Hiram Reis e Silva (*), Bagé,
RS, 12 de janeiro de 2015.
07.11.2014 (sexta-feira)
– AC15 (KM 602 – Pousada Rio Roosevelt) – AC16 (KM 628 ‒ Ilha)
O dia iniciou com a passagem dos Rápidos do Infernão.
Tínhamos deixado para trás a Cachoeira mas não seus Rápidos. Fui à frente
reconhecendo as possibilidades que são muitas tendo em vista a largura do Rio
chegar a 800 metros permeada de Ilhas e rochedos, felizmente ultrapassamos sem
maiores dificuldades os obstáculos apresentados.
Cachoeira da Glória
Logo adiante, a 3 km, a Cachoeira da Glória, que se
estende por quase 2 km, cujas corredeiras podem ser transpostas facilmente
exceto a que fica a meio curso dela (08°28’18,5”S / 60°58’37,4”O). Parei em
umas pedras (08°28’48,8”S / 60°58’40,0”O) antes da curva à esquerda onde se
iniciam os rápidos e aguardei o Dr. Marc se aproximar. Informei-lhe que ele
devia colar na margem esquerda logo depois da curva e me acompanhar até onde eu
aportasse. O Dr. Marc fez a curva aberta demais e teve, depois, de passar por
uma rota menos segura, pedi a ele que orientasse os “camaradas” e que eles aportassem em segurança logo adiante porque
eu precisava fazer um reconhecimento à frente.
Desembarquei na margem esquerda para reconhecer o
melhor ponto de passagem e depois me desloquei até meus parceiros
informando-lhes que iria atravessar e verificar se era seguro eles descerem por
ali também. Coloquei a saia no caiaque, por precaução, e atravessei a torrente
veloz, o problema não era a queda nem a velocidade das águas eram os grandes
redemoinhos que se apresentavam logo depois, o rebojo formado por eles poderia
provocar um desastre. Aportei mais adiante e pedi que eles viessem para a
margem esquerda onde transporíamos as embarcações à sirga. Felizmente
conseguimos vencer esta etapa sem grandes problemas.
Cachoeira do Inferninho
Navegamos em águas calmas, pelos dez quilômetros de
uma longa curva à esquerda, antes de encontrar o “Inferninho”, que também se estende por uns dois quilômetros. Fui à
frente e a primeira passagem à esquerda foi simples, mas os obstáculos se
sucediam e, em um deles, tivemos de usar o recurso da sirga por garantia para
transpor a canoa. Foram muitas as surpresas, não tive tempo de reconhecer cada
passagem, demoraria demais, então atravancamos. Depois do Inferninho
encontramos mais algumas rochas e rápidos que não apresentavam nenhuma
dificuldade. Aportei em uma Ilha (08°22’11,2”S / 60°59’42,8”O) onde decidíramos
acampar e embora tivesse sugerido aos “camaradas”
o uso da sirga em um local bastante seguro para isso eles preferiram realizar a
passagem à remo. Ganhavam confiança, dia-a-dia, nossos “camaradas” depois de enfrentar tantos desafios. Foram 26 km de pura
emoção.
08.11.2014 (sábado)
– AC16 (KM 628 – Ilha) – AC17 (KM 658 – Acampamento de apoio da Pousada Rio
Roosevelt)
O dia anterior tinha sido cheio de emoções em vivo
contraste com o de hoje que transcorreu num marasmo só. Eu tinha programado
alcançar a Foz do Rio Machadinho (08°22’11,2”S / 60°59’42,8”O) que estava a
exatos 30 km da Ilha onde acampáramos. Segundo informação dos funcionários da
Pousada Rio Roosevelt alguns metros à montante do Machadinho e na mesma margem
estava localizado o Acampamento de apoio da Pousada Rio Roosevelt onde
poderíamos pernoitar.
Cheguei cedo, a cozinha e casa de hóspedes estavam
fechados com cadeado, os dois aposentos destinados aos funcionários, porém,
estavam abertos. Depois de colocar a barraca para secar fiz uma faxina nos
quartos e montei a barraca em um deles. Tomei um bom banho de chuveiro, a caixa
d’água estava abastecida, e fiquei aguardando meus parceiros. O Jeffrey montou
a barraca no outro aposento espalhando seu material por todo canto. O Angonese
ia dormir no mesmo aposento que eu e não sobraria espaço para o Dr. Marc montar
sua barraca no aposento em que estava o Jeffrey. Nosso caro Mestre já estava
montando, resignadamente, sua barraca ao relento quando resolvi organizar as
coisas. Reposicionei a barraca e as tralhas do Jeffrey e coloquei a barraca do
Angonese que era menor que a do Dr. Marc no mesmo cômodo e com isso o caro
Mestre podia ocupar confortavelmente o mesmo aposento que eu.
Desde pequeno meu velho pai me ensinou a olhar ao
redor e verificar se minhas ações poderiam estar causando algum transtorno a alguém.
Coisas simples como num dia de chuva, portando guarda-chuva não andar sob as
marquises ‒ deixe-as para quem está desabrigado, em um supermercado, ao parar,
cole o carrinho junto aos balcões e entre dois produtos expostos, assim você
não interrompe o tráfego e não bloqueia o acesso das pessoas aos gêneros.
Infelizmente o individualismo parece estar cada vez mais e mais presente nas
ações das pessoas de todas as classes sociais que jamais se preocupam com o
coletivo. Os japoneses, na última Copa aqui no Brasil, foram os verdadeiros
campeões ao recolher o lixo deixado pelos torcedores relaxados.
O Cel Angonese pescou 12 belos tucunarés no Rio
Machadinho, em apenas 30 minutos, soltou dez e separou dois belos espécimes
para degustarmos no nosso “almojanta”.
Limpei os peixes e o Angonese assou-os.
09.11.2014 (domingo)
– AC17 (KM 658 – Acampamento de apoio da Pousada Rio Roosevelt) – AC18 (KM 692 –
Pedras)
Parti cedo, como de costume e parei na casa do Dr.
Rogério para um café. Os paranaenses parecem se adaptar excepcionalmente na
Amazônia. Parti logo em seguida pois queria achar um local confortável para
acampar. Eu marcara umas Ilhas de pedra a 34 km de onde pernoitáramos como
ponto mais curto para acampar e caso o local não fosse satisfatório eu iria continuar
procurando avante.
Novamente a equipe demorou-se para sair e parou tempo
demasiado na casa do Dr. Rogério, o resultado dessa combinação fatídica de
atrasos foi que enfrentaram fortes ventos de proa que os impediu de prosseguir
até que a ventania diminuísse seu ímpeto. Eles vinham dando oportunidade, desde
o início da Expedição, para que isso acontecesse e apesar de tudo continuaram a
agir de igual forma do primeiro até o último dia de viagem.
Eu tinha chegado cedo à referida Ilha, antes das
11h00. Preparei o local do fogo coloquei os esteios para fixação da lona, colhi
lenha para o fogo, cobri a lenha com um plástico, fixei a trempe, montei minha
barraca, lavei minhas roupas, tomei banho, troquei a roupa e nada do restante
da equipe chegar. Os camaradas chegaram somente por volta das 17h00 e o Dr.
Marc visivelmente cansado, chegou logo depois, achando que tinha sido deixado
para trás e quase resolvera acampar em outro local. A desorganização pode
provocar fadiga e os dois juntos levam-nos a tomar decisões que podem
comprometer a segurança e o bom andamento de um projeto. Eu sabia que isso
viria a acontecer mais cedo ou mais tarde desde que não corrigíssemos alguns
desvios de conduta.
10.11.2014 (segunda-feira)
– AC18 (KM 692 – Pedras) – AC19 (KM 717 – Montante da Cachoeira Carapanã)
Parti sozinho por um longo Estirão, quase 10km, e logo
depois de uma suave curva à esquerda avistei, à margem direita, a Foz do
Igarapé Caripe e estava passando por
umas pequenas corredeiras quando ouvi um grito, olhei para trás e só então
enxerguei, à margem esquerda, a Casa de Apoio que um ribeirinho, que passou por
mim de voadeira, mencionara no dia anterior, quando cruzara por mim na sua
voadeira. Aportei e fui até a casa onde ficamos conversando durante algum
tempo, ele me informou que por ali passara, também, a equipe capitaneada pelos
americanos Paul Schurke e Dave Freeman mas que ao contrário da nossa desciam
juntos e se comunicando pelo rádio durante todo o tempo.
José Caripe: foi nessa região que a expedição
original encontrou o Sr. Caripe proprietário de um armazém e que Cherrie afirmou
que “imperava como o Rei da extração da
borracha” no Rio Roosevelt. (Hiram Reis)
O prestativo amigo reforçou, mais uma vez, que na
Cachoeira do Infernão eu deveria procurar apoio do caseiro Kleber que
trabalhava na Pousada do Vitão. Orientou-me à respeito da localização da trilha
que permitiria contornar a Cachoeira Carapanã. Despedi-me do prestativo
ribeirinho e continuei minha descida.
A pouco mais de um quilômetro Rio abaixo passei à
direita da Ilha Santa Rosa, que tem uns 03km de comprimento, e onde o Rio
apresenta sua largura recorde de 1,3km. Após a Ilha o Rio inflete para a
direita, as águas calmas prenunciam um grande obstáculo mais à frente, a região
é muito bela e tranquila o som das águas revoltas ainda não chegaram aos meus
ouvidos.
Mantenho a rota junto à margem esquerda conforme
mencionara, pela primeira vez, o paranaense que trabalhava com o Dr. Rogério.
Vou margeando uma grande Ilha à minha direita até avistar a entrada da referida
Trilha (07°47’41,3”S / 60°54’48,1”O). Desembarco e ando pela trilha mais de
03km (seis de ida e volta) e não encontro nada, meus informantes não haviam me
repassado as distâncias, volto e resolvo navegar mais à frente e encarar a
famosa Cachoeira do Carapanã. Embora a largura de margem a margem ultrapasse os
700 metros, grande parte do caudal é carreado, graças a um infindável número de
Ilhas e rochas de todos os tamanhos e formas, para a margem esquerda à uma
velocidade impressionante.
Deixo o caiaque ancorado entre as rochas e atravessado
em relação à torrente para que meus parceiros possam avistá-lo à distância
quando se aproximarem e vou até a margem verificar se existe alguma outra
trilha mais curta. Não existe nenhuma trilha recente e a passagem embora
relativamente curta (400 m) necessitaria ser aberta à facão até uma pequena
praia à jusante onde depois encontrei o reboque e as voadeiras do Vitão.
Retorno à trilha anterior e resolvo medir a distância
até a referida praia pela trilha usada pelo pessoal do manejo florestal. Foram
aproximadamente 3.900 metros até a praia que ficava à jusante da Carapanã e a
aproximadamente 1.200 metros à jusante havia outro Salto que teríamos também de
desbordar. A mata fervilhava de vida, avistei pacas, cutias, caitetus, ouvi o
barulho de um animal rompendo a mata em desabalada carreira que só podia estar
sendo produzido por uma anta, mutuns de várias espécies (mutum-cavalo,
mutum-de-fava, mutum-de-penacho), bandos de jacamins, macacos prego, aranha e barrigudos,
enfim um paraíso ecológico sem precedentes.
Voltei até a margem onde deixara meu caiaque e lá
encontrei meus parceiros, eu tinha acabado de andar mais de 15 quilômetros e
estava exausto. Reportei as distâncias encontradas e afirmei que a melhor e
praticamente a única opção plausível era conseguirmos apoio mecanizado com o
tal do Kleber. O Angonese e o Jeffrey, depois de descansarem um pouco
resolveram encarar a mesma trilha que eu percorrera 03km. Os dois regressaram à
noite e o Angonese disse que andaram por volta de 10 km até chegar a uma
pousada onde contataram o Kleber que ficou de conseguir algum apoio para o dia
seguinte.
11.11.2014 (terça-feira)
– AC19 (KM 717 – Montante da Cachoeira Carapanã)
Não acordamos muito cedo aguardando o desenrolar dos
acontecimentos. Caso o Kleber conseguisse algum apoio ele só iria aparecer à
tarde. O Dr. Marc conseguiu convencer o Angonese de reconhecer a margem direita
da Cachoeira Carapanã. Não achei viável a empreitada tendo em vista a
disponibilidade de tempo do Jeffrey. A “portagem”
das próximas cachoeiras serio extremamente exaustiva e demorada demais.
À tarde, depois de permanecer um bom tempo de “molho” nas águas límpidas do Roosevelt,
parti com o Angonese, no encalço do Kleber carregando, nas mochilas, material
para acantonamento na Pousada do Vitão, se fosse o caso. Tínhamos caminhado
pouco mais de dois quilômetros pela trilha quando surgiu uma camionete pilotada
pelo Sr. Antônio, doravante tratado por nós de Santo Antônio.
Fomos até o porto à jusante da Cachoeira Carapanã
buscar o reboque do Vitão e, em seguida, até o acampamento onde a dupla
americana permanecera. Colocamos os dois caíques no reboque e os carregamos com
uma carga leve, em cima dos caiaques colocamos a canoa e o material mais pesado
foi na caçamba da camionete. Passamos pela Pousada do Vitão e fomos direto até
a margem do Roosevelt descarregar o material no local da partida, já que
teríamos de nos deslocar para lá a pé no dia seguinte. Levamos apenas o
material imprescindível de acantonamento já que na pousada encontraríamos um
local abrigado e colchões.
Despedimo-nos do prestativo Santo Antônio que adiara
uma viagem já agendada para nos apoiar. A noite foi muito agradável, a Pousada
tem uma infraestrutura privilegiada, a energia é gerada por uma Pequena Central
Hidrelétrica (PCH), há uma bela estrutura de madeira, com churrasqueira, mesas,
enfim um fantástico restaurante encravado sobre as águas de um agradável
Igarapé em plena selva amazônica. O Kleber cobriu-nos de gentilezas, conseguiu
carne para o churrasco, arroz, ovos, enfim um jantar gastronomicamente
equiparado ao do nosso amigo Jair da Buritizal.
12.11.2014 (quarta-feira)
– AC20 (KM 727 – Porto da Pousada do Vitão) – AC21 (KM 736 – Praia)
Saímos um pouco tarde da Pousada e ainda tínhamos uma
longa caminhada até o Rio. Partimos do Porto do Vitão (07°42’59,9”S /
60°55’14,6”O) juntos já que existiam muitas corredeiras pela frente.
A uns 700 metros resolvemos, por segurança, passar à
sirga sem grande problemas e continuamos colados à margem esquerda como
recomendara o Kleber, mais algumas corredeiras pequenas e de repente a temível
Cachoeira Samaúma acostamos e enquanto fui à frente verificar se era possível
transpô-la o Cel Angonese achou a entrada da trilha de 250m que a desbordava. A
Samaúma podia ser transposta a remo mas não com os nossos caíques oceânicos.
Transportamos todo o material para uma agradável praia
à jusante de uma pequena Capela que os ribeirinhos veneram. No jardim uma
grande cruz de metal com a inscrição “Semaúma”,
e na capela, diversas muletas, pernas e braços de madeira, fotos, roupas e
outros objetos ofertados por crentes agradecidos. O Kleber havia-nos dito que “Semaúma” fora uma menina que morreu, há
muitos anos, afogada nas águas da Cachoeira Samaúma e foi enterrada ali mesmo
onde hoje é o jardim da atual Capela que mais tarde foi construída em sua
homenagem. “Semaúma”, desde então,
vem operando verdadeiros milagres.
Meus parceiros ficaram aguardando na praia enquanto eu
fui verificar se havia um local de passagem no Canal do Meio ou o Canal da
direita já que o Angonese constatara que o da esquerda era inviável para a
canoa. Aproei para montante direto para a Samaúma, eu tinha de atravessar o Rio
e não queria que a força de suas águas me desviasse para jusante. Aportei
próximo ao Canal do Meio em uma zona de águas calmas e atravessei um banco de
areia submerso para analisar o Canal. Tive de escalar diversas rochas para
conseguir uma visada mais adequada e por fim constatei que a transposição, por
ali, também era inviável.
Voltei ao caiaque e naveguei rumo à margem direita que
encontrei bloqueada por rochedos. Subi o Rio margeando até que avistei, depois
de uma estreita passagem, um Canal que descia sem muito estardalhaço o que
poderia significar uma boa alternativa para descermos. Aportei e novamente tive
de escalar os rochedos acompanhando toda a rota até chegar a um lugar de
remanso, encontrei, no caminho, uma isca artificial que entreguei ao Angonese,
havia algumas passagens mais estreitas mas contornáveis até chegar à última
abordagem que tinha duas opções, a da esquerda embora mais tranquila tinha à
sua frente um paredão que bloquearia perigosamente quem por ali adentrasse e a
da direita era mais estreita e de menor calado mas não tinha nenhum obstáculo à
sua frente – descidi que naquele ponto cruzaríamos pela direita.
Regressei, muito cansado, até a praia e informei a
meus companheiros o que tinha decidido. Carregamos os caiaques e a canoa e
partimos para a travessia do Canal da Direita. Na chegada confundi-me com uma
das entradas de acesso ao Canal mas voltei a tempo de orientar corretamente os
camaradas, o cansaço começava a prejudicar meu discernimento. Fomos
ultrapassando os obstáculos com sucesso até chegar ao último, antes do remanso.
Os camaradas estacionaram diante das duas opções à sua frente e embora eu já
tivesse decidido que a melhor era à da direita ultrapassei-os e enveredei pela
da esquerda. Passei tranquilamente pela estreita garganta mas depois fui
atirado pela torrente veloz contra o paredão de arenito, a proa chocou-se
violentamente contra as pedras e o caiaque adernou violentamente para a direita
e inclinou-se para a esquerda empurrando-me para baixo. Segurei-o firmemente, e
tentava evitar que ele soçobrasse, O Dr. Marc surgiu não sei de onde e me
ajudou a mantê-lo fora d’água, retirei a câmera fotográfica e entreguei-a ao
Dr. informando-lhe- que não conseguiríamos segurá-lo durante muito tempo e a
solução era empurrá-lo no sentido da corrente. Foi o que fizemos, agarrei-me a
Cabo Horn e fui conduzindo-o para uma área remansosa. Retirei a água do caiaque
enquanto recuperava o fôlego. A “portagem”,
os reconhecimentos e agora esse quase naufrágio, o segundo em mais de 40.000 km
de navegação em um caiaque Cabo Horn, tinham-me exaurido as poucas forças que
ainda me restavam. Naveguei até as rochas onde o Dr. Marc tinha deixado minha
câmera, havia perdido, nesta ocasião, meu boné e os mapas, continuamos nossa
emocionante jornada. As águas continuavam rápidas, as inúmeras Ilhas só perdiam
em beleza para as do Alto Rio Negro. Tivemos alguns sobressaltos aqui e ali mas
nada de muito sério.
Por fim o Angonese, que tinha uma 2ª via dos mapas,
optou por parar numa extensa faixa de areia (07°40’46,8”S / 60°53”16,9”O).
Coloquei meu material para secar e ajudei o Angonese catando lenha e na
proteção do fogo. Ouvíamos o ruído dos motores que passavam na BR-230 distante
apenas 1.300m de onde estávamos e, de repente, escutamos, pela primeira vez no
Rio Roosevelt, o bufo conhecido de um boto-vermelho
(Inia geoffrensis) macho. A presença de um boto em qualquer região é o
prenúncio de navegação tranquila à jusante. As cachoeiras são barreiras
geográficas que os botos não conseguem transpor, portanto, isso significava que
a partir dali até o Rio Madeira não existia nenhum obstáculo significativo à
navegação.
À título de ilustração gostaria de citar o caso do Rio
Madeira, onde existem duas espécies de botos-vermelhos que estão separadas por estas
barreiras geográficas. No Alto Madeira, existem 16 cachoeiras que separam duas
espécies distintas – a Inia boliviensis “endêmica”
da região acima das cachoeiras, e a Inia geoffrensis, abaixo delas.
Os Sistemas de Transposição de Peixes construídos nas
Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio levaram em conta esse fator impedindo,
como antes, que os botos, que vivem a jusante destes obstáculos naturais, possam
utilizar, agora, estes sistemas para subir o Rio, comprometendo todo o
ecossistema a montante das Hidrelétricas. Esta realidade poderá ser alterada
num futuro próximo quando a Hidrovia do Madeira for definitivamente implantada.
As eclusas vão permitir que os mamíferos aquáticos e outros peixes as usem para
alcançar áreas que antes a natureza se encarregara impedir. Percorrêramos 09km
de muitas emoções.
13.11.2014 (quinta-feira)
– AC21 (KM 736 – Praia) – AC22 (KM 765 – Pousada Amazon Roosevelt)
Último dia de navegação no Roosevelt foram 21 dias de
muita emoção, aprendizado e camaradagem, com uma breve interrupção de dois dias
entre a 1ª e 2ª Fase, totalizando 23 dias. Cada remada fazia-me recordar a
determinação e coragem de um veterano que do alto de seus 68 anos abandonou o
conforto e a tranquilidade da longínqua Califórnia para se aventurar nos ermos
sem fim de um Rio tumultuário, inóspito por vezes, mas pleno de vida e de uma
beleza sem par. Rarefeito em termos de população mas não de hospitalidade,
encontramos em cada lar, em cada parada uma mão estendida pronta para dividir o
pouco que tinham. A cordialidade típica do ribeirinho sempre me encantou em
cada uma de minhas amazônicas jornadas e continua me maravilhando. A coragem
desses homens e mulheres capazes de sobreviver com tão pouco esbanjando tanta
alegria e afetividade.
Tenho certeza de que este velho Mestre brasileiro de
coração e americano por adoção guardará eternamente com muito carinho a
odisséia que cumpriu com a fibra e determinação inquebrantável de um guerreiro
Mundurucu de outrora e a serenidade ancestral dos Lamas tibetanos.
Obrigado, mais uma vez, Dr. Marc pelo convite. Como
disse antes mais uma convocação do que um chamado, foi um privilégio participar
com o amigo desta épica jornada.
O Angonese, velho amigo, companheiro de outras
jornadas, não me surpreendeu, apenas confirmou ser um militar de escol,
competente como “Jungle Expert” e
remador audaz. Parceiro para todas as missões, não mediu esforços para que
conseguíssemos abreviar o tempo de deslocamento e nos tranquilizasse quanto à
segurança e destreza que imprimia na condução da pesada e pouco manobrável
canoa. O Angonese permitiu que variássemos nosso cardápio da ração americana
liofilizada trazida pelo Dr. Marc, com saborosos carreteiros e, principalmente,
no Médio e Baixo Roosevelt, com peixes pescados e assados por ele próprio.
Nas proximidades da Confluência do Aripuanã
encontramos alguns pescadores, que estavam hospedados na Pousada Amazon
Roosevelt, que nos presentearam com refrigerantes gelados – muito bem vindos.
Aportamos no píer da Pousada depois de percorremos 29 km.
Nesta pousada, diferente da anterior, o gerente foi
bastante solicito e embora estivesse com a lotação esgotada permitiu que
acampássemos nas suas instalações e desfrutássemos das comodidades das
instalações sanitárias, área de lazer e refeições junto com os demais hóspedes.
O Dr. Marc, o Cel Angonese e o Jeffrey foram até a
Balsa (Vila do Carmo), Rio Abaixo, combinar com o “Pelado” nossa viagem de camionete até Humaitá onde estaria
esperando-nos o Sgt BM Douglas para conduzir-nos até Vilhena. Preferi relaxar e
permanecer na área de lazer da pousada, minha missão, finalmente, estava
concluída. Nas minhas outras descidas a programação geral, as metas diárias
enfim todas as variáveis eram decididas apenas por mim. Nesta missão o Dr. Marc
era o coordenador e eu tentei me ater tão somente à segurança no deslocamento,
escolha dos acampamentos e contatos prévios para transposição das cachoeiras. É
difícil, para alguém acostumado a liderar, transformar-se, de uma hora para
outra, em apenas mais um membro da equipe, tentei cumprir meu papel, por vezes
bufei, mas acho que no final conseguimos chegar a um consenso. Agradeço aos
meus parceiros a compreensão e a paciência.
Minha intransigência quanto aos horários e distâncias
diárias a serem percorridas visava tão somente acelerar nossa progressão o
suficiente para que, ao enfrentar as grandes Cachoeiras como Carapanã, Apuí e
Samaúma tivéssemos tempo suficiente para analisá-las e transpô-las, sem
necessitar de socorro de terceiros, desfrutando das sua belezas naturais e
curtindo seus desafios.
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