Navigare necesse; vivere non est
necesse
Hiram
Reis e Silva, Santarém, Pará, 09 de outubro de 2013.
Navegar
é Preciso
Fernando Pessoa
Navegadores antigos tinham
uma frase gloriosa:
“Navegar é preciso; viver
não é preciso”.
Quero para mim o espírito (d)esta
frase,
transformada a forma para a
casar como eu sou:
Viver não é necessário; o
que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha
vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de
ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha
desse fogo.
Só quero torná-la de toda a
humanidade;
ainda que para isso tenha de
a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da
essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de
engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da
humanidade.
É a forma que em mim tomou o
misticismo da nossa Raça.
Plutarco escreveu mais de 200
livros, dos quais destacamos a obra “Bioi
Paraleloi” – Vidas Paralelas – uma coletânea de 64 biografias de personalidades
gregas e romanas, algumas lendárias. A frase título deste artigo foi citada, por
Plutarco na obra “Vitae illustrium
virorum - Pompey”. Plutarco relata que na hora de partir, uma forte
tempestade se abateu sobre o mar, deixando inseguros os capitães das naus.
Pompeu foi o primeiro a subir a bordo dando, em seguida, ordens para levantarem
âncora e pronunciando a célebre frase: “Navegar
é preciso; viver não é preciso”. Seu exemplo encorajador foi,
imediatamente, seguido pelos antes temerosos capitães.
- 07.10.2013 – 8º BEC, Santarém, PA
Apesar de ter dormido tarde (02h00),
acordei cedo (06h00), meu corpo precisava se adaptar rapidamente às condições
atmosféricas santarenas e recuperar o sono perdido, agora de manhã, não era uma
opção digna de consideração, farei isso à noite dormindo mais cedo. Fiz uma
caminhada forçada de duas horas, o desconforto causado pelo calor abrasivo e a
enorme umidade são complicadores que precisam ser neutralizados imediatamente.
O 8º Batalhão de Engenharia de Construção (8º BEC), Batalhão Rondon, o primeiro
Batalhão de Engenharia de Construção da Engenharia Militar Brasileira está
literalmente encravado em uma bela e preservada área na Serra Piquiatuba.
As estradas que ligam o Quartel,
Posto de Saúde e Vilas Militares cortam a bela mata nativa de onde, vez por
outra, brotam cintilantes borboletas Morpho didius. As borboletas do gênero
Morpho são predominantemente azuis e vivem nas florestas tropicais da América Central
e do Sul e sua característica iridescente azul-metálica, proporcionada pela
reflexão da luz, as tornam únicas. Tive a oportunidade de observar várias delas
com mais de 15 cm de envergadura.
Cada volta do trajeto que eu
escolhera durava exatamente 30 minutos e na terceira volta deparei-me com uma
árvore que tinha acabado de cair bloqueando a estrada. Estava de tal modo
atacada pelos cupins que se espatifou em diversos pedaços, retirei os troncos
maiores e improvisei uma vassoura para limpar a área. As estradas abertas em
plena mata dão oportunidade para que espécies arbóreas menos nobres e, consequentemente,
mais frágeis se desenvolvam na clareira artificialmente aberta expondo seus troncos
extremamente vulneráveis aos ataques de insetos.
O Coronel Sérgio Codelo convidou-me
para almoçar no rancho no Batalhão onde tive a oportunidade de rever meus caros
amigos Miranda e Feldmann da nobre arma de Vilagran.
- Madrugando no Passado
A retirada do tronco da estrada fez-me
madrugar no passado, minha visão pretérita visualizou um jovem e entusiasmado
Capitão Comandante da 1ª Companhia de Engenharia de Construção, do 6º BEC (Boa
Vista, RR), sediada nas proximidades do Rio Abonari, km 202 da BR 174, inspecionando
e fiscalizando meticulosamente os trabalhos executados pelos seus pelotões. Meu
trecho de responsabilidade ia do Km 10, Manaus, AM, até o Rio Jauaperi. Sempre
levava comigo, na carroceria da “C 10”,
um machado e uma moto-serra, na cintura uma .45, que pertencera a meu pai – o
velho e saudoso Cassiano, e nas mãos uma Sauer cano duplo, calibre 16, com dois
cartuchos carregados com chumbo 3T.
Jamais permiti que um tronco de
árvore obstruísse o tráfego da BR 174, diversas vezes eu e meu motorista
lançamos mão do machado e da moto-serra para cumprir nossa missão – garantir o
tráfego a qualquer custo. Na minha gestão (1982/1983) a BR 174 jamais ficou um
dia inteiro interrompida, apesar das quedas de pontes de madeira e rompimentos
de bueiros – cumpri a missão.
Na época das chuvas nossa atenção
recaia, principalmente, sobre os bueiros Armco e pontes de madeira, não
permitindo que entulhos orgânicos, bloqueassem a boca de montante dos bueiros
ou se alojassem perigosamente nos pilares das pontes. Os troncos pequenos
conseguíamos deslocar utilizando varas e os maiores tinham, muitas vezes, de
ser montados e orientados de maneira a passar pelo bueiro, o processo exigia
uma atenção especial – abandonar a insólita montaria na hora certa para não ser
tragado perigosamente pelas águas e entrar pelo “tubo”.
As armas, por sua vez, tinham uma
razão de ser, como militar usava a .45 como determinava o regulamento e a
calibre 16 para cumprir uma promessa que fizera no Projeto Anauá onde eu era
responsável pela construção de estradas vicinais do INCRA que assentava
agricultores na região. Certa feita uma senhora trouxe seu filho moribundo, que
devia ter uns oito anos de idade, picado por uma surucucu-pico-de-jaca. Apesar
de todos os esforços realizados pelo nosso enfermeiro a criança veio a falecer
tragicamente poucos minutos depois.
A mãe, em prantos, relatou que o IBAMA,
extremamente condescendente com estas víboras mortais, não se importava com
eventuais mortes de seres humanos causadas por elas. Afirmou, colérica, que um
funcionário do órgão tinha censurado grosseiramente e ameaçado de multar um
vizinho seu que matara um desses letais animais. Prometi a ela, então, que faria
a minha parte – nenhuma surucucu-pico-de-jaca que cruzasse meu caminho ficaria
impune – e por isso carregava a calibre 16 que vitimou, sem dó nem piedade, mais
de uma dúzia destas temíveis criaturas.
- Valoroso “Cabo Horn”
À tarde fui verificar as condições
do caiaque, recuperado pelos integrantes do Batalhão Rondon, que reluzente
exibia sua nova pintura azul turquesa, uma justa homenagem ao 8º BEC e à Engenharia
Militar Brasileira que, nas três últimas jornadas – Rio Amazonas I
(Manaus/Santarém - 851 km), Rio Madeira (Porto Velho/Santarém - 2.000 km) e Rio
Juruá (Foz do Breu/Manaus - 3.950 km), nos apoiou valorosamente. O Valoroso “Cabo Horn” nem parecia aquele velho e
roto veterano do Juruá, com 9.454 km percorridos nos amazônicos caudais. Fui
depois providenciar alguns artigos farmacêuticos e caixas à prova d’água para
transportarmos alimentos perecíveis e material eletrônico na “voadeira” de apoio.
- 08.10.2013 – Pernoite no Piquiatuba, Santarém,
PA
Depois do café da manhã desloquei-me
para o Porto do 8º BEC onde estavam ancorados a Balsa Rondon e o Piquiatuba. Encontrei
os amigos do Grupo Fluvial e aproveitamos para testar a “Mirandinha” que seria empregada, no reconhecimento do Tapajós, como
barco de apoio. A lanchinha tinha sido pintada e o velho motor de 40 HP devidamente
manutenido, enfrentamos as ondas do Tapajós e depois adentramos no Lago do Juá,
o teste foi um sucesso total. Depois fiquei conversando durante um bom tempo
com o Cabo Adailson da Costa Branches, um estudante de Direito inteligente e muito
falante que discorreu sobre os mais variados temas com uma fluência digna dos
discípulos de Rui Barbosa.
À tarde o Cabo Adailson, os Soldados
Walter Vieira Lopes e Marçal Washington Barbosa Santos foram ao Batalhão buscar
o material de rancho e o caiaque. O “Cabo
Horn” estava impecável, coloquei os adesivos da “Opium Fiberglass” e da “Raia
1”, meus patrocinadores, e a embarcação ficou ainda mais charmosa. Esta
noite pernoito no Piquiatuba para ir me adaptando aos poucos ao ambiente aquático
além de liberar o quarto da Casa de Hospedes do Batalhão para a instalação de
uma comitiva que estava prestes a chegar.
- 09.10.2013 – Porto Piquiatuba
A noite foi agradável, a perspectiva
de dar início a uma nova jornada me entusiasmava. Depois do café matinal, o
Mário se apresentou na balsa e foi até o Batalhão fazer sua apresentação
enquanto o Marçal começou a preparar o caiaque, colocação do leme, linhas de
vida, todo material que tinha sido retirado para permitir que ele fosse
restaurado e pintado, enfim para deixá-lo em condições ideais de
navegabilidade. Fui até o Batalhão e à cidade ultimar algumas providências
administrativas e retornei ao Porto.
Eu e o Marçal fomos navegar no
Tapajós. As águas verde-azuladas transparentes, a brisa morna vindo do
Nordeste, as suaves marolas, as praias imaculadas ao fundo insistiam para que
prontamente déssemos início à nossa missão, eu estava literalmente imerso na “Magia das águas”.
À noite, aproveitando a chegada do
Cabo Mário Elder Guimarães Marinho, comemoramos o início da missão na
sorveteria Bela Vista.
- A Magia das Águas
Ama as águas! Não te afastes
delas! Aprende o que te ensinam! Ah, sim! Ele queria aprender delas, queria
escutar a sua mensagem. Quem entendesse a água e seus arcanos - assim lhe parecia
- compreenderia muita coisa ainda, muitos mistérios, todos os mistérios.
(Hermann Hesse - Sidarta)
Hermann Hesse reporta no seu livro “Sidarta” as experiências de um jovem
brâmane em eterna busca pelo conhecimento e a luz. Abandonando a casa paterna,
Sidarta iniciou sua jornada na companhia dos “Samanas”. Três anos se passaram e Sidarta verificou que vida samana era uma forma de fugir da vida e
do eu e os abandonou. Seguindo sua busca, Sidarta se tornou discípulo do Buda.
Algum tempo depois, porém, ele se convenceu de que a iluminação não podia ser
alcançada por doutrinas, só por vivência, e que a experiência da iluminação era
impossível de ser descrita. Resolveu seguir seu próprio caminho sem nenhuma
doutrina, nenhum mestre, até alcançar a redenção ou morrer. Atraído pela beleza
e sensualidade da cortesã Kamala, se entregou de corpo e alma aos prazeres
mundanos até que, arrependido, se deu conta de que mais do que tudo “causavam-lhe asco a sua própria pessoa, os
cabelos perfumados, o bafo de vinho que sua boca exalava, a flacidez e o
mal-estar de sua pele”.
Samana
- indivíduo que abandona as obrigações da vida social para encontrar o caminho
de uma vida de mais harmonia (sama) com a natureza. (Hiram Reis)
Depois de pensar, inclusive, em
suicidar-se, encontrou a paz, o conhecimento divino e se tornou um ser de luz
através de um homem simples, um balseiro que lhe reportou os mistérios da vida
aprendidos no levar constante de pessoas de uma margem à outra e nos
conhecimentos adquiridos com o Irmão Rio.
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