Vilhena, RO – Ponte Tenente Marques
Para os garimpeiros que tentam ludibriar os índios
(leia-se também empresas e mafiosos atuando por trás), fugindo ou escondendo
minérios por resistência à comissão, que varia entre dez e trinta por cento, o
perigo é o mesmo. Muitos foram torturados e assassinados sem que se tenha mais
notícia. Para os mais audaciosos, que tentam entrar pela mata para garimpar sem
prévio “acordo” com os índios, o destino é o cemitério clandestino, em geral,
em local de dificílimo acesso e desconhecido de quem não pertence à tribo.
(Wilson de Carvalho)
Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 27 de
novembro de 2014.
Fui recebido no aeroporto de Vilhena, no dia
18.10.2014, sábado, pelo Dr. Marc André Meyers e pelo Sr. Luíz Quijada, esposo
da Srª. Maria Ângela Elias, que nos conduziu em sua camionete até o Hotel
Colorado onde já estavam hospedados os demais membros da Expedição.
A Srª Ângela tinha sido indicada
pelo meu caro amigo e irmão de coração Coronel de Engenharia Carlos Alfredo Maiolino
de Mendonça. O então 1° Tenente Maiolino conheceu-a, nos idos de 1978 a 1980,
quando servia no 5° BEC e comandava a Residência Especial de Vilhena
responsável pela construção de um trecho de 300km da BR-364 entre Pimenta Bueno
e Barracão Queimado.
Conheci, no Hotel Colorado o Jeffrey Lehmann,
apresentador de TV e produtor do programa “Weekend
Explorer”. O Jeffrey e o Coronel Inf R/1 Ivan Carlos Gindri Angonese seriam
os responsáveis por conduzir a canoa desmontável que o Dr. Marc trouxera dos
EUA e transportar nela grande parte da bagagem de rancho enquanto eu e o Dr.
Marc pilotaríamos os caíques oceânicos (Cabo Horn) da Opium Fiberglass que
ostentavam as cores da bandeira brasileira.
20.10.2014 – Entrevista na
SEMTIC
O Dr. Marc já havia agendado com a Srtª Rita Marta
Correia, Chefe do cerimonial da Prefeitura de Vilhena, uma entrevista à
imprensa que repercutiu favoravelmente nossa empreitada.
CEM ANOS
DEPOIS, EXPEDIÇÃO IRÁ REFAZER O TRAJETO DE RONDON E ROOSEVELT (20.10.2014)
Um grupo de quatro pessoas pretende refazer pelo Rio
Roosevelt o trecho percorrido em 1914 pelo Marechal Cândido Rondon e pelo então
ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt, viajaram de canoa cerca
de 700 km pelas águas. Na época, o rio que hoje leva o nome do líder americano
ainda era desconhecido. (folhadosulonline.com.br)
PESQUISADORES
REALIZARÃO EXPEDIÇÃO EM HOMENAGEM AOS 100 ANOS DA EXPEDIÇÃO ROOSEVELT – RONDON
(20.10.2014)
Logo após a expedição, será produzido um documentário
contando as experiências vividas pelos ousados pesquisadores. A coletiva de
imprensa aconteceu na manhã desta segunda-feira, 20, na Secretaria Municipal de
Turismo, Indústria e Comércio (SEMTIC), localizado no Centro da cidade de
Vilhena. (Jesica Labajos)
CENTENÁRIO:
AVENTUREIROS VÃO REFAZER EXPEDIÇÃO RONDON-ROOSEVELT (20.10.2014)
O percurso será feito em 21 dias, 38 há menos que
Roosevelt. Durante 21 dias, os aventureiros brasileiros Marc André Meyers,
Hiram Reis e Silva, Ivan Carlos Gingri Angonese e o norte-americano Jeffrey
Lehmann vão percorrer de caiaque o Rio Roosevelt que tem sua nascente em
Rondônia até o ponto onde deságua no Rio Aripuanã, no Amazonas. (Vilhetaço)
EXPEDIÇÃO AO
RIO ROOSEVELT PARTE NESTA TERÇA-FEIRA (21.10.2014)
Teve início nesta terça-feira a expedição do grupo de
cientistas e pesquisadores americanos e brasileiros que irá percorrer os mais
de 700 quilômetros do Rio Roosevelt, tendo como ponto de partida a Fazenda
Baliza, localizada entre os municípios de Pimenta Bueno e Cacoal. (SEMCOM –
rondoniadigital.com)
COM APOIO DA
PREFEITURA, EXPEDIÇÃO AO RIO ROOSEVELT PARTE NESTA TERÇA-FEIRA (21.10.2014)
Teve início nesta terça-feira a expedição do grupo de
cientistas e pesquisadores americanos e brasileiros que irá percorrer os mais
de 700 quilômetros do Rio Roosevelt, tendo como ponto de partida a Fazenda
Baliza, localizada entre os municípios de Pimenta Bueno e Cacoal. (SEMCOM –
rondoniaempauta.com.br)
PESQUISADORES
VÃO PERCORRER ROTEIRO DA EXPEDIÇÃO ROOSEVELT-RONDON (21.10.2014)
Quatro pesquisadores vão realizar, a partir desta
terça-feira, 21, uma expedição em homenagem aos 100 anos da Expedição
Científica Roosevelt-Rondon realizada pelo ex-presidente dos Estados Unidos,
Theodore Roosevelt, comandada pelo Marechal Cândido Rondon, em 1914.
(www.onortao.com.br)
PESQUISADORES
VÃO PERCORRER ROTEIRO DA EXPEDIÇÃO ROOSEVELT-RONDON (21.10.2014)
Quatro pesquisadores vão realizar, a partir desta
terça-feira, 21, uma Expedição em homenagem aos 100 anos da Expedição
Científica Roosevelt-Rondon realizada pelo ex-presidente dos Estados Unidos,
Theodore Roosevelt e comandada pelo Marechal Cândido Rondon, em 1914.
(www.rondoniagora.com)
PESQUISADORES
REFAZEM TRAJETO FEITO POR ROOSEVELT E RONDON HÁ 100 ANOS (25.10.2014)
Expedição iniciou na terça, 21, na nascente do
Roosevelt, em Vilhena, RO. Objetivo é ver o que mudou na região amazônica em
dez décadas. (Jonatas Boni e Lauane Sena – g1.globo.com)
PESQUISADORES
REFAZEM TRAJETO FEITO POR ROOSEVELT E RONDON HÁ 100 ANOS (25.10.2014)
Em homenagem aos 100 anos da Expedição Científica
Roosevelt – Rondon, quatro pesquisadores estão realizando o mesmo percurso
aquático onde no ano de 1914 passaram o ex-presidente americano Theodore
Roosevelt e o militar Marechal Cândido Rondon. Os dois percorreram a Amazônia
na época para poder desbravar terras, lançar linhas telegráficas e mapear a
região. (rondoniamanchete.com.br – Fonte G1)
Fomos recebidos pelo Secretário Estadual do Turismo,
Indústria e Comércio (SEMTIC), Dari Alves de Oliveira, que nos apresentou o
projeto do “Parque Recreativo Municipal”
antes denominado “Parque Rondon”. O
projeto prevê uma pista de caminhada, “play
ground”, academia de ginástica, área verde para lazer, banheiros,
lanchonetes, etc. O Parque será dotado de um lago de aproximadamente 4.000m²
abastecido por poço artesiano. Após a entrevista com a mídia local fomos
visitar o antigo Posto Telegráfico Álvaro
Vilhena que é agora conhecido como a Casa de Rondon. A área está tombada
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e é patrimônio do
Ministério da Defesa.
Álvaro Coutinho
de Melo Vilhena: os Campos Gerais ou Chapadão dos Parecis passaram a ser
conhecidos como Vilhena, a partir de 1910, após a Comissão chefiada pelo então
Tenente-Coronel Cândido Mariano da Silva Rondon, ter construído na região um Posto
Telegráfico, que fazia parte da linha Cuiabá-Santo Antônio do Alto Madeira. A
linha que ligaria Cuiabá a Porto Velho permitiria a construção de milhares de
quilômetros de cabos telegráficos, fazendo surgir Vilas em torno dos Postos.
Rondon batizou a estação telegráfica, com o nome de Álvaro Vilhena em homenagem
ao engenheiro maranhense Álvaro Coutinho de Melo Vilhena, que nos idos de 1890,
fora designado Engenheiro Chefe da Organização da Carta Telegráfica da
República e, em 1900, Diretor Geral dos Telégrafos. A estação telegráfica foi
transferida em 12.10.1910, para novas instalações, na casa atualmente conhecida
por “Casa de Rondon”. (Hiram Reis)
21.10.2014 – Rumo à Fazenda
Baliza (Acampamento 01 – AC01)
Partimos depois das 08h00 para a Fazenda Baliza e meia
hora depois de partirmos a camionete locada pelo Dr. Marc começou a apresentar
problemas mecânicos. O reboque carregado com a canoa, os dois caiaques e toda a
bagagem foi atrelado, então, à camionete de Guilherme e Dariano que felizmente
acompanhavam-nos e sem o apoio dos quais teríamos, fatalmente, de adiar nossa
partida. Paramos em um posto de combustível e o 3° Sgt BM Douglas Matias da
Silva Ferreira sanou o problema da camionete do Naif. O Dr. Marc fez questão de
passar pela casa do Sr. Grilo embora este pouco tenha acrescentado ao que já
sabíamos. O Grilo afirmou, porém, que existiam à montante do local onde
acamparíamos vestígios de uma Ponte de madeira que poderia ser a construída, em
1909, pela Comissão Construtora de Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao
Amazonas comandada por Rondon.
Descarregamos as embarcações e a carga e, enquanto
meus parceiros montavam o Acampamento 01 (AC01 – 12°01’41,47”S /
60°22’40,51”O), naveguei Rio acima na tentativa de achar a tal ponte e, depois
de remar 06km até a Latitude de 12°04’, não avistei qualquer sinal da Ponte de
Rondon. A largura do Rio, naquela Latitude variava de 08 a 10m, os barrancos
eram baixos e não eram compatíveis com a construção de uma ponte de 20m de
extensão.
Considerando que cada minuto da Latitude corresponde
aproximadamente a 1.800m tenho certeza de que a Comissão chefiada por Rondon
não cometeria um erro de tal magnitude. A Comissão estabelecera para sua
partida a Latitude Sul de 12°01’, portanto à jusante do AC01 e eu reconhecera o
curso d’água até três minutos acima, aproximadamente, 5.400m na direção geral
Norte.
Historicamente os erros de locação jamais chegaram à
casa dos minutos. A título de exemplo cito a Latitude encontrada pela Expedição
original para a Confluência do Rio Roosevelt com o Rio Capitão Cardoso que foi
de 10°59’00,3”S e que nós estabelecemos como sendo 10°59’20,8”S, um erro de
pouco mais de 20” perfeitamente aceitável para os rudimentares equipamentos de
que dispunha a Comissão.
Na minha solitária investigação avistei inúmeras
árvores caídas que agora na estiagem obstaculizavam a progressão exigindo do
argonauta muita atenção e habilidade. A Expedição original descera na cheia o
que facilitou sobremaneira a passagem pela parte mais estreita do Rio, como
relatou Rondon:
Era tão grande a enchente, que a correnteza molhava a
parte inferior do tabuleiro da ponte
aí existente. Isso tinha a vantagem de imergir os obstáculos, inclusive árvores
caídas. Na estiagem estariam, certamente, à tona. (VIVEIROS)
22.10.2014 – Fazenda Baliza
(AC01) – AC02
Partimos da Fazenda Baliza-AC01 depois das 08h00,
muitas árvores caídas, dificultavam a navegação e tive de socorrer o Dr. Marc
que, apesar de sofrer dois naufrágios, manteve, em cada oportunidade, uma
notável tranquilidade para um neófito canoeiro. O Coronel Angonese e o Jeffrey
(a quem chamaremos, doravante, de camaradas) enfrentaram com galhardia as
barreiras formadas pelos troncos manejando com certa dificuldade a frágil e
carregada canoa. As buritiranas
(Mauritiella aculeata) que Roosevelt observara na sua saga há cem anos ali
estavam representadas por suas descendentes com seus troncos, cobertos de
espinhos, graciosamente curvados sobre as águas e que ele erroneamente chamara
de “boritana”.
O debrum (a
orla) de árvores curvadas ou caídas era constituído das espinhosas palmeiras “boritana”,
de hastes delgadas e que gostam da água, muitas vezes ainda viçosas e em pleno
vigor, embora mergulhadas no Rio com estípites encurvados para cima e as
frondes agitadas pela rápida correnteza. (ROOSEVELT)
A navegabilidade melhorou sensivelmente depois da
confluência com o Rio Festa da Bandeira, as águas estavam mais serenas e a
largura do Rio não permitia que as árvores tombadas bloqueassem-no em toda
amplitude. A progressão tornou-se mais fácil, mas não mais veloz já que a vazão
permanecia praticamente a mesma. O acréscimo do fluxo das águas do afluente era
neutralizado pela maior largura do Rio. Diferente da Expedição original
observamos, desde a partida, urubus planando sobre o verde dossel que nos
circundava. Cherrie avistou-os somente no dia 28.03.1914, o 30° dia deles no
Rio da Dúvida nas proximidades da Foz do Rio Cherrie:
Avistei dois ou três urubus voando alto sobre
floresta. Como eles não são aves de ambiente florestal acho que podemos estar
nos aproximando de uma região mais aberta, possivelmente um Chapadão.
Atualmente estamos cortando nosso caminho através de uma Cadeia de montanhas.
(CHERRIE)
A mudança geográfica destes catartídeos ocorreu,
logicamente, em função das áreas desmatadas a cavaleiro do Rio Roosevelt
destinadas à criação de gado ou ao desmatamento desenfreado que grassa na Terra
Indígena (TI) dos Cinta-larga.
A partir da Latitude Sul 11°55’20” encontramos alguns
“furos”, “arrombados” e “sacados”.
Aportamos em uma praia nas proximidades de um arrombado para analisá-lo onde
colhi excrementos de capivara para serem lançados ao fogo com o intuito de
espantar mosquitos. Comprovei, à noite, que, diferente dos dejetos bovinos, as
fezes de capivara não repeliam absolutamente os insetos.
Furos: são
canais que unem trechos sinuosos do mesmo Rio encurtando distâncias. (Hiram
Reis)
Arrombados:
são uma evolução dos furos que com o passar dos anos acabam se transformando no
novo leito do Rio. (Hiram Reis)
Sacados:
são lagos, geralmente em forma de ferradura, formados depois do “furo” se transformar em “arrombado” e consequente assoreamento
das bocas de montante e jusante do antigo leito do Rio. (Hiram Reis)
Avistamos, à tarde, depois de haver percorrido 24,5km,
uma praia de areias muito alvas (AC02 – 11°54’44,45”S / 60°22’27,95”O), à
margem esquerda, onde resolvemos montar acampamento. As diversas pegadas e
dejetos revelavam que o local era frequentado por um bando de capivaras.
Enquanto o Coronel Angonese providenciava o fogo e o Dr. Marc e Jeffrey
buscavam lenha fui cortar uns esteios para fixar a lona sobre o fogo. O Coronel
Angonese conseguiu convencer nossos parceiros que o item mais importante em um
acampamento era o fogo e que era preciso providenciar, de imediato, uma proteção
para ele em caso de chuva. Além dos esteios encontrei, por acaso, uma
quantidade considerável de uma espécie muito valorizada na Amazônia chamada Breu-branco (Protium heptaphyllum) e de
uma delas colhi abundante resina que seria usada pelo Coronel Angonese, durante
toda a nossa jornada como mais um elemento inicializador do fogo. Imediatamente
veio-me à mente uma passagem do livro “Voyage
au Cuminá” da Madame Marie Octavie Coudreau:
Vou com Guilhermo e dois marinheiros procurar breu e
tivemos a sorte de encontrar imediatamente muito mais do que precisávamos. As árvores da cera (breu) vivem aqui em
família, conto 10 pés no meu entorno e Guilhermo me disse que se fôssemos mais
para dentro da mata iríamos encontrar mais. Enchi dois baldes, o suficiente para
calafetar nossa brava canoa. A “Joaninha”
fica perfumada com o cheiro doce e agradável desta cera vegetal. (COUDREAU)
Breu-branco
(Protium heptaphyllum): o breu-branco produz uma resina depois de ser
estimulado pela larva de um inseto da família Curculionidae, que deposita suas
larvas sob a casca da árvore e ali permanecem até a idade adulta. No início a
resina tem cor branca e brilhante e com o passar do tempo solidifica-se,
assumindo uma cor esbranquiçada e cinzenta, ou cinza-esverdeada, quebradiça e
inflamável. A resina é coletada manualmente e sua cor, consistência e aroma
variam muito de acordo com a espécie. A resina é utilizada na medicina e na
fabricação de cosméticos e perfumes:
Calafetagem: faz-se pequenos cortes
(sangria) na casca da árvore de onde brota um líquido que depois de seco se
transforma numa massa flexível de cor branco-amarelada. Essa massa é empregada
na calafetagem de embarcações depois de aquecida e misturada com azeite ou
sebo.
Cosméticos: é empregada na
fabricação de produtos de higiene, cosméticos e perfumes.
Essência: das folhas desta são
empregadas na fabricação de pós aromáticos e saches.
Insetífugo: a resina é usada como
repelente de insetos.
Medicinal: estudos recentes com o
óleo da resina comprovaram sua eficácia terapêutica, demonstrando atividades
anti-inflamatória, anticonceptiva e antineoplásica.
Antineoplásica: medicamentos utilizado
para destruir células malignas evitando ou inibindo o crescimento e a
disseminação de tumores.
A resina possui potente atividade analgésica. A casca é utilizada no
tratamento de úlceras gangrenosas e em banhos para acalmar a dor de cabeça. Do
caule prepara-se um xarope para o tratamento de tosses, bronquites e
coqueluches. As folhas são, também, empregadas contra as úlceras gangrenosas e
inflamações em geral.
23.10.2014 – AC02 – AC03
(Montante do Salto Navaité)
A alvorada, novamente, foi pelas 05h00 e, enquanto o
Dr. Marc encarregava-se de avivar o fogo para o café da manhã, os outros
membros da Expedição desmontavam o acampamento e carregavam as embarcações. Nas
minhas amazônicas jornadas, eu seguia uma rígida e espartana rotina, deixando
para trás as comodidades da civilização e partindo sempre antes do alvorecer e
em jejum. Tive, porém, muito a contragosto, de me adaptar à ritualística rotina
americana de tomar desjejum, conversar preguiçosamente em volta do fogo e
partir somente por volta das 08h00. Minha conduta prussiana sucumbia à maneira
americana. Este conforto cobrava, porém, um alto tributo aos expedicionários
que forçosamente teriam de enfrentar o causticante Sol da tarde, os ventos que
aumentam de intensidade com o passar das horas e as chuvas que
predominantemente surgem no período da tarde. O resultado desse imbróglio todo
é que nossa média horária não ultrapassava os risíveis 05km/h.
O dia transcorria sem maiores alterações até que
avistamos, depois de navegar uns 06km, o tabuleiro de uma rústica ponte de
madeira (11°52’59,3”S / 60°22’50,3”O) que atravessava o Rio, de margem a
margem, em direção à TI dos Cinta-larga. No acampamento encontramos apenas a
cozinheira, a gaúcha Dona Fátima, moradora de Espigão do Oeste, e natural de
Tenente Portela, RS, que deu de presente ao Coronel Angonese latas de sardinha
e minhocas.
À medida que avançávamos, o curso do Rio alternava-se
de trechos extremamente sinuosos para amplos estirões e curvas mais alongadas
aqui e acolá e, no final da jornada, alguns rápidos que transpúnhamos sem
maiores problemas.
À tarde, depois de uma série de rápidos, que
aumentaram sensivelmente a velocidade de deslocamento, começamos a ouvir o som
tonitruante do Salto Navaité. Tínhamos percorrido 37km, resolvi picar a voga,
deixando o Dr. Marc para trás, e ultrapassei a canoa pilotada pelos nossos
camaradas antes que eles se aproximassem demais da perigosa série de
corredeiras, cachoeiras e saltos. Passei por eles, pedi que aportassem e
aguardassem. Desembarquei logo à frente e fui verificar se era ou não
aconselhável continuar a navegação.
Voltei e informei aos camaradas e ao Dr. Marc que
precisávamos desembarcar e reconhecer até aonde teríamos de transportar, por
terra, as embarcações e a carga. Verificamos que teríamos transportar todo o
material por mais de 800m e o Coronel Angonese foi tentar conseguir algum tipo
de apoio na vizinhança realizando uma extenuante marcha enquanto retirávamos as
embarcações d’água e montávamos o acampamento (AC03 - 11°47’05,45”S /
60°27’31,29”O) na margem direita à montante do Salto Navaité. Ao retornar,
bastante cansado, o Coronel Angonese relatou-nos que a única fazenda na
redondeza estava localizada na margem oposta, decidimos, então, realizar o
transporte na manhã seguinte e acampar à jusante do Salto Navaité.
24.10.2014 – AC03 – AC04
(Jusante do Salto Navaité)
Iniciamos logo cedo o extenuante transporte de todo o
material para o acampamento à jusante do Salto Navaité. Existia uma trilha
relativamente recente que facilitou o transporte das embarcações, utilizando um
carrinho que o Dr. Marc trouxera dos EUA para esta finalidade. Como o trajeto
era muito longo, resolvi realizar o transporte em três etapas, assim recuperava
o fôlego após cada carregamento retornando sem carga até a etapa anterior até
chegar, por fim, ao local do acampamento.
Levamos a manhã inteira para transpor o acampamento de
montante para jusante. Depois do almoço, passamos a tarde reconhecendo e
fotografando o complexo de Navaité. O maior estreito ou angustura como diriam
os antigos de todo o Rio Roosevelt. O Rio cuja largura, à montante, variava de
20 a 30m passava agora por uma estreita fenda de menos de 02m de largura e como
sua vazão permanece praticamente idêntica à de montante isso indica que sua
seção transversal é provavelmente a mesma, isso quer dizer que a profundidade
neste local é muito grande, em torno de 15 a 20 metros.
Observando os grandes lajedos de arenito e
conglomerados friáveis eu identificava alguns deles onde Rondon, Roosevelt e
Cherrie tinham sido fotografados. A beleza agreste daquelas formações, o
medonho fragor do caudal confinado, de repente, em uma angustura tão incomum e as
águas tumultuárias e refulgentes emocionavam-me. Engarupado na anca da história
eu via ou sentia a presença daqueles personagens que a cem anos atrás
palmilharam aqueles sítios gravando indelevelmente sua passagem em cada um
deles.
25.10.2014 – AC04 (Jusante do
Salto Navaité) – Ponte Tenente Marques
Parti alguns minutos antes dos demais com o intuito de
visitar a fazenda que aparecia nitidamente à margem esquerda do Rio. Seu
gerente era um mineiro sisudo que morava sozinho naqueles ermos dos sem fim.
O Rio apresentava agora um traçado bastante suave,
pleno de estirões e enormes curvas. Estávamos próximos à ponte que dá acesso à
Aldeia Tenente Marques comandada pelo João “Brabo” quando aproximou-se numa voadeira o Sgt Douglas e um nativo.
Cumprimentamos efusivamente o amigo, mas estranhamos o fato dele estar tão
próximo à primeira ponte (km 100) e não na ponte do Km 124. O Douglas lá estava
quando foi informado que o João “Brabo” ia impedir-nos de prosseguir a partir
da 1° ponte. Mais adiante passou velozmente uma lancha com meia dúzia de índios
armados e carrancudos, tive um mau pressentimento.
João Brabo:
alguns repórteres resolveram chamá-lo de “Bravo”
mesmo que na porteira de acesso à sua aldeia esteja escrito em letras garrafais
‒ João Brabo. Ora o dicionário Michaelis diz que Bravo: é quem não teme
o perigo; denodado, intrépido, valente e Brabo: nocivo, prejudicial,
irado, brigador. Ora não consta que esse malfadado João tenha se destacado por
qualquer ato de bravura na sua famigerada existência, portanto á Brabo mesmo. (Hiram Reis)
Aportamos na margem esquerda, à montante da ponte
(11°38’32,52”S / 60°27’13,79”O), fora da Terra Indígena onde fomos informados pelo
Sgt BM Douglas e o Cabo BM Hiuri Marcel de Sousa Lopes que não poderíamos
continuar a partir daquele ponto. Logo depois do Sgt BM Douglas ter explicado a
situação comecei a descarregar o caiaque colocando as tralhas no reboque da
camionete dos bombeiros enquanto meus parceiros ainda imaginnavam que poderiam
convencer o tal João “Brabo” de nos deixar passar. Eu conhecia os antecedentes
do fanfarrão e sabia que ele não voltaria atrás.
De repente surge o tal João vestindo apenas um calção
e um cocar, na Ponte, seguido de
dois de seus asseclas e diversos adolescentes e crianças, entoando suas canções
tribais. O Sgt BM Douglas nos informara que quando adentrou na Aldeia dos
Cinta-larga o João e demais lideranças estavam participando, devidamente
paramentados com roupas de grife e tudo mais, de uma reunião.
Tão logo ele se aproximou de nós começou a falar,
intercalando em voz alta o português com sua língua nativa dizendo que
estávamos invadindo sua Terra. A pantomima durou alguns minutos e o líder
tribal parecia estar muito irritado com a nossa presença. Chegou a cogitar de
que poderia nos manter como reféns na Aldeia até que lhe fosse assegurada a
construção de uma nova ponte sobre o Roosevelt.
Podíamos perceber, nitidamente, que ao usar de
palavras mais chulas e ameaças mais violentas ele optava pela língua nativa
permitindo que seus seguidores admirassem sua “bravura”. Depois de
encerrar sua peça teatral ele foi amainando a linguagem e permitiu que
fotografássemos a ele e as crianças Cinta-largas. Terminamos o carregamento,
embarcamos na viatura do corpo de bombeiros e nos deslocamos para Vilhena onde
teríamos de refazer nosso planejamento descobrindo um novo ponto de partida à
jusante do Rio Cardoso já no Estado do Mato Grosso.
Deixávamos para trás, portanto, o trecho mais
preocupante de toda a jornada e onde a Expedição original mais penou. Tínhamos
percorrido apenas 100km do Rio Roosevelt.
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