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quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Farol da Ponta da Alegria ‒ Jaguarão (III Parte)

Farol da Ponta da Alegria ‒ Jaguarão (III Parte)

Hiram Reis e Silva (*), Bagé, RS, 09 de fevereiro de 2015

O Novo Argonauta
(José Agostinho de Macedo)

O convulso Baixel, de novo aos ares
As encruzadas ondas o vomitam:
Em hórrida peleja os Elementos
Em cada vaga a sepultura mostram. [...]
A terra não conhece, eis se lhe mostra
Boiando ao longe rápida canoa,
Que mal divisa o combalido Lenho,
Vem de voga arrancada ao frágil bordo.




Farol da Ponta Alegre ‒ Foz do Rio Jaguarão (29.12.2014)

Seguimos nossa espartana rotina e fomos brindados, às 06h30, com uma formidável aurora que uma ínvida e densa neblina, que se estendia por todo o horizonte, teimava, sem sucesso, ocultar. Avistamos ao longe nossos amigos velejadores, que pernoitaram na Foz do Arroio Bretanhas, mais de 12 milhas adiante do Farol, pois precisavam subir o Rio até a cidade que lhe empresta o nome e de lá o Coronel Pastl tomaria um ônibus que o levaria com seus netos até Porto Alegre de onde retornaria reembarcando no Zilda III em algum ponto do território uruguaio. Segundo a programação original os velejadores, comandantes Reynaldo di Benedetti e Norberto Weiberg desceriam o Rio Jaguarão e nos encontrariam em um local a combinar para o pernoite de 29.12.2014. Fizemos uma breve parada em um dos canais de irrigação e, mais adiante, depois de remar 23 km estacionamos, às 09h30, na Foz do Bretanhas atualmente rebaixado a um mero canal de irrigação. A ampla Foz do Bretanha contrasta com a paisagem ao redor sem qualquer atrativo especial.

Continuamos nossa viagem e, logo adiante, uma mata dos famigerados pinus (32°30’32,2”S / 52°59’13,9”O) se apresentou à SO do Bretanhas e 6 km avante aportamos, às 11h10, para o almoço, na Foz do Arroio Arrombados (32°32’24,8”S / 52°59’57,9”O). Consumi uma das rações doadas pelo Dr. Marc Meyers por ocasião de nossa jornada pelo Rio Roossevelt. As agitadas e exibidas gaivotas pareciam querer chamar a atenção sobre si mesmas e além do alarido, das radicais piruetas aéreas, volta e meia brigavam por um pequeno lambari abocanhado por uma delas. Um fleumático e imperturbável carcará (Caracara plancus) observava a movimentação das irrequietas aves, sob a sombra curiosa de um arbusto que lhe servia de guarda-sol, com uma serenidade de causar inveja a um Lorde britânico. Os troncos da pequena mata nativa arqueados na direção SE, à margem esquerda da Foz do Arroio Arrombados, denunciavam a predominância dos ventos NE que assolam a Lagoa Mirim. Infelizmente avistamos vestígios de pescadores irresponsáveis que deixaram para traz sacolas plásticas e garrafas pet.

Depois de deixarmos o Arroio Arrombados paramos, às 13h40, novamente para descansar na Ponta Negra (32°36’15,4’’S / 53°00’56.3’’O), na altura de um canal de irrigação. As águas tinham uma curiosa coloração negra provavelmente provocada por areias da mesma cor impregnadas por um material escuro semelhante ao betume. Fizemos nova parada na Ponta do Juncal, à margem direita do Arroio Juncal (32°38’32,4’’S / 53°05’16,8’’W), às 15h30. O Arroio não tinha nenhum atrativo especial ao contrário da Ponta cujas dunas e mata nativa lhe conferem um charme peculiar. O dia estava muito quente e tivemos de procurar as águas mais profundas do Juncal para achar águas mais frias. Esta era para ser a última parada antes da Foz do Jaguarão que ficava a dez quilômetros do Juncal. Este último tiro foi o mais cansativo de todos, passava das 16h00 e já estávamos remando há sete horas. Evitamos acompanhar a margem visando diminuir a distância até nosso objetivo e aproamos em direção à Foz do Jaguarão onde aportamos, por volta das 17h30, depois de percorrer 55 km. Imediatamente subi em uma das dunas mais altas da margem direita da Foz para tentar contatar os amigos que já deviam estar na cidade de Jaguarão, a Rosangela e meus familiares. Depois de várias tentativas consegui falar com o Coronel Pastl que me informou que o Comandante Norberto, por motivos particulares, precisou retornar à Canela. Nossa programação foi alterada abruptamente e em vez de partirmos, no dia seguinte, para o Sul precisávamos subir 26 km do Jaguarão até o Iate Clube local, o que representaria um dia adicional à nossa jornada que não estava absolutamente previsto.

Avistei, a uns 2,5 km da Foz, uma casa de bombeamento d’água onde poderíamos acantonar com certo conforto. Estava reconhecendo o local quando o Hélio sugeriu que continuássemos remando Rio acima até achar outro local para acamparmos. Tínhamos percorrido quase 58 km neste dia e remado durante nove horas, a experiência já tinha me mostrado, em diversas oportunidades, que um indivíduo extenuado está mais sujeito a tomar decisões erradas e foi justamente o que aconteceu. Logo após este canal de irrigação, onde eu pretendia acampar, deve-se procurar o talvegue do Rio à bombordo, margem uruguaia, e nós enveredamos pelo canal de boreste. O resultado final de todo deste imbróglio foi de que remamos inutilmente por 4,5 km Rio acima até que a vegetação aquática nos impediu de continuar, aportei e consultei o Coronel Pastl que nos cientificou do erro cometido, voltamos, então, à casa de bombeamento d’água onde deveríamos ter acampado desde o início. Percorremos, neste dia estafante de muito Sol, 67 km, uma jornada total de 11h00, sendo mais de nove horas a remo.

Foz do Rio Jaguarão ‒ Jaguarão (30.12.2014)

Seguindo o conselho do Coronel Pastl deixamos a Ilha da Barra à Boreste. Como não havia previsão de adentrarmos no Jaguarão eu não providenciara os mapas necessários e íamos seguindo instintivamente a nossa rota.

A cheia da Mirim havia transformado as margens do Jaguarão em uma enorme várzea onde a existência de algumas Ilhas só podia ser inferida graças ao tipo de vegetação. Na Volta do Sangão deixamos, felizmente, o “Zanjón de Mendes” (Canal de Mendes) à bombordo e mantivemos a rota no rumo NNO passando pela Ilha das Ovelhas (margem brasileira) e Volta do Potrero (margem uruguaia) mudando para o rumo SO na Volta do Negro Morto. O ponto de vista do cockpit do caiaque muitas vezes não permite que se tenha a noção exata da direção a ser seguida e foi o que aconteceu nas imediações da Ilha das Três Irmãs. Por telefone o Comodoro Roberto Borges Couto nos orientou e quando retomávamos a rota correta surgiu o canoísta Antônio Buzo que depois nos acompanharia da Ilha Grande do Taquari até a Ponta do Santiago, na margem Oriental da Lagoa Mirim.

Logo que ultrapassamos a Ilha do Bráulio avistamos, às 09h40, depois da Ilha do Cardoso e atrás da Ilha Santa Rita, as Charqueadas São Pedro e São Domingos. Seguimos viagem depois de fotografar as Charqueadas e adentramos no Iate Clube de Jaguarão, às 10h45. Depois de um banho, fomos almoçar na cidade e eu procurei uma pousada para descansar e atender às sugestões dos revisores da PUCRS em relação ao livro do Rio Negro tendo em vista que não tínhamos mais acesso à internet no veleiro. O Comandante Norberto levara, por engano, o modem do Comandante Reynaldo para Canela, RS. Instalado na pousada descobri que o cabo do meu computador tinha sido levado pelo Norberto, também, e a bateria do equipamento tinha uma autonomia de apenas quatro horas, tempo insuficiente para executar todas as minhas tarefas. Pedi socorro, novamente, ao Comodoro Roberto Borges Couto que depois de tentar obter o material em Jaguarão finalmente conseguiu achá-lo do outro lado da fronteira ‒ em Rio Branco, Uruguai. Trabalhei até as duas horas da manhã e às 04h30 estava indo até o Iate Clube de táxi para a nova jornada.



Fonte: MACEDO, José Agostinho de. O Novo Argonauta – Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do Conselho de Guerra, 1809.



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