Jaguarão ‒ Foz
do Rio Cebollati (IV Parte)
Hiram Reis e Silva (*), Porto
Alegre, RS, 18 de fevereiro de 2015.
O
Novo Argonauta
(José Agostinho de Macedo)
O
ligeiro Baixel já corta as ondas,
Um longo
e branco sulco atrás deixando,
Pôs no
escuto Ocidente a altiva proa. [...]
Este
Herói leva a paz, não leva estragos,
Vai
enxugar as lágrimas de tantos:
E no seu
coração conduz a Pátria
Das
almas nobres, nobre eletricismo,
Nome de
um Povo Rei, que ao Tibre outrora
Fez
curvar de respeito o turvo Oceano,
Da mortal
vida o círculo alargando
Ações
obrou, que a humanidade ilustram.
Jaguarão ‒ Ilha Grande do Taquari (31.12.2014)
Acordei cedo e fui de taxi até o Iate Clube de Jaguarão (ICJ) onde
encontrei os Comandantes Pastl e Reynaldo além de meu parceiro de canoagem o
Professor Hélio a postos no Zilda III. Atrelamos os caiaques ao veleiro, já
percorrêramos o Rio Jaguarão desde sua Foz até Jaguarão (26 km) e nossa meta
era Lagoa Mirim e não seus tributários. Tínhamos, novamente, a oportunidade de
desfrutar de um ponto de observação privilegiado não fosse a densa neblina que
tudo cobria e que só se dissipou depois de ultrapassarmos a Ilha do Cardoso. No
dia anterior eu tirara poucas fotos considerando que a bordo do veleiro teria
um melhor ângulo para isso, ledo engano, como diz o velho ditado: “nunca deixe para amanhã o que pode ser feito
hoje”. Pretendo voltar a Jaguarão para reparar essa falha. Guardaremos com
muito carinho a afável acolhida na cidade patrocinada pelo Comodoro Roberto
Borges Couto e suas orientações sempre corretas e oportunas a respeito dos melhores
locais de transposição e ancoragem na Lagoa Mirim, Rio Jaguarão e Canal São
Gonçalo.
Partimos depois das 07h30 devidamente orientados pelo GPS e pelos mapas fornecidos
pelo Comodoro Roberto Borges Couto onde estavam perfeitamente georeferenciados
os 66 espigões e os 5 guias corrente de pedra construídos em meados o século XX
com a finalidade de evitar o assoreamento do talvegue do Rio Jaguarão. Os molhes
atingiram seu objetivo tendo em vista de que a navegação do Rio Jaguarão só é
possível à jusante da Ponte Internacional Barão de Mauá, que une a cidade
brasileira de Jaguarão a Rio Branco, em território uruguaio, o que não acontece
a montante da ponte onde o assoreamento a impede. É importante navegar com
cautela pelo canal e, se possível, munir-se dos mapas disponibilizados pelo Comodoro
Couto do ICJ. Na época da cheia, como agora, os espigões ficam totalmente
submersos e não há qualquer tipo de sinalização.
Os Espigões e os Guias Corrente do Jaguarão
No relatório apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras
Públicas, General João de Mendonça Lima, em 1943, pelo Engenheiro Civil Frederico Cesar Burlamaqui são
apontadas as soluções para melhorar as condições de navegabilidade do Rio
Jaguarão:
Regulamento do Rio Jaguarão
O Rio Jaguarão, principal
tributário da Lagoa Mirim, e em cujas margens está situada a cidade de
Jaguarão, tem seu curso inferior, a jusante da ponte internacional Mauá,
sinuoso, e com pouco declive superficial, sendo navegável por embarcações com calado
máximo de 2,00 m, que, em águas médias e cheias conseguem chegar até o porto da
cidade mencionada.
Na ocasião da estiagem,
entretanto, que regularmente abrange os meses de janeiro a abril, ficam os
navios impossibilitados de acesso ao porto por diversos baixios que se
localizam desde o cais até a ilha do Bráulio.
Já em 1938, a Comissão de
Estudos e Obras da Lagoa Mirim fez estudos e elaborou um projeto para
melhoramento de tais trechos. No relatório apresentado por aquela Comissão
foram resumidas as principais causas de formação dos baixios, e preconizada a dragagem
como meio mais rápido para melhoramento, mencionando algumas obras fixas para
proteção do aterro e fechamento de derivações da corrente.
Em se tratando de um Rio
limítrofe, foi o projeto citado submetido à apreciação do Governo Uruguaio, sem
que até agora houvesse pronunciamento de sua parte.
Com intuito de melhorar as
condições de transporte de pedra para Santa Vitória do Palmar, foi dragado em
1940 o trecho de bancos, próximo à cidade, com uma profundidade de 1,70 m
reduzida ao zero hidrográfico.
Como não foi executado nenhum
dos enrocamentos preconizados no projeto para, proteção do recalque e barragem
de braços secundários, a formidável cheia de 1941, com o alagamento total das
margens, voltou a dificultar a sua navegação, em condições agora mais agravadas
com a fortíssima estiagem deste ano.
A concretização da
instabilidade de manutenção de um canal simplesmente dragado exige a realização
dos trabalhos de implantação de obras fixas. A ação reguladora de tais obras,
que seria lenta, em vista das épocas de diminuta declividade superficial do Rio,
será acelerada por dragagem do talvegue projetado, e o recalque do material
dragado, ao abrigo de tais obras, contribuirá para sua enérgica ação
beneficiadora. [...]
Ainda durante a primeira
fase da construção, iniciar-se-á a dragagem pelo eixo do canal projetado,
recalcando-se o material dragado para trechos compreendidos entre os espigões e
assim, no espaçamento médio dos espigões construídos, já assoreado também por
sua ação, serão construídos com economia os espigões do segundo grupo.
Os espigões, são obras
transversais que, partindo de uma margem, avança, sobre o leito até a nova
linha de margem projetada. [...]
Antes de serem apreciados os
detalhes de implantação das obras fixas, observam-se algumas considerações de
caráter geral, que servirão de normas à construção dos espigões e diques
longitudinais.
1) Nas margens côncavas, empregam-se de
preferência os espigões, apenas construindo diques longitudinais quando houver
necessidade de proteger a margem contra a ação da corrente. No barramento de
braços secundários preconizam-se os diques.
2) Nas margens convexas, quando houver
necessidade de implantar obras, com finalidade de forçar a corrente, e o Rio a
procurar novo talvegue, serão empregados sempre espigões.
3) O coroamento dos espigões horizontais é
feito na cota de + 1,00 m (águas médias) e os dos diques longitudinais também é
feito nessa cota nos pontos de maior curvatura; nas inflexões, coincide com a
margem (se esta tiver menor altura que a cota mencionada).
4) Na barragem de braços, os diques serão
horizontais e rematados na altura de + 1,00 m .
O espaçamento médio adotado
para os espigões é aproximadamente igual ao seu comprimento. [...]
Assim, em média, a
inclinação dos espigões é 75° para os da margem côncava e 85°, para os da
convexa.
Quanto ao perfil
longitudinal, foram projetados espigões horizontais que serão banhados, isto é,
terão coroamento ao nível das águas médias (+ 1,00 m). Terão os espigões
largura na crista de 1,5 m e taludes de: montante ‒ 1/1 e jusante ‒ 1/2. Sua
estrutura, inicialmente permeável, será constituída por matacões de pedra de peso
médio de 30 kg. [...]
Terminando o projeto, foi
localizada uma série de espigões na parte superior da ilha do Bráulio com a
finalidade de, juntamente com o guia corrente fronteiro, melhor orientar a
corrente e diminuir a secção transversal.
São esses os trabalhos
necessários para assegurar ao Rio Jaguarão uma navegação sem interrupção,
durante todas as épocas do ano.
O aprofundamento por
dragagem de pequeno trecho de sua Barra na Lagoa Mirim seria, se bem que
atualmente esta permita a navegação de embarcação de 2,00 m de calado, um
trabalho complementar interessante, já que obras vultosas serão executadas em
sua proximidade. (BURLAMAQUI)
No relatório apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras
Públicas, General João de Mendonça Lima, em 1944, pelo Engenheiro Civil Hildebrando de Araujo Góes são listadas
as obras realizadas no Rio Jaguarão:
Melhoramentos no Rio Jaguarão – No ano em relato prosseguiram com regularidade e
construção das obras situadas na margem brasileira do Rio Jaguarão tendo em
vista o melhoramento da navegabilidade em época de estiagem.
Com esse fim foi derrocada
uma faixa ao longo da murada do cais acostável, cuja sapata de fundação, em mau
estado de conservação, foi necessário refazer em grande parte. As obras de
regularização consistiram na continuação da construção dos espigões de
enrocamento cuja pedra vem sendo extraída da pedreira local. [...]
Sylvio Lopes do Couto e Raul
Ferreira da Silva Santos, a fim de terem o necessário entendimento com as
autoridades da República do Uruguai, para a regularização do Rio Jaguarão na
margem uruguaia. Do resultado, dessa missão foram apresentados relatório e ata
lavrada pelas representações de ambos os países. (GÓES)
A Ata referente à reunião preliminar, mencionada no relatório de 1944, realizada
entre autoridades brasileiras e uruguaias na cidade de Montevidéu em 25.09.1944 foi aprovada pelo Presidente Eurico
Gaspar Dutra através do Decreto N° 28.009, de 19.04.1950:
Em Montevidéu, República
Oriental do Uruguai, reuniram-se na Direção de Hidrografia do Ministério de
Obras Públicas no período compreendido entre os dias 26 e 29.09.1944, os
senhores engenheiros: Silvio Lopes do Couto e Raul Ferreira da Silva Santos
como representantes do Ministério da Viação e Obras Públicas da República dos
Estados Unidos do Brasil e os senhores engenheiros Don José L. Buzzetti, Don
Guilhermo Rondini e Tenente reformado Don Homero Martínez Monteiro como
representante do Ministério de Obras Públicas da República Oriental del Uruguay
[...]
I. Problemas Técnicos
1) Construção de obras de regularização do
curso e dragagem do Rio Jaguarão. [...]
III. Assuntos Legais e
Administrativos [...]
Nesta altura da reunião, os
representantes brasileiros fazem saber que o Departamento Nacional de Portos,
Rios e Canais, do Ministério da Viação e Obras Públicas, já efetuou um estudo
completo referente às obras de regularização do curso e linha de navegação do Rio
Jaguarão, concretizados em plantas e memória descritiva que exibiram. Que,
parte das referidas obras (derrocamento e espigões até o vértice V) do projeto
apresentado acham-se já construídos, e que seria interessante e de bom
resultado prático para o prosseguimento das obras, construir os espigões da
margem uruguaia, frente à ilha do Jacinto, indicados na planta respectiva.
Com a tal finalidade e para
se dar rápido andamento a este assunto, as autoridades brasileiras poderiam
fornecer gratuitamente a pedra necessária, a qual seria transportada aos pontos
de aplicação por embarcações brasileiras.
As autoridades uruguaias,
por sua vez, tomariam a seu cargo a execução dos levantamentos técnicos
necessários, e contribuíram com a mão de obra para a construção dos espigões, e
o empréstimo de caminhões a serem utilizados no transporte da pedra de uso
comum desde a pedreira ao ponto de embarque. [...]
Relatório apresentado ao Exmo. Sr.
Ministro da Viação e Obras Públicas, Coronel Edmundo Macedo Soares e Silva, em 1945, pelo Engenheiro Civil Clóvis de
Macedo Cortes:
b) Melhoramentos do Rio Jaguarão – Os serviços prosseguiram sem
acidentes, com pequenas interrupções normais a essa espécie de trabalho, tendo
sido executada, de acordo com o projeto, a construção dos espigões situados na
margem brasileira. Os resultados obtidos têm sido periodicamente controlados
pelos perfis transversais nas seções de estudo, verificando-se, apesar do Rio
continuar em regime anormal, consequente da estiagem prolongada, que as
alterações havidas têm sido as mais auspiciosas, realizando-se o aprofundamento
do canal de navegação.
Os trabalhos realizados em
1945 podem ser assim resumidos: construção dos espigões n° 8, 9 e 10, e
prolongamento dos espigões n° 3 e 4, do projeto, onde foram empregados
1.811,000 metros cúbico de pedra; dragagem do Canal da “Coronilha”, de acesso aos cais de Jaguarão, com uma extensão de 270
metros e 2,50 metros de profundidade, em águas mínimas, por ser necessário, de
imediato, levar as embarcações até o local citado, onde é feito o carregamento
de pedra para Santa Vitória do Palmar, tendo sido dragados 7.115,900 metros
cúbicos de areia; construção de uma carreira para 25 toneladas, e onde foi
aberta uma doca, extraindo-se 263 metros cúbicos de material, dos quais foram
transportados, para o terrapleno do cais de Jaguarão, 49,500 metros cúbicos.
A produção da pedreira,
explorada diretamente pelo Décimo Oitavo Distrito de Fiscalização (DF-18), foi
de 1.086,919 metros cúbicos de pedra bruta e 362 metros cúbicos de cascalho,
sendo 100,500 metros cúbicos de pedra cedidos à Prefeitura Municipal de
Jaguarão e o restante empregado nas várias obras a cargo do referido Distrito
de Fiscalização, ou mantido em estoque na pedreira. (CORTES, 1945)
Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, Engenheiro
Civil Clóvis Pestana, em 1947, pelo
Engenheiro Civil Clóvis de Macedo Cortes:
b) Melhoramentos do Rio Jaguarão – As obras de regularização do Rio
Jaguarão decorreram normalmente. Foi terminada a construção dos espigões 11, 12
e 13, devendo, no princípio do ano de 1948, ser iniciado o novo trecho de
construção de espigões. Pelas sondagens realizadas pode-se observar o bom
resultado obtido com a construção dos espigões, tendo o aprofundamento
alcançado, em alguns pontos, até 1,40 m. Os serviços de extração e britagem de
pedras decorreram satisfatoriamente.
As obras executadas em 1947
podem ser assim resumidas: espigão n° 11 – foram colocados 613 m3 de
pedra; espigão n° 12 – foram colocados 540 m3 de pedra: espigão n°
13 – foram colocados 128 m3 de pedra; produção da pedreira –
explorada diretamente pelo Décimo Oitavo Distrito de Portos, Rios e Canais
(DPRC-18): 1.418.500 m3 de pedra bruta e 751.500 m3 de
cascalho, dos quais 780.000 m3 de pedra bruta foram empregados nos
espigões. O britador produziu 658.000 m3 de pedra britada. (CORTES,
1947)
Na 130ª Sessão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul,
de 04.11.1949, o Deputado Estadual Fernando
Ferrari fez o seguinte pronunciamento:
Seguem-se depois, Sr.
Presidente, informações relativas ao melhoramento no Rio Jaguarão. E aqui, Sr.
Presidente, estou verificando que quase todas as obras ali realizadas e hoje
continuadas devemo-las ao Governo do Sr. Getúlio Vargas, porque nessa época foi
organizada a pedreira donde foram extraídos 10.959.700 m3 de pedra e
4.279.700 m3 de cascalho. Foram britados 2.937 m3 de
pedra. Executada a derrocagem da faixa do cais antigo e construído o novo
trecho de cais para águas altas; construídos os espigões de n° 1 a 8 com
emprego de 4.037 m3 de pedra.
Na dragagem prévia de acesso
ao porto foi extraído um total de 45.000 m3 e em dragagens
auxiliares às obras – 9.283 m3. Somando tudo isso, Sr. Presidente,
dá um volume total entre a dragagem e o volume de pedra ali aplicada de
15.301.197 metros cúbicos, e em igual época do Governo do Gen. Dutra, que
continua a obra de Getulio Vargas, foram empregados 11.255.272 metros cúbicos,
entre dragagem e pedra para as aterragens competentes. (BRANDALISE &
BOMBARDELLI)
Por volta das 08h00 a névoa dissolveu-se e pudemos então nos encantar com
as belas paisagens do Jaguarão e sua fauna. Encontramos o Fábio Couto, filho do
Comodoro Couto, a bordo do veleiro “Macanudo”
na altura da Ilha do Bráulio, que ali pernoitara aguardando bom ventos para
voltar à Jaguarão. O Fábio Couto repassou ao Coronel as coordenadas de um ponto
de passagem ideal para contornar o Banco do Muniz entre a Ponta do Muniz
(Margem Ocidental) e a Ponta Santiago (Margem Oriental). Coincidência ou não
estávamos bem próximos do local onde ontem o Comodoro Roberto Borges Couto
Roberto Borges Couto nos orientara a respeito da rota a ser seguida.
Continuamos nossa viagem admirando a luxuriante vegetação aquática e a
flora que a cheia tentava submergir. A planura inundada se estendia ao longo
das margens e em alguns lugares as Ilhas tinham sido totalmente tomadas pelas
águas.
Empoleirados nas árvores e arbustos avistamos carcarás (Caracara plancus),
carãos (Aramus guarauna), tarrãs (Chauna torquata), biguás (Phalacrocorax
brasilianus), bandos enormes de maçaricos-do-banhado ou
tapicurus-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus) voando na sua formação em “V”
característica e uma curiosa garça moura (Ardea cocoi) que usava um marco
fronteiriço como poleiro. Lê-se na placa de bronze, perfeitamente conservada, fixada
no marco e vigiada por esta bizarra guardiã da fronteira cuja nacionalidade
desconhecemos:
ANULADO
________
REPÚBLICA ORIENTAL DEL
URUGUAY
________
TRATADO 30-X-1909
O Tratado de Fronteiras da Lagoa Mirim, assinado em 1909, reviu e modificou
as cláusulas relativas às linhas de fronteira na Lagoa Mirim e no Rio Jaguarão.
Chegamos à Foz do Jaguarão, por volta das 10h30, embarcamos em nossos
caiaques e aproamos rumo à Ilha Grande do Taquari onde pernoitaríamos. Ao
partimos da Foz do Jaguarão, adentramos em território uruguaio, ultrapassando a
Ponta Muniz (32°42’57,0”S / 53°11’14,0”O), o balneário Lago Meirim (Ponta
Cacimbas ‒ 32°44’51,1”S / 53°15’36,6”O) onde fizemos uma breve parada, depois
de percorrer 16 km, e, logo em seguida, na Foz do Rio Tacuari (32°46’17”S /
53°18’36,4”O), 5 km adiante. Mais uma vez a funesta visão de uma plantação de
pinus, desta feita em território uruguaio, trouxeram-me à lembrança a paisagem
do Saco de Tapes onde a infestação arbórea provocada por esta praga exótica
estrangula lentamente a mata nativa e as centenárias figueiras com a conivência
e omissão das autoridades ambientais. As sementes levadas pelo vento estendem
indefinidamente os limites desses amaldiçoados boques que não respeitam
qualquer tipo de fronteira física. Dez quilômetros adiante fizemos uma última
parada na ponta Parobé e aproamos para a Ilha Grande do Taquari, curiosamente a
única ilha brasileira imersa em um arquipélago uruguaio que margeia a costa do
país vizinho. Contornamos a Ilha pelo lado Setentrional rumo ao Zilda III cujo
mastro avistáramos de longe. O canoísta Antônio Buzo, que havíamos encontrado
no Rio Jaguarão, estava a bordo e orientava nossa abordagem. Remáramos apenas
37 km após termos desatrelado os caiaques na Boca do Jaguarão. Cumprimentamos
os companheiros e fomos montar acampamento em uma praia próxima.
Voltamos ao veleiro para o jantar e, por volta das 19h30, observamos
alguns sinais muito conhecidos da formação de um ciclone extratropical que
aparentemente deveria passar ao Sul da Ilha. Não titubeei e pulei para meu
caiaque e remei rapidamente para o acampamento seguido de perto pelo Antônio
Buzo. Eu já enfrentara ciclones no Rio Guaíba (Ponta da Figueira), e na Laguna
dos Patos (Porto do Barquinho), e sabia que as coisas poderiam mudar muito
rapidamente. Colocamos os caiaques junto às barracas, recolhemos todo o
material para o interior das mesmas, verificamos as amarrações e de repente o
vento mudou de Este para Sul canalizando a força do ciclone diretamente sobre
nós.
O suplício deve ter durado uns 15 minutos que nos pareceram
horas. Segurávamos com força os estais das barracas por dentro, a água jorrava
dentro dela como se estivéssemos ao relento, a lona “impermeável” desprendeu e era lançada pelos ventos para todos os
lados. Assim como começara a tempestade amainou, estávamos aflitos com o que
poderia ter ocorrido com o veleiro e tranquilizamo-nos quando vimos que a luz
do mastro estava no mesmo lugar e nos concentramos em remontar as barracas e
secá-las bem como nossos colchões de ar, felizmente a temperatura amena
permitiu que descansássemos sem mais atropelos nessa conturbada passagem de
ano.
Ilha Grande do Taquari ‒ Foz do Rio Cebollati (01.01.2015)
Saímos tarde, por volta das 07h30, contornamos, pelo lado Meridional, as
Ilhas Sanjón, Sepultura e Confraternidad, aportamos na Ponta Rabotieso, mais
tarde fizemos uma parada intermediária antes de aportar em um agradável bosque
de eucaliptos localizado na margem esquerda da Foz do Arroio Zapata (Foz ‒ 33°56’55,7”S
/ 53°29’50,8”O), por volta das 12h00, depois de percorrer 22 km. Segundo o
Comandante Décio Vaz Emygdio o Arroio Zapata assim como o Arroio de Ayala (Foz
‒ 33°07’26,5”S / 53°38’36,2”O), que fica próximo à Lagoa Guacha, foram assim
nominados em homenagem a um paraguaio de origem espanhola chamado Don Miguel de
Ayala, nos idos de 1680, conhecido como Viejo Zapata.
Depois do almoço, em que eu e o Antônio Buzo comemos a ração americana
doada pelo Dr. Marc Meyers, prosseguimos nossa jornada. Ao aportarmos, 12 km
depois, na margem direita do Arroio Sarandi Grande (Foz ‒ 33°02’04,2”S /
53°34’02,7”O), o tempo começou a mudar e nuvens carregadas formavam-se no
horizonte. O Antônio recomendava que aguardássemos, mas achei melhor
continuarmos rumo ao Rio Cebollati, como acordáramos com os velejadores. Sete
quilômetros adiante estacionamos em uma restinga baixa que permitia observar a
Lagoa Guacha, fiz contato com a equipe de apoio pelo rádio, mas eles não
conseguiam me ouvir, o tempo ruim aproximava-se célere e decidimos partir
imediatamente e direto para a Foz do Rio Cebollati, a 13 km de distância,
evitando margear a baía. A meio caminho uma enorme e veloz nuvem negra
determinou que aportássemos e procurássemos abrigo sob uma coronilha (Scutia buxifolia). Passado o vendaval picamos a voga
para achar o veleiro que, conforme combináramos, deveria estar ancorado em
algum lugar da imensa e labiríntica Foz do Rio Cebollati (Foz ‒ 33°08’55,2”S /
53°37’17,6”O). Fui à frente para achar logo a Zilda III e evitar que os amigos
tivessem de remar desnecessariamente. Finalmente encontramos os velejadores,
tomamos um banho quente a bordo e dormimos embarcados. Navegáramos 54 km e este
conforto era muito bem vindo.
Fontes:
BRANDALISE & BOMBARDELLI, Carla Brandalise ‒ Maura
Bombardelli. Fernando Ferrari - Perfil
Biográfico, Discursos no Parlamento Gaúcho e Imagens (1947 - 1951) ‒ Brasil
‒ Porto Alegre ‒ Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2013.
BURLAMAQUI,
Frederico Cesar. Relatório dos Serviços
Executados em 1943 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras
Públicas, General João de Mendonça Lima, pelo Diretor Geral, Engenheiro Civil,
Dr. Frederico Cesar Burlamaqui – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da
Viação e Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1945.
CORTES,
Clóvis de Macedo. Relatório dos Serviços
Executados em 1947 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras
Públicas, Coronel Edmundo Macedo Soares e Silva, pelo Diretor Geral, Engenheiro
Civil Clóvis de Macedo Cortes – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da
Viação e Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1945.
CORTES,
Clóvis de Macedo. Relatório dos Serviços
Executados em 1947 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras
Públicas, Engenheiro Civil Clóvis Pestana, pelo Diretor Geral, Engenheiro Civil
Clóvis de Macedo Cortes – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da Viação e
Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1947.
GÓES,
Hildebrando de Araujo. Relatório dos
Serviços Executados em 1943 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras
Públicas, General João de Mendonça Lima, pelo Diretor Geral, Engenheiro Civil Frederico
Hildebrando de Araujo Góes – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da Viação
e Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1944.
EMYGDIO,
Décio Vaz. Lagoa Mirim - um Paraíso
Ecológico – Brasil – Pelotas – Café Pelotas Editora, 1997.
MACEDO,
José Agostinho de. O Novo Argonauta
– Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do
Conselho de Guerra, 1809.
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