Madeira-Mamoré
Ferrovia do Diabo (Capítulo V)
Ferrovia do Diabo (Capítulo V)
Se perigos vencermos, se padecimentos nos aniquilarem, se decepções sofrermos e atos de bravura tivermos que praticar, serão com certeza relatados em frase singela, mas modelada em fatos verdadeiros, acontecimentos que se deram e não nas fantasias romanescas dos que sacrificam a realidade ao prazer das descrições de efeito.
(Ernesto Matoso - Secretário da Comissão Morsing)
(Ernesto Matoso - Secretário da Comissão Morsing)
- Guerra do Pacífico (1879)
O desfecho não poderia ter sido mais desfavorável à Bolívia. O Chile apossou-se da faixa litorânea boliviana privando-a dos portos marítimos do Pacífico. O governo boliviano voltou a considerar, seriamente, a rota do Rio Amazonas descendo pelo Rio Madeira.
- Tratado de 15.05.1882
O Brasil não julgou aceitáveis os termos do projeto formulado por Dom Eugenio Caballero, Ministro Boliviano e apresentou um contra-projeto, aceito pelo governo boliviano, que foi convertido em Tratado relativo à navegação dos rios bolivianos e brasileiros e à construção da Estrada de Ferro. O Tratado deixava patente que o governo brasileiro desejava efetivamente construir a Estrada de Ferro.
Artigo 1° - Sua Majestade o Imperador do Brasil confirmando a promessa feita pelo artigo 9° do Tratado de 27.03.1867, obriga-se a conceder à República da Bolívia o uso de qualquer Estrada de Ferro que venha a construir por si, ou por empresa particular, desde a primeira cachoeira na margem direita do Rio Mamoré até Santo Antônio no Rio Madeira, a fim de que a República (da Bolívia) possa aproveitar o transporte de pessoas e mercadorias os meios que oferecer a navegação abaixo da dita cachoeira de Santo Antônio.
Artigo 2° - O uso da referida estrada será concedido, tanto para a importação como para a exportação, livre de todo e qualquer imposto geral, provincial ou municipal, e ficará sujeito unicamente à tarifa que se estabelecer para o transporte de mercadorias sem distinção de nacionalidade ou origem.
Cinco meses após a assinatura do Tratado, a Lei n° 3141, de 30.10.1882, que fixava o orçamento do Império, no seu artigo 12° especificava:
O Governo fica autorizado a despender até a quantia de 150:000$000 com os estudos da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré, e na deficiência de renda, fará para este fim as operações de crédito que forem necessárias.
- Comissão Morsing
Fo criada, no dia 25.11.1882, uma Comissão formada por dez engenheiros, um secretário, um médico, um farmacêutico, um desenhista e dois auxiliares para executar os estudos da futura Estrada de Ferro. O engenheiro chefe era o sueco naturalizado brasileiro Carlos Alberto Morsing formado em engenharia nos Estados Unidos e que estava trabalhando em uma Ferrovia na Província de Pernambuco, o austríaco Júlio Pinkas, 1° Engenheiro, por sua vez, gozava de muito prestígio nos meios políticos.
A Comissão resolveu utilizar-se do levantamento realizado, numa extensão de
Pelo mato, a cada passo, se encontram vestígios: pás, enxadas, picaretas, carrinhos, tudo estragado! Confrange-nos ver tantos e tantos contos de réis em perfeita perda, tanta soma de sacrifício sem resultados. É preciso que Collins seja dotado de uma fortaleza de espírito invejável para que não tivesse enlouquecido (Matoso não tinha conhecimento de que a esposa de Collins falecera em um sanatório de doenças mentais nos EUA) quando foi forçado a abandonar este belo princípio da importante Ferrovia Madeira Mamoré. Lutando contra a falta de recursos próprios do lugar, com o clima, com as terríveis enfermidades, aquele distinto homem fez prodígios. Construiu seis quilômetros de linha e estudou mais de cem, contou e aterrou vinte, isso em pouco mais de ano. São incríveis os trabalhos feitos por aquele heróico norte americano, a despeito de todas as contrariedades.
- Início dos Trabalhos e do Ataque das Doenças
No dia 02.04.1883, o engenheiro Abel Ferreira de Matos iniciou os trabalhos na selva comparando a planta de Collins com o terreno. A Comissão contava agora com 60 elementos formada por engenheiros, funcionários e trabalhadores indígenas. No dia 09, vinte dias após a chegada, 22 membros da Comissão estavam doentes, no dia 11, este número chegava a 32, 53% do efetivo total.
No dia 24.04.1883, chegou, a Santo Antônio, um vapor trazendo reforços para a Comissão, eram 28 cearenses e maranhenses além de 30 soldados do 15° Batalhão de Infantaria substituindo os indisciplinados e indolentes militares do 11° Batalhão de Infantaria que acompanhavam a Comissão desde o início.
No dia 07.05.1883, faleceu o engenheiro Alfredo Índio do Brasil que foi sepultado em Manicoré. No dia 21.05.1883, o médico da Comissão resolveu evacuar, no vapor Mauá, para o Rio de Janeiro o Chefe da Comissão Carlos Alberto Morsing, os engenheiros Domingos Guilherme Braga Torres, Dâmaso Pereira e Tomás Joaquim de Cerqueira (que faleceu a 25.06.1883) e o auxiliar Coelho Ferreira. Júlio Pinkas assumiu, então, a chefia da Comissão. No dia 07.08.1883, morre Pedro Leitão da Cunha, o terceiro engenheiro em três meses. A situação da Comissão era insustentável, todos estavam doentes. Júlio Pinkas decidiu pela retirada imediata de todos para Manaus.
- Plantas da Public Works
O Sr. Júlio Batista Álvares, verificando que a Comissão estava se retirando entregou a Pinkas um rolo com plantas antigas. Eram os originais das plantas que a Public Works entregara dez anos antes nos tribunais londrinos para provar que a extensão da estrada era consideravelmente superior à que constava do contrato com Church. Faltavam apenas as plantas do trecho entre Santo Antônio e Jirau que tinham sido elaboradas por Collins.
No dia 04.09.1883, a Comissão, chefiada interinamente por Pinkas, chegou a Manaus e no mesmo dia, vindo do Rio de Janeiro, Morsing que depois de conferenciar com as autoridades governamentais conseguiu mais recursos e cinco novos engenheiros, um auxiliar e um farmacêutico. Morsing instalou em Manaus um escritório de engenharia para elaborar as plantas da Ferrovia.
- Medidas Tomadas por Morsing
Morsing analisou as plantas Public Works, que as elaborara há dez anos, assim como as plantas deixadas pela empresa P. & T. Collins:
1°) A Comissão considerou que as plantas deixadas pela empresa P. & T. Collins, numa extensão de 106 quilômetros , até Jirau, comparadas com o terreno eram plenamente aceitáveis.
2°) A Comissão ia continuar os estudos, do quilômetro 106 até Guajará-Mirim, mas como tinham sido achadas as plantas originais da Public Works, que se iniciavam a partir do quilômetro 128 até Guajara-Mirim, resolveu:
a) Fazer o levantamento do que faltava, entre o final da planta de Collins e o começo da Public Works numa extensão aproximada de 17 quilômetros ;
b) Verificar no terreno se os primeiros quilômetros da planta da Public Works estavam corretos, caso positivo, considerar toda a planta como boa.
Não me parece suficiente a análise apenas dos primeiros quilômetros da planta da Public Works. Dever-se-ia, por amostragem, fazer mais de uma tomada a meio percurso e uma outra no final para só aí sim considerá-la como boa.
- 1° Turma - Eng° Bacelar (15.11.1883)
Huet de Bacellar retornou, depois de um mês e meio de trabalho, no dia 15 de novembro, de Santo Antônio onde foi realizar sondagens e estudar as condições de ancoradouro de grandes vapores em Ponto Velho , sete quilômetros abaixo de Santo Antônio.
Com os resultados dos trabalhos do Eng° Bacellar, Morsing concluiu que a Estrada de Ferro deveria partir de Ponto Velho, pois ali, o Rio Madeira tinha calado suficiente para os grandes vapores que subiam o Rio Madeira. Consequentemente foi levantada, também, a planta entre Ponto Velho e Santo Antônio.
- 2° Turma - Eng° Camarão (28.01.1884)
(...) tive grande prazer de encontrar no campo, vestígios não só da picada da Public Works como também esteios, já algo carcomidos pela ação destruidora do tempo, (...) e que esta habitação é a que se achava muito bem figurada na planta: assim pois, tive um ponto firme e me foi bastante fácil determinar a estação 13. (João José da Cruz Camarão)
À turma do engenheiro João José da Cruz Camarão retornou, no dia 28 de janeiro de 1884, depois de dois meses e meio de trabalho no Caldeirão do Inferno, onde fizeram a checagem no terreno dos primeiros quilômetros da planta da Public Works.
Camarão conseguiu localizar no terreno a última estação (estaca) da planta de Collins de onde iniciou uma linha de 17 quilômetros e 700 metros de extensão, até a primeira estação da planta da Public Works.
- Relatório da Comissão Morsing (02.1884)
Julgo que não há necessidade de maiores sacrifícios em estudos sem que a construção da estrada seja definitivamente resolvida, devendo nesse caso os estudos serem finais e para a construção imediata. Para estudos preliminares, sou de opinião que o eu possuímos são suficientes, e é usando da faculdade que me é conferida pelas instruções que regem a Comissão, que adoto os estudos feitos. (Carlos Alberto Morsing)
Morsig entregou ao Ministro da Agricultura, em fevereiro de 1884, no Rio de Janeiro, o relatório da Comissão, cujos tópicos principais são os seguintes:
1°) Extensão da Ferrovia, de Ponto Velho a Guajará-Mirim: 361,7 km ;
2°) Custo por quilômetro da futura Ferrovia: 47:000$000;
3°) Importância despendida nesses estudos: 196:904$238;
4°) Perdas humanas: dezenove mortos, sendo 3 engenheiros, um oficial, e quinze soldados e trabalhadores.
De posse do relatório o Ministro resolve ouvir o 1° engenheiro da Comissão Júlio Pinkas que afirmou categoricamente que as plantas da Public Works, adotadas por Morsing, não mereciam fé. O Ministro determina, então, que Morsing retorne às Cachoeiras para levantar a planta do trecho correspondente à Public Works. Morsing não aceita essa imposição e pede demissão do cargo de engenheiro-chefe da Comissão. O Ministro nomeia, então, Pinkas como chefe da Comissão.
Fonte: FERREIRA, Manoel Rodrigues – A Ferrovia do Diabo – Brasil – Edições Melhoramentos, 1959.
Nenhum comentário:
Postar um comentário