Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 08 de dezembro
de 2014.
O grupo,
originalmente, usava uma larga faixa confeccionada da entrecasca de tauari (Couratari
spp) que lhes cingia a cintura e, por isso, os regionais passaram a denominá-los
Cinta-Larga codinome que foi adotado pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Na verdade sob a denominação de Cinta-Larga foram aglutinados três grupos
distintos, que possuem língua e cultura semelhantes, autodenominados Kabã,
Kakin e Mã.
As Terras Indígenas
(TI) Cinta-Larga, Zoró e Suruí estão inseridas no Parque Indígena (PI) Aripuanã
localizado no Leste do Estado de Rondônia e Noroeste do Mato Grosso somando uma
área total de aproximadamente 2,8 milhões de hectares. A FUNAI criou, no último
decênio do século XX, quatro TI adjacentes dentro do território ocupado pelos
Cinta-Larga – PI Aripuanã, Área Indígena (AI) Roosevelt, AI Serra Morena e AI
Aripuanã cuja população está distribuída em 33 aldeamentos.
Questão Cinta-Larga
Até o final dos anos 1960, os Cinta Larga, ocupavam (e dominavam) uma
área de 4,5 milhões de hectares entre os Rios Roosevelt e Aripuanã, repleto de
riquezas historicamente exploradas por seu valor de mercado: primeiro como uma
província seringueira, depois mineral, depois madeireira e hoje ambas. Foi com
seringueiros e garimpeiros que invadiram seu território que os Cinta-Larga
contataram os “zaryj” (civilizados),
em uma região pródiga em borracha, ouro, diamante e madeiras nobres.
Os Cinta-Larga observaram que esses inimigos tinham as cobiçadas
ferramentas de metal, sobretudo machados e terçados
(facões), já que no começo desprezavam e não viam utilidade nas espingardas.
Justamente aí tem início a “Questão Cinta-Larga”, na divulgação regional e
nacional das riquezas minerais em suas terras e da sua antropofagia, noticiadas
na imprensa nos anos 1960. A FUNAI somente chegaria à região após essas
notícias, alguns anos depois de a maioria dos grupos locais Cinta-Larga do
Aripuanã e do Roosevelt terem contatado garimpeiros e visitado a estação
telegráfica de Vilhena.
As primeiras ações desses funcionários foram justamente as de expulsar os
“amigos garimpeiros” e tomar o lugar
deles, inclusive instalando-se em suas casas, dando aos Cinta-Larga as tão
desejadas ferramentas – além de remédios e sementes. Os funcionários do órgão indigenista (FUNAI) passaram,
pouco depois, a organizar a vida aldeã, convocando os Cinta-Larga para o
trabalho na roça, corte de seringa e outras atividades cotidianas, de modo a
concorrer com o próprio “zapivaj”, como
é chamado o chefe da aldeia.
No fim dos anos 1980, críticas e ameaças contra a “mesquinhez” da FUNAI se tornaram regra entre os Cinta Larga que
foram sendo transformadas em indiferença ao longo desta última década. Por essa
razão, os Cinta-Larga substituíram a FUNAI pelos “amigos madeireiros”, os novos doadores de ferramentas – e moradias,
estradas e Toyotas e L200. Quando a FUNAI deixou de se comportar “no registro de zapivaj”, deixando de
concorrer com os verdadeiros donos da casa, tudo voltou como antes na ordem
sociopolítica Cinta-Larga.
Assim, a iniciativa dos contratos de madeira, se no começo dessa
atividade (1986-1988) passava pelos funcionários da FUNAI, foi completamente
assumida pelos “zapivaj” de todas as
aldeias quando esses funcionários foram afastados e aqueles que entraram tinham
como postura predominante o “não se meter”.
“Liberar” a exploração de madeira ou
garimpo para “pegar dinheiro”,
visando atender suas necessidades atuais de bens e serviços (como moradias,
saúde, educação) – dado que a FUNAI, falida, não os propicia, “como no começo fazia” – passou a ser a
regra dominante da economia política dos Cinta Larga. (BETO & FANY)
Progressivamente
a cobiça desenfreada pelos recursos naturais na TI Cinta-Larga passou a contar
com a participação efetiva e ostensiva de funcionários da FUNAI que contavam
com o beneplácito dos mais altos escalões do órgão pseudo-indigenista. As
máfias ligadas à exploração madeireira e garimpo passaram a fazer uso de “contratos” estabelecendo como moeda de
troca com os líderes indígenas corruptos e corruptores, todo o tipo de
mercadorias, caminhonetes e dinheiro vivo ‒ fruto da participação nos “lucros” que pretensamente dariam
respaldo às invasões e demais atos ilícitos. Desde então o patrimônio cultural,
moral e natural dos Cinta-Larga foi sendo sistematicamente dilapidado.
Os Kimberlitos da TI Cinta-Larga
“Lá está a riqueza que os
estrangeiros e os políticos querem tirar do meu povo. Tudo o que saiu é pouco.
Os garimpeiros estão somente arranhando a rocha maior (kimberlito), abaixo do
igarapé, onde está o grosso do diamante”.
(Tataré Cinta-Larga – Isto É, Edição: 1731, 05.12.2002)
Os kimberlitos
são a mais importante fonte de diamantes e sua existência só foi comprovada nos
idos de 1866. Kimberlito é uma homenagem a Kimberly, na África do Sul, onde a
existência destas miraculosas chaminés foi comprovada pela primeira vez.
A maioria dos
diamantes que encontramos hoje formaram-se há milhões de anos e violentas
erupções de magma trouxeram-nos até a superfície através das chaminés de
kimberlito. Estas chaminés foram criadas à medida que o magma emergia pelas mais
profundas fissuras da Terra empurrando os diamantes e outros minerais para a
superfície da crosta terrestre. Após o magma esfriar ele deixava atrás de si as
características veias cônicas da rocha de kimberlito.
Embora alguns de
nossos mais ilustres magistrados manifestem-se contrários à exploração mineral
nas TI os caciques Cinta-Larga continuam zombando da Lei e gerindo suas terras
como se não fizessem parte de nosso País. A prepotência se deve simplesmente à
ausência de medidas coercitivas que os atinjam, a morte de centenas de
garimpeiros, a ingerência até mesmo em terras que não lhes pertencem, os “contratos” permitindo o garimpo e a
exploração madeireira atentam contra tudo e contra todos.
Filhos da
Terra, 15.07.2014 – Redação 24 Horas News
Extração de diamantes em terra indígena
em MT atrai conflitos e mortes, ladrões, prostitutas e contrabandistas.
A partir de
agora, devem ser cancelados os requerimentos para realização de pesquisa
mineral em terras indígenas da comunidade Cinta-Larga e no seu entorno,
conforme decisão obtida pelo Ministério Público Federal (MPF) junto ao Tribunal
Regional Federal da 1ª Região (TRF1). No dia 1º de julho, o Superior Tribunal
de Justiça concedeu liminar para retirar efeito suspensivo que impedia a
decisão do TRF1 de ser cumprida. Desde a ação civil pública em primeira
instância, o MPF demonstrou que as pesquisas e lavras autorizadas pelo
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) no interior da terra indígena
têm servido para aumentar a criminalidade na área.
Relatório da
Polícia Federal (PF) citado nas peças do MPF assinala os conflitos gerados
entre garimpeiros, minerados e indígenas por causa da comercialização ilícita
de diamantes extraídos nas terras ocupadas pelos índios Cinta Larga, com
produção avaliada em torno de US$ 20 milhões mensais. Segundo apuração da PF em
Rondônia, a vida dos contrabandistas tem sido facilitada pela concessão de
licenças de pesquisas minerais próximas às áreas indígenas pelo DNPM e “a presença de mineradoras nas áreas
circunvizinhas às terras indígenas fomenta o contrabando e o crime organizado
que atua contrariamente aos interesses indígenas”.
A área
indígena dos Cinta-Larga possui um raro kimberlito – rocha vulcânica onde é
encontrado o diamante – que, segundo estudo da Companhia de Pesquisa e Recursos
Minerais, órgão do Ministério das Minas e Energia, é único no país, podendo
gerar uma mina industrial de diamante de gema com capacidade para produzir, no
mínimo, um milhão de quilates de pedras preciosas por ano.
Além disso,
a exploração atrai ladrões de pedras, prostitutas e traficantes para a região.
Já provocou a morte de pelo menos cem garimpeiros, índios e contrabandistas nos
últimos dois anos, e é responsável por sérios danos ambientais, tais como o
assoreamento do Rio Roosevelt. (...)
Certamente será
mais uma Lei que não será cumprida, parece-me que teríamos de começar
encarcerando as autoridades do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)
que autorizaram este tipo de pesquisa e lavra.
Fonte: BETO
& FANY, Beto Ricardo & Fany Ricardo. Povos indígenas no Brasil,
2006/2010– Brasil – São Paulo – Pancrom Indústria Gráfica, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário