MAPA

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sábado, 11 de agosto de 2012

Viagem da “Real Escolta”

Muito diferente dos homens públicos brasileiros da atualidade, nossos irmãos lusitanos jamais negligenciaram dos assuntos atinentes aos interesses de suas Províncias Ultramarinas. A pretérita visão estratégica portuguesa deveria servir de luzeiro aos nossos políticos atuais para tirá-los do obscurantismo doentio em que teimam permanecer ao tratar de assuntos que envolvem nossa soberania. A sucessão de equívocos no trato das delimitações de Terras Indígenas mostra que os representantes dos três poderes da República ignoram a nossa Carta Magna, a nossa história, os interesses da maioria esmagadora de nosso povo e se submetem pacifica e subservientemente ao arbítrio de uma minoria atuante a soldo de inconfessos interesses alienígenas no trato de questões nacionais relevantes.
A Viagem de José , realizada quase três décadas depois da Bandeira de Palheta foi muito relevante em virtude da missão que lhe foi atribuída pela coroa portuguesa e, por isso mesmo, dedicamos a ela um capítulo especial neste livro. Graças a descrição de Gonçalves da Fonseca e à nossa descida conseguimos georeferenciar sua viagem ponto a ponto.
-  Rota Fluvial Guaporé-Mamoré-Madeira
Marco António de Azevedo Coutinho, Primeiro-Ministro de Portugal (Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra), de 4 de outubro de 1747 a 1750, ordenou, em setembro de 1748, que o Capitão-mor do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, organizasse uma expedição de reconhecimento do Rio Madeira. Azevedo Coutinho temia a expansão das Missões de Moxos, da Província do Peru, para Oeste do Eixo Fluvial formado pelos Rios Guaporé, Mamoré e Madeira, temor agravado com a fundação, em 1743, da missão de Santa Rosa, no Rio Guaporé e de uma possível descoberta de ouro nas suas cercanias ou mesmo em outras regiões do Vale do Madeira o que certamente atrairia garimpeiros espanhóis. De uma hora para outra poderia ser colocado em cheque o controle português da navegação da Rota Fluvial, que permitia a integração do Pará com o Mato-Grosso, e que se perdido provocaria, com certeza, o despovoamento das regiões mineiras de Cuiabá e do Mato Grosso. Além disso, desde 1747, as duas Cortes Ibéricas, negociavam um novo Tratado de Limites sobre seus respectivos domínios na América do Sul.
Marco António de Azevedo Coutinho comenta:
Suposto o que deixo explicado tem-se por necessário, e conveniente, não só apossarmo-nos da navegação do Rio da Madeira até o Mato Grosso, mas tomar a tempo as medidas para que a dita nova Missão Espanhola nos não cause os prejuízos, que podemos recear, ou procurando os meios para a tirar dali, sem escândalo, ou rodeando-a em alguma distância com habitações, e sesmarias dos nossos, de sorte que se não possam os Castelhanos alargar, nem tentar outros estabelecimentos da parte Oriental do Rio da Madeira, e talvez virá a ser conveniente para este efeito permitir-se, e frequentar-se a comunicação do Pará com o Mato Grosso por aquele Rio.
Este Rio da Madeira é para nós hoje mais conhecido da parte de cima e até as Missões dos Moxos, do que da parte de baixo, sem embargo de ser nesta parte ocupado com Missões dos nossos Jesuítas do Pará; porém até agora não houve a curiosidade de se remeter, nem Mapa, nem relação disso mesmo, que ocupamos, e muito menos, do que fica para cima. Sabe-se, contudo, que já algumas vezes foram Portugueses do Rio das Amazonas, com canoas de voga, e saveiros até as Missões dos Moxos, que é o que basta para constar que até o Mato Grosso se pode navegar com a mesma comodidade; pois dos Moxos para cima não tem embaraço algum.
Na verdade, em 1747, o Secretário do Governo do Estado do Maranhão e Grão-Pará, José Gonçalves da Fonseca, já havia desenhado um Mapa do Rio Madeira baseado nas parcas informações da Bandeira de Francisco de Melo Palheta e outros sertanistas e Missionários que haviam percorrido a região enviando-o a Alexandre de Gusmão.
O Primeiro-Ministro Azevedo Coutinho conhecia o trabalho de Gonçalves da Fonseca, mas considerava que desde a expedição de Palheta (1723) a exploração do Rio Madeira tinha sido feita, à revelia da coroa portuguesa e do Estado do Maranhão e Grão-Pará, pelos sertanistas, Missionários e colonos que abriram, por iniciativa própria, a rota fluvial ligando os Rios Guaporé, Mamoré e Madeira.
-  A preparação da expedição de reconhecimento da rota do Madeira
Em julho de 1749, o Capitão-mor do Estado do Maranhão e Grão-Pará, Francisco Pedro de Mendonça Gorjão, cumprindo as ordens de Azevedo Coutinho, atribuiu ao Sargento-mor Luís Fagundes Machado o comando da expedição, instruindo-o sobre os propósitos daquela navegação:
Empreenderá a viagem pelo Rio da Madeira dando lugar a que desde a boca até ao Mato Grosso se façam os exames e observações pelo que leva a instrução necessária José Gonçalves da Fonseca (...) e alguma matéria que sobre este particular conferir o mesmo José Gonçalves, e o piloto António Nunes com o dito Cabo, este concorrerá com o seu parecer no que for conveniente para qualquer averiguação das que levam a seu cargo; pois todas as que houverem de fazer na forma da referida instrução são mui importantes ao serviço de Sua Majestade.
José Gonçalves da Fonseca e o piloto António Nunes realizariam, portanto, observações astronômicas. Gonçalves da Fonseca deveria ainda colher informações que seriam relatadas em um diário e ainda elaborar Mapas de todo trajeto da “Real Escolta”.
Marco António de Azevedo Coutinho especifica:
descreverá o mesmo Amazonas em Mapas, combinando as alturas, voltas e Rios, com as que descrevem o Mapa do Padre Acuña, e Monsieur de La Condamine, em que seguirá o que achar mais exato, segundo a conferência que fizer com o Piloto António Nunes, que será obrigado a fazer todas as observações necessárias em cada dia.
António Nunes deveria levar consigo “todos os instrumentos capazes de tomar as alturas e agulha de observar os rumos”; e era obrigado a fazer o seu próprio Diário da Viagem, onde deveria anotar os dias de navegação e as Latitudes observadas. Já as instruções de Fonseca eram ainda mais precisas quanto ao que devia fazer a partir do momento em que a expedição entrasse no Rio Madeira: esperava-se que tivesse um cuidado redobrado nas observações que fosse realizando, anotando os rumos da corrente do Madeira, o número de Cachoeiras, as dificuldades em atravessá-las e as distâncias entre elas. A preocupação com o cálculo das Latitudes era uma constante: todos os dias deviam tomar a altura do Sol, principalmente na Boca dos Rios. Para além de novos Mapas do Amazonas, que antes referimos, deveria Fonseca desenhar um Mapa do Rio Madeira que mostrasse por onde se devia navegar e que permitisse visualizar as informações que fosse anotando sobre o Rio e seus afluentes, e sobre as missões de Moxos. Uma vez chegado ao Mato Grosso, também lhe era pedido que fizesse um Mapa onde registrasse todos os dados relativos à rede hidrográfica, ao relevo e às povoações portuguesas e espanholas, nomeadamente sobre Cuiabá e o caminho que ligava esta Vila ao Mato Grosso.
-  O Diário
O diário de Gonçalves da Fonseca é dividido em três partes:
- a viagem a partir de Belém do Pará até a boca do Rio Madeira;
- a navegação do Rio Madeira e a travessia de suas 19 Cachoeiras;
- a subida do Rio Guaporé até Mato Grosso.
Somente, em 1826, o Diário da Viagem foi publicado, em Portugal, pela Academia das Ciências de Lisboa e, em 1866, no Brasil, a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro publicou a “Notícia da Situação de Mato-Grosso e Cuyabá”. Em janeiro de 1750, ao ser assinado em o Tratado de Madri, as autoridades portuguesas fingiram desconhecer os resultados da expedição de Gonçalves da Fonseca o que, certamente, justificava o texto bastante vago do artigo VII do Tratado, relativo às demarcações a realizar no território situado entre os Rios Jauru e Guaporé.
Tratado de Madri
Artigo VII
(...) os Comissários, que se hão de despachar para o regulamento dos confins nesta parte na face do país, acharem entre os Rios Jauru e Guaporé outros Rios, ou balizas naturais, por onde mais comodamente, e com maior certeza se possa assinalar a raia naquela paragem, salvando sempre a navegação do Jauru, que deve ser privativa dos portugueses, e o caminho, que eles costumam fazer do Cuiabá para o Mato Grosso; os dois altos contraentes consentem, e aprovam, que assim se estabeleça, sem atender a alguma porção mais ou menos no terreno, que possa ficar a uma ou a outra parte. (...)
Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marques de Pombal, enviou, no dia 10 de maio de 1753, uma Carta a seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Governador do Grão-Pará e Maranhão, datada, onde se mostra bastante preocupado sobre a implementação do Tratado:
Observando-se, porém a outra Grande Carta, que se fez na viagem de José Gonçalves da Fonseca se manifesta por ela que se o Rio dos Porrudos, o Rio Paraguai, o Rio Jauru e Lagoa dos Xaraes correm e jazem nos lugares e na figura em que os descreveram daqui podem surgir grandes dificuldades. (...) Para melhor informação vossa e maior clareza de tudo o que deixo referido, ajuntarei a esta Carta o Mapa, que se delineou na viagem de José Gonçalves da Fonseca, o qual contém a navegação que ele fez, desde essa Capital até o Mato Grosso. Tão bem vão juntas as quatro relaçõs que o sobredito escreveu, explicando os sucessos da mesma navegação, e a Carta em que a recopilou o Governador Francisco Pedro de Mendonça Gorjão.
Carta Hidrográfica de José Gonçalves da Fonseca
A Carta Hidrográfica produzida por José Gonçalves da Fonseca descrevia as nascentes de diversos Rios da América Meridional Portuguesa e em especial a do Rio Madeira. Francisco Xavier de Mendonça Furtado e as autoridades portuguesas, em geral, contestavam a validade de alguns elementos que figuravam no Mapa de Fonseca, pois isto significaria colocar em cheque a legitimidade da posse portuguesa dos territórios das minas do Mato Grosso e de Cuiabá, mesmo tendo ciência que nenhuma expedição portuguesa se embrenhara com tanto afinco por aqueles rincões e que o Mapa de Gonçalves da Fonseca era, sem dúvida, o mais preciso traçado até então.
Mendonça Furtado afirmava:
Como o ouvi discorrer com este fundamento, me dei por instruído das notícias do tal José Gonçalves, que não é destituído de préstimos, mas era preciso que tivesse o coração mais puro do que na verdade tem.
Uma das principais consequências da viagem de José Gonçalves da Fonseca foi a abertura da rota do Rio Madeira à navegação, em 23 de outubro de 1752, que, em seguida, adquiriu importância comercial importante além de assegurar a defesa da fronteira do extremo-Oeste brasileiro.
A Viagem acirrou, também, o debate em torno do problema das demarcações de limites evidenciadas pelas disparidades encontradas entre o Mapa das Cortes e a Carta Hidrográfica de Gonçalves da Fonseca.
-  Viagem da “Real Escolta
Vamos reproduzir, na íntegra, apenas a segunda parte da Viagem tendo em vista que essa trata da navegação do Rio Madeira e da travessia de suas 19 Cachoeiras (fragmentos publicados na Parte I, Tomo LXVII, da RIHGB, de 1904).
Artigo Extraído das Atas da Academia Real das Ciências
da Sessão de 6 de junho de 1826.
Determina a Academia Real das Ciências, que a Navegação feita da Cidade do Grão Pará até à boca do Rio da Madeira, se imprima à sua custa, e debaixo do seu privilégio.
Secretaria da Academia em 1 de julho de 1826.
Navegação feita da Cidade do Grão Pará até a Boca do Rio da Madeira pela Escolta que por este Rio subiu às Minas do Mato Grosso, por ordem mui recomendada de Sua Majestade Fidelíssima, no ano de 1749, escrita por José Gonçalves da Fonseca no mesmo Ano.
Saíram as canoas de S. Majestade em 14 de julho do Porto da Cidade do Grão Pará com o desígnio de fazer viagem pelo Rio das Amazonas, e deste entrar no Madeira seu confluente pela margem do Sul, e buscar por ele os Arraiais do Mato Grosso na forma das ordens de El-Rei Nosso Senhor. (...)
Navegação do Rio da Madeira
principiada em 25 de setembro de 1749.
Antes de se entrar pelo Rio da Madeira se fez alto pela madrugada, do dia 25 de setembro, em uma Praia mui dilatada, que procede de uma Ilha das muitas que há no Rio das Amazonas fronteiras à boca do dito Madeira.
Com a luz da manhã se deixou perceber todo o horizonte, que se terminava pela parte de Oeste e Leste com as imensas águas do Amazonas, e pela do Sudoeste com as do Madeira na Barra que faz no mesmo Amazonas, que terá de Boca oitocentas braças, desaguando entre duas pontas de terra baixa, em que há arvoredo ordinário sem diferença do das Amazonas.
Entrou-se a atravessar da referida Praia a buscar o Madeira pelas sete horas da manhã, e com uma hora de caminho no rumo de Sudoeste a remo se entrou na sua Barra, sem nela se perceber correnteza maior que a do Amazonas até aquele lugar. Antes de se chegar à primeira volta que faz o Rio, foi preciso esperar a hora do meio dia para se fazer observação, a qual com efeito se executou, e por ela constou estar aquela entrada em 4 graus e 14 minutos de Latitude Austral (3°41’51,16”S).
Nesta primeira volta do Rio se notou não haver terra firme nem da parte Oriental, que é à esquerda (margem direita), nem da Ocidental capaz de habitação, porque toda se alaga com o Rio cheio; e a que estava descoberta em razão de se entrar quase no fim da vazante, mostrava ser enlodada, a que no País chamam de alagadiço: e a mesma qualidade de terra é a do Amazonas pela parte de Leste e Oeste, aonde o Madeira desemboca. Feita a observação se continuou viagem no rumo de Sudoeste, e logo voltando a segunda ponta se navegou a Susudoeste, que logo aí mostrou ser o verdadeiro rumo.
Antes de passar a primeira ponta à parte direita está um Lago que enche com as águas grandes, e diminui, com a vazante; nele há peixe com abundância de que se aproveitam os viajantes. Voltando a segunda que se seguia se acha à parte Ocidental uma Praia, em que se vai formando uma Ilha; e nesta Praia há muita abundancia de tartarugas no tempo da sua produção, que é na vazante do Rio na lua nova de outubro.
Chegando à terceira ponta se notou ser de pedras, de que se forma aí a ribanceira não muito alta da parte direita; mas não se alaga com a enchente do Rio: no principio da enseada, que começa nesta ponta na mesma qualidade da ribanceira, está um lugar que foi Aldeia de gentio, e nele permanecem vestígios de habitação em árvores de fruto, que ali se conservam: no seu interior há cacoais, e aqui é que dá princípio grande quantidade deles que há neste Rio. Neste sítio fazem assento alguns moradores, que vão fazer salgas de peixe.
Continuando viagem à vela (ainda neste dia e no seguinte se alcançou vento geral) nos rumos referidos chegamos pelas sete horas da noite a portar (3°33’17,73”S / 58°56’16,87”O) entre uma Ilha e a terra da parte direita, aonde chamam Paraná-mirim (quer dizer no idioma da terra Rio pequeno, não que o haja ali pela terra dentro, mas por chamarem assim os índios aquela porção de água, que medeia, entre a terra e a Ilha). Nesta espera se fez, experiência de pescaria, e em breve tempo mostrou a sua fertilidade o Rio em peixe de linha, que bastou para aquela ocasião.
Em sete horas de caminho, que se andou este dia, se venceriam 4 léguas.
No dia 26 pelas 6 horas da manhã se principiou a navegar a remo no rumo de Sudoeste até Susueste, e a pouco mais de uma hora de caminho se atravessou a parte esquerda a passar por um canal, que há entre a terra firme e a outra Ilha, que atravessa o Rio quase de uma a outra parte. Na da parte direita fronteira a esta mesma Ilha está um Lago chamado do Padre Sampaio: nele há imensa quantidade de tartarugas e outros peixes de salga em abundância.
Continuando a viagem da parte direita se foi costeando uma dilatada enseada, na qual há outro Lago, mas de menor grandeza e utilidade que o antecedente, e dele vão correndo umas barreiras não muito altas, que em partes tem pedra até o lugar em sue se acha a Aldeia chamada dos Abacaxis, aonde se chegou pelas 10 horas da manhã; e em quatro de caminho se andariam duas léguas, que com as quatro do dia antecedente farão seis léguas: e é a distância que há da boca do Rio até esta primeira Aldeia.
Acha-se situada sobre a ribanceira da enseada referida, fronteira a uma Ilha que corre ao comprimento do Rio; a qual é alagadiça da mesma sorte que as antecedentes. Esta Aldeia se achava estabelecida no Braço do Rio Madeira, que sai às Amazonas com nome dos Abacaxis ou Tupinambás, e daqui se mudou para a parte mencionada em razão de que o sítio antigo era rodeado de vários Lagos, donde resultava muita doença e mortandade nos aldeanos, os quais no sítio em que de presente se achão, ainda não estão de todo remediados de semelhante calamidade; porque o presente sitio está fundado em uma pequena porção de terra, que medeia entre o Rio e um Lago, que no tempo da seca lhes ocasiona doença; por cuja razão habitam poucos na Aldeia e a maior parte se acha espalhada pelas roças que fabricaram nas terras firmes daquela vizinhança.
Pelas mortandades que tem experimentado não só pela malignidade do clima, mas pelos dois contágios de bexigas e sarampo, que afligiram o Estado desde o ano de 1743 até o presente de 1749, se acha com menos da terça parte dos habitadores, os quais só de índios de guerra e serviço passaram de mil em tempo que os administrava o Padre João de Sampaio da Companhia antes das epidemias mencionadas. Tem suficiente fertilidade, pescarias de tartarugas, e de outros vários peixes; porém de farinha havia tanta penúria, que aos Reverendos Missionários era preciso mandar ir da cidade a de que necessitavam para o seu sustento, e também de alguns índios que não tem lavouras.
Foi precísissimo fazer demora nesta Aldeia (8 km à jusante de Nova Olinda do Norte) dois dias para dela se receberem quinze índios destinados a conduzir as canoas grandes para baixo, depois de se embarcar a comitiva nas pequenas, que antes das Cachoeiras se haviam de fabricar; o que com efeito se executou na forma que adiante se dirá.
Entregues os referidos índios no dia 28 pelas onze horas do dia, se continuou viagem pelas quatro da tarde no rumo de Sudoeste costeando a parte esquerda, e depois ao voltar da ponta da enseada em que está a Aldeia referida se seguiu a de Susudoeste e Oessudoeste; e nitidamente ao Sul a buscar a Boca Abacaxis, donde o Madeira entra por aquela parte a buscar o Amazonas.
Pelas oito horas da noite portaram as canoas com seis horas de caminho, em que se andaria duas léguas, na entrada da parte do Norte a que chamam Boca dos Tupinambás (Rio Mapiá - 3°55’12,5”S / 59°8’46,75”O); porquanto o Rio da Madeira forma o Braço dos Abacaxis introduzindo-o por duas partes, deixando uma Ilha em meio, e cortando a terra até sair ao Amazonas. Deságua no referido braço, além de 23 Lagos de uma e outra parte, um Rio chamado Canomá, que corre da terra firme bastantemente caudaloso, e nele habitam várias nações de gentio, que não é do mais feroz; mas não admite prática de civilidade, sem embargo de algumas diligências que se tem feito amigavelmente a este fim.
Nestes termos se mostra com evidência que o Rio da Madeira entra no Amazonas por duas bocas, fazendo Barra principal a mãe do Rio, e inferior à dos Abacaxis que recebe as águas do Canomá, deixando Ilha aquela grande porção de terra, que se costeia pelo Amazonas, pelo mesmo Madeira, e pelos Abacaxis, de sorte que não tendo prática e experiência vários autores de Cartas Geográficas, situam esta grande Ilha em meio do Amazonas fronteira à boca do Madeira dando-lhe o nome de Tupinambás: e o que ultimamente a descreveu, como na verdade é, foi Monsieur La Condamine na Carta, em que descreveu o Rio das Amazonas e seus confluentes, impressa em Amsterdam no ano de 1745, que explicou no Diário, que com a mesma Carta imprimiu quando navegou o Amazonas desde a Província de Quito ao Pará; e sem embargo de que este Matemático não entrasse no Madeira nem examinasse praticamente a forma da sua comunicação com o Amazonas pelos Abacaxis, se valeu de notícias verdadeiras, que lhe deram pessoas de experiência assistentes no Pará, que haviam navegado por uma e outra parte o mesmo Madeira: e a não fazer esta indagação cabida no erro comum dos mais Geógrafos nesta parte, assim como por menos exação não descreveu o mesmo Condamine na referida Carta em termos próprios a grande Ilha de Joannes na boca do Amazonas, nem a imensidade de Ilhas do Tajupuru, persuadindo-se talvez que não mediava mais água entre a terra firme Oriental e a dita Ilha do que aquela, que fazia o canal por onde ele transitou, quando passou o Pará e depois a costa do Cabo do Norte.
No dia 29 pelas três horas da manhã se principiou viagem a buscar sítio acomodado para se dizer Missa, e ao amanhecer portaram as canoas em outra Ilha menor (4°3’47,47”S / 59°21’29,34”O) que a antecedente, fronteira à outra boca do Tupinambá, em que havia boa Praia para se armar o altar portatil, e se apelidou aquela Ilha com o nome de S. Miguel, por ser dia deste glorioso Arcanjo o em que ali se celebrou Missa. Haverá uma légua de distância da boca da parte do Norte, donde se saiu de madrugada até a da parte do Sul, aonde amanheceu; tanto a Ilha de S. Miguel, como a antecedente, e terra firme que faz a boca dos Tupinambás, é tudo alagadiço em tempo de cheia. Depois de celebrado o santo sacrifício da Missa se continuou viagem à vela e remo no rumo de Sudoeste e depois Oessudoeste; costeando à parte esquerda terras alagadiças de uma e outra margem, e pela Oriental três Lagos, se portou com 6 horas de caminho em que se andariam cinco léguas. Pelo meio do Rio na jornada desce dia se notarão três Ilhas em pouca distância umas das outras, que alagam no tempo da cheia; e uma correnteza grande da mesma parte esquerda no remate de uma enseada em que havia pedras arrimadas à ribanceira. Portaram as canoas na margem do Rio pouco acima da referida correnteza, passada a ponta da enseada.
A 30 se principiou viagem às seis horas da manhã no rumo de Sudoeste, e logo à Oessudoeste e Susudoeste, e outra vez a Sudoeste, em cuja volta no meio de uma enseada achamos situada a Aldeia chamada Trocano (Borba - 4°23’35,30”S / 59°35’36,69”O), fronteira a uma Ilha que se prolonga ao comprimento do Rio: quatro horas de caminho se gastou a remo, em que se andaria duas léguas; e vem a dista esta Aldeia pouco mais ou menos da dos Abacaxis nove léguas.
Desde que se entrou no Rio da Madeira até a ponta da parte do Norte da enseada, em que está a referida a Aldeia, conserva o Rio a largura de trezentas e cinquenta a quatrocentas braças; porém chegando perto da dita enseada, depois de se passarem duas Ilhas que estão à parte direita, vai estreitando por espaço de meia légua de margem em que haverá distância de pouco mais de cem braças ao voltar a ponta em que principia a referida enseada, em cujo lugar passada a ponta, em que há uma Praia que quase atravessa o Rio, se acham bastantes pedras sobre que se levanta a ribanceira da parte Oriental, e a margem que se segue até à dita Aldeia é de barreira em parte não muito alta, que não alaga em tempo de cheia. Esta Aldeia chamada do Trocano (Borba) é a que com a invenção de Santo Antonio se fundou entre o Rio Jamari e a primeira Cachoeira do Madeira, e se compunha de gente que se praticou na ocasião que no ano de 1752 andou com uma tropa de exploração por todo o Madeira Francisco de Mello Palheta.
Foi Missionário deste estabelecimento o Reverendo Padre João de Sampaio da Companhia de Jesus, e passados; alguns anos vendo que o sítio não era acomodado para a saúde dos índios, e que estes eram vexados pelas nações bárbaras vizinhas, tomou o expediente de a mudar para o sítio do Trocano, em que de presente existe.
É a sua fundação em uma planície que há sobre umas barreiras da referida enseada da parte Oriental do Madeira. Os ares são aprazíveis, e mais salutíferos (saudáveis) que os dos Abacaxis, e a construção da Aldeia por melhor forma que a antecedente. É missionada pelos Religiosos da Companhia, cujo Padre se não achava na ocasião na Aldeia, por ter subido ao Rio Negro na diligência de praticar gente do mato para a Mesma Aldeia - e não só por esta razão, mas por se evitar alguma desordem dos dias, farão portar as canoas nas praias de uma Ilha que corre Rio acima da parte direita, e se termina ainda à vista da Aldeia em mais de meia légua de distância, e em canoa ligeira se ia tratar do que era conveniente para o serviço da escolta.
A menos de um dia de viagem desta Aldeia pelo Rio acima há várias habitações de gentio, o qual já tem tido o atrevimento de investir a dita Povoação, e para cautela de semelhantes insultos vive o Missionário em uma casa entrincheirada de estacada, para dela se defender melhor de alguma invasão socorrido de dois seculares, que lhe assistem, e estavam administrando a Aldeia na ausência do Padre no tempo que ali chegaram as canoas, e se houveram com tão pouca pontualidade em executar as insinuações do mesmo Missionário para darem socorro de índios à escolta, que um deles se escondeu no mato com a maior parte dos índios, e alguns que dali se tiraram para voltarem com as canoas grandes (...).
Da mesma sorte se não pode aí fazer fornecimento de víveres, porque suposto houvesse bastante criação, não havia quem a vendesse: o que sucedeu também com a farinha, que era socorro mais essencial.
A dois de outubro pelas 7 horas da manhã deixando na Aldeia uma canoa ligeira com um oficial e dois Soldados na diligência de fazerem alguma compra de farinha, partiram as canoas com vento fresco no rumo de Nornoroeste, e depois de passar uma ponta da parte direita em que havia uma grande Praia, se navegou ao Susudoeste; e com três horas de caminho, em que se andariam três lagoas, partiram na Praia de uma Ilha situada à parte direita, onde esperamos pela dita canoinha o resto do dia referido e o seguinte que foram três.
Quando se navegou ao Sudoeste buscando a parte direita do Madeira se passou junto à boca de um Rio que deságua em uma pequena enseada chamado Goaotá (Tapunã): não é caudaloso, as terras donde desemboca são alagadiças, e como se não entrou nele não se pôde examinar a direção da sua corrente, e costeando a mesma parte Ocidental na enseada que se seguia, se achou uma Ilha com Praia mui dilatada até chegar à ponta de outra enseada, no meio da qual em outra Ilha semelhante à antecedente partiram as canoas na Praia dela, como fica dito.
Defronte desta Ilha (do Mandi) se via a boca de um Lago que há da parte Oriental mui abundante de peixe: e este é o primeiro alojamento de gentio bravo, e sem embargo de que não foi visto, se deu aqui princípio a toda a cautela necessária para rebater qualquer acontecimento dos bárbaros.
A água do Rio Madeira desde a sua entrada até este sítio é clara, e de bom gosto, porém já desta altura principiou a achar-se turva nas partes, em que as ribanceiras são de terra enlodada, e aonde desaguavam Lagos e só donde havia barreiras ou pedras se achava menos defeituosa; e até este sítio ainda alcançavam os ventos gerais, mas já diminutos; de sorte que só com trovoada é que havia neles atividade para ajudarem os remos contra a correnteza.
No dia 4 de outubro, tendo chegado de madrugada canoinha que ficou na Aldeia, sem negociar coisa de consideração, se celebrou Missa na referida Praia, por ser o dia dedicado a S. Francisco de Assis, em cujo obséquio se apelidou a Ilha do nome deste Santo, e partindo às sete horas no rumo de Susudoeste se deixou à mão direita uma grande Praia de areia, e com o rumo do Sul se navegou a buscar duas Ilhas (Carapanatuba e Ganchos) que estavam à parte esquerda, em cuja margem há bastantes cacoais; porém as terras da ribanceira, que tem por detrás um grande Lago (Lagoas Chata, Branca e Preta), são soltas, e continuamente estão caindo com árvores mui grandes, que aí se produzem; este passo (de que há muitos por uma e outra margem deste Rio) é o de maior perigo e o mais formidável que se pode imaginar, e finalmente não tem até às Cachoeiras outro Rio de maior consequência esta navegação.
As Ilhas referidas que estão uma junto da outra se chamam de Carapanatuba pelo idioma dos índios, e no português significa terra de muito mosquito; com o mesmo nome se apelida e Lago, de que já se fez menção.
Passando as referidas Ilhas no rumo de Sudoeste que assim correm ambas costeando a parte esquerda no meio de uma enseada há uma ponta de pedras, em que de Rio cheio faz uma grande correnteza, e neste lugar pelas 4 horas da tarde foram vistos alguns gentios assentados nas pedras, que avistando uma canoa ligeira em que iam por exploradores um Soldado e dois índios, se meteram para o mato a observar, e feito sinal para se prevenirem as mais canoas, logo que estas foram chegando desapareceram os gentios das vigias, e se recolheram ao interior. Vencida a correnteza das pedras, sem se dar mostras de que se fazia caso do encontro, se passarão as canoas à outra parte do Rio a buscar hum canal que há entre a terra e a Ilha do Jacaré (4°50’54,41”S / 59°56’35,33”O), por quanto o caminho da parte Oriental tem grande correnteza, e de Rio cheio faz no meio do canal um sorvedouro (no país se chama Caldeirão) que dá grande trabalho para se escapar dela, e costeando a enseada da parte Ocidental, cuja ribanceira é de terra solta, buscamos a Praia da Ilha, e nela se portou à noite com as cautelas necessárias. No canal da parte Ocidental deságua um Lago chamado também do Jacaré (Lagoa Grande - 4°49’3,46”S / 59°59’0,73”O); neste dia em cinco horas e meia de caminho se andara três léguas.
A cinco continuando viagem se costeou à parte direita no rumo do Sul e Susudoeste, e com três horas de caminho a remo se encontrou a Ilha nomeada de José João (4°54’9,71”S / 60°7’34,08”O), tomou este nome de um morador do Pará assim chamado que muitos anos fazia nela feitoria de cacao, de que a mesma Ilha é abundante, e logo junto desta Ilha se seguia outra mais pequena, mas com uma grande Praia que se prolongava ao comprimento do Rio o qual se foi continuando a navegar no rumo do Sul e Sudoeste, e logo ao lado Ocidental pouco acima da referida Praia, em cuja margem havia junto à terra um areal, se viu um posto, que mostrava ser frequentado de gentio; porém não se avistou nenhum. Passada uma ponta de pedras à parte esquerda, em que o Rio é mais estreito, está um Lago a que os Indios dão o nome de Matamatá: nele não há mais que tartarugas, de que os gentios se aproveitam. Atravessou-se o Rio à parte direita, e já quase noite portamos na margem junto à ribanceira, por não haver Praia nem Ilha, onde se pudesse pernoitar com mais segurança. Neste dia em oito horas de caminho, a maior parte à vela, se andaria quatro léguas, no discurso das quais se não ofereceu mais coisa alguma que notar, porquanto as terras são alagadiças, o arvoredo todo silvestre pelas margens, sem dar indício de que nele houvesse préstimo.
No dia 6, se principiou viagem no rumo de Oeste, Sudoeste, e Susudoeste costeando a margem direita, e com dez horas de caminho a remo e vela se andaria seis léguas, sem no discurso delas haver coisa de que se desse fazer memórias. A sete se continuou viagem navegando ao Sul costeando a parte direita, e com duas horas de caminho a remo se avistou à parte esquerda o Rio chamado Aripuanã (5°7’10.34”S / 60°23’5.37”O), e atravessando a examinar a sua desembocadura se achou teria de largura oitenta braças, mostrando a sua direção ser quase de Leste para Oeste: a água deste Rio era clara e de melhor gosto que a do Madeira, no qual deságua defronte de uma Ilheta (Ilha Santa Luzia) de figura quase ovada que corre de Norte a Sul no mesmo Madeira em mui pequena distância da margem em que faz Barra o referido Aripuanã, no qual habitam algumas nações de gentio, razão porque se não tem navegado para saber ao certo a sua origem e a qualidade das terras por que discorre.
Deixando a boca de Aripuanã se prosseguiu viagem ao rumo de Sudoeste costeando à esquerda, em cuja margem junto ao mato se achou uma casca de pau de três braças de comprido, e meia de largo, atracadas as extremidades com cipós em forma que faziam popa e proa de embarcação, deixando no meio uma concavidade de pouco mais de dois palmos, e desta qualidade são as de que usa o gentio, de todo o Rio; e nesta que se achou tinham ido alguns àquele sítio, e que estariam no mato na diligência de alguma caça; por quanto semelhantes embarcações nunca o gentio as tem nos seus portos, sem as guardarem debaixo da água; e de mergulho as vão desatar, e fazem boiar para se servirem delas.
Esta que se topou sustentava dentro quatro pessoas com aptidão para poderem remar e navegar, mas em ocasião de - tranquilidade, porque a haver quaisquer ondas por pequenas que sejam alagam a embarcação, de cujas casualidades se sabem livrar admiravelmente os gentios pondo-se a nado esgotando-lhe uns a água, e os outros guardando as flechas, que é ordinariamente o cabedal (recurso) de mais importância que os acompanha.
Continuou-se viagem no rumo de Oeste a buscar a Ilha chamada dos Araras (Ilha Santa Luzia), que se avista da boca do Aripuanã já referido e chegando a ela se achou ser de terra firme, e nela habitava uma nação de gentio chamada dos Araras, donde toma o nome a mesma Ilha, a qual forma o Madeira quase com igual distância de água por uma e outra parte, que será de duzentas braças no mais largo; corre esta Ilha com as enseadas do Rio por espaço de duas léguas, que tanto terá de comprimento, a largura não se pode ajuizar ao certo o que terá. Navegou-se entre a dita Ilha e margem da parte esquerda no rumo de Sudoeste costeando uma enseada que se terminou com uma ponta de pedras, em que havia uma grande correnteza, e antes de chegar à referida ponta desaguava um pequeno Lago (Lagoa Castanhal - 5°7’48,23”S / 60°25’12,80”O), e depois de passada a correnteza desembocava outro também de igual entidade. Em pouca distância deste sítio na mesma margem portaram as canoas em uma Ilheta de pedras que havia em pouca distância de terra, mas não aparece em tempo de Rio cheio, por ser a sua elevação a metade menos da que tem a ribanceira da terra, que também alaga com a cheia. Neste dia em oito horas de caminho se andara pouco mais de três léguas em razão de não haver vento.
Da Ilheta de pedras se principiou viagem às 8 no rumo de Susueste costeando a parte esquerda; e antes de chegar à ponta da enseada deságua um Lago de pouca consideração (5°15’42,56”S / 60°33’12,69”O): e seguindo o rumo do Sul depois de passar uma Praia de areia, que há na referida ponta se encontrou com a maior correnteza que até aquela parte se havia topado; porquanto havendo uma Ilha (Ilha do Uruá - 5°20’49,46”S / 60°43’58,58”O) no meio do Rio com uma grande Praia, que se avizinha à da ponta mencionada, fazia a água; grande força pelo pouco fundo que havia por todas as partes, e foi preciso arrimar as canoas à Ilha, e puxá-las à corda até horas de jantar em que se descansou. Na margem da parte direita defronte da ponta desta Ilha estando um Antonio Correia morador do Pará em sua feitoria de cacau o investirão nela de noite os Muras, e o matarão a flechadas e a cinco índios domésticos.
Continuando logo viagem no rumo de Susudoeste com o mesmo impulso da corda junto à Praia da Ilha, sucedeu apartar-se das canoas grandes uma ligeira de exploradores, e passando à parte esquerda da margem saíram de repente à ribanceira coisa de dez ou doze gentios Muras, e largaram sobre a canoinha uma descarga de flechas, das quais não perigou pessoa alguma, e tendo-se da canoinha o acordo de usar das suas espingardas, se retiraram logo os agressores, e não foram mais vistos em todo o resto da tarde, que foi preciso gastar na condução das canoas à corda enquanto se costeava a referida Ilha, na qual se pernoitou aquela noite com grande vigilância e cautela. Neste dia em oito horas de caminho se vencera três léguas, em razão do embaraço da correnteza, a qual ficou vencida até o lugar mencionado em que pernoitou.
No dia 9 sendo já dia claro se deu princípio à viagem buscando a margem esquerda continente à em que apareceu o gentio, e costeando no rumo de Susudoeste abeirando uma Praia, que havia daquela parte se achou na areia da mesma uma flecha cravada, que disseram os práticos era sinal que o gentio fazia de desafio, e entendendo-se que os bárbaros nos estariam esperando na ponta da enseada, onde havia correnteza; se caminhou por ela com o cuidado necessário. Não houve novidade nesta passagem, porém indo a dobrar outra ponta que se seguia descobrirão as duas canoinhas da vanguarda cinco canoetas de gentio, navegando para baixo mui junto da ribanceira, e sem mostrar receio se empenhavam no encontro; porém apenas avistaram a primeira canoa grande com incrível ligeireza saltaram em terra, e sumiram as cascas de pau em que navegavam, de sorte que nem rasto se achou de nada. Eram estas canoas da qualidade da que acima se da notícia. Do meio da enseada, passada a referida ponta se atravessou a parte direita em que havia ribanceira mais alta, e há no seu interior bastantes cacaual, e se foi costeando no rumo de Susudoeste, e Oessudoeste, e ultimamente a Sudoeste, até chegar à Ilha chamada Mataurá (5°31’47,92”S / 60°52’51,87”O), defronte da qual portaram as canoas em uma ponta de terra baixa, aonde não havia receio de ataque, sem embaraço de que sempre se passou a noite com as cautelas costumadas. Quase defronte desta Ilha deságua pela parte esquerda um Riachão (Rio Mataurá - 5°27’59,00”S / 60°43’58,89”O), de que a Ilha toma o nome, de sorte que uma e outra coisa se chama Mataurá. Não houve ocasião de se lhe examinar a Barra, por se chegar de noite à sua vizinhança; mas dizem os práticos ser de menor grandeza que o Rio Aripuanã já mencionado no dia sete, e que neste Mataurá habitam várias nações de gentio. A enseada em que deságua, que é até a ponta donde saiam as canoinhas, é superior a enchente do Rio, e mostrava ser de boa qualidade para lavrar porque o arvoredo além de ser alto e frondoso era limpo da espessura ordinária, que há nas partes que alaga o Rio. Na viagem deste dia em sete horas e meia de caminho se andaria três léguas.
A 10, de madrugada, atravessando a parte direita se navegou no rumo do Sul, e logo no Sudoeste com bastante correnteza, e depois de três horas de caminho se avistou da parte esquerda uma barreira vermelha, a que no idioma geral dos índios se chama Guarapiranga, e dilatando-se por um quarto de légua com seu arvoredo de mata virgem desemboca no fim desta ribanceira um Riacho chamado Matapí não mui caudaloso, que tem defronte da boca uma Ilha (5°39’28,18”S / 61°15’22,29”O) com sua Praia em uma e outra ponta, que correm ao Essudoeste.
Passada esta Ilha se encontra na margem direita barreira vermelha semelhante à da parte esquerda, mas de menor extensão no cumprimento. Continuou-se viagem até as seis horas da tarde, e portaram as canoas em uma ponta da ribanceira da parte esquerda, e em nove horas de caminho se andara três léguas e meia, a maior parte no rumo de Sudoeste.
No dia onze ao romper da manhã se continuou viagem no turno do Sul e Susueste costeando a parte esquerda, na qual logo se encontrou com uma ribanceira de pedras, defronte da qual se prolongava uma Ilheta ao comprimento do Rio, por entre a qual e a margem direita se fez viagem, para salvar a correnteza que havia nas pedras da parte esquerda: nesta se seguia a dita ribanceira uma dilatada enseada de terra baixa no meio da qual deságua um grande Lago chamado Manicoré, e a última ponta da dita enseada rematava com uma feitoria de cacau. Defronte desta principiava uma grande Praia ou coroa de areia, que se levantando pelo meio do Rio ao seu comprimento o divide em dois canais: da parte direita deságuam dois Lagos pequenos, e toda a sua ribanceira é de terra caida, que depois de custeada ao largo se chegou as sete horas da noite defronte da boca do Rio Manicoré (5°51’25.97”S / 61°19’36.75”O), que deságua na margem esquerda quase fronteiro à ponta de uma Ilha, em cuja Praia portaram as canoas.
Este Rio Unicoré é medianamente caudaloso, a sua direção é para Sueste, e se acha habitado de gentio bravo.
Neste dia com dez horas de caminho se andara cinco léguas por se ajudar da vela toda a tarde com uma trovoada à popa. Rumo principal Sudoeste.
A 12 se prosseguiu viagem costeando a parte esquerda, canal que fazia o Rio entre a ribanceira e a Ilha mencionada, cuja Praia da parte do Sul se dilata por espaço de mais de uma légua nos rumos de Sul até Sueste por toda a enseada, no fim da qual a buscar o rumo de Sudoeste ao principiar outra enseada se encontraram três Ilhas, e por entre os seus canais, em que havia menor correnteza, se fez caminho até às quatro horas, ficaram pela popa, e seguindo no rumo do Sul a findar a enseada, portaram as canoas em uma Praia, que da ponta da enseada da parte esquerda se dilatava até meio do Rio. Neste dia em nove horas de caminho se andara quatro léguas: seu rumo principal Sudoeste.
Dia 13. Neste dia se não andou mais que uma enseada toda desde o rumo do Sul para Leste até chegar ao Norte: toda a enseada era de terríveis correntezas. A parte direita caminhando já a rumo de Leste principiou uma ribanceira de terra vermelha, em que havia uma ponta de pedras, onde corria a água com grande fúria. Dilata-se a ribanceira por espaço de três quartos de légua ao comprimento do Rio: achou-se ser a sua mata de castanhal e cacau. Remata em um Lago chamado pelos índios Capanã (5°59’54,22”S / 61°45’22,22”O). É este pedaço de continente o mais capaz de fundação de Aldeia que até aqui se havia encontrado; porque além da terra ser capaz de lavoura, é o Rio (5°54’59,69”S / 61°42’26,59”O) nesta enseada abundante de peixe e muita caça volátil e quadrúpede. A ribanceira da parte esquerda quase toda é de terra cabida, e estava a madeira amontoada pela margem em suma quantidade. Portaram as canoas às 6 horas da tarde em uma Praia, que sai da última ponta da enseada da parte direita ate quase ao meio do Rio.
No dia 14 se principiou viagem às 6 horas da manhã costeando a parte direita por um canal entre a ribanceira e uma Ilha (das Onças) nos rumos de Sueste, Sul, Sudoeste até chegar a Oeste e a meia légua de enseada se viu a boca de um igarapé que cortando ao centro deságua no Lago, de que se fez menção no dia antecedente, chamado Capanã; e continuando no rumo de Oeste pelas quatro horas da tarde ajudou uma trovoada o remo, e portaram às 6 horas as canoas em uma Ilha nova: e em dez horas de caminho se andara quatro léguas.
Seguia-se a esta Ilhota em que se portou, outra (Ilha Marmelos - 6°7’2,94”S / 61°47’30,83”O) de bastante extensão, e por entre a boca que uma e outra faz, se avista a ribanceira da parte esquerda, em cujo lugar teve Arraial o Capitão João de Barros da Guerra, quando no ano de 1719 foi mandado por Cabo de uma tropa a destruir os gentios chamados Torazes, os quais habitavam estes Distritos, e eram de tanta ousadia que navegando Rio abaixo saiam ao Amazonas e roubavam as canoas que do Pará subiam ao cacao dos Solimões, e matavam a gente. A guerra que lhes fez o dito Capitão os deixou extintos.
Dia 15. Pelas 6 horas da manhã se prosseguiu viagem no rumo de Oeste por um canal entre a Terra da parte direita e uma Ilha, que se prolongava ao comprimento do Rio, e quase na ponta dela deságua pela margem esquerda um Rio chamado Araxiá (Foz do Rio Marmelos - 6°8’36,21”S / 61°47’2,34”O), que mostrava na sua direção vir do rumo de Leste. Continuando a derrota do mesmo canal a quatro horas de caminho se encontrou com terra mais elevada e vermelha, passada a qual se viu desaguar um Lago chamado Macoapi (Lago Ipixuna - 6°20’9,43”S / 62°1’0,22”O), em que há uma cobra de extraordinária grandeza, a que os índios pelo seu idioma geral chamam — Boiaçú — que quer dizer no nosso vulgar cobra grande. Contam os mesmos índios deste gênero de animais coisas que parecem incríveis, razão porque se remete esta notícia à curiosidade.
Passada a Boca (6°16’16,45”S / 61°52’16,71”O) do referido Lago em distância de três horas de caminho da mesma parte direita ficando já a referida Ilha pela popa, se observou sair uma fumaça da margem junto a água, e chegando ao lugar donde havia sinal de fogo da canoa da vanguarda, ainda foram vistos uns poucos gentios que o faziam, os quais apenas se deixaram ver, logo se esconderam emboscando-se pela espessura do arvoredo. Continuou-se a derrota, sem fazer caso da novidade, e daí a uma hora de caminho portaram as canoas na ponta de uma dilatada Praia, que oferecia uma Ilha (Ilha do Bom Intento - 6°15’13,30”S / 62°2’20.06”O) encostada à margem esquerda. Neste dia em oito horas de caminho se andara três léguas.
Dia 16. Fazendo viagem pelo canal que havia entre a terra da parte direita e a Ilha mencionada, se continuou ainda o rumo de Oeste por espaço de duas horas de caminho, em que finalizava a ponta de uma enseada, em meio da qual (já depois de passada a Ilha) saia uma ponta de pedras, aonde o Rio cheio costuma haver mui grande correnteza. Ao entrar na enseada que se seguia andou a agulha para Oessudoeste, e passado pouco espaço chegou ao rumo geral, Sudoeste, e neste se perseguiu caminho costeando à direita, cuja ribanceira é de terra alta e vermelha, que terá meia légua de distância no seu comprimento abeirando o Rio, porém no centro se dilata esta terra firme, na qual fez seu alojamento o Capitão Francisco de Mello Palheta, quando no ano de 1723 foi despachado pelo Governo do Pará a explorar este Rio da Madeira: e neste lugar se fabricaram as canoas ligeiras, em que se prosseguiu derrota, que foi até chegar a Santa Cruz de Los Cajubabas, ou por outro nome a Exaltação, Aldeia situada na margem direita do Rio Mamoré, pelo qual entramos deixando o Madeira à esquerda em que deságua o Mamoré. Passada a referida terra firme, em cujo lugar se fez pausa a jantar, se prosseguiu viagem abeirando a ribanceira que se seguia de terra solta, que continuamente estava caindo e com ela algumas árvores: e com o susto que causava este perigo que se não podia evitar em razão de ser a outra margem sem fundo capaz de se navegar, se saiu deste trabalho às 6 horas da tarde, em que o Rio nos ofereceu uma Ilha (Boca do Cará - 6°14’52,46”S / 62°14’52,95”O) com sua Praia, em que portaram as canoas sem os viajantes terem mais cuidado que o ordinário de fazerem sentinela ao gentio. Neste dia por causa de ser já maior a correnteza do Rio se andara três léguas em nove horas de caminho.
No dia 17, se principiou viagem de madrugada costeando a margem direita no rumo do Sul por entre a Ilha, que corre na direção do Rio, e depois de passada em breve espaço, dai a meia hora de caminho se principiou a passar outra Ilha (6°22’5,19”S / 62°14’47,90”O) já no rumo de Sudoeste, que chegada à margem esquerda se dilata com as mesmas enseadas do Rio por espaço de cinco horas de caminho. No canal menor que faz o Rio entre esta Ilha e a terra da parte Oriental, deságua um Rio chamado Vrupuni, cuja direção não foi possível averiguar, porque o canal cheio de baixos e correnteza não permitia passagem a canoa grande. Neste Rio habita gentio Mura, e das queimadas que eles faziam neste Distrito se manifestava de noite o clarão dos Fogos, como se observou na deste dia e na do seguinte. Passada a referida Ilha se segue outra a uma hora de caminho de muito maior extensão também encostada à parte esquerda, cuja extensão é conforme as enseadas que faz o Rio, sendo o seu rumo principal a Sudoeste. Quase na ponta desta Ilha (6°28’55,55”S / 62°17’42,27”O) portaram as canoas com dez horas de caminho, em que se andara no referido rumo 4 léguas, por ser já por essa altura mui frequente a correnteza, e quase insuperável a canoas grandes.
Dia 18. Neste dia se principiou viagem costeando a referida Ilha pelo braço maior do Rio entre ela e a margem direita, e não se venceu mais neste dia de caminho do que duas enseadas, em que se andara três léguas por causa da grande correnteza. O rumo principal foi Sudoeste. Em uma Praia que saia da ponta da Ilha (6°36’33,71”S / 62°19’38,40”O) em que ela finalizou, portaram as canoas, e na mesma Praia se conservaram no dia 19.
Como já por este Distrito eram grandes as correntezas, e mui frequentes os baixos, que tudo dificultava a navegação de canoas grandes, se gastou todo o dia 19 em explorar as matas da mesma Ilha e da terra da parte Oriental na diligência de se achar madeiros capazes de fabricar embarcações ligeiras para nelas se prosseguir viagem, tanto para se vencerem os obstáculos referidos, como para o transito das Cachoeiras, para cujo trabalhoso passo se ia avizinhando a derrota.
Não se acharam na dita Ilha troncos com capacidade da obra que se projetava, e somente na margem Oriental de terra firme se acharam os precisos e próprios para o intento, porém com o desconto de ser preciso formar o Arraial para a fatura das canoas no mesmo continente, em que de necessidade havia maior risco dos ataques do gentio, do que poderia suceder na Ilha, aonde não costumam invadir os viajantes, por não terem retiro fácil depois de cometida a hostilidade, o que não lhes sucede em terra firme, aonde mais a seu salvo acometem favorecidos do terreno e dos bosques, em que se embrenham, o que depois se verificou por experiência.
Não houve outro arbítrio se não fazer alojamento na terra da margem Oriental do Rio, cuja planície por então estava desalagada, e para efeito de se entrar à operação das novas canoas passaram as grandes no dia vinte ao amanhecer ao sítio que na parte referida se achou mais próprio para formar alojamento, para o qual se reservou parte suficiente dos índios, e a outra se destinou ao corte dos troncos que eram precisos, para deles se fabricarem as novas embarcações, e com felicidade se acharam os tais madeiros na vizinhança do alojamento, e de mais desta comodidade se encontrou também a abundância conveniente de víveres para o sustento, assim de caça como de peixe; e só de um Lago (6°34’55,75”S / 62°17’49,75”O) que se descobriu perto do Arraial, houve uma tal fertilidade de tartarugas, que além de ministrarem a maior parte do sustento a toda a escolta, ainda dele se tiraram na despedida do sítio as que bastarão para fornecimento de muitos dias de viagem.
Construído no dia referido e 21 o Arraial cingido de uma trincheira de estacarias, e faxina para reparo suficiente de qualquer invasão dos bárbaros, se guarnecia de noite aquela circunferência com sentinelas, que eram três, para fazerem sinal de qualquer movimento que se oferecesse, observando-se também o estilo militar de rondarem os Oficiais da escolta as ditas sentinelas para evitar algum descuido.
Doze dias se passaram de alojamento sem neles haver sinal de gentio, até que na madrugada de três de novembro, estando de fora da trincheira uma porção de índios abrindo o casco da canoa a fogo (serviço que só aquela hora é proveitoso, em razão de não haver vento, que é mui prejudicial à obra) de repente se sentiram assaltados de gentio Mura, que favorecidos do escuro e espessura do mato dispararam quantidade de flechas sobre os ditos índios, que se achavam com suas armas, e escoltados pelo Sargento-mor, Comandante, e Ajudante da Tropa.
Nesta avançada não houve ofensa na nossa parte, antes um dos nossos índios teve o acordo de poder empregar uma flecha em um dos inimigos, que avistou em parte que a luz do fogo lho fez perceber. Tocou-se a rebate, e posto todo o Arraial em armas (ficando guarda conveniente às canoas que estiavam no Porto) sucedeu que ao sair um índio do seu alojamento acudindo ao rebate, o apanhou uma flecha por entre o osso da fúrcula (clavícula) e o pescoço da parte esquerda, que logo o deixou sem vida.
Botou-se um cordão de gente por fora à trincheira da parte acometida, e outro peto mato com desígnio de se apanharem ao romper do dia em cerco onde fosse castigado o seu atrevimento: não teve efeito o projeto, porque os Muras carregando o seu ferido que dava grandes brados, se acharam longe daquele sítio quando aclarou o dia. Não houve lugar na ocasião do ataque de ter efeito o uso das espingardas, por que se não podia ver onde fazer pontaria: caiam as flechas, porém não se distinguia o vulto que as impelia: cessou ainda assim a flecharia, depois que para aquela parte donde saiam, se disparou uma descarga de quatro armas.
Para se continuar o serviço da fábrica das canoas foi preciso dobrar as sentinelas na trincheira: e quando era necessário ir ao mato buscar cipó, folhas, estopa, e outros materiais, sempre os índios iam escoltados, e só em uma ocasião apareceram os Muras em um corte de pau, porém como foram vistos, e atenderam a disposição de armas, usaram da sua covardia retirando-se sem obrarem ação alguma. Somente de noite rodeavam ao largo o Arraial, e não se resolveram mais chegar perto da trincheira, sem embargo que das portas para dentro é que se abriram as mais canoas a fogo. Como aos índios trabalhadores era já mui custoso de dia lavraram madeira e de noite fazer sentinela, pareceu conveniente, depois de estarem cinco cascos de canoas abertos, que eram os precisos, mudar o Arraial para a parte mais acomodada, em que os desvelos noturnos: nos fossem de menos trabalho; e tomada esta resolução, se abandonou aquele lugar no dia 19 de novembro, no qual com quatro horas de caminho Rio acima se elegeu uma Ilha pequena com sua Praia, onde no dia 20 se armaram somente os estaleiros em que se acabassem as cinco canoas, o que se efetuou sem a menor perturbação do gentio até o dia primeiro de dezembro, em que carregando-se as novas embarcações, se expediram no dia seguinte de manhã as canoas grandes para baixo preparadas de mantimentos, armas, e lenha para evitar o portar em terra a cortá-la, com ordem os soldados que as governavam de portarem na Aldeia dos Abacaxis, e aí esperarem a volta da escolta.
Esta no dia 3 de dezembro pelas oito horas da manhã principiou sua derrota Rio acima no rumo de Oeste, e logo a Sudoeste rumo geral. Costeou-se à parte esquerda, que quase toda a ribanceira é de terra caída, e à parte direita deságua um Lago mui abundante de Peixe, o qual ou seja guisado com temperos ou assado, não tem sabor a coisa alguma: razão por que os índios no idioma da sua língua geral lhe chamam Lago de Jerupari-pirá, que no Português quer dizer: Lago que tem peixe do Diabo. No se sabe atribuir ao certo de que procede aquela insipidez tão extraordinária. Sendo já noite portaram as canoas em uma Ilha chamada de Santo Antonio (6°46’31,42”S / 62°25’27,76”O): e em oito horas de caminho se andara três léguas nos rumos já referidos.
Em 4 de dezembro se prosseguiu viagem costeando à esquerda uma grande enseada de terra alagada, sendo a outra terra da margem direita de barreiras vermelhas. No fim da dita enseada deságua um Lago chamado Pirá Jacaré (Carapanatuba), defronte de cuja boca principia uma Ilha encostada à parte direita, que se dilatava até a meia enseada que se seguia. Defronte da ponta desta enseada havia uma restinga de pedras, em que havia grandíssima correnteza, passada a qual sendo já de noite portaram as canoas na ribanceira da parte esquerda com 13 horas de caminho, em que se andara 4 léguas nos rumos do Sul a que se principiou, e logo a maior parte do caminho a Sudoeste, e se portou no de Oeste (7°0’35,22”S / 62°48’3,06”O).
A 5, se continuou viagem costeando à esquerda no rumo de Sudoeste e Sul, terra alagadiça; defronte desaguavam dois Lagos de terra que não alagava. Passada a enseada se seguiam três Ilhas lançadas a rumo de Sueste ao qual se navegou pelos que fazia o Rio, e passando a enseada se costeou à direita, e entrou já de noite por um canal entre a terra e uma Ilha, e se portou na ribanceira às 8 horas da noite, e em 15 horas de caminho se andaram cinco léguas.
No dia 6, que sucedeu ser mui tempestuoso de chuva e vento, se continuou a navegar o canal referido nos rumos de Sudoeste e Sul seguindo-se mais duas Ilhas à antecedente, e saindo a enseada costeando à direita foi visto um gentio na ribanceira encarando o arco para disparar flecha sobre a gente de uma canoa; porém andando mais destra a espingarda de um soldado em ser disparada por ele, não se sabe ao certo se foi ou não chumbado, porém é sem duvida que não foi mais visto. Seguiu-se logo na mesma ribanceira uma restinga de pedras, em que com algum trabalho foi preciso sirgar (puxar) as canoas à corda, e acabada esta operação por ser quase noite, portaram as canoas em uma Praia de Ilha que havia no meio do Rio. Neste dia em 6 horas de caminho se andara nos ditos remos 2 léguas.
Dia 7. Prosseguiu-se viagem costeando à esquerda no rumo de Susudoeste e Sul, e da margem, direita deságua defronte da ponta da enseada um Lago, e logo mais adiante um Ribeiro de pouca entidade, e a este se seguia outro de pouca entidade também, e antes de chegar umas barreiras vermelhas desaguavam dois Lagos também insignificantes. Passadas as ditas barreiras fazia barra um Riacho chamado Marani (Lago Puruzinho - 7°23’14,90”S / 63°0’1,82”O), que teria de boca (ao parecer) 50 braças, e a sua direção mostrava ser a Oeste. Continuando a derrota da parte esquerda no rumo de Lessueste, se achou a terra da ribanceira mais alta (Humaitá), e à vista da água várias vigias (à maneira de guaritas) cobertas de palha, em que o gentio costuma registrar o que passa pelo Rio, e quando descobrem as suas praias, para eles saírem a pescar: no fim desta margem mais alta deságua um Lago chamado das Piranhas. Deste lugar já sobre a tarde se avistaram umas Ilhas (Salomão e Fausto), por entre as quais se dividia o Rio em vários canais com uma tal disposição, a verdura do arvoredo representada na tranquilidade das águas oferecia aos olhos o mais agradável objeto, que até esse passo se havia logrado. Já de noite portaram as canoas na Praia de uma das Ilhas (Ilha Fausto - 7°39’25,57”S / 62°56’18,23”O) com doze horas de caminho, em que se andara cinco léguas.
No dia 8 de dezembro, por ser dedicado ao sagrado mistério da Conceição puríssima da Virgem Senhora, a cuja soberana proteção havíamos dedicado o Arraial da fábrica das canoas, de comum acordo se destinou a manhã deste dia a ouvir Missa somente, e com efeito executado este projeto se fez viagem só de tarde no rumo de Sueste e Sul, e com seis horas de caminho se andaram duas léguas.
A 9, principiando viagem pelas 3 horas da manhã se passou à parte esquerda do Rio, e foi prosseguindo caminho no rumo de Sul, e passada a primeira enseada se continuou a Sueste na segunda, cuja ribanceira era alta de terra vermelha, e a meio barranco (7°58’34,72”S / 62°52’2,02”O) saia uma fonte de água cristalina e de bom gosto, que se despenhava até o Rio: no fim desta terra desembocava um Lago, e defronte principiava uma Ilha, entre a qual e a terra mediava canal estreito, e passando ao mais largo que era da parte direita se navegou no rumo de Sueste, e logo ao Sul: onde portaram as canoas já noite na Praia de uma Ilha (7°48’38,28”S / 62°55’37,05”O) que havia no meio do Rio. Neste dia em 12 horas de caminho se andaram 4 léguas nos referidos rumos.
No dia dez saindo da dita Ilha no rumo do Sul, logo se passou ao Sudoeste, e com três horas de caminho, em que se andara uma Lagoa, se chegou neste rumo à boca do Rio chamado Ji-paraná (Foz - 8°2’51,74”S / 62°53’49,37”O) pelo idioma geral dos índios, que, em Português quer dizer Machado do Mar. Este nome lhe puseram os colonos por achatem neste Rio uns mariscos semelhantes as ostras, cujas conchas lhes serviam para cortar paus miúdos. Por ser este Rio o maior que até este lugar se havia encontrado desaguar no Madeira, foi preciso fazer nele algum exame para se individuar (individualizar), quanto fosse possível, a sua direção, grandeza, e altura do pólo em que deságua. Entrega este Rio as suas águas ao Madeira por entre uma ribanceira alta: divide-se em dois braços por lhe dar esta figura uma Ilha de pouca largura, porém de dilatado comprimento, que correndo com o rumo do mesmo Ji-paraná, dizem ser necessário dois dias de viagem para a vencer. O canal da parte de Leste tem de largura na boca entre a terra e a ponta da Ilha 257 varas portuguesas e o da parte de Oeste tem 177, que todas fazem 434 boca total do mesmo Rio, o qual navegando-se por espaço de duas horas mostrou ser o seu rumo sueste, a Leste é a sua entrada. Observou-se a altura, e se achou estar a sua desembocadura em 9 graus de Latitude Austral. Sobre a origem deste Rio se fará algum discurso quando se tratar do Rio Jamari que se lhe segue. Pelas 3 horas da tarde do mesmo dia se deixou a boca do Ji-paraná, e continuando derrota no rumo de Sudoeste costeando a ribanceira esquerda de barreiras vermelhas as mais altas que até este passo se haviam encontrado; e sendo preciso atravessar o Rio para buscar a Praia de uma Ilha (Assunção - 8°9’58,72”S / 63°1’57.56”O) encostada à parte Ocidental, se avistaram do meio do Rio no referido rumo umas serras, que representavam estar em bastante distância daquele lugar, e se averiguou serem aquelas, donde principiavam as Cachoeiras que de necessidade havíamos de encontrar. Portou-se com efeito na dita Praia já de noite, e com 4 horas de caminho no dito rumo se andaram duas léguas.
A 11 do mesmo mês de dezembro saindo da referida Praia de madrugada no rumo de Sudoeste, se navegou a direita, e a 6 horas de caminho se achou a ribanceira que se costeava ser de pedra talhada, e logo no fim dela desembocava um Riacho pequeno, que foi habitação dos gentios Torazes; que passaram vizinhas com os Muras, onde se lhes deu a guerra, de que já se fez menção. Defronte da ribanceira de pedra na margem Oriental desaguava um Lago (Igarapé das Abelhas) de pouca consideração. Fazendo-se no resto do dia caminho a Oessudoeste e Oeste, portaram as canoas na Ribanceira Ocidental (meio caminho entre Rio Aponiã e Igarapé Prainha) com 12 horas de viagem, em que se andaram 4 léguas, por se haverem encontrado neste dia formidáveis correntezas.
Dia 12. Principiou-se a navegar a Oeste à parte direita, e a uma hora de caminho se chegou a uma ribanceira de pedra em que havia grande correnteza, e foi preciso retirar dela e buscar a margem esquerda, que se navegou com menos trabalho, e seguindo ao rumo do Sul se achou desaguar por aquela parte um Riacho de pouca entidade. Fronteira à sua boca uma grande Praia, que já se ia povoando de arvoredo, que em breves anos a constituirá Ilha (8°16’4,13”S / 63°21’47,94”O): por entre ela e já a terra da parte direita se prosseguiu derrota no mesmo rumo do Sul, e antes de sair do canal se observou desaguar um Riacho, no qual esteve situada a Aldeia de Santo Antonio, e hoje se chama Aldeia de Trocano, de que já se fez menção.
Este Riacho se chama Aponiao, e por ele dizem haver boas terras para lavouras: não é caudaloso, e a sua direção é para Oeste. Logo se seguiu a passagem de 4 Ilhetas com suas praias, por entre as quais se dividia o Rio em vários braços, e pelo maior que era à parte direita saíram as canoas a enseada, e virando a ponta dela já noite portaram as canoas com onze horas de caminho, em que se andara 4 léguas nos ditos rumos de Oeste e Sul.
No dia 13, ao rumo de Oeste se principiou viagem por entre a terra da parte direita e uma Ilha chamada do Tucunaré, fronteira a ela era a ribanceira da parte esquerda de barreira vermelha, e no fim dela deságua o Lago chamado também Tucunaré: passada a Ilha deste nome se seguiu logo outra, que se principia a formar em uma Praia no meio do Rio, por onde navegando ao Sul se avistou a boca do Rio Jamari (8°26’57,01”S / 63°29’54,68”O), para a qual se atravessou no rumo de Susudoeste, e pelas dez horas da manhã se portou nela com cinco horas de caminho, em que se andariam 3 léguas sem correnteza.
Este Rio Jamari é de maior nome no Pará, do que outro qualquer dos que deságuam no Madeira, e a razão por que este Rio tem grande abundância de cacau silvestre, que os moradores do Pará vem colher no tempo de estar sazonado, juntando-se para este efeito quatro e cinco canoas para incorporadas resistirem às invasões dos Muras: e quando não pode haver esta sociedade, toda aquela grande colheita se perde exposta ao uso dos bárbaros e desperdício dos animais. Entra-se neste Rio no rumo de Sueste, e depois a Leste até chegar ao Norte, encaminha-se outra vez ao Sueste, que será provável ter este por legítimo rumo. Esta conjetura se fez em duas horas de caminho, em que se foi por ele acima logo que portaram as canoas.
Não tem correnteza de consideração: as suas águas são cristalinas e gratas ao paladar, especialmente dos que andavam habituados a água turva do Madeira, que nas do Ji-paraná e agora nestas do Jamari acharam uma transitória recreação. Deságua o Jamari no Madeira com 240 varas portuguesas de largura na sua barra, que se acha em 9 graus e 20 minutos, de elevação Austral, segundo constou pela observação do quadrante feita neste dia em horizonte bem proporcionado. Nesta ocasião se discorreu a respeito das origens deste Rio e do Ji-paraná, servindo de fundamento as notícias que davam dois moradores do Mato Grosso, que faziam viagem na escolta dizendo, que pelo rumo que levava o Madeira ao Poente, presumiam ser um dos dois Rios mencionados, um que com nome de Rio das Candeas tinha as suas cabeceiras ao Norte das do Rio Galera, que fazia barra no Aporé, com a diferença que o Candeas de necessidade havia de cortar de Leste para Oeste a buscar o Madeira, a Leste de serrania geral, e a Oeste da mesma cordilheira; quase de Norte a Sul caminhava o Galera a entrar no Aporé: e o não haver nesta controvérsia é por se ter navegado todo, e o Candeas somente as suas cabeceiras.
Nesta dúvida se apelou para a experiência examinando toda a margem Oriental com atenção até se topar outra Barra de Rio, que igualasse com a dos dois antecedentes para dar mais opositores às origens do Candeas; aliás continuar no Ji-paraná e Jamari a contingência referida. A Seu tempo se tratará desta matéria com mais individuação e clareza.
Dia 14. Continuou-se viagem no mesmo dia saindo da boca do Jamari, e no rumo de Sudoeste pela uma hora da tarde se costeou à esquerda, e às 4 horas da tarde indo a rumo de Sul sobrevieram umas trovoadas grandes, que obrigaram a tomar Porto na Praia de uma Ilha (Jamarizinho - 8°34’14,44”S / 63°38’31,44”O) encostada à margem esquerda, e ali se pernoitou. Andaram as canoas pouco mais de uma légua. A razão que houve para a demora de quase um dia no Jamari foi por que além das averiguações que nele se fizeram, requererão os índios a limpeza da sua roupa, por não haver tão cedo esperanças de achar água limpa.
No dia 15 ao romper da manhã saindo da Ilha mencionada no rumo de Sudoeste se pro seguiu derrota costeando à esquerda, e passada uma pequena enseada se entrou a navegar outra nos rumos de Sul e Sueste por entre uma Ilha e a terra, cuja ribanceira era de pedra que finalizava com uma restinga, em que havia grande, correnteza, e para desvio dela foi preciso passar à direita; e no rumo de Sudoeste, ficando as pedras já pela popa, se passou outra vez à esquerda a horas de meio dia, e no meio de uma pequena enseada de terra sólida desaguava um regato, no qual logo à entrada esteve fundada a Aldeia já referida do Trocano, a primeira vez que se desceu a sua gente do mato, contiguo à segunda Cachoeira, de que depois se fará menção. Neste lugar se acharam ainda bastantes limões, laranjas, bicaes e outras frutas, que se produzem naquele lugar desde o tempo que ali houve a dita habitação. Daqui se buscou no rumo de Sudoeste uma Ilha grande, passada a qual portaram as canoas já noite na Praia da sua última ponta. Neste dia com oito horas de caminho se andaram 3 léguas.
Dia 16. No rumo de Oeste se principiou viagem costeando à esquerda; defronte da Praia desaguava da parte direita um ribeiro de pouca nota, e logo na mesma enseada um Lago. Prosseguiu-se caminho no rumo de Sudoeste em um dilatada enseada, e passando à direita para livrar de grandíssima correnteza se caminhou a rumo de Oeste, e nele se portou em uma Praia que havia no meio do Rio, na qual havia imensidade de criação de tartarugas de que se fez bastante provimento: e foi a última fartura que ofereceu o Madeira desta espécie de peixe, pois a não ha dai para diante, em que principiam as Cachoeiras, Neste dia em 6 horas de caminho se andaram duas léguas e meia nos rumos referidos, sendo o principal Sudoeste.
No dia 17, se principiou viagem no rumo de Sudoeste costeando a direita de uma enseada, no fim da qual ao voltar para outra se achou uma correnteza tão violenta (resulta de uma restinga de pedras que ali havia) que por nenhum modo se pôde vencer: atravessou-se à parte esquerda, e vencendo-se alguns baixos de coroas de areia se navegou um pequeno espaço a Oeste, e logo a Sudoeste e Sul uma mui dilatada enseada, no fim da qual entrando em outra a Sudoeste se avistou neste rumo a primeira Cachoeira, e no mesmo se chegou a portar junto dela pelas cinco horas da tarde: em 8 horas do caminho se andaram 3 léguas. A ribanceira da enseada que ia topar na dita Cachoeira, é de terra alta que principia em uma ponta de pedras da parte esquerda. Tem bom arvoredo, e mostrava toda porção de terra ser capaz de habitação e lavoura.
Breve Notícia das Serranias de que Procedem
as Cachoeiras do Rio da Madeira
Como a de ser mui preciso neste Diário o falar repetidas vezes na cordilheira donde resultam as Cachoeiras do nosso Rio, pareceu conveniente antes de entrar a descrevê-las oferecer neste lugar uma ideal da extensão daquelas serranias assim pelo que constou ocularmente no progresso da viagem nas partes, em que ou pela sua vizinhança com o Rio, ou pela sua grande elevação mais ao centro se deixavam avistar, como também pela indagação que se fez dos rumos que traz desde a sua origem, segundo noticiaram pessoas fidedignas, que viajaram grande parte do dilatado terreno que elas ocupam.
Ainda que entre os Expositores sagrados se ofereça a questão, se existiam já ou não no mundo as serras e montes, que por todas as quatro partes cingem a sua grande máquina, antes do dilúvio universal; contudo, ou fosse obra da criação (que será o mais provável) ou desafogo da natureza, quando se viu oprimido o globo com aquela inundação geral das águas, sempre estes gigantes da terra que muitos chegam a competir com as nuvens, são objetos dignos de se admirar nelas a grandeza de Deus Artífice Supremo das maravilhas criadas: e assim todos sabem pelas histórias antigas e modernas, sacras e profanas, o quanto o mundo está povoado destes prodígios da natureza.
E passando dos termos expressivos aos figurados, em todas as Cartas Geográficas, ou sejam universais ou particulares, fazem os seus autores uniformes demonstrações das serras e montes mais célebres, que em diversas posituras se dilatam pelo antigo e novo mundo. Nesta certeza se tratará aqui somente das que fazem congruência ao intento acima expressado.
Os historiadores de melhor aceitação e os Geógrafos mais pontuais descrevendo e delineando a celebre cordilheira dos Andes, lhe conferem a larguíssima extensão que há desde o Estreito Magalhânico até a Nova Espanha discorrendo por toda a costa de Chile, Peru e Istmo de Panamá, cuja vasta direção compreende mais de mil léguas de terreno; certificando ser a sua elevação em partes tão excessiva que dizem não a podem superar com o vôo as mais ligeiras aves.
A esta muralha levantada pela natureza como para defender a terra das invasões do grande Mar do Sul, que dos empedernidos retiros da sua agigantada estatura se desentranham os tesouros de ouro e prata, que faz a opulência das índias Ocidentais, que enriquece a Monarquia Castelhana, corresponde outra cordilheira não menos avultada na grandeza, nem menos abundante de preciosos metais e pedras finíssimas, brilhante adorno com que se esmalta a Real Coroa da Majestade Augusta Portuguesa, que fazendo frente ao Mar do Norte costeando todo o Brasil desde a Capitania do Ceará, caminhando ao Sul faz o Cabo de Santa Maria, Promontório que termina a ponta Setentrional, por onde desemboca o grande Rio da Prata no Mar do Paraguai.
Esta direção traz a serrania, quando em altura de 23 graus de Latitude Austral logo ao Sul da Vila de Santos lança outra cordilheira desde o lugar chamado serra do Mar, que penetrando o serrão em vários rumos se ramifica por todo o continente das Minas Gerais e Goiás.
Nas vizinhanças da cidade de S. Paulo principia esta serrania a fertilizar a terra com copiosas águas, dando (entre outros muitos) nascimento ao Rio grande nomeado nas Cartas estrangeiras Paraná, o qual caminhando a Oeste se junta com o Paraguai, não sem alguma competência no disputar a primazia de Madre Geral daquelas imensas águas: contudo ele perde o nome no Paraguai em altura de ... graus de elevação Austral.
Na mesma serrania tem suas Origens o famoso Rio de S. Francisco, que recolhendo em si as águas de outros muitos Rios, que tem suas fontes na mesma cordilheira discorre com um meio circulo ao Norte, e se entrega ao Oceano Brasiliense entre o Cabo de Santo Agostinho, e a cidade da Bahia em altura de ...
Finalmente depois que desta cordilheira nasce no Distrito de Goiás o célebre Rio Tocantins, que se engrossa com grande número de Riachos vertentes da mesma serrania, se encaminha esta ao rumo de Oeste, e como se fosse uma baliza terminante dos domínios que pagam fluído tributo ao Oceano, reparte em distância de mais de duzentas léguas as águas em caudalosos Rios, uns que buscam no rumo do Norte terminar seu curso no célebre e grande Rio das Amazonas, e outro para o Sul a fazer o Rio da Prata ou Paraguai, como se dará noticia individual em lugar mais oportuno.
No referido rumo de Oeste, fazendo várias meios círculos de montanhas, e lançando muitos braços para o Sul (não consta que também para o Norte) se vai dilatando a serrania até finalizarem os Campos Paricizes, que deixa da parte do Norte paralelos às Fontes dos Rios Madeira e Jahurí, como a diante se fará mais distinta menção; e buscando a margem do mesmo Madeira, deixando o rumo de Oeste, acompanha este Rio no de Oesnoroeste por espaço de mais de cento e oitenta léguas.
Voltando com o mesmo Rio para o Nordeste por espaço de sessenta léguas forma as Cachoeiras, que adiante se descrevem, até que na altura de 9 graus de Latitude Austral, em que deixa as primeiras, busca o rumo de Oeste , em cuja direção se perde de vista; e será provável se irá unir com as serras do Peru, que fazem a mencionada Cordilheira dos Andes.
A imensidade de Nações gentílicas, que habitam a fragosidade (áreas de penhascos) da parte superior e interior destas serranias com mais inclinação à sociedade das feras que à dos homens, pede um Tratado particular, que faria grande volume para se noticiar ao mundo a muita parte que ainda há daquele infeliz Paganismo, do qual neste Diário se fará memória breve onde for conveniente, como também da abundância de riquezas, de que nesta serrania tem havido descobrimentos, os quais ainda se espera continuem nas partes, em que a mesma cordilheira é mais Ocidental no Distrito de que tratamos.
Com o nome de cordilheira das Gerais ou Chapada Grande se apelida esta serrania pelos moradores do Cuiabá e Mato Grosso, e de uma ou outra denominação se usará no progresso deste Diário.
Descrevem-se as Cachoeiras do Rio da Madeira Principiadas a passar no Dia 3 de dezembro de 1749.
PRIMEIRA CACHOEIRA (Santo Antônio)
Chegando, no dia 17 de dezembro, pelas 4 horas da tarde, à vizinhança da Cachoeira chamada pelos índios Aroaya, e pelos Portugueses de S. João, se mandaram os índios mais experimentados em uma canoa a examinar qual dos canais, que fazia o Rio por entre morros de pedras, seria mais capaz de se poder passar com menos perigo: e pela informação que deram, se averiguou ser conveniente puxar as canoas pela margem esquerda e não pela direita, porque pelo meio ela impraticável; e da mesma sorte pela parte direita se fazia igualmente perigoso, em razão de ter já o Rio principiado a encher, e descarregar por aquela margem maior peso de correnteza do que pela esquerda: concordado este parecer se empreendeu no dia seguinte a passagem, que foi com trabalho , mas feliz sucesso.
Desde que se entrou a navegar o Rio da Madeira a este lugar da primeira Cachoeira, se achou serem ambas as margens alagadiças, que nos meses de cheia se inundam todos os anos em distância de uma e duas léguas para o centro de cada parte conforme a quantidade de água que chove nos invernos, que uns são mais copiosos do que outros, donde resulta a imensidade de Lagos, que na vazante do Rio ficam por ambas as margens, de sorte que sendo raras as partes em que a terra se levanta mais do ordinário (que nunca chega a mostrar uma légua de ribanceira alta) sempre se acham estas pequenas distâncias cercadas de Lagos, em forma que mais parecem ilhas do que terra firme; porém indo-se avizinhando à primeira Cachoeira já a ribanceira alta corresponde com o centro, e não dá lugar a inundações, e nesta parte principiam as serras da cordilheira geral a quem navega Rio acima, e finalizam aos que rodam para baixo. E estas mesmas serras são as que se haviam avistado.
Essas serras se dilatam por uma e outra margem a vários rumos, e por entre elas faz caminho o Rio Madeira, e como sejam compostas de morraria de pedra, assim mesmo oferecem as suas extremidades a correnteza do Rio, de maneira que na primeira Cachoeira se observou fazer a terra uma pequena enseada da parte Oriental composta de morros de pedras (Corredeira dos Macacos), os quais atravessando o Rio formam nele duas Ilhas, uma delas maior e com arvoredo alto em distância de 200 braças da terra firme da banda esquerda, e outra menor e quase escalvada, que se opõe ao meio da correnteza do Rio. Da parte Ocidental principia uma dilatada enseada, e na ponta oposta à Oriental há semelhante pedraria da mesma qualidade e positura que a já referida.
Por entre as duas Ilhas e as duas pomas de terra firme rompe a correnteza do Rio oferecendo à vista um espetáculo igualmente formidável e alegre; porque atendendo à valentia, com que a água para atropelar os impedimentos que se lhe opõem em parte, se precipita dos penedos, e saindo por entre outros já despedaçados vai formando em diversos giros varias fenômenos em rodamoinhos (redemoinho) e fervedouros, até sonegar em remansos mui quietos nas enseadas, em cuja tranquilidade se está debuxando o arvoredo sempre viçoso das margens. Tudo junto dá assunto à contemplação para o recreio; porém oferece aos viajantes horríveis objetos para o temor.
Nestes termos três são os canais que se chão nessa Cachoeira: pelo do meio ainda ninguém passou, nem pode sem acabar infalivelmente na empresa; pelo da parte direita em tempo de seca vai qualquer canoa sem perigo; porém em tomando o Rio as primeiras enchentes não resta mais que o canal da parte esquerda, que em tempo seco não tem água, e ainda na força de roda a cheia é por onde melhor se pode navegar. No tempo presente, como era princípio das primeiras águas, já neste canal havia a que bastava para se puxarem as canoas; o que se executou no dia 18 depois de celebrar-se Missa em obséquio da Senhora do Ó, cuja festividade celebrava a Igreja.
Dois puxadouros se ofereciam pela parte referida ambos por entre pedras, porém com a diferença que pelo primeiro podiam ir as canoas carregadas levadas à sirga com grande cuidado; o que se venceu em 4 horas de trabalho: e chegando a um remanso junto ao outro puxadouro se descarregarão as embarcações, e conduzidas as cargas por cima de imensidade de pedraria em distância de 200 braças se deixaram em parte conveniente, aonde já sem perigo se havia de embarcar. Feito este serviço se entrou na diligência de transportar as canoas pelo último resto do canal, que era a quebrada de um morro, por onde saia água em altura de dois palmos com pouca correnteza, e teria de distância 30 braças; para o que foi preciso fazer estivas de madeira para salvar as canoas de alguma ruína, que lhes podia suceder nas pontas das pedras, que ainda não estavam cobertas. Com esta prevenção se puxaram as canoas com bom sucesso, e ficaram por toda a tarde transportadas a lugar seguro já livre dos perigos deste primeiro impedimento, e cada uma com a carga que lhe pertencia para no dia seguinte fazerem viagem.
A 19, já dia claro se principiou viagem pelo remanso, que havia entre o resto da Ilha e a terra firme da parte esquerda no rumo de Oesnoroeste; e em menos de meia hora costeando a Oeste se avistou a Cachoeira pela parte de cima, em que mostrava os primeiros princípios da água que cabia entre duas Ilhas e o canal da parte direita, que na verdade fazia muito mais funesta representação do que a já referida. Costeando a mesma margem esquerda se acharam a uma hora de caminho indo no rumo de Oessudoeste: encostados à terra dois morros de pedra, um dos quais formava uma Ilha, e dela se prolongavam pedras até meio Rio, aonde fazia bastante correnteza, que se venceu a remo; e a não estarem já as pedras do meio bem cobertas de água haveria aqui novo trabalho como de Cachoeira.
Desta parte se atravessou à direita, costeando a qual se topou ainda à vista do morro antecedente outro mui semelhante, menos em formar Ilha, porém maior correnteza, que se não pode vadear se não a corda e com algum perigo: neste lugar havia na terra firme Muitas árvores de cacau frutífero e já quase sazonado, e muito castanhal, e outras árvores de frutas do mato, que os índios comem. Vencido este passo, se principiou a ouvir o estrondo das águas da célebre Cachoeira chamada Gamon, e costeando a mesma pane direita nos rumos do Sudoeste e Sul, levando já por guia o ruído das referidas águas se avistou na volta do Susueste aquele promontório de água, que se despenhava por toda a largura do Rio, e no mesmo rumo chegamos a ela pela 4 horas da tarde: e em seis horas de caminho se andaram 3 léguas desde a 1ª Cachoeira até esta.
SEGUNDA CACHOEIRA (Teotônio)
Da parte Oriental e Ocidental forma o Rio duas enseadas correspondendo uma a outra, de sorte que parece se fecha o Rio em um círculo igualando as pontas de cima fronteiras uma a outra no rumo de Noroeste e Sueste. Ambas estas pontas se formam cada uma de um morro de pedra sólida, e se comunicam ambas; fazendo como uma muralha desmantelada, por cujas ruínas precipitando-se a água do Rio com furiosa violência resulta um espantoso estrondo, que a haver nas suas margens povoações seria provável padecerem os seus habitantes à surdez que dizem sucede aos que vivem junto das catadupas do Nilo. Neste impedimento que acha o Rio e rompe com tão furioso estrepito, não há caminho algum para os homens vencerem este passo por canais ou remansos; porque estes não os há junto às pedras, e aqueles se não percebem, porque entre as quebradas dos rochedos tudo são fervedouros de água, que apenas se chegou a eles qualquer tronco por corpulento que seja, em um instante o sorve, e com brevidade o expele e logo torna a sumir, até que daí a tempo o lança em redemoinhos de água, em que anda detido em giros por muitos dias até haver maior enchente, que lhe faça caminho para sair daquela represália. De uma a outra ponta poderá haver de Longitude e de Latitude de água precipitada duzentas e cinquenta braças. A altura da queda em partes mostrava nesta ocasião em que já crescia o Rio, ser no mais alto até 16 braças fazendo de longe a estimativa.
Como a furiosa correnteza, que despede das quedas que dão as águas pelos rochedos, encosta à parte direita do Rio, porque topa com uma Ilha e Praia que no meio da enseada se lhe opõe, e dá passagem ao maior peso da água entre a terra da mesma parte direita e a Ilha, tomaram as canoas o caminho da margem esquerda, e portaram em uma enseada pequena, donde como era inútil a diligência de explorar canais, se descarregaram de tudo, e depois de transportados os mantimentos e trastes por terra rodeando o morro por espaço de 600 braças, se puxaram pelo mesmo caminho as canoas por terra sobre estiva de madeiros, em cujo trabalho se gastou dois dias; e por que algumas canoas se desconjuntaram no puxadouro, em que havia uma elevação de terra donde foi preciso maior impulso para as mover, se gastou outro dia para as refazer do dano dando o mato, vizinho estopa em um pau chamado Jacepocaia, e se lhe tira entre a casca e tronco, e só com o pequeno benefício de desfiar aquela como membrana e enxugar o desfiado fica capaz do ministério a que se a aplica, e de outro pau chamado Cumaá se tirou o suco que serviu para brear (calafetar), e é ainda melhor material que o mesmo breu para estancar as costuras, que se calafetaram com a referida estopa. A terra contígua ao morro da parte direita, que lança a penedia de que se forma a Cachoeira, é de elevação de serra, e assim vai correndo para o centro, e a extremidade dela acaba na ponta do Noroeste em que fecha a Cachoeira. Na ribanceira da enseada da parte direita antes e depois de passada a Cachoeira há uma qualidade de terra de tão extravagante qualidade, que dela unicamente se sustentam os animais quadrúpedes e voláteis que habitam por aqueles bosques, de sorte que as Antas, Javalis, Javalis, e outros animais deste gênero, e os Papagaios, Araras, Mutuns, e Outros desta espécie, que se apanham para sustento dos viajantes, não se lhes acha nos buxos e papos outra coisa que manifeste a sua nutrição mais do que a referida terra, e nela se acham comendo muitas vezes os animais e já é conhecida esta qualidade de terra pelas covas que deixam os que dela se mantém.
Genesis VII, 13-14: Naquele mesmo dia, Noé entrou na arca com seus filhos Sem, Cam e Jafé, e com eles sua mulher e as três mulheres dos seus filhos. Juntamente com eles, entraram os animais selvagens, segundo as suas espécies, os animais domésticos, segundo as suas espécies, os répteis que rastejam pela terra, segundo as suas espécies, e todos os animais voláteis, todas as aves, tudo quanto possui asas, segundo as suas espécies.
Animais voláteis: uma das cinco classes em que se dividiam os vertebrados, de sangue quente, a qual compreende animais voláteis, bípedes, ovíparos, de Corpo coberto de penas, bico córneo e sem dentes. (Nota do Autor)
O gosto desta qualidade de caça é mais insípido do que ordinariamente tem a que se sustenta de plantas e frutas do mato. O peixe desde que se entrou nas Cachoeiras é de muito melhor sabor do que aquele que se pescava antes de chegar a este Distrito.
Somente a água é ainda mais barrenta pelas Cachoeiras do que antes de chegar a elas; e para se beber sem escrúpulo de que os intestinos se reformem de barro, é preciso nas vasilhas em que se toma água lançar-lhe uma porção de pedra-ume (sulfato de alumina e potassa), a qual tem a virtude de fazer precipitar todo o lodo por sutilíssimo que seja, e deixa a água clara, a qual assim bebida é de muito bom gosto; porém sempre lhe fica a qualidade de pouco diurética.
Acha-se esta Cachoeira na altura de 9°40’ ao Sul da equinocial; e não se tomou a altura na primeira Cachoeira por não haver horizonte capaz para se fazer observação com o quadrante.
A 23, se principiou viagem costeando a parte esquerda no rumo de Sudoeste, e nele com pouco mais de uma hora de caminho se achou haver uma Cachoeira já quase cobertas as pedras de que se compõe; razão porque foi fácil o vadeá-la, e se acharam canais à parte direita e esquerda, por onde com pouco trabalho se puxaram as canoas à corda. Da margem esquerda do Rio sai neste lugar uma ponta de pedra, que se dilata formando vários morros até atravessar o Rio à parte direita que tem três Ilhetas (8°53’23,48”S / 64°5’20,22”O) formadas da mesma pedra, que tem bastante arvoredo silvestre, e por entre estas Ilhas e a terra firme se navegou na forma referida por espaço de meia hora no rumo do Sul e Susueste; e indo já a remo costeando a enseada se tornou no Sul e Susudoeste e no fim da enseada se acha uma Ilha (8°55’13,32”S / 64°5’20,99”O) cercada de pedras em partes de figura quase redonda no meio do Rio, e oferece passagem por entre ela e a terra firme de uma e outra parte sem correnteza nem trabalho.
Passada a Ilha se continuou viagem virando a ponta da enseada ao rumo de Oessudoeste, e costeando a Oeste se achou ser a ribanceira, que principiava na referida ponta, uma parede de pedra talhada a prumo de bastante altura, e logo uma correnteza grande procedida de umas pedras (8°58’41,26”S / 64° 6’16,33”O), que da mesma margem saiam até o meio do Rio, e se passou sirgando a corda com pouco trabalho.
Seguindo o mesmo rumo de Oeste, e passando a sudoeste costeando a mesma parte direita se topou com uma Cachoeira (8°59’41,67”S / 64°8’34,83”O) semelhante à antecedente composta de várias Ilhetas rodeadas de pedras, que se dilatavam de uma a outra parte do Rio quase Noroeste e Sueste; e como a água cobria já grande parte das pedras, nos deu passagem entre a terra firme da parte direita e uma Ilheta sirgando com pouco trabalho, e o mesmo sucedeu às outras canoas da conserva que tomaram à parte esquerda; com que se veio no conhecimento de que tanto a presente Cachoeira e a antecedente tem passagem com facilidade por uma e outra parte do Rio entre a sua ribanceira e os Penedos.
Daqui se foi costeando no mesmo rumo até uma enseada pequena, em que já noite portaram as canoas da mesma parte direita, e em 9 horas de caminho se andaram três léguas.
TERCEIRA CACHOEIRA (Morrinhos)
No dia 24, se principiou viagem no rumo de Oessudoeste atravessando à parte esquerda para livrar de uma correnteza que havia passada a ponta da pequena enseada, em que se pernoitou, procedida de umas pedras, que em pequena distância de terra apareciam fora da água porém costeando no rumo de Sudoeste uma mediana volta, se topou no meio dela com pouco mais de hora e meia de caminho com uma ponta de pedras, que se estendia até quase meio Rio, em que havia grande correnteza, a qual se passou à sirga; e costeando no mesmo rumo, por espaço de hora e meia chegamos à Cachoeira chamada pelo idioma dos índios ... presentemente respeitando a celebridade do nascimento de Cristo Senhor nosso se apelidou Cachoeira do Natal. Em três horas de caminho se andara uma légua. Consta esta Cachoeira de duas Ilhas de pedra (9°1’44,17”S / 64°12’4.93”O) com arvoredo espesso, que ambas atravessam o Rio no turno de Noroeste e Sueste; das ribanceiras Oriental e Ocidental correspondentes a estas Ilhas sai quantidade de pedraria, que ocupa um e outro canal entre as Ilhas e a terra firme: razão porque se oferece grande dificuldade na passagem de qualquer deles em Rio que não esteja cheio. O espaço que medeia entre uma e outra Ilha também é povoado de penedia, por onde se precipita o Rio com a maior força da sua correnteza; e por esta causa é intratável a subida ou descida por semelhante parte. Nestes termos tendo à vista um objeto, que por todos os lados parecia formidável, noticiaram os práticos que à parte esquerda é que costumava haver passagem mais favorável, e nesta consideração se expediram os guias a examinar o canal, que com efeito se achou em termos de se passarem as canoas em meia carga, por não estarem ainda de todo bem cobertas as pedras por onde se oferecia caminho.
Descarregadas as canoas na forma referida se executou o transporte delas, e por todo aquele dia ficaram da outra parte da Cachoeira, cada uma com a carga que lhe tocava; com o que se venceu uma grande correnteza, que restava na enseada e concluída portaram as canoas na ribanceira da parte esquerda. Logo que amanheceu se buscou lugar acomodado para celebrar Missa, e não se ofereceu outro mais apto e a propósito, do que uma pequena Praia que havia na Ilha da parte do Noroeste, já salva a Cachoeira; e para aquele lugar se atravessou o Rio, no dia 25, pela manhã até o sítio mencionado, em que se ouviram as três Missas permitidas na celebridade do Sagrado Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Neste dia 25 pelas três horas da tarde se continuou viagem atravessando à parte esquerda e costeando no rumo de Oeste, Oessudoeste, e Sudoeste, foi preciso com três horas de caminho atravessar à parte direita aportar em uma pequena Praia; o que se executou já de noite e se andara nas ditas três horas légua e meia.
A 26 depois de se ouvir Missa se principiou viagem às sete horas no rumo de Susudoeste atravessando à parte esquerda, e costeando ao Sul entre uma grande Ilha (Liverpool - 9°6’42,69”S / 64°20’11.05”O) e a terra se navegou outra vez ao Sudoeste até chegar a uma ponta de pedra em que principiava uma dilatada enseada, na qual se encontraram três Ilhas (9°9’56,68”S / 64°22’23,12”O)que corriam ao comprimento do Rio, por entre as quais havia grande correnteza, a qual se embravecia em partes onde nas pontas das mesmas Ilhas topavam pedras; e sem embargo destes embaraços se portou já noite em uma Praia no meio do Rio contígua à última das ditas três Ilhas, e em dez horas de caminho se avançaria dele 4 léguas.
Na dia 27, se continuou viagem atravessando à parte direita do Rio; e no rumo de Oeste se foi costeando por espaço de uma hora, e depois se navegou a Oesnoroeste, e logo outra vez a Oeste, e deste rumo se foi passando em breve espaço ao do Sudoeste e Susudoeste; e nesta volta se avistaram umas serras altas, que mostravam correr de Leste a Oeste, na ponta de uma das quais se achava a Cachoeira para onde se dirigia a derrota, na qual se passaram duas Ilhas, uma da parte direita do Rio que se prolongava ao meio dele, e outra à parte esquerda junto à terra, e corria com a volta da enseada; e continuando esta no mesmo rumo de Sudoeste se avistou, a 4ª Cachoeira, e portaram as canoas à parte esquerda já noite em uma pequena Praia junto à ribanceira; e em dez horas de caminho se andara neste dia 4 léguas.
QUARTA CACHOEIRA (Caldeirão do Inferno)
Chegou o dia 28 , e depois de se celebrar Missa se costeou à parte direita uma pequena enseada ao Sudoeste, e a ponta em que terminava se compunha de pedras, que avançavam até ao meio do Rio, por entre as quais se navegou com bastante trabalho contra uma grande correnteza que havia neste lugar; e logo que se voltou a ponta portaram as canoas junto à Cachoeira chamada pelo idioma dos índios Guará-açú (9°15’56,94”S / 64°38’50,59”O), que quer dizer Guará grande (Guará é um pássaro do tamanho de uma gaivota, e todas as penas de que se veste são de cor escarlate mui vivo), e ali se esperou o exame dos canais para saber-se por qual era mais conveniente passar.
Compunha-se esta Cachoeira de um labirinto de Ilhas cercadas de morraria de pedras, que atravessam o Rio de uma a outra parte no rumo de Noroeste e Sueste, em distância de quase meia légua, que tanta largura faz o Rio naquele lugar, porque forma duas enseadas ou baias de ambas as partes correspondentes na concavidade.
Quatro Ilhas tem a sua positura ao comprimento do Rio, que faziam frente a imensidade de outras mais pequenas que mediavam aos vãos, seguindo o mesmo rumo em distância de quase três quartos de légua em Latitude todas de rocha viva, em cujas superioridades produzem arvoredo cerrado e sumamente agreste.
Todas ramificam de si tanta cópia de penedos, que não tem o Rio desafogo algum, mais do que por entre imensidade de pedras fazer vários precipícios, e destes resultarem redemoinhos de água que costumam ser sumidouros de tudo o que neles se mete, ou seja canoa, pau, ou outro qualquer Corpo capaz de padecer a desgraça de ser levado ao fundo com incrível violência.
Em tempo que o Rio está de meia enchente, e até esta ser completa, que estejam muitas pedras, ou todas cobertas no canal entre a terra do Sudoeste e a Ilha imediata, há por este lugar suficiente passagem: porém na ocasião presente em que a água principiava a crescer, tudo por esta parte eram precipícios de água e sorvedouros. Pelos canais do meio não havia que tratar por ser mais formidável a saída das águas com a violência de toda a correnteza: razão porque se buscou o recurso de se explorar o canal da parte de Noroeste, e nele costeando a Ilha contígua se achou passagem, mas a mais trabalhosa que até este lugar se havia experimentado. Três são os canais, que por entre as quatro Ilhas fazem passagem no Rio com a violência mencionada; porém como em distância de 50 braças pouco mais ou menos se lhe opõe uma Ilha de pedras que atravessa o Rio no mesmo rumo de Noroeste e Sudoeste, nela quebram as águas a fúria com que rompem por entre os penados dos canais referidos; e pela parte inferior da mesma Ilha faz a água um sossegado remanso, pelo qual atravessaram as canoas à parte do Noroeste; e costeando a Ilha que corre ao comprimento do Rio, se acham nela duas pontas de morros de pedras, por entre as quais se puxaram as canoas, em cujo serviço se gastou a tarde co dia 28, e ali se esperou o seguinte para continuar a passagem de maior perigo.
No dia 29, se navegou pelos remansos que mediavam entre as correntezas da terra firme e da Ilha, e se intentou a passagem de uma ponta de pedras, que havia em outra Ilha fronteira à mencionada, por onde se podiam puxar as canoas em meia carga, e deste transporte passava a um remanso mui dilatado, que mediava entre este lugar e outras Ilhas da parte de cima, e por ele se podia passar sem perigo à outra margem do Rio a vencer o último salto que nela se oferecia; porém ao varar a primeira canoa em meia carga havendo desordem nos índios em puxar pelas cordas sem que os mandassem, pois ainda não estava desviada de uma pedra em que fazia o maior cachão de água, a fizeram montar com impulso intempestivo de proa em cima da pedra, e logo inclinando o todo para a parte da correnteza se encheu de água, de sorte que não houveram forças para a sustentar. Largaram-se as cordas, e em um instante levou a correnteza a canoa até um remanso que fazia detrás de outra Ilha, onde com toda a diligência se achou aboiada; rebocou-se para terra, descarregou-se, e desalagou-se sem nela haver mais perda, que molhar-se o trem que nela havia embarcado, e a razão de ser este sucesso menos funesto do que podia acontecer na perda de tudo, foi ser a canoa (como também eram as mais) fabricada de pau que não vai ao fundo em semelhantes acasos.
Por ocasião desta desordem foi preciso demorar o dia 30 e 31 para se enxugar roupas, e beneficiar os mantimentos que se haviam molhado, e no dia 1° de janeiro do novo ano de 1750, se mudou de derrota passando outra vez à Ilha, que no dia 29 se havia costeado, e descarregando de tudo as canoas passaram à corda duas pontas de pedras, em cujo trabalho se gastou até as 4 horas da tarde, tempo em que pelo remanso que havia entre o grosso da Cachoeira e as últimas Ilhas de pedra se atravessou à parte Oriental do Rio, e ficaram portadas as canoas junto do último impedimento desta Cachoeira, que era um canal entre morraria de pedra que saía da terra firme, e outro semelhante promontório, que se comunicava de uma das Ilhas em que finalizava o labirinto das que compunham esta trabalhosa Cachoeira.
Chegando o dia 2 se descarregaram de todo às canoas, e com bom sucesso se puxaram por cima das pedras mal cobertas do canal, onde foi preciso fazer estivas de madeiras grossas para evitar o dano que podia resultar das pedras, e para suavizar uma pequena elevação que elas faziam em distância de cinco braças. Transportadas as canoas, e já carregadas da outra parte da Cachoeira se entrou a navegar pelas duas horas da tarde do mesmo dia costeando a terra da mesma parte Oriental. Desde a primeira passagem até esta última haverá meia légua de Longitude, e um terço de Latitude.
QUINTA CACHOEIRA (Jirau)
No mesmo dia pelas três horas da tarde se continuou, com efeito, viagem costeando à esquerda no rumo de Oeste, e logo a Sudoeste se avistou, a parte direita do Rio, umas serras, que lhe faziam margem, e corriam para Oeste: eram de bastante altura, e povoadas de áspero arvoredo mui serrado; e chegando a uma enseada já no rumo de Susudoeste se encontrou uma mui furiosa correnteza ocasionada de uma restinga de pedras, que com grande trabalho se passou sirgando as canoas, e tomando o rumo do Sul se avistou a Cachoeira chamada ... e se chegou a ela com 4 horas de viagem.
É esta Cachoeira ( Jirau - 9°19’34,95”S / 64°43’52,39”O) a mais terrível que até aqui se havia encontrado; porquanto continuando as serras antecedentes à margem direita deixam neste lugar tão grande e desordenada porção de penedos por toda a largura do Rio, que não dão outra passagem às águas, mais do que elas podem fazer atropelando aquela descomposta máquina por mais de 800 braças de comprimento sem canal algum por onde se pudesse passar canoa, ainda que fosse à custa de todo o trabalho; em cujos termos não houve outro arbítrio, se não o descarregar as canoas e vará-las por terra pela margem esquerda até salvar toda a referida distância de impedimento.
Dois dias se gastaram em estiva o caminho de troncos para sobre eles rolarem as canoas, e como a terra era com bastante elevação, e semeada de penedos em distância de um terço de légua, se consumiram outros dois dias em transportar as canoas e suas cargas, em cujos termos no dia 7 é que houve lugar de prosseguir viagem, levando 4 dias de imenso trabalho esta Cachoeira inportuna.
Com efeito no dia 7 as 6 horas da manhã se principiou viagem no rumo do Sul costeando à esquerda, e logo se topou com uma restinga de pedra (relíquia ainda da Cachoeira antecedente) bastantemenre custosa de passar, porém vencida que foi se costeou a Oeste uma dilatada enseada, que à parte direita continuava a mesma serrania, mas de menos altura que a antecedente, e seguia o mesmo rumo de Oeste.
Acabada a dita enseada se entrou a costear outra no rumo do Sul, no princípio da qual da mesma parte esquerda havia na ribanceira a célebre terra, que costumam comer a aves: logo se passou a Sudoeste, e no rumo de Sueste com 10 horas de caminho portaram as canoas já de noite, e se andara 3 léguas.
SEXTA CACHOEIRA (Três Irmãos)
No dia 8, pelas 6 horas da manhã, se principiou viagem no rumo de Susueste, e logo Sueste, e Sudoeste por duas enseadas no fim das quais se entrou uma grande Ilha (9°35’16,26”S / 64°54’7,58”O), que dividia o Rio em dois canais: o da parte direita se via embaraçadíssimo com morros de pedra, por onde despedia a água com tal violência, que se encontrando com a que saída do canal da parte Oriental resultava uma rápida e furiosa correnteza, que da ponha da Ilha se dilatava Rio abaixo em bastante distância.
Costeando à parte esquerda se entrou com bastante trabalho o que por ela se seguia no rumo de Susudoeste; e com 10 horas de caminho se andaram duas léguas, e portaram as canoas na Ilha referida já de noite.
Dessa Ilha e da terra firme de uma e outra margem saem as pedras, que fazem a Cachoeira chamada Arapacoá, razão por que no dia seguinte que se contam 9, se continuou pelo mesmo canal no rumo de Susudoeste e Sudoeste costeando a Ilha até chegar à última ponta, onde é o grosso da Cachoeira, em cujo lugar se repartem as águas para os dois canais referidos, e ao sair do que se navegava se passou à Cachoeira a remo, vencendo somente as correntezas, que resultavam das pedras já cobertas de água, por cuja razão se facilitou aquele passo, sem mais trabalho que o referido de remo.
Desde a ponta da Ilha da parte Ocidental corria ao longo do Rio a mais alta serrania, que até aquele lugar se havia notado. Seguiam estas serras a mesma direção que as antecedentes de Leste para Oeste, e com elas pela ribanceira da parte direita se foi costeando à esquerda no mesmo dia 9 no rumo de Oeste, Oesnoroeste, e Noroeste; e com 10 horas de caminho se andaram duas léguas e meia.
A 10, se principiou viagem costeando à esquerda no rumo de Oessudoeste, continuando as serras da parte direita a direção acima mencionada. Por uma quebrada que elas faziam, corria um Ribeirão, na boca do qual se achavam seis canoinhas de casca de pau postas em resguardo, indício certo de que no interior daquele lugar havia gentio, que nas tais canoinhas navegavam o Rio, quando lhes era necessário. No mesmo lugar se lhe deixaram e continuando viagem já ao Sudoeste com 4 horas de caminho, em que se andara légua e meia, se esconderam as serras para o centro no seu rumo de Oeste.
Prosseguiu-se viagem a Oeste deixando no meio do Rio, depois de passadas as serras, uma grande quantidade de pedras ainda mal cobertas, que ocasionavam grande correnteza, e vencida esta se deu princípio a passar as primeiras correntezas, que resultam da Cachoeira que se achava próxima.
SÉTIMA CACHOEIRA (Paredão)
Não Foi possível naquele dia ou tarde dele avançar mais caminho do que levar as canoas à sirga por duas pontas de pedra com grande trabalho, e se portou em uma pequena enseada com dez horas de jornada, em que se andaram duas léguas e meia.
No lugar em que se ofereceu a primeira ponta de pedra acima mencionada na margem esquerda, sai um canal grande entre a terra firme e uma Ilha (9°34’58,56”S / 65°9’29,49”O) que se prolonga ao comprimento do Rio, a qual tem por fundamento rocha viva, que lançando para um e outro canal quantidade de pedras de monstruosa grandeza deixa o da parte Ocidental intratável à navegação, por que a Lagoa nele não tem outro desafogo mais do que precipícios em tão confusa positura, que nem a vista podia fazer exame daquele intrincado passo. O canal da parte esquerda, que seguimos o povoou de sorte sem penedos, que despedida deles a água com grande fúria se ia encontrar com a que corria junto à ribanceira também de pedra com restingas, que do encontro destas duas furiosas correntezas resultava uma série continuada de sumidouros, que cada instante uns em cachões, e outros sumiam ao fundo as águas, e tudo o mais que pudessem atrair. Por espaço de um terço de légua se dilatava este espantoso caminho, e passado ele se oferecem logo três Ilhetas de rochedo, onde batem as águas precipitadas do grosso da Cachoeira chamada Paricá, e por entre as Ilhetas correm tão furiosas, que a acrescendo-lhes o encontro de umas com as outras, ocasionam terríveis correntezas e fervedouros, como os antecedentes, que já à vista dos precipícios da Cachoeira e estrondo que delas resulta, fazem mais formidável aquele fluído espetáculo. Donde se remata a enseada que principia na primeira ponta de pedra acima mencionada, se levanta um promontório de agigantados penedos, que dilatando-se até meio Rio dão lugar por algumas quebradas que a água faça precipitado caminho por elas. Na mesma direção destes penedos se segue uma Ilha de pedras lançada ao comprimento do Rio, entre a qual e os penedos em distância de 300 braças há o maior canal intratável já naquela ocasião, em que as águas tinham crescido até quase meio barranco. Entre a Ilha e a terra firme da parte dos penedos havia outra saída às águas, porém de iguais precipícios ao canal da parte esquerda: e haverá de distância aqui de uma e outra margem novecentas braças com pouca diferença, e o seu rumo é de Leste a Oeste, sendo a sua Latitude Norte Sul, e neste corriam as Ilhas já mencionadas.
A 11, se continuou viagem levando as canoas à sirga junto à ribanceira, que por ser de pedra deu um trabalho incrível este passo, no qual se consumirão 6 horas até chegar junto aos penedos da parte esquerda pela qual se costeou, e se andara meia légua de caminho. Recolhidas as canoas a um comorozinho (pequena elevação do terreno) que saía por detrás dos penedos, se transportou a carga delas para a outra parte da Cachoeira por caminho que se fez por terra, que teria 400 braças de distância; e este foi o serviço que se pode fazer no resto do dia referido.
A 12, estivou de madeira uma quebrada que havia nos penedos, mais próximos à terra da mesma parte Oriental, por onde corria alguma água, que por pouca não trazia violência de consideração, que deu lugar a se puxarem as canoas, que por toda amanhã ficaram da parte de cima da Cachoeira, com assaz trabalho grande e muita vigilância para evitar algum perigo. Pelas duas horas da tarde do mesmo dia se continuou viagem no rumo de Noroeste costeando à esquerda, e se avistou à direita uma serra Serra do Cadomblé) que seguia o rumo das antecedentes, ainda à vista da Cachoeira. Passou-se ao rumo de Oeste, e depois de uma grande correnteza que resultava de umas pedras que haviam no meio do Rio, portaram as canoas com 3 horas de caminho, em que se andara légua e meia.
OITAVA CACHOEIRA (Pederneiras)
No dia 13, se prosseguiu derrota costeando à esquerda no rumo de Oeste, e com pouco mais de 4 horas de caminho indo já no rumo de Sudoeste se encontrou com a Cachoeira chamada Maiarí (Pederneiras - 9°31’29,60”S / 65°19’44,90”O), que consiste em uma grande porção de pedras que atravessam o Rio de uma e outra margem no rumo de Leste Oeste, e por que as águas haviam já coberto as pedras mais chegadas à parte esquerda, por ela se levaram as canoas à corda para poderem vencer a correnteza grande que havia por espaço de 300 braças pouco mais ou menos, que tanto terá esta Cachoeira ao comprimento do Rio, do qual terá ali a sua largura mais de mil braças.
Passada esta Cachoeira sem mais trabalho que o referido, se costeou um pouco ao Sul, e logo ao Sudoeste, e no fim da enseada que levou este rumo, havia no meio do Rio uma grande pedra em forma de Ilha (9°34’23,56”S / 65°22’16,03”O) de que procedia correnteza furiosa de uma e outra margem; e como a menor era pela parte direita, a esta passaram as canoas, e navegando ao Sul se chegou à boca do Rio chamado Abunã (9°40’17,70”S / 65°26’47,40”O), onde portaram as canoas com 9 horas de caminho, em que se andaram 4 léguas.
O Rio chamado Abunã deságua na margem Ocidental do Madeira com pouca violência em desembocadura de 300 braças. Navegou-se em uma canoeta ligeira meio-dia para se indagar a sua direção, e se achou ser de Oeste para Leste: não se penetrou mais adiante por se encontrar com uma Cachoeira, que tomava o Rio de uma a outra parte com bastante altura de rochedos, por onde a água se despenhava. É bastantemente fértil de Peixe, e as suas margens de caça. As suas águas são claras e de bom sabor. A ribanceira é alta de uma e outra parte, e em poucas alaga com a cheia. Há notícia de que neste Rio habita uma nação de gentio chamada Ferreirús, gente pacífica, e capaz de boa prática para se aldear em Missões. Foi preciso demorar aqui o dia 14 em que se fez o exame do Rio, e o dia 15 em que se acabaram de refazer as canoas de alguns consertos de que necessitavam. A 16 se principiou viagem costeando à direita no rumo de Leste e Lessueste, e passada a enseada que se andou nestes dois rumos, se continuou no de Sueste outra volta, que acabou a Leste, e logo tornou a Sueste, e ultimamente a Sudoeste; sem haver neste dia coisa memorável, se portou com 10 horas de caminho, em que se andaram 4 léguas.
No dia 17 se continuou derrota no rumo de Susudoeste e logo ao Sul, no qual se andara meia hora, e indo a Sueste e Leste partiu a agulha ao Sul, e neste rumo às 9 horas da manhã se encontrou a Cachoeira chamada Tamanduá (Araras).
NONA CACHOEIRA (Araras)
Com o rumo do Sul corre uma enseada de parte Oriental principiando em uma ponta de pedras, ficando-lhe oposta outra enseada medeando uma Ilha de figura quase triangular, e de suficiente grandeza. Dois canais resultam da posição desta Ilha, o mais largo da parte direita, por onde despede o Rio a maior quantidade das suas águas, que entram atropelando imensidade de penedos que se lhe oferecem na embocadura do mesmo canal, por cuja razão se fazia impenetrável aquele transito.
O mais estreito se achou ser o canal da parte esquerda, que suposto tivesse bastante correnteza, dava com tudo lugar de poder-se vencer a remo, o que posto em execução se transportaram as canoas com duas horas de caminho à parte de cima da Cachoeira, sem mais trabalho que romper a remo duas correntezas, que na embocadura do canal procediam de pedras ainda mal cobertas de água, as quais atravessavam aquela passagem a fazer união com as do outro canal no rumo de quase Lesteoeste, para a qual formava várias Ilhas de pedras coroadas de arvoredo silvestre, que faziam a vista uma representação agradável.
DÉCIMA CACHOEIRA (Periquitos)
Passada na forma referida, a Cachoeira Tamanduá (Araras), e saindo dela ao rumo do Sul, se foi costeando à parte esquerda no de Susueste e Sueste, e neste com duas horas de caminho se encontrou a Cachoeira chamada Mamorini (Periquitos - 10°5’28,11”S / 65°18’40,76”O), a qual se compõe unicamente de pedras, que atravessam o Rio de uma a outra parte no rumo de Noroeste e Sueste; e como a grandeza delas não era da mais avultada, se achavam quase todas cobertas, despedindo algumas correntezas, que se venceram a corda, e a remo à margem esquerda, e depois de ficar pela popa, em pouco mais de uma hora se continuou viagem no rumo de Susueste e ultimamente ao Sul, e portaram as canoas na margem direita com dez horas de caminho, em que se andaram 5 léguas.
DÉCIMA PRIMEIRA CACHOEIRA (Ribeirão-Misericórdia)
No dia 18 seguindo o rumo do Sul com duas horas de caminho se entrou com as primeiras pedras da mais trabalhos, enfadonha, e perigosa Cachoeira, que até ali se havia encontrado. Por mais de légua e meia de caminho se dilata esta Cachoeira chamada Mamorini (Ribeirão-Misericórdia - 10°13’34,56”S / 65°17’29,35”O). Ilhas de pedras cobertas de arvoredo agreste, e penedos escalvados atravessam o Rio de uma a outra margem, por entre os quais obstáculos rompe a água fazendo variedades de fenômenos, porque em partes despenhando-se vai fazendo por entre outras pedras mais pequenas fervedouros continuados, que rebentam furiosos, e com rapidez atraem tudo o que se lhes avizinha, e por outras rompendo com brava correnteza de ondas arrebentadas como de Oceano tempestuoso, tudo o que se lhes opõe atropelam, e sem remédio soçobram. Este terrível espetáculo se continua Rio acima por espaço de uma légua antes de chegar ao grosso da Cachoeira, que consiste em vários precipícios de água que atravessam o Rio, e não dão passagem por nenhum modo, nem toda a indústria do mundo lho saberá introduzir, se não por terra varando por ela as canoas até as lançar da outra parte dos despenhadeiros; que de outra sorte seria acabar infalivelmente a empresa.
Isto suposto se encostaram as canoas à margem esquerda e no rumo do Sul se passaram as primeiras correntezas de 3 pontas de pedras, que saíram da terra a buscar as que atravessavam o Rio, e para vencer esta primeira passagem foi necessário ir com muito vagar fazendo pressa nos remos, com que se foi ajudando a sirga até chegar a um pequeno salto, que havia entre à terra e uma Ilha de pedras, passado o qual com grande trabalho se seguiu logo outro, que com igual fadiga se deixou vencer, e sendo já 6 horas da tarde portaram as canoas com 6 horas de caminho, em que se andara um quarto de légua.
A 19 se continuou viagem costeando a mesma margem esquerda no rumo do Sul e Sudoeste por entre a ribanceira do Rio, e Ilhas de pedra, e restingas que saiam da terra firme, da mesma sorte que as do dia antecedente, e com igual trabalho de sirga por entre pedras e arbustos agrestes se navegou todo o dia até se avistar o monstruoso despenhadeiro de água que havia no mais alto da Cachoeira, que não ela rocha talhada, mas um declive com mais de 500 braças de distância e com 7 horas de caminho se andara uma légua.
Dia 20, principiou-se viagem costeando no rumo de Susudoeste uma enseada, na qual iam bater as águas que saiam atropeladas dos despenhos da Cachoeira, que retrocedendo para a mesma parte donde corriam furiosas levando por toda a enseada ondas encapeladas que representam hum golfo embravecido; e assim com grande perigo se navegou a mesma enseada até se refugiarem as canoas em um Riacho, que do centro deságua, onde a Cachoeira faz a última queda.
Duas horas levou a passagem da enseada, que teria um quarto de légua de distância até chegar ao Riacho, em que se portou pelas 9 horas da manhã. O resto do mesmo dia 20 se gastou em estivar de madeiros o caminho da terra para por ele se vararem as canoas, o que se executou no dia 20 e 21, e neste ficaram já transportadas as canoas da outra parte da Cachoeira com as cargas; que a cada uma pertenciam. Terá este varadouro 600 braças de distância, na qual a elevação por uma e outra parte, que o faz mais trabalhoso. Corre a Cachoeira a atravessar o Rio a rumo de Nordeste e Sudoeste.
No dia 22 saindo de Mamorini (Ribeirão-Misericórdia) no rumo do Sul se costeou a esquerda, e passando em breve tempo ao Sudoeste neste se encontrou com um disforme morro de pedra escalvada, que se avançava até quase à terça parte da largura do Rio. Encanava esta água por entre uma Ilha fronteira ao rochedo, como também por entre este e a terra firme da parte esquerda e pelo meio.
Do encontro de todas estas correntezas resultava uma tão grande, saindo da ponta do penedo dilatando-se à largura do Rio, que não era possível poder-se romper a remo não só pela violência impetuosa das águas e ondas rebentadas, que ali se formavam, mas também por que por toda aquela espantosa rapidez se levantavam fervedouros de águas, que a faziam subir (ao parecer) mais de 6 palmos, e logo se resolviam em sumidouros os mais formidáveis, de que até aqui se fez menção. Nestes termos não houve outro arbítrio mais do que introduzir as canoas pelo pequeno canal mui embaraçado de pedras e arbustos agrestes, que mediava entre o penedo e a ribanceira Oriental que se navegava; e com grande trabalho de sirga se conseguiu o projeto, que levou 4 horas de importuna passagem. Continuou-se viagem no mesmo rumo de Susudoeste, e portaram as canoas à vista da duodécima Cachoeira, e se andaram neste dia 3 léguas.
DÉCIMA SEGUNDA CACHOEIRA (Madeira)
Compõe-se esta Cachoeira (Madeira - 10°21’28,68”S / 65°22’35,88”O) de vários; morros de pedras em forma de Ilhetas com arvoredo silvestre, e outros escalvados em quase semelhante postura e qualidade aos que há na Cachoeira antecedente, antes de chegar aos maiores saltos dela.
Também atravessam o Rio de uma e outra parte com a circunstância, que pela direita não oferecem passagem em Rio já crescido, por que a ela se inclina o maior peso de água, com o qual rompendo por entre uns penedos, e encapelando-se por cima de outros forma estranhas correntezas insuperáveis a força e industria. Pela margem esquerda se mostra mais tolerável entre as pedras talhadas mal cobertas de água e a terra firme; que também tem a sua ribanceira de mal composta penedia. No último remate de tanto rochedo bronco há duas Ilhas lançadas (65°22’35,88”O / 65°23’13,35”O) de uma a outra parte do Rio rumo quase de Leste Oeste por entre as quais forma o Rio três canais, sendo o mais impetuoso, e mais terrível o da parte Ocidental, como acima se declara. A formatura destas Ilhas no seu fundamento é tudo penedos, sobre os quais havendo alguma tal ou qual planície, deram lugar a que a terra se introduzisse com a inundação do Rio para nelas produzir arvoredo frondoso de alegre representação aos olhos.
No dia 23, se fez viagem no rumo de Susudoeste costeando à esquerda, e com meia hora de caminho se encontraram as primeiras pedras da Cachoeira acima mencionada chamada Vainumú (Madeira), e com o trabalho da corda pondo as canoas com meia carga, se venceu aquele primeiro impedimento, e também o segundo que logo se seguiu, e ultimamente o terceiro que juntos fizeram um dia de impertinente trabalho, e que se andaria um quarto de légua; e é o que esta Cachoeira terá ao comprimento do Rio, ou pouco mais, por que ele finalizava na realidade nas duas Ilhas acima relatadas.
Dia 24, passadas as Ilhas no rumo de Susudoeste com duas horas de caminho se avistou a boca do Rio Beni (10°23’9,75”S / 65°23’46,33”O), para a qual se atravessou, e se portou nele da parte de dentro para se averiguar o que fosse possível da sua direção.
Feita naquele lugar a observação da altura se achou desembocar o Rio Beni no Madeira em 12 graus de elevação Austral. A sua entrada é no rumo de Susudoeste, e navegando pelo mesmo Rio cinco horas se achou ser aquele rumo o mais frequente, do qual parece trará a sua origem. É bastantemente caudaloso, e quase de igual correnteza ao Madeira, em que faz a sua entrada pela margem Ocidental com 800 braças de embocadura (ao parecer). As suas águas são barrentas por causa da muita terra que nas enchentes cai das suas ribanceiras, que são mui semelhantes em altura e arvoredo às do Madeira. Com este poderá o Beni disputar a maternidade das águas, se o Madeira não mostrasse que continua no seu rumo com as suas Ilhas e Cachoeiras na mesma direção que leva ate aquele lugar, e juntamente ser o Madeira de maior largura, e trazer mais água naquela parte em que recebe o Beni, que, com efeito, ali perde o nome e ser de Rio.
Por este Rio Beni não há documento ou tradição, por onde conste que fosse navegado por Portugueses, nem Castelhanos, por que estes em cujas terras nasce o Beni, ignoravam até o ano de 1713 o verdadeiro destino deste Rio, pois supunham que ia desembocar no Amazonas sem concurso de outras águas: e os Portugueses que subiram no ano de 1723 até Santa Cruz de los Cajubabas, e outros que antecedentemente haviam ido a negociar gentio, não entraram por este Rio a diligência alguma; em cujos termos será razão que aqui se relate alguma notícia, ainda que seja abstrativa das origens deste Rio, segundo consta de um Mapa impresso no referido ano de 1713, suposto que a graduação dele não devia de ser a mais exata; por que além de se não conformar com as Cartas Gerais Geográficas, padece uma grande equivocação nos graus de Latitude a respeito da que se fez nesta ocasião; por que o Autor do dito Mapa descrevendo nele o Rio Beni, o supõe ainda tal na altura de 11 graus de elevação Austral, ao mesmo tempo que pela observação no dito dia de 24 de janeiro de 1750 se acha que na altura de 12 graus se perde no Madeira, como acima fica expressado.
Das serras do Peru paralelo à cidade de Paz em altura de 12 graus ao Sul se mostra ter nascimento o Rio Beni, que discorrendo por entre a mesma serrania se junta com o Chuquiabo, que vem da dita cidade que fica ao nascimento do Beni à parte do Ocidente; juntos os dois Rios se forma já o Beni mais caudaloso por entre as mesmas serras até a altura de 15 graus, donde correndo por terra plana vem desembocar no Madeira na parte acima mencionada.
Em toda a margem desce Rio de uma e outra parte não mostra haver até aquele ano 1713 mais Povoação, do que uma Aldeia chamada os Reis habitada de três mil pessoas de um e outro sexo e idade. Mais ao centro à parte Oriental dos Reis havia outra da invocação de S. Paulo povoada de duas mil e setecentas pessoas. As nações de gentio que habitam no Distrito do Beni, se nomeiam Romanos, Chumanos, Chriribas, e Toromanas. Pela parte do Poente descem das serranias algumas ribeiras que vem a incorporar-se com o Beni, onde este já discorre por planície, que são Apioana e Amantala, e há nos seus Distritos entre as montanhas três povoações, que são Apolobamba, S. João, e Pelechuco desde a altura de 15 graus de Latitude e 30 minutos até aos 14 e 40. Recebe também as águas da ribeira chamada Enin, que traz a sua origem das vizinhanças da cidade de Cusco, situada em 13 graus e 20 minutos de Latitude, e em 301 de Longitude. Feita a observação, e navegando em canoa ligeira cinco horas Rio acima o dito Beni, dele saímos no dia 25 pela uma hora da tarde seguindo derrota costeando a margem direita no rumo de Susueste e Sul, e neste rumo se achou estar a Cachoeira Tejuca.
DÉCIMA TERCEIRA CACHOEIRA (Tejuca)
É conhecida esta Cachoeira com a denominação de Tejuca (10°25’5,58”S / 65°22’45,12”O): consiste o seu composto em quantidade de pedras não muito grandes, que atravessam o Rio de uma para e outra no turno de Nordeste e Sudoeste; e como se achava já quase arrasada de água, deu fácil passagem à sirga pela margem direita que se navegava. Em cujos termos com 5 horas de caminho nos rumos mencionados portaram as canoas junto à Cachoeira chamada dos Javalis (Lajes - 10°26’50,83”S / 65°23’39,11”O); e se andara légua e meia desde a boca do Beni até este lugar.
DÉCIMA QUARTA CACHOEIRA (Lajes)
Dia 26, neste dia se não fez mais do que passar a Cachoeira mencionada até o meio dia, a qual consiste em se oporem ao Rio duas Ilhas rodeadas de grandes lajeados de pedra, uma enseada à margem, e outra à esquerda no mesmo rumo da antecedente, Nordeste e Sudoeste. Estas duas Ilhas se comunicam com vários penedos, e lançam outros Rio abaixo em distância mais de 800 braças, de sorte que querendo o Rio fazer caminho por entre estes impedimentos forma três canais, um entre a ribanceira da parte direita e a Ilha, estreito e de medonha correnteza, outro no meio em que a água em vários precipícios faz impraticável o seu transito; e outro entre a / Ilha da parte esquerda e a terra mais favorável ao intento da passagem, por que somente oferecia duas correntezas junto à terra, pelas quais descarregadas as canoas se podiam levar à sirga. Assim se executou no dia referido até às duas horas da tarde, e pelas três se continuou viagem no rumo de Sudoeste, e nele com meia légua de caminho se encontrou 15ª Cachoeira, junto da qual portaram as canoas para no dia seguinte se empreender a sua passagem.
DÉCIMA QUINTA CACHOEIRA (Pau Grande)
Bastantemente intrincada se achou ser esta Cachoeira chamada dos Papagaios (Pau Grande - 10°28’1,70”S / 65°25’17,96”O), por que a formou a natureza lançada de uma a outra parte do Rio no rumo de Oesnoroeste e Lessueste, composta de Ilhas rodeadas de rochedos e pedras monstruosas, que passam de umas às outras Ilhas com mui irregulares posições; por cuja razão o Rio se achava precisado a romper estes embaraços por modo quase estranho à propriedade de sua corrente, pois em partes se atravessava a vários rumos com oposição de umas com outras águas até saírem por entre os últimos penedos com ruidosa fúria e espumosa braveza.
Apenas ofereceu um canal encostado à margem direita entre a ribanceira formada de alta penedia e uma Ilha encostada à mesma parte, por entre a qual corria menos furiosa a água, por não ser ainda muita a que propendia para esta parte, razão porque estavam as pedras mal cobertas, que foi preciso estivá-las de madeiros para sobre eles se puxarem as canoas descarregadas.
No dia 27 se executou a empresa sobredita com grandíssimo trabalho, que consumiu o dia inteiro daquele penoso serviço, e com efeito no mesmo dia ficaram as canoas transportadas à parte de cima da Cachoeira, que terá um quarto de légua de distância ao comprimento do Rio.
No dia 28 se prosseguiu viagem costeando à parte direita no rumo de Sueste, e nele com pouco mais de uma hora de caminho se achou a Cachoeira chamada Das Cordas (10°29’3,10”S / 65°25’48,28”O), que atravessa o Rio de uma e outra ribanceira no rumo de Noroeste e Sudoeste; e por ter já quase todas as pedras no fundo se passou a remo vencendo somente duas correntezas entre a margem Ocidental e uma Ilha das que formam as mesmas Cachoeiras.
DÉCIMA SEXTA CACHOEIRA (Das Cordas)
De duas Ilhas formadas de rochedos se compõe esta Cachoeira chamada das Cordas, ambas adornadas de vistoso arvoredo, não mui alto, mas viçoso e recreativo, e no rumo referido atravessam o Rio: uma delas se acha mui chegada à margem esquerda, que em Rio a meia enchente nem ainda assim lhe concede canal: a outra situada à parte direita permite passagem a todo o tempo, menos o da última sacra, que é nos meses de setembro e outubro, que somente o Rio acha canal, e os viajantes caminho pelo meio entre uma e outra Ilha, onde faz um declive de pedras com boa direção, em que por espaço de 60 braças se despenha a água com tolerável violência.
Esta Cachoeira se passou na forma acima mencionada e continuando viagem no mesmo rumo de Sueste se achou desaguar pela margem direita um Ribeirão de água clara chamado Tiahoam (Yata - 10°29’12,56”S / 65°26’2,53”O); terá 100 braças de embocadura; e vai cair o seu pequeno cabedal de torrente quase sobre a Cachoeira passada, razão porque se achou nela a água mais limpa, e logo que se encontrou o Ribeirão, se decidiu a causa daquela novidade. Fronteiro ao lugar em que deságua aquele Riacho há na margem Oriental uma elevação de terra, que forma uma pequena serra, povoada de arvoredo mui alto e espesso, e não chega a ter meia légua a de extensão no longo do Rio: para o centro não houve ocasião de fazer exame da sua direção.
Passado o Riacho Tiahoam se ia continuando viagem já no rumo de Lessueste, quando ao virar de uma ponta de pedras (10°30’7,59”S / 65°25’1,68”O), em que havia grande correnteza na mesma margem direita, quebrou a pá, que servia do governo a uma canoa, e foi preciso portar para fazer outra, razão por que se não andou neste dia mais do que .duas horas, em que se vencera de caminho pouco mais de meia légua.
Dia 29. Neste se principiou viagem costeando à direita no rumo de Lessueste, e logo ao do Sul, em que passada uma enseada, se continuou a Sueste, e neste rumo se achou a Cachoeira chamada Panela (Bananeiras - 10°35’5,34”S / 65°23’52,77”O), que é uma das maiores e mais embaraçosa que tem o Rio.
DÉCIMA SÉTIMA CACH0EIRA (Bananeiras)
De um intrincado labirinto de Ilhas fundadas todas sobre lajedos e rochas monstruosas se forma esta Cachoeira em tão desordenada posição por espaço quase de uma légua ao comprimento do Rio, que esse para achar saída a tão estranhos embaraços se derrama em uma confusão de canais por entre as Ilhas e penedos, de sorte que em meia légua de largura que haverá de uma a outra margem, e em todo o espaço do comprimento não acha a água outra coisa se não precipícios por todas as partes; pelos quais com ruído e fúria se encontram as correntezas umas com as outras irritadas dos penedos que passam, e de outros que vão atropelando. Muitos canais, vindo por ele a água em fervedouros e rápido ímpeto, topam em Ilhas ou rochedos, que se lhes opõem diante, que obrigam as águas a fazer caminho aos lados, e vão quebrando a fúria nas ribanceiras de uma e outra parte. Da dura resistência que acha aquele soberbo elemento nos penedos da margem, retrocede a água sobre si mesma, e forma tempestuosas ondas de mares encapelados mui difíceis de vadear. Finalmente para se expor com miudeza todos os subterfúgios, que aqui busca a água para passar esta Cachoeira, confesso que sobre não achar termos próprios e expressivos, com que bem signifique tão embaraçadíssimo passo, seria fastidiosa uma grande digressão, com que ele se poderia descrever; e por esta causa me remesso à estampa, que poderá ser delineada em termos que por ela se possa formar ideia das figuras que aqui se dificultam expressar.
À vista de um tão formidável impedimento, que a todos os lados ameaçava funestas consequências na empresa de se vencer, sem varar por terra as canoas, foi fortuna achar um canal entre o barranco da parte direita e as Ilhas da Cachoeira, por onde salvando um não muito grande espaço de ondas, que resultavam do combate de uma correnteza com a penedia da terra firme, podiam chegar as canoas até um lugar acomodado, em que sobre pedras ainda mal cobertas de água podiam ter passagem: e com efeito investindo com aquele canal se foram vencendo a remo as suas correntezas sucessivas até chegar ao lugar mencionado, em que havia um como fluxo e refluxo de água, que levantava ondas furiosas por todo o canal em distância, ao comprimento dele, de mais de tiro de mosquete. Com muito cuidado e força de remo se atravessou aquele perigoso Distrito, e já de noite portaram as canoas junto aos grandes penedos, por cujas aberturas no dia seguinte se havia de fazer caminho.
Chegou o dia 30, em que com incrível diligência se estivaram as pedras, descarregaram as canoas, e se puseram estas à parte de cima da Cachoeira até horas de meio dia, e logo que se tornou a recolher nelas o trem, que a cada uma tocava, se prosseguiu viagem pelas três horas da tarde no rumo de Susudoeste, e nele se achou a Cachoeira chamada Quati (Guajara-açu - 10°37’0,70”S / 65°24’32,93”O) com uma hora de caminho, em que se andara de distância meia légua.
DÉCIMA OITAVA CACHOEIRA (Guajará-açu)
De melhor semblante do que na antecedente se ofereceu a presente Cachoeira, que consiste em uma Ilha de suficiente grandeza lançada ao rumo de Lesnordeste e Oessudoeste desta, que tem por fundamento imensa penedia, se distribui a todos os lados quantidade de lajes e penedos, porém dispostos pela natureza em forma, que repartido o Rio em dois canais, a que a Ilha (10°37’30,77”S / 65°24’33,84”O) a precisa, vai a água sem declive pela maior parte dos canais miúdos, que procedem das pedras espalhadas por uma e outra parte com pouca oposição de umas com outras. Nestes termos naquela mesma tarde do dia mencionado se foi passando à parte direita tomando o seu canal a remo sem mais embaraço que algumas correntezas sem perigo, que se foram passando com felicidade até uma enseada, em que as águas se achavam em tranquilidade bem em meio da Cachoeira, onde portarão as canoas; e se andara uma légua no rumo mencionado.
No dia 31, se continuou a passar o que restava da Cachoeira Quati (Guajara-açu), que só na embocadura do canal entre a ponta da Ilha e a terra houve algum trabalho; por que foi preciso usar de sirga por entre pedras e arbustos agrestes por espaço de dois tiros de mosquete. Da enseada se navegou ao Sueste, e ao sair do canal foi a Leste. Terá esta Cachoeira uma légua ao comprimento do Rio, e na largura meia. Desembaraçadas as canoas daquele transito até às nove horas do dia se atravessou a parte esquerda do Rio, que se foi costeando a Susueste; e neste mesmo rumo partiram as canoas da margem direita com 6 horas de caminho, em que se andaram 3 léguas.
Neste lugar se teve a primeira vista das serras chamadas Cordilheiras das Gerais, ou Chapada Grande à parte esquerda do Rio, e corriam de Nordeste a Sudoeste rumo geral do Rio, e daqui principiam estas serras a atravessar o Rio, ou este a romper as suas extremidades e quebradas, em que se formam as Cachoeiras de que se tem tratado, e agora se fará o mesmo da última que resta a quem sobe, a primeira que se oferece a quem desce. Dia primeiro de fevereiro. Neste dia saindo da enseada, em que se havia germinado no rumo de Susueste, se avistou logo a Cachoeira chamada Tapioca (Guajará-mirim - 10°46’55,67”S / 65°21’5,41”O), que neste lugar é a última que se oferece.
DÉCIMA NONA CACHOEIRA (Guajará-mirim)
Na enseada da parte Oriental está situada uma Ilha de figura quase oval fundada sobre pedras. Na margem Ocidental faz o Rio outra enseada mui dilatada, e no seio dela se forma outra Ilha de igual qualidade à antecedente, porém de muito maior grandeza, por que ocupa todo o vão da enseada referida, a cuja parte côncava corresponde a Ilha com a convexa quase em perfeita proporção. Destas Ilhas se espalham infinitas pedras miúdas, e outras avultadas, que umas atravessam o Rio, e outras se dilatam ao comprimento dela por espaço de um quarto de légua. Três são os canais, por onde o Rio faz a sua passagem por entre as Ilhas referidas e a terra firme de uma e outra parte, despedindo furiosa correnteza, e insuperável pela margem Oriental e pelo meio, pois por ambos estes canais nem ainda em Rio cheio (como já estava) se acabam de cobrir as pedras, que se opõem a estas duas correntezas. Nestes termos examinado o braço Ocidental se achou praticável, pois somente havia para vencer uma tolerável correnteza, que se passou à corda; e costeando à direita entre a Ilha Grande e a terra firme no rumo de Oeste, e sem mais embaraço se finalizou o mesmo círculo da enseada no de Leste, e sem mais embaraço que algumas correntezas que se passaram a remo, portaram as canoas já da outra parte da Cachoeira na margem direita com 6 horas de caminho, em que se andariam duas léguas. Esta Cachoeira Tapioca (Guajará-mirim) atravessa o Rio no rumo de Lesnordeste e Oessudoeste, e é a última que se oferece antes de se incorporarem as águas do Rio Mamoré com as do Madeira, cuja viagem se foi prosseguindo (...)
Dia dois de fevereiro, nesse se continuou viagem costeando à direita no rumo de Lessueste, deixando pela mesma margem os primeiros pantanais que há neste Rio, e consiste em exceder a mãe do Rio, e alagar a terra por espaço mais de duas léguas ao centro, que forma como Lago ao comprimento do fio em distância de muitas léguas mediando entre o pantanal uma breve porção de ribanceira, em que há arvoredo alto; e a terra que se segue ao centro que alaga, é como campina, que somente tem alguns redutos ou Ilhas de arvoredo distantes umas das outras, que fazem mui vistosas aquelas dilatadas campinas. A estes pantanais se recolhe o peixe na ocasião que as águas fazem aquela inundação, e desampara de sorte a mãe do Rio, que neste por acaso ou maravilha se deixa pescar algum, e o mesmo sucede à caça volátil e quadrúpede, que se afasta para a terra firme, razão por que já deste lugar para cima se principiou a sentir esterilidade de víveres; que de ordinário põe esta penúria em grande consternação os viajantes. No rumo referido pela margem Oriental aparecia a Cordilheira Geral, seguindo ao largo o memso Rio a Lessueste, rumo que aqui principiou a dar nova direção ao Rio pela frequência com que a agulha já buscava a Leste e Sueste, nos quais com seis horas de caminho se andariam quatro léguas e meia portando as canoas já noite na margem Oriental, havendo partido pelo meio dia do lugar em que portaram no dia antecedente, ocupando-se a manhã do presente em ouvir Missa e descansar do importuno trabalho das Cachoeiras, cujo trânsito se havia conseguido com a felicidade referida, não sem admiração dos experientes; pois em tantos e tão trabalhosos passos não perigou nem se molestou pessoa alguma da Comitiva que passava de cem pessoas entre brancos e índios, havendo muitas ocasiões, em que todos trabalhavam sem exceção de pessoa.
No dia três do mesmo mês se principiou viagem costeando à esquerda no rumo de Sudoeste, e passada outra volta no de Oessudoeste se atravessou à direita, e por esta se costeou no de Sudoeste, e Sueste, e ultimamente a Sul; e com 12 horas de caminho se andara oito léguas. No decurso deste dia não houve que notar coisa alguma mais do que não ter o Rio correnteza de consequência, e se atribuiu ao impedimento que iam achar as águas nas Cachoeiras, e por esta causa se detinham as águas como represadas e sem força em toda a navegação que se fez das Cachoeiras acima. No lugar em que portaram as canoas no dia três, que foi na margem Oriental do Rio, por haver naquele sítio o que era preciso para se guarnecerem as canoas do dano que haviam recebido na passagem das Cachoeiras, se passou o dia 4 no lugar referido, onde se concertaram as coisas danificadas das embarcações, para com mais comodidade se prosseguir viagem.
A cinco, pelas quatro horas da madrugada se principiou viagem costeando à esquerda no rumo de Sueste e Sul, e ao romper do dia se passou à parte direita, e se costeou a Sudoeste, Sul , Susueste, e Sueste; e neste rumo se topou com uma Ilha, que corria com a volta do Rio, e por entre ela e a margem direita se navegou e nesta volta se correram todos os rumos desde o Sul até chegar a Leste, e depois se navegou a Sudoeste até o lugar em que se portou que foi na margem Oriental com onze horas de caminho, em que se andaram oito léguas. Até este lugar, não houve correnteza.
No dia 6, ao amanhecer se prosseguiu viagem no rumo do Sul e Sueste costeando à esquerda uma grande enseada, e depois a Sueste, e ultimamente ao Sul; e com onze horas de caminho se andaram sete léguas. Neste dia já houve alguma correnteza, que se venceu sem grande trabalho.
Dia sete. Principiou-se viagem de madrugada costeando à direita no rumo de Sudoeste, e logo ao Sul e Sueste, e indo já no Lessueste se passou entre uma dilatada Ilha alagadiça e a terra firme Oriental, por cujo canal saindo a Leste no fim da Ilha sobre a parte esquerda se navegou a Nordeste, Norte, e outra vez a Nordeste voltando até Leste, em cujo rumo portaram as canoas fronteiro à ponta de outra Ilha pequena com dez horas de caminho a em que se andaram sete léguas.
No dia oito depois de Missa partiram as canoas às 8 horas da manhã costeando à direita no rumo de Sueste e Sul por espaço de uma hora, e atravessando à esquerda se costeou a Leste, a Sueste e Sul; e neste rumo sendo já 4 horas da tarde se principiou a achar as águas do Rio menos barrentas, circunstância que se foi observando no resto da mesma tarde, até que sendo já noite se conheceu com luz ser a água de todo clara pala margem esquerda onde parando a navegação se observou daquele lugar haver no Rio três embocaduras, duas à parte do Sul, e uma à de Leste, cuja circunstância junta com a diversidade da água que se achava, se assentou, por certo, ser uma das duas bocas ao Sul a do Rio Mamoré.
Amanheceu o dia 9, e com a luz dele o desengano do que a noite antecedente não deixava bem perceber. Com efeito ao rumo de Sudoeste desembocava o Rio Mamoré (11°55’46,06”S / 65°1’31,11”O) em uma barra de mais de 500 braças, e para ela navegavam as canoas atravessando aquele quase golfo de água formado por este Rio, e pelo Aporé (Guaporé) na união que fazem umas e outras águas sendo claríssimas as do Aporé (Guaporé) e as do Mamoré com a mesma turvação que tem as do Beni, a qual continua pelo dilatado espaço de que se fez menção no Diário em dia 2 de outubro do ano antecedente. Do concurso que há neste lugar de umas e outras águas se derramam estas pela margem Oriental, e formam vários Lagos, cuja embocadura à parte de Leste é a que se havia notado na noite antecedente.
Das serras do Peru que fazem a Cordilheira Geral dos Andes, nasce o Rio Mamoré em altura de 18°30’ Latitude Austral, e sendo a sua direção quase do Sul para o Norte se encontra com o Guapaix, que tem suas origens das mesmas serras mencionadas e passa por Chuquisaca ou Cidade de la Plata, e por Santa Cruz de la Sierra la Nueva, até que na altura de 16° faz no rumo do Norte a sua união com o Mamoré, e ambos incorporados recebendo várias torrentes que das partes Ocidental e Oriental o buscam, discorre pela Província chamada de los Mojos terra plana, pouco fértil, e tão estéril de riquezas, que consta não haver nas suas dilatadas campinas gênero algum de metal; continua pela mesma planície, e passando as terras dos Índios chamados Cajubabas mistura suas águas com as do Aporé (Guaporé) na altura de 12°40’ de Latitude Austral.
No ano de 1723, governando o Estado do Pará João da Gama da Maia, teve este notícia por alguns homens, que iam a contratar gentio ao Rio da Madeira, que acima das suas Cachoeiras haviam habitações de gente Europeia sem constar ao certo se de Portugueses ou Espanhóis: mandou explorar o dito Rio por uma tropa, de que foi Cabo Francisco de Mello Palheta, o qual depois de passar as Cachoeiras indo navegando encontrou perto da boca do Rio Mamoré canoa de Índios Castelhanos governada por um mestiço, que guiou o referido Palheta até a Aldeia da exaltação de Santa Cruz dos Cajubabas, e tendo nela prática (conversação) com os Missionários que a região, voltou ao Pará com as notícias do que achou, sem fazer mais memórias de Rios, não só do Beni, que deságua entre as Cachoeiras de que já se fez menção, mas nem ainda do Aporé (Guaporé), que tão manifestamente se lhe mostrou, e era preciso atender na entrada ou saída do referido Mamoré.
Correndo os tempos e povoado o Mato Grosso pelos moradores do Cuiabá, nos anos de 1736 e 1737, sucedeu saírem daqueles novos Arraiais, no ano de 1742, homens na diligência de comerciarem com os Padres Castelhanos vizinhos, em ordem a refazer a dita Povoação de algum gado e cavalos, para cujo efeito navegando o Aporé abaixo chegaram a entrar pelo Mamoré, e com (...) de viagem portaram na mesma Aldeia de Santa Cruz de los Cajubabas, onde foram bem recebidos, porém sem resultado do projeto intentado.
Destes companheiros se apartaram três, que rodando Rio abaixo, e salvando as Cachoeiras chegaram ao Pará, onde sendo apreendidos foram dois remetidos presos a S. Majestade por transgressores da lei de (...) e se assentou praça de soldado ao terceiro companheiro chamado Joaquim Ferreira Chaves, o qual podendo-se escapar do serviço desertou pelo Maranhão a buscar Goiás, e destas Minas passou ao Cuiabá, e ultimamente ao Mato Grosso onde por este seu morador se teve a primeira notícia, de que podia pelo Madeira haver comércio com o Pará.
Neste meio tempo tornaram alguns moradores a fazer viagem do Mato Grosso à Aldeia da exaltação, sem conseguir coisa alguma de negociação, até que, no ano de 1747, achando-se aqueles Arraiais em grande penúria de sal passou um cirurgião chamado Francisco Rodrigues da Costa a comerciar algum deste gênero, e com efeito o conseguiu a troco de fazenda seca, e também negociou cera, e pano de algodão, que tudo lhe fez boa conveniência, com interesse da qual estabeleceu uma quase sociedade com o Missionado da Aldeia referida, dando este um rol dos gêneros de que necessitavam para se comutarem pelos acima mencionados nomeando para a troca ao Missionado de Santa Rosa estabelecida novamente na margem Oriental do Aporé.
Com efeito, no ano seguinte, de 1748, fazendo o mesmo Francisco Rodrigues compra no Mato grosso dos gêneros sorteados, de que levou a lembrança por escrito e fazendo viagem até a dita Aldeia de Santa Rosa achou removida a sociedade de sorte, que não somente não se fez a troca dos gêneros, mas nem ainda o Missionado quis fazer aceitação de um mimo, com que o dito Francisco Rodrigues pretendeu politicamente lisonjeá-lo: dando a razão de dissolver-se o estipulado, que haviam recebido apertadíssimas ordens do seu Superior residente em Santa Cruz de la Sierra para não terem os Missionados daquela Província comércio algum com Portugueses do Mato Grosso. Voltou para aqueles Arraiais o referido cirurgião com os mesmos trastes mercantis, que havia levado a Santa Rosa, e na ocasião de chegar a escolta do Pará ao Arraial de S. Francisco Xavier ali estavam a venda em loja pública.
Estas foram até o presente as navegações Portuguesas ao Rio Mamoré tanto do Pará, como do Mato Grosso, o que suposto, resta dar notícia das Aldeias que há no referido Mamoré, e do mais que houver memorável que lhe pertença. Navegando-se o Rio Mamoré correnteza acima se achou em meio dia de viagem, que se fez em canoa ligeira da escolta, ser a sua entrada ao Sudoeste, e limpo de Cachoeira, e não tem Ilhas.
Pelo que consta de informações, que deram os Portugueses do Mato Grosso que o navegaram até à Exaltação, e pelo que se acha escrito em idioma Espanhol impresso, sabe-se ser esta Aldeia a primeira que se oferece na sua navegação 8 dias de viagem Rio acima: está fundada há mais de sete anos na margem Ocidental do Rio em terra plana lançada em figura quase quadrada: a construção das suas casas de barro com cobertura de colmo, a Igreja a tem de telha, e é suficientemente ornada: tem Padres Missionários, e Coadjutor da Religião de Santo Ignácio. Os Índios habitantes consta serem de nação chamada Cajubabas, e terá de um e outro sexo e idade quase três mil pessoas, e destas capazes de uso de armas 460.
Ocupam-se estes Índios em fazer roças de milho para o seu sustento, e pastorear algum gado vacum. Os seus haveres consistem na extração de cera, que as abelhas fabricam naturalmente pelos troncos das árvores: lavram algodão de que se vestem, e dele também se utilizam para o comércio, como também de algum açúcar, de que tem engenho, indo a Santa Cruz de la Sierra comutar estas espécies pelos gêneros, que são precisos ao seu uso, e Viatico para o Missionado.
Desta Aldeia poucos dias de viagem deságua na mesma margem Ocidental o Riacho chamado Aporé (Guaporé), o qual na parte, em que se divide em vários braços, está fundada a Aldeia de Santo Ignácio composta de quase três mil almas de um e outro sexo e idade, e entra neste número mil trezentos e vinte oito catecúmenos: dos já batizados podem usar das armas 570.
Passada a boca deste Rio se acha em pouca distância dela a parte Oriental a Aldeia de S. Pedro, que consta de mais de duas mil, em que entram 926 catecúmenos e dos neófitos 640 capazes de tomar armas. Continuando Rio acima deságua na margem Ocidental o Riacho chamado Tiamachu, e logo acima da sua embocadura à parte esquerda está situada a Aldeia de S. Xavier com perto de quatro mil almas, e destes Índios 560 capazes de guerra.
Acima da embocadura se acha na margem Oriental fundada a Aldeia da Santíssima Trindade, cujos povoadores se chamam Mojos, e tem 1.700 almas de um e outro sexo e idade batizados, e 1.106 catecúmenos, e dos neófitos 750 capazes do uso de Seus arcos. Onde o Rio Mamoré se junta com o Guapaix à parte Oriental está situada a Aldeia chamada Loreto também de Mojos com 2.900 almas, 923 catecúmenos, e dos batizados 660 capazes de armas. Seguindo Guapaix acima já perto da Cidade de Santa Cruz de la Sierra deságua à parte direita um Riacho chamado Palometa, no qual está fundada a Aldeia de S. Jose quase na falda da serrania dos Andes; tem 2.105 almas de um e outro sexo e idade, e destes tem 700 capazes do uso de suas flechas. Correndo pelo centro à parte Ocidental dos Mojos está fundada outra Aldeia de S. José com 3.177 almas , em que entram 1.717 catecúmenos e dos batizados tem 500 capazes de armas.
Pelo mesmo centro à parte Ocidental da Exaltação está situada a nação dos Mobimas, que em 1709 apostatando a Fé martirizaram o Veneraval Padre Balthasar de Espinosa, que os havia instruído na vida Cristã. Desta nação se fundaram depois duas Aldeias quase nas cabeceiras do Riacho Maniqui, que deságua no Mamoré pouco abaixo da exaltação. S. Luiz e S. Borja se nomeiam estas duas povoações; a primeira consta de 1.630 almas das quais quinhentas pessoas são capazes de armas, e a segunda é de 1.300 Índios, dos quais 400 podem usar de arco e flecha, armas, de que usam todos os Índios acima mencionados.
Todas as Aldeias aqui apontadas são Missionadas pelos Religiosos de Santo Inácio, de cuja sagrada sociedade era aluno o Venerava Padre Espinosa martirizado pelos Mobimas. O Superior destes Missionados assiste na Cidade de Santa Cruz de la Sierra, e pela direção deste Superior se governa toda esta Província, que se chama dos Mojos, por serem estes os primeiros que largando a Idolatria admitiram a promulgação Evangélica debaixo da proteção dos Monarcas de Castela.
A maior parte do terreno, por onde discorre o Rio Mamoré, e estão fundadas as Aldeias referidas, é tão plano a que em tempo de águas rebojão os Rios de sorte, que alagadas as campinas se fazem navegáveis, recebendo grande dano as sementeiras; também impedem a multiplicação do gado, e até as mesmas povoações padecem sustos grandes, não só pelo perigo que pode resultar-lhes das inundações, mas pela a que ficam aqueles povos condenados, quando são mui desordenadas as cheias. O clima desta região é sumariamente intemperado, que além de ocasionar doenças terríveis contribuiu mui pouco para a fertilidade dos frutos e víveres, razão por que se padece de tudo bastante penúria em alguns dos povos aqui relatados. (...)
Nome
Tipo
Lat./Long.
01
Santo Antônio
Cachoeira
8°48’5,90”
63°57’6,68”
02
Macacos
Corredeiras
8°50’39,52”
64°0’56,31”
03
Teotônio
Salto
8°51’31,27”
64°3’51,93”
04
Morrinhos
Corredeiras
9°1’39,19”
64°11’53,46”
05
C. do Inferno
Cachoeira
9°16’29,37”
64°39’35,18”
06
Jirau
Salto
9°19’32,83”
64°43’52,23”
07
Três Irmãos
Corredeiras
9°35’21,96”
64°55’31,94”
08
Paredão
Cachoeira
9°33’50,59”
65°10’18,54”
09
Pederneiras
Corredeiras
9°31’29,29”
65°19’47,73”
10
Araras
Corredeiras
9°58’17,90”
65°19’38,21”
11
Periquitos
Corredeiras
10°5’32,48”
65°18’36,65”
12
Chocolatal
Corredeiras
10°10’12,63”
65°18’24,73”
13
Ribeirão
Salto
10°12’44,60”
65°17’32,92”
14
Misericórdia
Cachoeira
10°13’47,12”
65°17’38,62”
15
Madeira
Cachoeira
10°21’53,70”
65°23’10,37”
16
Das Cordas
Corredeiras
10°29’3,10”
65°25’48,28”
17
Lajes
Corredeiras
10°26’48,43”
65°23’34,61”
18
Pau Grande
Cachoeira
10°28’9,03”
65°25’31,47”
19
Bananeiras
Cachoeira
10°35’11,60”
65°23’56,20”
20
Guajará-açu
Corredeiras
10°37’0,65”
65°24’31,29”
21
Guajará-mirim
Corredeiras
10°46’56,48”
65°21’8,56”



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