De Volta à Realidade!
Hiram
Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 03 de abril de 2013.
O corpo exausto, o pensamento cansado, meu
raciocínio pedindo demissão e a insônia me fazendo de vítima mais uma noite.
Uma madrugada reticente, agoniada. As horas que passavam, pareciam não passar. (...)
Viajei pelo espaço sideral, visitei satélites, fui a lugares onde as palavras
não alcançam e até a lugares onde só a imaginação consegue ir. Solta como quem
possui asas. Sem termo, sem limite, tudo ao acaso e sem pretensão de volta à realidade. Sonho ou fantasia? Sei
eu! Aos poucos, as estrelas foram perdendo o brilho e sumindo do céu uma por
uma. A lua deu bom-dia ao sol enquanto dezenas de passarinhos alvoroçados
vieram até minha janela contar-me seus sonhos e avisar que mais um dia raiou.
Só então, depois de sonhar acordada, acordei sonhando. (Ismara Alice)
A
missão de reconhecimento do Juruá findou, a 17 de fevereiro, mas, só agora, me
sinto a vontade para arvorar remos. Cheguei à foz do Juruá 44 dias depois de
partir de Cruzeiro do Sul, AC, havíamos remado freneticamente durante 28 dias e
desfrutado do conforto das cidades de Ipixúna, Eirunepé, Itamarati, Cararuari e
Juruá, onde, graças às autoridades municipais e à Polícia Militar, pernoitamos
em hotéis durante 16 dias recuperando-nos do excessivo desgaste, coletando novas
informações e repercutindo-as. Conseguimos manter uma média diária de mais de 90 km , mas, a um alto custo,
perdi 12 quilos neste difícil percurso, perdendo mais de 0,4 quilos por dia de
remo em decorrência não só do esforço físico, mas, sobretudo, pela alimentação
inadequada e disenterias.
As
curtas passagens por Manaus, AM, Santarém, PA e Natal, RN, serviram para
trazer-me, progressivamente, de volta à realidade. Uma realidade mesclada de
alegrias e tristezas, de júbilo por ter conseguido, apesar das dificuldades
impostas pela logística, terreno, clima e condições meteorológicas, cumprir
todas as metas propostas no mais curto espaço de tempo e amargura de verificar
que alguns companheiros colocavam em cheque ou escarneciam do trabalho que havíamos
executado. Alegria por ter sido recepcionado em Tefé como um bandeirante do
século XXI, com direito à escolta fluvial, foguetório e banda de música,
alegria de encontrar na figura do Gen de Bda Paulo Sérgio, comandante da 16ª
Bda Sl, uma liderança atuante capaz de conduzir seus homens pelo exemplo e pelo
dinamismo como nossos grandes chefes militares do passado. Tristeza de
verificar, que em Manaus, a quantidade de representantes da imprensa era
muitíssimo maior do que o número de companheiros de arma presentes na nossa
chegada, considerando que a expedição era uma missão oficial do Comando Militar
da Amazônia. Alegria de ter sido recebido pelo 2° Grupamento de Engenharia,
Manaus, AM e pelo 8º BEC, Santarém, PA, com a cordialidade e o carinho tão
característico dos discípulos de Vilagran. Alegria por reencontrar, em Porto Alegre , os
familiares, amigas e velhos amigos, mas, uma profunda tristeza por reencontrar
minha esposa encarcerada ao catre e presa a uma carcaça martirizada pela
enfermidade. Alegria de ser abraçado carinhosamente por meus ex-alunos e
tristeza em verificar que o valor do contra-cheque continua sendo muito
inferior às despesas mensais.
- Chegada em Porto Alegre, RS (24.03.2013)
Pousamos, no Aeroporto Salgado
Filho, pontualmente à 09h35. Fiquei surpreso ao constatar que apenas a Rosângela
e sua mãe, D.a Maria (a mama de Bagé), e o Cel Angonese e esposa S.ra
Eliana lá estavam para me recepcionar, afinal eu estivera ausente por quase 4
meses. O fato de não encontrar nenhum familiar no aeroporto me entristeceu. O
Angonese convidou-nos para almoçar no Grelhatus, eu não podia declinar do
convite do caro parceiro, que nos acompanhara, a remo, no trecho da Foz do Breu
até Cruzeiro do Sul. Fomos até em casa, tomei um banho para espantar o sono,
passara a noite em claro e, pontualmente ao meio-dia, nos dirigimos ao
restaurante acompanhados da Vanessa e do João Paulo.
A Rosângela estacionou o carro numa
rua lateral onde encontramos o Coronel Regadas, achei estranha a coincidência e
só me dei conta de que havia uma “trama”
em andamento quando topei com o Coronel Araújo na função de Mestre de Cerimônias
na frente do Grelhatus. Havia duas enormes mesas reservadas para os familiares
e amigos mais diletos, a indignação de antes cedeu lugar a emoção que mexeu com
o coração e a alma deste velho soldado. Consegui manter heroicamente o
equilíbrio emocional até chegar o caro amigo Pastl, D.a Ana Claci e
seus filhos Guilherme e Emanuel que se recuperaram bravamente dos ferimentos
causados pelo incêndio da boate Kiss, de Santa Maria, RS. Não consegui conter a
emoção e chorei como criança.
De cada cidade do Juruá eu ligara
para saber notícias dos meninos e acompanhara a par e passo a evolução de seu
estado. Ter, agora, a oportunidade de abraçar meus ex-alunos e seus queridos
pais fez com que eu afrouxasse a couraça espartana que tenho carregado desde o
AVC de minha esposa. A Rosângela e o Araújo souberam guardar segredo, eu não
imaginara, jamais, tal surpresa.
- Tapajós
Estamos tentando viabilizar, para
setembro deste ano, o reconhecimento do Rio Purus para dar continuidade à
história do Acre tão vinculada aos Rios Purus e Juruá. Caso não se concretize
esta possibilidade vamos percorrer o Rio Tapajós, partindo de Santarém, a remo,
pela margem esquerda até Itaituba, de voadeira até Jacareacanga e daí descendo
pela margem direita, de caiaque, até Santarém.
- Livro do Juruá
Dois dias depois da chegada e de
tomadas algumas providências administrativas iniciamos o lançamento dos dados
coletados nos mapas que posteriormente entregaremos ao DNIT. O professor Sérgio
Pedrinho Minúscoli entregou-me o livro “Descendo
o Madeira” totalmente revisado fazendo-me abandonar os trabalhos do Juruá,
temporariamente, para finalizar a 4ª etapa do Projeto Desafiando o Rio-mar.
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