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quarta-feira, 20 de junho de 2012

São Gabriel da Cachoeira

Localizado no extremo noroeste brasileiro, o terceiro maior Município do país, apresenta uma série infindável de problemas de ordem social frutos de uma infraestrutura precária que os governos teimam em ignorar. 

São Gabriel da Cachoeira é um Município situado no extremo noroeste do Estado do Amazonas, na Federação Brasileira. Dista 852 quilômetros da capital do estado, Manaus. Situa-se na bacia do Alto Rio Negro. Limita-se ao Norte com a Colômbia e a Venezuela; ao Sudeste com o Município de Santa Isabel do Rio Negro; ao Sul com o Japurá e com a Colômbia. Boa parte do seu território é abrangido pelo Parque Nacional do Pico da Neblina. O Município é considerado um ponto estratégico pelo país, e por essa razão a Cidade é classificada como área de segurança nacional, pela Lei Federal n° 5.449.


Foi o primeiro Município brasileiro a escolher prefeito e vice-prefeito indígenas já que, em outubro de 2008, foram eleitos Pedro Garcia, da etnia tariana, para prefeito; e André Baniwa, da etnia Baniwa, para vice-prefeito. No Município, nove de cada dez habitantes são comprovadamente indígenas. É o Município com maior número de indígenas no país.

O Município também é conhecido como Cabeça do Cachorro por seu território ter forma semelhante à da cabeça deste animal.
Em um caso único na Federação Brasileira, foram reconhecidas como línguas oficiais, ao lado do português, mais três idiomas que foram aprovados pela lei municipal 145/2002, de 22 de novembro de 2002: o Nheengatu, o Tukano e o Baniwa, línguas tradicionais faladas pela maioria dos habitantes, dos quais 85% são indígenas. A experiência de São Gabriel da Cachoeira com seu pluralismo linguístico já influencia outros Municípios do Estado do Amazonas e de outros Estados da Federação.
A economia do Município baseia-se na agricultura de subsistência, nomeadamente a mandioca, a banana, o abacaxi, o abacate, a batata-doce e o limão.
No Município encontra-se sediada atualmente a 2ª Brigada de Infantaria de Selva (2° Bda Inf Sl), o 5° Batalhão de Infantaria de Selva (5° BIS) e a 21ª Companhia de Engenharia de Construção (21ª Cia E Cnst) do Exército Brasileiro. (Fonte: Instituto de Cooperação Técnica Intermunicipal - ICOTI)
- Histórico
1761  -  Fundação do Povoado e do Forte de São Gabriel da Cachoeira pelo Capitão português José da Silva Delgado.
1833  -  Elevação do Povoado de São Gabriel da Cachoeira a sede de Freguesia com a mesma denominação, conforme Decreto do Governo do Pará de 25 de junho de 1833, ainda com território pertencente a Barcelos.
1891  -  Elevação da Freguesia de São Gabriel da Cachoeira a categoria de Vila, dando-se a criação do Município com sua área territorial desmembrada de Barcelos, conforme Lei Estadual n° 10, de 3 de setembro de 1891, recebendo nova denominação: São Gabriel do Rio Negro.
1893  -  Instalação da Vila de São Gabriel da Cachoeira do Rio Negro, em 13 de maio de 1893.
1908  -  Extinção do Forte São Gabriel, no local, conforme descrição de Dom Frederico Costa, “somente ruínas, pedras espalhadas, resto de muralhas e algumas peças de artilharia inutilizadas”.
1926  -  Criação da Comarca de São Gabriel conforme Lei n° 1.223, de 4 de janeiro de 1926.
1930  -  Extinção da Comarca e do Município de São Gabriel do Rio Negro que foi integrado a Moura juntamente com Barcelos, conforme Ato n° 45, de 28 de novembro de 1930.
1931  -  Com a restauração do Município de Barcelos, o território municipal de São Gabriel do Rio Negro foi desmembrado de Moura e anexado novamente a Barcelos, conforme Ato Estadual n° 33, de 14 de setembro de 1931.
1935  -  Restabelecimento definitivo do Município de São Gabriel da Cachoeira readquirindo sua autonomia com a reconstitucionalização do Estado do Amazonas.
1936  -  Restabelecimento da Comarca de São Gabriel do Rio Negro, conforme Lei n° 92, de 31 de julho de 1936 que se reinstalou em 14 de novembro do mesmo ano.
1938  -  Elevação a categoria de Cidade conforme Decreto n° 68 de 31 de março de 1938.
1941  -  Extinção pela segunda vez, da Comarca de São Gabriel de acordo com Decreto n° 663, de 19 de dezembro de 1941, passando a Termo de Barcelos.
1943  -  O Município recebeu nova denominação: Uaupés de acordo com a Lei Estadual n° 226, de 24 de dezembro de 1952.
1952  -  Restabelecimento definitivo da Comarca de Uaupés de acordo coma Lei Estadual n° 226, de 24 de dezembro de 1952.
1953  -  Reinstalação da Comarca de Uaupés, em 7 de abril de 1953.
1966  -  O Município recebeu nova denominação: São Gabriel da Cachoeira, conforme Lei Estadual n° 526, de 6 de dezembro de 1966.
1968  -  Conforme Lei Federal n° 5.449, o Município de São Gabriel da Cachoeira foi enquadrado como “Área de Segurança Nacional”.
1990  -  Aprovação da Lei Orgânica do Município de São Gabriel da Cachoeira, em 5 de abril de 1990.
1991  -  Comemoração dos 100 anos de emancipação política do Município de São Gabriel da Cachoeira.
2007  -  Comemoração dos 116 anos de emancipação política do Município e 246 anos de criação do então Povoado de São Gabriel da Cachoeira.
- Terras Indígenas
As Terras Indígenas abrangem cerca de 80% do território municipal. A Terra Indígena Balaio, cujo relatório antropológico foi publicado no Diário Oficial da União, sobrepõe-se ao Parque Nacional do Pico da Neblina sob responsabilidade da Fundação Chico Mendes.
São Gabriel da Cachoeira é o terceiro maior Município do país: 109.185 km². Sua área é maior do que os Estados de Pernambuco (98.311,6 km²), Santa Catarina (95.346,2 km²), Paraíba (56.439,8 km²), Espírito Santo (46.077,5 km²), Rio de janeiro (43.910 km²), Alagoas (27.767,6 km²) e Sergipe (21.910,5 km²). (Fonte: ICOTI)
- Demografia
Durante a década de 1990, a taxa geométrica de crescimento anual da população de São Gabriel da Cachoeira foi de aproximadamente 4%. Em 2009, essa população é estimada em 41.885 habitantes, segundo o censo demográfico do IBGE. A maior parte desses habitantes é constituída por várias etnias indígenas como, por exemplo, os Arapaço, Baniwa, Barasana, Baré, Desana, Hupda, Karapanã, Kubeo, Kuripako, Makuna, Miriti-tapuya, Nadob, Pira-tapuya, Siriano, Tariano, Tukano, Tuyuka, Wanana, Werekena e Yanomâmi. São Gabriel da Cachoeira é o Município com maior concentração de diferentes etnias indígenas do país. As diversas comunidades indígenas distribuem-se nos bairros da sede municipal, no núcleo urbano de Iauaretê e ao longo dos Rios que cortam o Município como, o Uaupés, Içana, Xié, Tiquié e Negro. São mais de 400 pequenas comunidades que vivem em Terras Indígenas. (Fonte: ICOTI)
- Cultura e Sociedade
A Cidade possui, em sua maioria, festividades religiosas que são promovidas ao longo do ano, como a Semana Santa, procissão, festa do padroeiro do Município (em 29 de setembro) e, até mesmo, nas comunidades indígenas coordenada e dirigida pelos devotos. Existem ainda festividades folclóricas de grande significado popular como o Carnaval, festas juninas, e o maior evento cultural é o Festival Cultural das Tribos Indígenas do Alto Rio Negro - FESTRIBAL.
Criada através do Decreto Lei N° 024 de 13 de maio de 1996, com objetivo de valorizar, desenvolver, difundir e homenagear os hábitos culturais indígenas da região, está instituída definitivamente no calendário de festividade do Município. (Fonte: ICOTI)
-  Relatos Pretéritos - São Gabriel
       José Monteiro de Noronha (1768)
Da povoação de Nazaré navega-se, por entre os mesmos cachopos, até a Fortaleza de S. Gabriel situada na margem setentrional do Rio, sobre a Cachoeira grande chamada Crocobi e superior à povoação de Nossa Senhora de Nazaré légua e meia. A sua latitude austral é de 44’31”45’’’1½. No mesmo sítio da Fortaleza há uma povoação de índios da nação Baré. Entre esta e a de Nossa Senhora de Nazaré só há, na margem do Sul, um riacho em que habitou o principal Curiana e, na margem do norte, o riacho Ionutá e mais outro de nome desconhecido. (NORONHA)
       Alexandre Rodrigues Ferreira (1783)
Antes de São Gabriel e na distância de um quarto de hora de viagem para baixo da Praia-Grande, está situada a povoação de Nossa Senhora de Nazaré de Curiana sobre a margem setentrional. Constava de nove casas ao longo dela: dirigia os índios, que aponta a divisão sétima, o soldado José Severino, cultivavam maniba e o anil: é povoação tão antiga como a fortificação, que algum dia se fez, e existiu na ilha de São Gabriel, a qual lhe fica fronteira: fundou-a o capitão José da Silva Delgado no ano 1761, que foi quando erigiu uma casa forte, para guarnição da referida ilha. Em 1784 desceram os principais Miguel da Silva e Miguel de Menezes, com o soldado Ponciano José de Lima, 19 almas do gentio Passé, das quais falecerão dez. Vencida a enseada de Curiana (26 de setembro de 1783), segue-se montar o salto da primeira cachoeira do Crocobi, que existe na chamada Praia Grande, situada na margem do norte, e acima da referida ilha de São Gabriel. Nela principia a povoação deste nome, e nela desembarcam os que se não querem arriscar na cachoeira, havendo estrada por terra até o centro da povoação. (...) Dali por diante é tanta a sua elevação que, para montar-se ao cimo do povoado, onde estão situadas a igreja Matriz, a fortaleza, e os quartéis da residência do comandante, e o da tropa da guarnição, é forçoso subir por uma escada de madeira, a qual tem por toda a sua altura 16 degraus sensivelmente distantes um do outro. (FERREIRA)
       Antônio Ladislau Monteiro Baena (1839)
Lugar subjacente ao círculo equinocial na longitude 309°57’ sobre a aba de um morro alcantilado da margem esquerda do Rio Negro 199 léguas acima da foz. Formam o número de seus moradores três brancos, dez mamelucos, oito mamelucas, 53 índios, 68 índias e dois mestiços livres. É quanto aparece de uma povoação longeva, que se compunha de duas compridas ruas, das quais uma terminava na praia grande. A boa igreja, que os Missionários Carmelitas inauguraram a São Gabriel, está assaltada de ruínas que tendem a fazê-la baquear. (...). Abaixo do mesmo forte, defronte da praia grande, demoram a décima e undécima cachoeira, das quais a de maior corpulência chama-se Crocobi, e vulgarmente do Bento. (BAENA)
      Alfred Russel Wallace (1850)
Nas primeiras horas da tarde (do dia 21 de outubro de 1850), alcançamos o povoado de São Gabriel, junto às quedas principais. Nesse trecho, o Rio torna-se mais estreito, possuindo no meio uma ilha que o divide em dois canais. O fundo do leito é formado por uma extensa laje inclinada, sobre a qual despenham-se as águas com tremendo ímpeto. Logo abaixo da corredeira, elas parecem ferventes, sucedendo-se, um após os outros, formidáveis e perigosos cachões (cachoeiras altas e volumosas). Mais abaixo, surgem vórtices e redemoinhos igualmente perigosos. Para passar por tais obstáculos, era necessário descarregar a canoa quase completamente, e depois puxá-la pelo Rio acima, o mais próximo possível da margem, por entre as águas espumejantes. Tão logo isso foi feito, o Senhor Lima e eu nos arrumamos e subimos a encosta, rumo à casa do comandante, sem cuja permissão não seria possível passar diante do forte.
O comandante era amigo do Senhor Lima. Eu trazia para ele uma carta de apresentação. Tratava-se de um senhor educado, que nos convidou para tomar café, depois do que ficamos palestrando sobre as novidades do Rio e da Cidade durante uma ou duas horas. Quando nos despedimos, fez-nos prometer que voltaríamos a vê-lo pela manhã, antes de seguirmos viagem, a fim de que pudéssemos tomar um café reforçado. Dali seguimos para a casa de um velho comerciante português que eu conhecera em Barra. Ali jantamos e pernoitamos.
Na manhã seguinte, depois de tomarmos café com o comandante, reiniciamos a viagem. Acima de São Gabriel, os rápidos tornam-se ainda mais numerosos do que antes. (WALLACE)
       Richard Spruce (1852)
Apesar de ser São Gabriel (julho de 1852) uma boa estação de coleta em virtude de sua interessante vegetação, suas desvantagens eram tão consideráveis que, se eu tivesse começado aqui minhas coleções sul-americanas, talvez houvesse desanimado de prosseguir com tal trabalho. (...) Além desses aborrecimentos, tenho enfrentado um outro aqui em São Gabriel, com o qual até então ainda não me havia defrontado. Refiro-me aos moradores. Quase toda a população local se restringe aos soldados da guarnição. Pois bem: sabe como é que no Brasil se recrutam os soldados? Vou contar. Quando alguém comete um crime punido com a pena de degredo, é recrutado e despachado para um dos postos de fronteira. Assim, dos catorze homens que compõem a guarnição de São Gabriel, não há um que não tenha cometido algum crime grave, e pelo menos a metade é de assassinos. Imagine com que sensação de segurança eu deixo minha casa e fico fora alguns dias!... Durante minha ausência, já por duas vezes ela foi assaltada, e dois galões de aguardente, além de frascos contendo melado, vinagre e outros mantimentos, simplesmente desapareceram. (...)
São Gabriel é infestada por vampiros, e minha casa, que tem um velho teto já meio arruinado, também dispõe de uma boa cota desses animais. Quando entrei nela, o chão estava cheio de manchas de sangue ressecado, que tinha sido extraído de meus predecessores por esses chupa-sangues da meia-noite. Já na primeira noite meus dois homens foram atacados por eles. Um dos índios apareceu com feridas nas pontas dos quatro dedos, sendo três de um dos pés. (...) Suas vítimas preferenciais são as crianças. (...)
Depois que aqui cheguei, ocorreu fato curioso com a família que mora na casa ao lado. As crianças de lá eram atormentadas pelos morcegos-vampiros, exibindo no corpo, a cada manhã, novas marcas de mordidas. Certo dia, ao anoitecer, uma gata apareceu junto à porta de entrada, e ali mesmo demonstrou uma perícia especial na caça de morcegos. Na noite seguinte, atraíram-na para dentro de casa e deixaram que ela ficasse no quarto das crianças. Ela se postou diante das redes e, cada vez que um morcego ali pousava, ela imediatamente se arremessava sobre ele, dando cabo ao agressor. Pela manhã, viram que nenhuma das crianças tinha sido mordida, sendo a gata promovida ao posto fixo de guarda noturno da casa. (SPRUCE)
       Boanerges Lopes de Sousa (1928)
Às 15h40min chegamos a Camanaus, a grande cachoeira que é o primeiro degrau da garganta atravessada pelo Rio Negro e que se estende até Carapanã, 49 quilômetros acima. As lanchas encostaram no porto de cima, confronte a uma casa velha de telha em que reside Elpídeo Dias. Fizemos nosso bivaque à sombra de árvores, a jusante da cachoeira. Toda a carga foi baldeada para o porto a montante, cerca de 200 metros. Os batelões foram arrastados a espia, através da cachoeira, que as lanchas desbordaram pela esquerda, contornando a ilha que lhe fica fronteira. Só no dia seguinte às treze horas deixamos Camanaus. (...)
Às dezoito horas (12 de setembro de 1928), desembarcamos em São Gabriel, cuja casaria se descortina do longo estirão dominado pela colina em que está assente a Vila. Hospedamo-nos em uma casa em construção, da firma Gonçalves&Irmão, alojando-se os praças numa outra gentilmente oferecida pelo chefe da firma, Coronel Rodolfo.
No dia seguinte, pela manhã, recebemos a visita da Missão, representada pelos Padres Noé e Francisco, com os quais mantivemos animada palestra. Recebemos, também, a visita do Tenente de polícia, Oliveira, delegado local, responsável pela Prefeitura, na ausência do serventuário efetivo Major Pessoa. Retribuímos, à tarde, a visita dos missionários Salesianos, cujo estabelecimento visitamos demoradamente. Tivemos oportunidade de constatar que a missão cuida com devotamento da educação e da instrução dos meninos e das meninas indígenas, tratando-os com muito carinho e bondade. À instrução imprimem acentuado cunho patriótico, revelado no garbo com que os meninos e meninas cantaram o hino Nacional e o da Bandeira e a presteza com que responderam às perguntas que lhes fizemos sobre datas e fatos da história do Brasil. Notamos que o mesmo tratamento era dado às crianças indígenas como aos contribuintes da Vila São Gabriel e arredores. (...)
Visitamos as oficinas de carpintaria, sapataria e alfaiataria que ainda necessitam de melhor aparelhamento, sobretudo a primeira para atender às necessidades do estabelecimento e do preparo profissional dos alunos. Há, também uma pequena oficina de ferreiro ao lado da carpintaria. (...)
Visitamos a Santa Casa dirigida pelas irmãs de Maria Auxiliadora onde vimos uma bem montada farmácia de que é encarregada uma irmã, que acumula as funções de farmacêutica e de enfermeira. A sala de cirurgia dispõe de aparelhamento satisfatório, em quase sua totalidade doado pelo Dr. Hamilton Rice. (SOUSA)
Dr. Hamilton Rice: nascido em Boston, em 1875, Alexander Hamilton Rice era neto do primeiro prefeito republicano de Boston. Formado pelo Harvard College e pela Harvard Medical School, o doutor “Ham” Rice foi um dos fundadores do Institute for Geographical Exploration na Universidade Harvard, servindo como presidente da instituição de 1929 até sua extinção, em 1952. (...) O doutor Rice era um grande desbravador do alto Amazonas e organizou sete expedições à região. Eleanor acompanhou o marido em diversas delas. Ao contrário de Fawcett, Rice acreditava na mais recente tecnologia. Para a expedição de 1924/25, levou consigo um hidravião, o Eleanor II; adotou a tecnologia de rádio de ondas curtas e filmava suas atividades. As expedições que liderava contavam com especialistas em Botânica, Zoologia, Astronomia, Geografia e Medicina. (Kenneth Maxwell)
Ao lado da classe dos meninos, vimos uma sala de armas com cabides e fuzis para a instrução militar dos adolescentes. O Padre Noé, que é reservista, era o encarregado da respectiva instrução.
Subvencionada pelo Governo Federal, há uma Escola Agrícola e Pecuária, dirigida pelos Padres Salesianos e que funciona nos próprios terrenos da missão. (SOUSA)
       José Cândido de Melo Carvalho (1949)
Acabamos de chegar a Uaupés (01 de junho de 1949). São dez horas da manhã e chove torrencialmente, fazendo lembrar Noé e sua arca, pois até descer do batelão tivemos dificuldade, tal volume d’água no momento. (...)
Chegando a Uaupés, fomos levados para a Missão Salesiana, onde os Padres nos receberam muito cordialmente. Deram-me um quarto com cama, mesa, jarro e bacia de metal e uma bilha com água potável. Barbeei-me, coisa que não fazia há dias, indo a seguir “dar uma olhadela” na Missão. (...)
O nome Uaupés é proveniente de Uaupé ou Boapé, antigo tuxaua residente com seu grupo na foz do Rio desse, no local onde hoje se ergue a povoação de São Joaquim. Esse nome ficou conhecido desde a metade do século XVIII, quando ali chegaram os primeiros bandeirantes do Pará. Uaupé é também o nome de um pássaro, a jaçanã, em língua geral. (...)
Fiz curta visita a São Gabriel, hoje Uaupés. Comprei alguma coisa que me faltava, linha, agulhas, etc (...)
Em Uaupés, existem algumas cabeças de gado, sendo digna de nota a ausência absoluta do berne e o número diminuto de carrapatos. Por outro lado, é grande a quantidade de micuins existentes no capim da povoação. (...)
Subi até o Morro de São Gabriel. Descortina-se, a perder de vista, um belíssimo panorama. Existem, ali, grandes blocos de granito, com profundos sulcos verticais em seu contorno, o que os torna muito característicos. (...)
Serviço espetacular é a subida das embarcações na cachoeira de São Gabriel. Cada embarcação é amarrada com três ou quatro grossas cordas de piaçaba, de cerca de 100 a 200 metros de comprimento. A extremidade é atada em árvores das margens. Várias pessoas (geralmente 15 a 20, para motores de mais de oito cavalos) vão puxando a embarcação, enquanto o motor é utilizado no máximo. Nessa árdua tarefa são gastas várias horas antes que seja feita a atracação no porto de cima. (CARVALHO)
-  2ª Brigada de Infantaria de Selva

Na manhã do dia 22 de dezembro de 2009, apresentamo-nos ao General-de-Brigada Ivan Carlos Weber Rosas, atual Comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, e já nomeado para a chefia do Estado Maior do Comando Militar da Amazônia. O General nos levou até o local, de formatura da Brigada de onde se tem uma bela vista do Rio Negro. Neste local estavam em posição de destaque, apontados para o Rio, três dos dez canhões que guarneciam o Forte São Gabriel. A meu pedido, o General Rosas, gentilmente, enviou por e-mail, um pequeno relato de sua vivência na área que transcrevemos abaixo.
Caro Hiram
Estamos, eu e minha mulher, há um ano e oito meses aqui na região da Cabeça do Cachorro. Confesso que chegamos um pouco assustados em 22 de abril de 2008, mas de imediato pudemos constatar que ter vindo para cá foi um maravilhoso presente que recebemos. A Cidade, embora pequena e distante, é bastante acolhedora e não nos falta nada; até chimarrão tomamos com erva comprada aqui.
A equipe de oficiais e praças de toda a brigada é excelente, o que facilita muito o trabalho. Nossa principal missão é vigiar os cerca de 900 km de fronteira com a Colômbia e os mais de 600 km com a Venezuela e para isto nos valemos de 6° PEF (Iauaretê, Querari, São Joaquim, Cucuí, Maturacá e Pari-Cachoeira) além de um destacamento (futuro PEF) em Tunuí-Cachoeira, num total de mais de 400 homens e mulheres dedicados diuturnamente à vigilância da linha de fronteira.
Como tropa de retaguarda, temos o Comando de Fronteira/5° BIS em São Gabriel da Cachoeira com mais cerca de 500 homens.
O maior desafio, sem dúvida, é manter uma logística eficiente que apoie nas melhores condições os PEF, pois lá não pode faltar nada, pois as condições de vida são difíceis e não há opções para compra de qualquer tipo de artigo, ou seja, o que não for remetido pela sede, não existirá no PEF.
Agora em fevereiro próximo estarei passando o comando da brigada e assumindo a chefia do Estado-Maior do CMA, de onde tentarei continuar apoiando as ações de vigilância na Cabeça do Cachorro, que compreende os Municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, numa área maior que os Estados de Rio de janeiro e São Paulo somados, e maior que alguns países da Europa.
Mas vamos cumprindo a missão e espero que as coisas continuem tranquilas nesta imensa faixa de fronteira da nossa querida Amazônia.
Um forte abraço, Ivan Rosas
SELVA!!!.
Depois de um longo e agradável bate-papo, fomos até a 21ª Companhia de Engenharia de Construção, comandada pelo Major Vidal, onde conversamos longamente com os irmãos de arma e fizemos questão de verificar o estado de nosso caiaque “Cabo Horn”, que estava no almoxarifado da Companhia.
Meu fiel parceiro de jornada do Solimões aparentemente estava em condições de enfrentar as águas pretas do Rio Negro. Chequei o material de reparo, resina, fibra e malha (de vidro), doadas pelo Coronel Ebling. Solicitei ao Major Vidal que, tão logo fosse possível, encaminhasse o “Cabo Horn” ao Hotel de Trânsito para que eu pudesse fazer os devidos ajustes e consertos necessários.
Guiados pelo motorista do Comandante da Companhia, realizamos um “tour” pela Cidade. Na delegacia, paramos para fazer contato com o Comandante do Destacamento da Polícia Militar, Capitão PM Lamonge. O Capitão encontrava-se em Manaus, como sempre, e o destacamento estava sob o comando do Soldado PM Heleno. O Heleno encarregou-se de estabelecer os contatos necessários para conseguir uma “voadeira” para o deslocamento do Coronel Teixeira que embarcou na viatura da PM com o Heleno enquanto eu continuava, com o motorista da Companhia de Engenharia, no meu reconhecimento. Fomos até a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).
FOIRN: é uma Associação civil, sem fins lucrativos, sem vinculação partidária ou religiosa, fundada em 1987, para lutar pela demarcação das terras indígenas na região do Rio Negro, estado do Amazonas; promover ações na área da saúde, educação e autosustentação. Tem ainda como objetivos centrais lutar pela autonomia dos povos indígenas, valorizar as culturas, a medicina tradicional, e outras atividades culturais visando à melhoria das condições de vida dos povos indígenas da bacia do Rio Negro. Compõe-se de mais de 40 organizações de base, sendo que cada uma delas representa um número variável de comunidades indígenas distribuídas ao longo dos principais Rios formadores da bacia do Rio Negro. São cerca de 750 aldeias, onde habitam mais de 30 mil índios pertencentes a 22 grupos étnicos diferentes, representantes das famílias linguísticas Tukano, Aruak e Maku, numa área de 108.000 km² no Noroeste amazônico brasileiro. É reconhecida como de utilidade pública estadual, lei n° 1831/1987. A FOIRN é uma aliança de cooperação e colaboração mútua, que respeita a diversidade cultural e religiosa da região. (Fonte: FOIRN)
A esplêndida construção de madeira guarda no seu interior belas peças de artesanato de diversas etnias indígenas do Alto Rio Negro. Mais que utensílios ou simples peças de adorno, os artefatos indígenas são elaborados não só atendendo a requisitos técnicos ou estéticos mas, sobretudo, simbólicos ou ritualísticos. Admirava extasiado cada uma das peças e vinha-me à mente os relatos dos antigos pesquisadores a respeito de sua manufatura e emprego no cotidiano e em rituais místicos. Um conjunto de cestaria, em especial, me chamou a atenção: a Baniwa, cuja harmonia de formas e cores se destacava dentre todas as demais. Os instrumentos musicais e adornos das diversas etnias guardavam um encanto especial não só em relação à sua beleza mas, sobretudo, pela aura de espiritualismo que carregavam. Mais tarde, durante nossa descida, ouvimos, dos nativos, muitas reclamações sobre falta de atuação da Federação (FOIRN) em relação a diversas comunidades e privilégios oferecidos a outras.
-  Cestaria Baniwa
As grandes cestas são, originalmente, usadas para armazenar alimentos e roupas. Para fins comerciais, são enfeitadas com grafismos coloridos. Os Baniwas afirmam que estes grafismos foram gravados pelos seus antepassados nas pedras (petroglifos), para que jamais fossem esquecidos.
A cestaria de arumã é realizada pelos homens. As fibras com a casca, sem qualquer tratamento, são usadas na manufatura de cestas mais resistentes. O colmo da planta, depois de descascado, raspado e areado, permite a manufatura de cestas coloridas; o trabalhoso processo inclui o uso de fixadores extraídos da entrecasca do Ingá e de outras árvores, que é misturado aos pigmentos desejados.
Arumã ou guarumã (Ischnosiphon spp.): planta da família das marantáceas, ocorre em regiões semialagadas. Espécie de cana de colmos lisos e retos que tem a superfície flexível e permite o corte de finas fibras que são trançadas para formar as cestas. O arumã é utilizado pelos povos indígenas amazônicos, a partir do Maranhão.
Fazer cestaria de arumã com esmero é tornar-se adulto, atestado de como sobreviver no mundo. No mito de Kowai, filho do criador Nhiãperikuli, três rapazes iniciandos são devorados porque transgridem regras alimentares. Kowai, transformado em monstro, vomita seus restos em balaios e tipitis, como se fossem massa de mandioca, colocando-os na praça da Aldeia, defronte à casa ritual, simbolizando suas “mortes” como crianças. No ritual de iniciação, os meninos Baniwa em reclusão aprendem a fazer cestaria de arumã, cujas peças serão ofertadas às kamarara, suas amigas rituais. No mesmo mito, a cestaria de arumã aparece também ligada à iniciação das meninas, que recebem o benzimento final da reclusão pisando num balaio e tendo outro cobrindo a cabeça, os quais serão removidos depois que as regras de convivência social forem transmitidas pelo benzedor. (Fonte: socioambiental)
- Tipos de Cestaria
Urutu (oolóda): são grandes cestos, sem desenhos marchetados, usados para guardar massa de mandioca ou para guardar farinha, beiju e roupa.
Balaio (waláya): os waláya são usados nos rituais de iniciação Baniwa. Os meninos aprendem a fazê-los com o intuito de ofertá-los às suas companheiras de ritual, no término do período de clausura. Os waláya makapóko (balaios grandes) são usados para recolher a massa de mandioca ou para servir beiju e farinha nas refeições.
Jarro (kaxadádali): “o termo kaxadádali, em Baniwa, refere-se ao formato barrigudo de uma cesta ou cerâmica, palavra que também se aplica às pessoas (mulheres grávidas, por exemplo) e aos animais. Consta que, para os Baniwa, este tipo de cesta tem o formato do universo. Antigamente eram feitos de cipó e usados para guardar miudezas e iscas para pescar”. (Fonte: Casa-museu do objeto brasileiro)
Peneira (dopítsi): artesanato feminino de uso diário. São de formato platiformes, circulares, com talas afastadas, usadas para peneirar a farinha, suspensas, por cordas, servem como suporte para empilhar o beiju seco.
-  Simbolismo dos Adornos Indígenas
Os adornos indígenas das várias tribos ou dos grupos étnicos que residem na bacia do alto Rio Negro, incluindo os afluentes Uaupés, Tiquié e Papuri, foram criados pelo Deus Trovão, o Deus da origem que, com seu poder, os fez aparecer desde a origem da humanidade. Não existem dúvidas de que, ainda quando se encontravam no Lago de Leite - ventre materno de todos os povos, localizado no Rio de janeiro - todos nossos ancestrais já possuíam esses adornos. De lá, foram trazidos pela canoa da transformação através do Oceano Atlântico e pelos Rios Amazonas e Negro. Nesse percurso, os ancestrais adentraram nas malocas sagradas que ficavam à beira do Oceano e dos Rios. Nessas malocas, que hoje são as serras, Lagos, pedras e lajes, os ancestrais dançaram usando adornos que lhes foram presenteados pelo Deus Trovão. Todos os grupos de nossa região possuem nomes específicos em suas línguas para o Trovão.
Para os índios, os adornos representam riqueza, vida, alegria. Eram usados para fazer festas de danças tradicionais ou rituais, organizadas pelo líder da maloca ou pelo Bayá, conhecedor dos cantos tradicionais. O uso dos adornos e as danças eram também uma forma de agradecimento. Sem eles, é como se não existisse mais vida sobre a terra. Isso foi o que sentiram nossos antepassados quando tiveram que entregar seus adornos aos missionários, como aconteceu no século passado na região do alto Rio Negro. Alguns grupos da região ainda são conhecedores de todas as danças, outros perderam completamente. As danças tradicionais são as seguintes: dança de lugar cerrado, dança macaco-da-noite, dança do bicho preguiça, dança abelha grande preta, dança wapiri, dança galho de taboca, dança do chocalho pequeno, dança de maracá, dança da vara, dança do camarão, dança da máscara, dança do cacho-de-inajá, danças dos peixes, dança do bastão de ritmo, cantos fora da maloca, cantos de brincadeira.
Essas são danças deixadas pelo Criador e constituem uma riqueza imensa dos povos indígenas desde o início de sua existência. Sob os cuidados dos Bayá e dos Kumua, os especialistas nos cantos e nas encantações, essas danças eram executadas de acordo com um calendário cerimonial, e serviam para afastar os males do mundo.
A caixa de adornos dos antigos é, para nós, a alma da maloca, assim como outros instrumentos cerimoniais, tais como: bancos, lança-chocalho, suporte de cuias, forquilhas de cigarro, Ipadu, caapi, cera de abelha. O caxiri também é a alma da maloca. Os Bayá e Kumua de antigamente transmitiam seus conhecimentos aos mais jovens oralmente, não se praticava nenhum tipo de registro por escrito. Pelo entardecer, reuniam-se na maloca para conversar. Ouvindo a fala dos mais velhos, os jovens aprendiam as cerimônias. No dia da festa, ninguém precisava de orientação.
Os Tukanos reunidos no Distrito de Iauaretê construíram uma maloca com a finalidade de receber de volta os adornos e manter a cultura viva. (Luis Aguiar - Etnia Tariana)
-  Dança da Máscara
Como não tivemos a oportunidade de presenciar as danças típicas indígenas que, na Cidade de São Gabriel da Cachoeira, são uma das mais importantes manifestações do “Festival Cultural das Tribos Indígenas do Alto Rio Negro” - Festribal - reproduzimos, então, o texto redigido pelo Major Boanerges Lopes de Souza, em 21 de novembro de 1928, que relata a dança das máscaras pelos Uananas.
Encontramos os Uananas em franca atividade nos preparativos para a festa. As máscaras recebiam as pinturas e os que as tinham prontas, desfiavam a casca de matamatá para o preparo das franjas com que se confeccionam as saias. Outros entretinham-se no arranjo dos enfeites para a dança da “acangatura” e as “cunhãs” e as “cunhamucus” davam a última demão no preparo do “cachiri”. O tuxaua nos comunicava, constantemente, a marcha dos preparativos. Concluídos estes, foi marcada a festa para a manhã de 21. Às nove horas, teve ela início, com a dança das máscaras. Nesta, só os homens e alguns “curumins” tomam parte. Metidos na vestimenta feita de entrecasca de tururi e casca de matamatá, levando aquela a pintura e a máscara que representavam os bichos da floresta, marcharam os índios em uma só fila rumo à grande maloca. Ao aproximarem-se desta, correram para ela e, num vozerio infernal, batiam os paus que empunhavam de encontro ao revestimento de palha da parede, penetrando, em seguida, no vasto salão. (SOUSA)
Matamatá (Eschweilera coriácea): árvore de 15 a 35 metros de altura. A madeira, pela sua resistência e durabilidade, é usada na construção civil. As sementes em emulsão são usadas para o tratamento nas infecções das vias urinárias.
Tururi: fibra vegetal, resistente e flexível que envolve os frutos da palmeira ubuçu, muito utilizada na confecção de artesanatos. Sua cor natural é castanho escuro.
A onça marchava na frente e parecia ser o personagem mais importante. O sapo, o papagaio, a borboleta, o rouxinol, o aracu, o araripirá e o tapuru formavam-lhe o cortejo. Não consegui interpretar os detalhes dessa interessantíssima dança, em que, ora os papagaios, ora as borboletas, marchavam solenemente, entoando cânticos alusivos às cenas que se desdobravam. O sapo, o rouxinol e os outros bichos revezam-se nas danças e cânticos; mas, incontestavelmente, os papagaios e as borboletas (dois a dois ou um papagaio e um borboleta), eram as figuras que mais predominavam. A onça, de vez em quando, aparecia e fazia um estardalhaço interessante. Nos intervalos, grupos diversos divertiam-se com a dança do carriço, alegrando a assistência. Ela é assim chamada porque os rapazes, ao mesmo tempo que dançam, arrastando, uma mulher, tocam a flauta de pan, composta de quatro, cinco ou seis carriços. Estes são feitos de talos de bambu cujos comprimentos variam de 6 a 20 centímetros, de grossura de 0,5 a dois centímetros. Os índios empunham a flauta com as duas mãos e correndo o beiço pela escala de carriços, conseguem emitir desde os mais graves, aos mais agudos sons. A música é pobre: só distingui dois temas que se revezavam. Grupos de três ou quatro pares formando fila dançavam incessantemente num canto da maloca ou no pátio; ou então, formavam roda e a dança passava a ter novo tema. (SOUSA)
-  Música do Diabo - Jurupari
       Jurupari - Moisés Tapuio
Segundo Batista Caetano, y-ur-apá-ri pode significar “ser que nos vem à rede, o pesadelo, o sonho mau”. Teodoro Sampaio, no entanto, é de opinião que iurú-pari significa “boca fechada, segredo”; conceito semelhante ao do Padre Constantino Tastevin: iu-ru-pari = máscara na boca ou no rosto. Para Coudreau o significado de jurúpará-i é “saído da boca do Rio”; e o sábio Stradelli dá a seguinte etimologia: iurú, boca, e pari, grade de talas com que se fecha a saída dos igarapés. Veja-se, também, Couto de Magalhães, para quem “Jurupari é corruptela de Jurupoari”, que significa “tirar da boca”.
Jurupari é uma denominação Tupi para um demônio particular, mas foi usada com exclusividade pelos missionários para designar qualquer demônio; até assumindo o Lugar do diabo cristão nos trabalhos de catequese dos íncolas. Aparece em outras tribos, como os Baniva, como Kowai ou Kóai, todavia possui um opositor, uma evidente criação catequética, que incorpora os conceitos religiosos do Bem; é Inapíri-Kúri ou Jesus Cristo. Os Uaupés chamam-no de Wáx-Ti ou “espíritos maus”.
A lenda diz que Jurupari é um deus que veio do céu em busca de uma mulher perfeita para ser esposa de Coaraci, o Sol, mas não diz se ele a encontrou e, segundo Orico, essa missão é inatingível. Jurupari foi o maior legislador que os indígenas conheceram, assemelhando-se a Quetzalcoaltl, a “Serpente Emplumada”, deus reformador e legislador Maia.
Enquanto conviveu com os homens, estabeleceu uma série de normas de conduta e leis morais; instituiu a monogamia, a higiene pessoal através da depilação corporal, restituiu o poder aos homens que viviam em um regime matriarcal; promoveu modificações nos costumes e na lavoura; e especialmente deve-se-lhe as festas de colheita. Tão grande foi a sua influência e tão importante seus ensinamentos que o Dr. Hurley, com muita propriedade, definiu-o como o “Moisés tapuio”.
Algumas das leis do Jurupari permanecem validas até hoje e são as seguintes:
O chefe cuja mulher for estéril poderá tomar outras para si, sob pena de perder o trono para o mais valente;
Ninguém cobiçará a mulher de outro, pagando a desobediência com a vida;
A mulher deverá permanecer virgem até a puberdade e jamais prostituir-se;
A mulher casada deverá permanecer com o marido até a morte sem traí-lo;
O marido deve permanecer em repouso durante uma lua, após o parto da mulher;
O homem deve sustentar-se com o trabalho de suas mãos;
É punida com a morte a mulher que visualizar o Jurupari, e o homem que revelar seus segredos e seus rituais.
Segundo a lenda, a mãe do Jurupari era uma índia virgem chamada Ceuci, “filha de Tupã e Zuacacy”, conforme Ernesto Cruz, e instigada pela curiosidade foi espionar os rituais, contrariando assim a lei instituída pelo filho. Para servir de exemplo de que as leis do Jurupari não podem ser transgredidas, foi condenada à morte.
A cerimônia do Jurupari tem seu ritual em fins de março, que coincide com o período em que as águas diminuem e prenunciam o verão, que começa em maio. Na verdade, na Amazônia não existe inverno e verão, o que chamamos inverno e verão é caracterizado pelas chuvas, abundantes num e escassas noutro período. Na Europa, esse período coincide com o equinócio solar, que determina o início da Primavera, durante a qual se realizava antigamente - e ainda hoje - muitos rituais pagãos.
O Jurupari é um arquétipo presente em diversas culturas, não é um privilégio Tupi, mas por ser essa a maior família índia, espalhada por grande extensão territorial, e por ser a língua Tupi-Guarania mais difundida, os pesquisadores antigos concentram nela os seus trabalhos. (PEREIRA)
       Paxiúba
Os índios da região do alto Rio Negro consideram a palmeira paxiúba como símbolo máximo de sua liturgia e que ela representa o próprio Jurupari (Filho do Sol). Do caule da exótica palmeira são fabricadas trombetas das quais se extrai um som harmonioso através do qual o Filho do Sol se comunica com seus devotos.

Socratea exorrhiza

Paxiúba (Socratea exorrhiza): palmeira da família das palmáceas. Conhecida popularmente como: castiçal, baxiúba, zancona, bombom. Alcança até 20 m de altura, com estipe solitário, de 10 a 18 cm de diâmetro, cilíndrico, anelado, suportado por um cone de até 25 raízes adventícias acuneadas, amplamente espaçadas e que chegam a atingir dois metros de comprimento. Folhas pinadas, com bainhas fechadas formando uma coroa, com 20 pares de folíolos alternos, distantes, trapezóide-oblongos, com nervuras brancacentas. Cresce em diversos habitats, sendo mais comum na floresta tropical úmida, em áreas inundadas ou em terra firme. Por ter o lenho muito resistente, é usada como ripas em construções rústicas, servindo até para caravelas de navios e bengalas. É uma espécie ornamental, além de seus frutos serem apreciados pelas aves.
       Alfred Russel Wallace (março de 1851)
Foi também aqui que vi e ouvi pela primeira vez o Jurupari, isso é, a “música do diabo”. Aconteceu durante uma festa em que havia caxiri. Um pouco antes de escurecer, ouviu-se um som de trombones e fagotes que vinham do Rio em direção à Aldeia. Pouco tempo depois, eis que surgem oito índios, todos soprando um certo instrumento muito parecido com um fagote de grandes dimensões. Havia quatro pares de tamanhos diferentes. O som que produziam, conquanto primitivo, era bem agradável de ouvir-se. Os instrumentos eram tocados simultaneamente, todos executando a mesma melodia simples. Com isso, esses índios revelavam um gosto mais apurado para a música do que os de qualquer outra tribo que conheci. Os instrumentos são feitos de cascas de árvores enroladas em espiral, tendo boquilhas de folhas.
Ao anoitecer, seguimos para a maloca. Lá dentro, dois velhos tocavam dois instrumentos maiores, movendo-se de maneira curiosa, ou para cima e para baixo, ou de um lado para outro, acompanhando esses movimentos com análogas contorções corporais. Por longo tempo ficaram tocando a mesma melodia, acompanhando-se uns aos outros de modo harmonioso e correto. Desde o momento em que se escutavam esses instrumentos pela primeira vez, desaparecem por completo todas as mulheres, sejam novas ou velhas. Trata-se de uma exótica superstição dos índios Uaupés. Segundo seus costumes, às mulheres é vedada a simples visão de um desses instrumentos. Caso contrário, será punida com a morte, e geralmente por envenenamento. Mesmo no caso de que a visão dos instrumentos tenha sido absolutamente fortuita, ou então quando houver apenas uma suspeita de que a mulher tenha visto os instrumentos proibidos, não há clemência. Dizem já ter havido casos de pais que executaram suas próprias filhas e de maridos que também fizeram o mesmo com suas esposas, tudo por causa desse crime.
Obviamente, fiquei ansioso para comprar esses instrumentos, especialmente em virtude da superstição relacionada com eles. Assim, fui falar com o Tuxaua. Ele prometeu vender-me alguns na minha viagem de volta, mas com a condição de que fossem embarcados a alguma distância da Aldeia, a fim de que não houvesse perigo de serem vistos pelas mulheres. (WALLACE)
-  Morro da Fortaleza
Após a visita à FOIRN, fomos até o Morro da Fortaleza. O Morro guarda uma história que se confunde com a própria criação de São Gabriel e, por isso mesmo, vamos reportá-la.
Após a assinatura do Tratado de Madrid, em 13 de janeiro de 1750, e da criação da Capitania de São José do Rio Negro (1755), foram organizadas diversas expedições com a finalidade de patrulhar e fortificar o Alto Rio Negro visando demarcar os domínios portugueses na área e de controlar os descimentos indígenas. O governador da Capitania, Tenente-Coronel Gabriel de Souza Filgueiras (1760/1761), enviou para a área o Capitão José da Silva Delgado à frente de um pequeno destacamento que se instalou na Aldeia de Curucui, erguendo um fortim em uma das ilhas e, logo após, prosseguiu tomando posse de diversas aldeias a montante do Negro. A povoação viria a ser elevada a Vila em 1833 com o nome de São Gabriel, em homenagem àquele governador (Gabriel de Souza Filgueiras). Logo que assumiu o governo, em dia 24 de dezembro de 1761, o Coronel Valério Correia Botelho de Andrade, preocupado com a precariedade das instalações do fortim construído pelo Capitão José da Silva Delgado, solicitou ao Governador e Capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Manuel Bernardo de Melo e Castro (1759-1763) a construção de um novo Forte. A missão foi confiada ao Capitão Phillip Sturm, Engenheiro Militar alemão a serviço de Portugal. Sturm condenou, de imediato, a localização da posição fortificada na ilha e recomendou sua mudança para uma posição dominante em terra firme, o que facilitaria ao mesmo tempo a construção, manutenção, defesa e eventual reforço em caso de ataque. A construção teve início em janeiro de 1763. Em 28 de julho do mesmo ano, Sturm enviou ao governador o seguinte relato:
No que respeita à formadura desta fortaleza, conforme a primeira planta que enviei a V. Exa., mudei inteiramente aquela primeira ideia da estrela, no qual apliquei quatro baluartes, proporcionados e regulados para o pequeno terreno e forçada guarnição que a defenda. Tudo vai ser feito em boas madeiras em que tenho especial cuidado. Não remeto por ora a V. Exmª a planta e o perfil desta obra, por falta de tudo o necessário, tanto papel como tinta.
A construção de madeira deteriorou-se rapidamente e, em 1770, o governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, o Capitão-General Fernão da Costa de Ataíde Teive Sousa Coutinho, determinou sua reconstrução em pedra. Os trabalhos iniciaram-se em 1775, e a nova estrutura foi assim descrita por Alexandre Rodrigues Ferreira em 1783:
No vértice da colina cavalga a fortaleza. O que é ela verdadeiramente é um reduto construído de pedra e barro, com dois meios baluartes na frente e as cortinas que o fecham pelos lados e pela retaguarda. Guarnece-o exteriormente um tal ou qual fosso, que o não circunvala, mas cinge o lado da frente para o Rio e o da parte da povoação. A parede da porta é a cortina da frente. Contei dez peças de ferro, montadas nas suas carretas, a saber, seis de calibre de quatro e quatro de calibre de ½. Há dentro dele um quartel para a guarnição, um parque d’armas e mais petrechos de guerra, uma pequena casa de pólvora, um calabouço etc., e todas estas casas, excetuando a da pólvora, são cobertas de palha.
Pela retaguarda do reduto se levanta um outeiro que o domina e é um temível padrasto que se corresponde com ele a tiro de peça. Necessita-se, por esta parte, de um contrarreduto que cubra a retaguarda do primeiro. Pela parte do Rio, é bem defensável, porque o Rio se coangusta de modo que o que apresenta é uma estreita garganta, defendida pelos meios baluartes superiores, ficando a povoação entre a primeira cachoeira da praia grande e a segunda sobre que está levantado o reduto. Constava o seu destacamento de 60 praças. O ordinário costuma ser de 30 e nunca existem juntos, porque já escrevi que, da guarnição se destacam os praças precisos para a direção das povoações subalternas; outros se empregam nas diligências do serviço. Sabe-se que os espanhóis pretenderam introduzir-se neste Lugar antes de ser fortificado, e foi preciso prevenir as suas costumadas usurpações. O primeiro que o fortificou pela nossa parte foi o Capitão-de-granadeiros José da Silva Delgado. Veja-se o que a este respeito consta do seu assento. E é o seguinte:
O Capitão José da Silva Delgado foi destacado para o distrito das cachoeiras deste Rio, a fundar uma nova povoação, em 23 de maio de 1761. Apresentado em 6 de novembro do dito ano, depois de concluir uma casa forte na ilha de São Gabriel; um armazém na Cachoeira Grande e tomar posse das aldeias dos índios nas terras de Marabitanas, que são: São José, São Pedro, Santa Maria e Santa Bárbara, como também criar as aldeias de São João Batista, na boca do Rio Ixié; a de Santa Iabel, rainha de Portugal, na boca do Rio Uaupés; do Senhor da Pedra, na Cachoeira Grande, da parte do sul; a de Nossa Senhora de Nazaré, na enseada da dita ilha, da parte do norte; a de São Sebastião, na cachoeira chamada do Vento, da parte do norte; a de São Francisco Xavier, na mesma cachoeira, da parte do sul, e a de Santo Antônio, na boca do Rio Mariá.
Donde não só se vem no conhecimento do primeiro que guarneceu este passo, ainda que por então não fez mais que uma casa forte, erigida na ilha, mas também que algumas aldeias se estabeleceram, as quais já hoje não subsistem. Sucedeu-lhe o outro capitão Miguel de Siqueira Chaves, o qual foi destacado em 12 de outubro de 1761 e apresentou-se em 9 de janeiro de 1762, por causa de doença.
Seguiu-se o capitão Simão Coelho Peixoto Lobo, destacado em 13 de janeiro de 1762 e apresentado em 14 de dezembro de 1763. Por todos eles foi informado o Ilm° Senhor Manoel Bernardo de Melo e Castro que, no Lugar em que está situada a residência dos comandantes, se podia erigir um reduto que defendesse o passo, Rio acima e pela margem do norte, o que não se podia esperar da casa forte estabelecida na ilha. Por ordem sua, subiu a erigi-lo, em 30 de janeiro do dito ano, o alemão Filipe Strum, capitão engenheiro. Construiu-o de pau-a-pique, com dois baluartes na frente para o Rio, e esta foi a fortificação que fez e subsistiu até ao ano de 1765. Comandaram-na oficiais distintos em patentes, talentos e serviços, entre os quais os capitães Filipe Strum, Inácio de Castro Morais Sarmento, João Batista Mardel e Domingos Franco de Carvalho. Distinguiram-se particularmente o primeiro e o terceiro. Alguns deles comandaram mais de uma vez e o capitão Simão Coelho, que tinha saído a comandá-la pela primeira vez em 13 de janeiro de 1762, tornou a ser destacado para o seu comando em 2 de fevereiro de 1767. O citado capitão Filipe Strum, que subiu a fundar o reduto em 30 de janeiro de 1763, voltou a comandante em 13 de novembro do mesmo ano. Pelos fins de 1775 se deu princípio ao que hoje existe: desenhou-o o capitão engenheiro, mas não o concluiu, porque se retirou para a diligência do Rio Branco. Passaram a comandantes os oficiais subalternos que dantes eram menos; não que deixassem de ser para lá destacados, como foram alguns de que faço menção, mas não encarregados do comando.
Tais foram o Alferes Manoel Porate de Morais Aguiar, em 5 de novembro de 1761, e passou a fazer um descimento em 26 de março de 1762; o Alferes Crispim Lobo, duas vezes destacado, a primeira em 24 de dezembro de 1762 e a segunda em 30 de dezembro de 1773; o Alferes Luís da Cunha d’Eça, em 1° de julho de 1764; o Alferes Custódio de Matos Pimpin, em 9 de fevereiro de 1765; o Alferes José Henriques da Costa, em 19 de fevereiro de 1766; o Alferes Antônio de Seixas, em 26 de janeiro de 1772, etc. Da patente de tenentes, dou fé do Tenente Miguel Ângelo Ferreira, em 29 de julho de 1763; do Tenente Inácio Soares de Almeida (destacado para comandante) em 19 fevereiro de 1762, do Tenente Manuel Lobo de Almeida, em 19 de setembro de 1770, etc.
Comandaram-na depois, de entre os que lembram, o ajudante auxiliar Cleto Antônio Marques, o Alferes Joaquim Manoel da Maia Melo; o outro Alferes Francisco Rodrigues Coelho, que concluiu o novo reduto, e o Tenente Marcelino José Cordeiro, que é pela segunda vez seu comandante atual. Eu injuriaria o seu merecimento, se pretendesse informar dele; os seus serviços são as suas informações; pelo seu zelo foram estabelecidas as povoações das Caldas, no Rio Cauaburi, e de São Marcelino, no outro Rio Ixié; a de São Gabriel tem sido aumentada, a fronteira guarnecida; as ordens de V.Exmª executadas, a expedição de limites socorrida de farinhas e o novo encargo do anil desempenhado. No dia 3 de maio de 1784, chegou à fortaleza o Coronel Manoel da Gama Lobo d’Almada, na qualidade de comandante geral, da parte superior do Rio Negro; aquela foi a primeira vez, que subia a comandá-la um oficial da sua patente. (FERREIRA)
O governador da Capitania do Rio Negro, Manuel da Gama Lobo d’Almada, também fez sérias críticas à guarnição do forte:
As suas guarnições, fracas em dois sentidos, porque são diminutas e compostas pela maior parte de muito maus soldados do país, uns que são puramente índios, outros extração ou mistura deles, gente naturalmente fugitiva e indolente, falta de honra, de experiência, de capacidade necessária para uma defesa gloriosa.
A informação mais detalhada sobre o forte, porém, é a de Antônio Ladislau Monteiro Baena e data de 1839:
Contíguo a este Lugar, há um forte que se apelida como ele e que foi construído em 1763 de ordem do General do Pará, Manoel Bernardo de Mello e Castro, contra as pretensões dos Hispano-Americanos. Ele é de figura pentagonal irregular, da qual o maior lado, que defronta com o Rio, é uma cortina, que prende dois meios baluartes; no meio está a porta, que simultaneamente serve ao forte e ao quartel, o qual, com o calabouço, corpo de guarda e armaria, abraça toda a cortina. Os lados menores não têm flanqueamento (defendida por torres); eles são uma singela parede de pedra e argila que é o material de toda aquela fortificação. Falta-lhe o fosso, esplanada, e obras exteriores; não tem canhoneiras para mais de 16 peças de artilharia, e ainda essas hão de ser de calibre inferior ao meridiano, e portanto incapazes de contrabater. As guaritas são três, e de tijolo cobertas de telha. O estado das peças, das carretas e de tudo o que são anexas do forte, como o quartel, armazéns e ribeira, é lastimoso; e o armazém da pólvora é uma pequenina casa de pedra coberta de telha e enterrada no meio do recinto sem segurança nem resguardo.
Quanto ao exterior do forte, na sua espalda, surge perto uma serra (Morro da Boa Esperança), que é um ponto dominante sobre o mesmo forte, cuja situação parece apta para defender o passo ao inimigo por entestar com a duodécima cachoeira, que ali atravessa o Rio formando um boqueirão, que a veia d’água passa arremessando-se com máximo ímpeto fremente; cuja cachoeira por certo de algum modo embaraça um inimigo inexperto em passar estes obstáculos; porém ele pode iludir esta arduidade saindo em terra sem risco por cima do Lugar chamado o Caldeirão, e dali descer embuçado ao abrigo da espessura.
Ora este Lugar do Caldeirão nunca teve, nem tem um reduto de fachina, que o defenda; porquanto o Forte de São Gabriel, sem esta obra fica insuficiente, bem como no tempo da defensa é muito preciso levantar uma bateria no já referido ponto dominante, do qual se descobre o interior do Forte até à raiz do muro, e se divisam os defensores, que em tais circunstâncias estão como nus de anteparo. Há ainda outra razão de conveniência para se dever ocupar o dito ponto dominante, e é que dele se descortina uma grande extensão do Rio, e por isso é um ótimo lugar de atalaia (vigia). (BAENA)
Os únicos vestígios do forte, atualmente, são os de seus alicerces em forma de ferradura encravados na rocha. É voz corrente de que as antigas pedras do forte foram usadas na construção da Missão Salesiana. As dez peças de artilharia originais se encontram assim distribuídas: quatro peças de ½” estão na frente Fórum da Cidade de SGC, três peças de 4” no 5° Batalhão de Infantaria de Selva e as outras três no pátio de formatura da 1ª Brigada de Infantaria de Selva. O Morro da Fortaleza, como hoje é conhecido, encontra-se ocupado pela Companhia de Saneamento do Amazonas (COSAMA). No Morro também se encontra uma das atrações locais conhecida como Pedra da Anta, com seus estranhos desenhos em relevo: um pernil, víceras de animais e uma pegada humana. Acompanhado do Coronel Teixeira, subi na caixa d’água da Cosama e lá do alto desfrutamos de uma posição e uma vista singular para tirar fotografias.
-  Antevéspera de Natal (23 de dezembro)
O major Vidal providenciou para que o caiaque fosse trazido até o Círculo Militar, onde eu e o Teixeira iniciamos sua manutenção. O Teixeira notou um pequeno dano no casco do compartimento de popa, que reparei com o material doado pelo Coronel Ebling. Para evitar os problemas que enfrentei no Solimões com o nome do caiaque, Opium, e suas cores azul e amarelo que lembram a bandeira colombiana, resolvi raspar o “O” de Opium e agora navego com o modelo “pium” mais adequado ao contexto amazônico. Na hora do almoço, o Soldado PM Cavalheiro acertou com o Teixeira o deslocamento da sua “voadeira” pilotada pelo, índio Baré, de São Gabriel até Manaus.
- Morro da Boa Esperança
“Ali há um morro chamado Monte Serrat ou da Boa Esperança, serpenteado por um caminho de terra com marcos situados a cada 100 metros. Estão decorados com mosaicos que lembram os 15 mistérios do Rosário. Foram colocados ali em 1965 em comemoração ao cinquentenário da Prelazia do Rio Negro. De lá de cima, podem-se ver belas praias de areia branca e, ao fundo, a silhueta escura e misteriosa do maciço das Guianas”. (MAUSO)

O morro de aproximadamente 230 metros de altitude, a dez minutos do centro da Cidade, era conhecido antigamente como Morro de São Gabriel, depois chamado de Monte Serrat e, finalmente, Boa Esperança. Os Padres Salesianos construíram uma trilha que permite que se chegue ao topo, sem muito esforço. No alto, foram construídas as capelas de Nossa Senhora Auxiliadora e a do Cristo Crucificado de onde se tem uma vista privilegiada da Cidade e do Rio Negro. Na trilha, foram implantados, em 1965, ano do cinquentenário da Prelazia do Rio Negro, de cem em cem metros, pequenos monumentos decorados com artísticos mosaicos, representando as 14 estações da Via Sacra. Neste local, são realizadas as procissões mais importantes do calendário litúrgico.
- Lenda da Serra da Bela Adormecida
Serra da Bela Adormecida ao fundo

Dois jovens enamorados, da tribo Baré, passeavam pela mata quando foram atacados por um grupo rival. O guerreiro enfrentou ferozmente os adversários dando oportunidade de a jovem fugir. A bela índia, escondida entre as folhagens, viu seu amado ser morto pelos algozes e, apavorada, se embrenhou mais e mais na mata, se perdendo, vindo, dias depois, a falecer de inanição. Tupã, compadecido com o destino do casal, moldou a montanha de modo a representar o contorno da jovem deitada esperando eternamente pelo seu amado.
- Missão Salesiana
“A Congregação Salesiana tem as glórias, no século XX, que no período colonial se atribuíram aos Jesuítas. Como os continuadores do pensamento de Inácio de Loiola, os Filhos de D. Bosco seguem o programa do santo amigo das crianças, ampliando-o na conversão dos primitivos da Amazônia e na irradiação da fé e da civilização. São, assim, na atualidade, sem nenhum favor, os mais legítimos realizadores da grande jornada de conquista espiritual”. (Arthur Cézar Ferreira Reis)
Os primeiros missionários a percorrer as bacias do Rio Negro e do Uaupés foram os Carmelitas e, logo em seguida, os Franciscanos, ambos rechaçados pelo isolamento e as doenças tropicais. Somente os estoicos Salesianos enfrentaram o desafio. A presença Salesiana na Amazônia foi cogitada, a partir de 1908, por Dom Frederico Costa, após viagem pelo Alto Rio Negro, que encaminhou uma solicitação à Santa Sé neste sentido. Foi criada, então, em 1910, a Prefeitura Apostólica do Rio Negro e, em 18 de julho de 1914, através da bula “Christianae Religionis”, o Papa Pio X entregou aos Salesianos a catequese do Rio Negro.

Em 1915, chegaram os primeiros Padres Salesianos: Bálzola, José Canudo e José Solari. A sede escolhida para a nova missão foi São Gabriel da Cachoeira. Atualmente, os Salesianos, na Amazônia brasileira, estão presentes em três Arquidioceses (Manaus, Belém e Porto Velho) e em três Dioceses (São Gabriel da Cachoeira, Humaitá e Ji-Paraná).
A ação dos Salesianos acontece, hoje, através de três comunidades Salesianas: Iauareté, São Gabriel-Maturacá e Santa Isabel-Marauiá. São 19 Salesianos (dos quais seis tirocinantes) e dois voluntários leigos. (...) O atual projeto missionário animado pelos Salesianos incrementa o protagonismo dos povos indígenas e contempla três objetivos principais. O primeiro é interagir com os Ianomâmi (Maturacá-Marauiá) em vista do apoio à educação e ao desenvolvimento sustentável das comunidades, apoiando a formação de professores indígenas através do magistério indígena, construindo uma escola comunitária, intercultural, bilíngue, específica e diferenciada. (ISMA)
“No tope da fronteira à sobredita escada, está fundada a igreja Matriz. É uma igreja grande construída como barraca de madeira, coberta de palha, interiormente pintada com decência precisa”. (FERREIRA)
Na Missão, entrevistei o Bispo emérito Walter Ivan de Azevedo. Nascido em São Paulo, trabalhou durante oito anos em Santa Catarina e São Paulo em colégios, desenvolvendo trabalhos com a juventude. Simpático e muito prestativo, o bispo fez de bom grado o seguinte relato:
Sempre tive intenção e desejo de trabalhar como missionário. Os superiores, então, me mandaram para a Europa fazer o curso de missionário que é antropologia cultural aplicada à evangelização. Permaneci dois anos e, mais tarde, um ano me doutorando nessa matéria em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana e doutorado na Urbaniana. Fui então para as missões e foi bom porque, além de ter um pouco de experiência em visitas com jovens junto às tribos no Mato Grosso, tinha também esse cabedal teórico ou, digamos assim, fundamental e científico para abordar as missões. Vim para cá, primeiro como simples missionário em Rondônia, por quatro anos, a partir de 1976.
Depois desse período me fizeram inspetor provincial dos Salesianos da Amazônia. Visitando as casas paroquiais do Pará, Amazonas e Rondônia, pude conhecer bem a Amazônia. Depois de seis anos de inspetor, me fizeram bispo dessa região (SGC) que é uma região onde os habitantes são 90% indígenas e a maior parte dos outros caboclos, de modo que eu estava no meu ambiente mesmo. Trabalhei aqui como bispo diocesano e depois como emérito durante 20 anos. Nesses últimos três anos, estou trabalhando com seminaristas em Manaus que são os futuros missionários. Quando eu tenho tempo, uma vez por ano, eu fujo para cá para continuar minhas visitas a aldeias, principalmente a tribo Ianomâmi, a “nação” Ianomâmi que é a mais primitiva ou seja, aquela que teve contato mais recente com os civilizados”.
“A multiplicação das reservas indígenas, exatamente sobre as maiores jazidas minerais, usa o pretexto de conservar uma cultura neolítica (que nem existe mais), mas visa mesmo à criação de uma grande nação indígena. Agora mesmo assistimos, sobre as brasas ainda fumegantes da Raposa-Serra do Sol, o anúncio da criação da reserva Anaro, que unirá a Raposa/São Marcos à Ianomâmi. Posteriormente a Marabitanas unirá a Ianomâmi à Balaio/Cabeça do Cachorro, englobando toda a fronteira Norte da Amazônia Ocidental e suas riquíssimas serras prenhes das mais preciosas jazidas”. (Gelio Augusto Barbosa Fregapani)
O Bispo emérito Walter, graças a um pequeno “escorregão” durante sua explanação, deixa bem claro de como o conceito de “nação indígena é recente e que ainda não foi inteiramente absorvido pelos clérigos mais antigos. O bispo editou diversos livros, dentre os quais “Pinceladas de Luz na Floresta Amazônica”. O livro, como ele próprio diz, não é uma narrativa de viagens, muito menos a biografia de um missionário; é tudo aquilo que ele conheceu de bom e de belo na natureza, mostrando, principalmente, o homem da Amazônia.
-  Hidrelétrica de São Gabriel
“Em 1966, a revista ‘Américas’, da Organização dos Estados Americanos (OEA), publicou um artigo do oficial reformado da marinha uruguaia, Homero Martínez Montero, que apresentava essa idéia em detalhes e acrescentava o interesse de conectar a Bacia do Prata com a do Amazonas e esta, pelo canal do Cassiquiare”. (MAUSO)
Há uma grande preocupação, por parte dos moradores de SGC, em relação à construção de obras que facilitem a navegação e gerem energia na região das cachoeiras. Os textos abaixo relatam esta antiga preocupação e, além disso, servem para mostrar a dinâmica das relações internacionais já que, naquela época, os interesses dos EUA e Venezuela não eram tão conflitantes como os de hoje.
Há uma antiga pretensão norte-americana de fazer desaparecer as cachoeiras de São Gabriel através de obras de engenharia hidráulica relativamente simples, estabelecendo a navegação franca entre Manaus e a foz do Orinoco, no Caribe, com a utilização do canal de Cassiquiare. Essa idéia vem sendo esposada pela Venezuela, naturalmente por influência dos norte-americanos. O General Tasso Villar de Aquino, uma das maiores autoridades em geopolítica, considera que essa solução não interessa ao Brasil, quer sob o ponto de vista econômico, quer sob o militar. No primeiro caso, o fluxo comercial internacional entre Manaus e Belém praticamente desapareceria. O Atlântico seria alcançado bem mais ao norte, reduzindo substancialmente a distância Brasil-Estados Unidos e isolando por completo o porto de Belém. No segundo caso, abrir-se-ia uma via de acesso direta ao coração da Amazônia brasileira - Manaus - o que as cachoeiras de São Gabriel impedem. (BRASIL - 1987)

Um comentário:

  1. Ixe apisyka retana ne blog! Continue sempre a divulgar conhecimentos sobre uma cultura tão valiosa que podemos nos orgulhar de ser a nossa verdadeira cultura original brasileira.

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