até conseguir.

- E-mail do velejador Pastl

“(...) desde 1992 tenho usufruído de vivências na Lagoa dos Patos, e muitas vezes ela me vence.

Já fui náufrago nela, veranista, feliz barqueiro a diesel, feliz velejador, passei a noite de 30 de dezembro de 2006 encalhado no Banco do Vitoriano, com a Aninha e os guris. Terrível. Sofri um rebojo em 2006 (...). Ainda noutra quebrou o mastro, sorte que a dois quilômetros de São Lourenço do Sul. Noutra ocasião quebrei o motor (...) encalhei no Capão Comprido, e quase perdi um cunhado, o Valdir, afogado, que desceu no banco de areia para empurrar. Noutra, quase encalhei no Banco do Bojuru. Confesso que rezei, e cantei salmos, de tão medroso que fiquei. (...) Ainda noutra, passei dois dias encalhado (...) no Cristóvão Pereira. Noutra, 31 de dezembro de 2008, ficamos sem vento no Pontal Santo Antônio, e sem o motor (...). Depois veio um rebojo e entramos ‘voando’ em Tapes. Levamos uma hora somente para amarrar o barco no trapiche. (...) Eu sonho com a Lagoa, penso nela todos os dias, por vezes tenho medo, mas é uma cachaça.

Para hoje (25 de novembro), a Marinha expedira ‘Aviso de Mau Tempo’ na Lagoa e área Alfa, vento 7 da ‘Escala Beaufort’.

És um bravo. Enfrentaste a Lagoa. Não vamos desistir. Vamos nos fortalecer e voltar. (...) Vamos planejar o combate. Vamos voltar e aproveitar a Lagoa em melhores momentos. Ela é linda.

Selva!”

- Escala Beaufort

O almirante britânico Sir Francis Beaufort (1774-1857) criou uma escala, de 0 a 12, observando as modificações que ocorriam no aspecto do mar, em consequência da ação dos ventos. Algum tempo depois esta tabela foi adaptada para a terra.

Força
Designação
Velocidade
(Km/h)
Aspecto
do Mar
Influência
em Terra
7
FORTE
50 a 61
Mar revolto. Vagas de até 4,5 m de altura com espuma branca de arrebentação; o vento arranca laivos de espuma
Movem-se as árvores grandes; dificuldade em andar contra o vento.