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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

S. Vitória do Palmar ‒ Ponta Santiago (VI Parte)

S. Vitória do Palmar ‒ Ponta Santiago (VI Parte)

Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 16 de fevereiro de 2015

O Novo Argonauta
(José Agostinho de Macedo)

Da praia Ocidental largando as velas
Foi, émula do Sol, a Nau triunfante,
Do Atlântico mar varrendo as ondas,
E com propício sopro a extrema ponta
Tocou do novo Mundo, ousando a ignota
Estrada cometer de um mar, que nunca
De Lenhos Europeus cortada fora.



S. Vitória do Palmar ‒ Arroio dos Afogados (04.01.2015)

Acordei cedo, chamei o Brizola, às 04h30, que me levou no seu táxi até o veleiro. Tive de tocar alvorada para acordar os preguiçosos marinheiros e partimos logo depois do desjejum. Nossa rota na margem Ocidental da Lagoa Mirim tinha sido predominantemente Sul, enfrentando vento de proa do mesmo quadrante e agora, na Oriental, nosso rumo seria Norte e os ventos vindos de SO nos empurrariam. Partimos, às 06h20, os ventos não chegavam, por enquanto, a prejudicar por demais a navegação já que não ultrapassavam os 10km/h. Navegamos com tranquilidade por uns 10 km quando o suporte do leme de meu caiaque quebrou. Telefonamos para o Coronel Pastl solicitando que ele soldasse um pino no suporte do leme do Hélio que quebrara na Baía Magra e, como sempre, nosso caro Comandante não sossegou enquanto não atingiu seu intento.

Embora o vento na alheta de bombordo ajudasse na progressão, as ondas de través mudavam a direção do caiaque obrigando-me a deslocar a empunhadura do remo para uma das extremidades, bem próximo das pás, forçando excessivamente os músculos para mantê-lo na rota. Naveguei assim por cinco quilômetros até o Arroio Curral d’Arroios (33°23’28,9”S / 53°26’11,8”O) onde eu e o Hélio amarramos o leme na popa do caiaque, infelizmente não deu resultado. Navegamos mais dez quilômetros até um enorme canal de irrigação (33°17’41,7”S / 53°27’43,0”O) onde aproveitamos para almoçar enquanto aguardávamos nossa equipe de apoio agora reforçada com a presença de um caro ex-aluno do CMPA o Eduardo Rocha Costa ‒ mais conhecido como “Duda”. Logo que o veleiro trouxe o suporte do leme o instalamos no caiaque e partimos rumo à Ponta dos Afogados. Os ventos começaram a mudar de direção e velocidade e quando chegamos na Ponta dos Afogados fomos até o veleiro para saber qual seria a conduta a partir dali. O veleiro contornaria a Ilha dos Afogados e faria uma aproximação frontal até a Foz do Arroio dos Afogados enquanto nós cortaríamos caminho passando entre a Ponta e a Ilha. Foi uma navegação cansativa enfrentando ventos de proa do quadrante Este com velocidades superiores aos 40 km/h e ondas frontais de mais de um metro que travavam nossa progressão.

Finalmente chegamos à margem onde consegui contatar o Coronel Pastl que nos forneceu as coordenadas da Foz do Arroio dos Afogados (33°07’46,8”S / 53°22’34,2”O) para onde nos deslocamos sem nenhuma pressa. Fizemos mais duas paradas antes de chegar, às 18h00 à Foz do Arroio onde aguardamos até às 18h55 a chegada do Zilda III. Conduzi os velejadores até uma curva segura e depois de cumprimentar nosso novo expedicionário, o “Duda”, naveguei pelo Arroio até ser barrado pela vegetação aquática. O Arroio é o mais formoso da margem Oriental e deve ser mais belo ainda durante a estiagem. Tínhamos remado 49 km.



Arroio dos Afogados ‒ Ponta do Santiago (05.01.2015)

O Antônio permaneceu a bordo do Zilda III e eu e o Hélio, seguimos nossa rotina e rumamos, depois de uma pequena parada, direto para a Ponta da Canoa onde aportei, pouco antes da Ponta, às 08h15, para documentar o local. Depois das fotos continuei minha rota ultrapassando a Ponta e segui direto para a margem oposta novamente enfrentando o vento na alheta de boreste e ondas igualmente de través. Chegamos às 10h30, e, depois de descansarmos um pouco, continuamos nossa jornada até as proximidades de um Canal de Irrigação onde paramos, às 12h00, para almoçar e contatar os velejadores. Avistamos o Zilda III e seguimos rumo Norte, enfrentando sempre ventos de proa a mais de 30 km/h.

Cheguei à Ponta de Santiago e o veleiro foi de precursor mostrando o caminho até um lugar, a Este da Ponta, perfeitamente abrigado chamado Caldeirinha (32°48’21,0”S / 53°06’32,0”O) indicado pelo Comodoro Roberto Borges Couto do Iate clube de Jaguarão. Ao contornar a Ponta enfrentei grandes ondas de través que ultrapassavam os 2 m de altura, felizmente eram ondas cheias e não estavam quebrando o que seria um complicador adicional. Foi uma prova que demandava apenas atenção, eu sabia que aquilo era um teste fácil para o excelente Cabo Horn, o único complicador era o cansaço imposto por uma jornada de mais de 59 km com ventos fortes de proa durante toda a rota. Aportamos na Caldeirinha, uma interessante e envolvente calmaria contrastava com a fúria dos ventos e ondas que eu acabara de enfrentar.

Depois da tempestade a bonança, por volta das 20h30, fomos brindados com um pôr do sol magnífico. As diáfanas nuvens, há mais de 10.000 m de altura, apresentavam uma sutil coloração que se refletia nas águas da Caldeirinha emprestando-lhe uma graça toda especial. Nossos caiaques flutuavam suavemente imersos neste quadro fantástico concebido pelo Senhor de Todos os Exércitos. Um brinde do Grande Arquiteto do Universo aos canoeiros que venceram, como os argonautas do passado, os desafios impostos pela natureza. Como diriam meus caros instrutores da Academia Militar da Agulhas Negras (AMAN) ‒ havíamos combatido um bom combate. Remáramos 59 km.



Fonte: MACEDO, José Agostinho de. O Novo Argonauta – Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do Conselho de Guerra, 1809.



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