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domingo, 13 de maio de 2012

Travessia da Laguna dos Patos III – Uma Ode ao CMPA

Canção do CMPA
(Letra: Barbosa e Souza, Música: Arão Lobo)

Somos espadas de um povo altaneiro,
Somos escudos de grande nação,
Em nossos passos marcham guerreiros
Avança a glória num pendão.

Na nossa escola forja-se a grandeza,

Temos no peito amor juvenil,
Em nossas cores toda a natureza,
Nós somos filhos do Brasil. (…)

Amigas e amigos de todos os rincões manifestaram-se preocupados com meu longo afastamento da web. Agradeço, sensibilizado, sua preocupação, mas estava por demais envolvido no treinamento, planejamento e execução de mais uma épica jornada na Laguna dos Patos. Infelizmente, meu treinamento para a Travessia da Margem Ocidental da Laguna dos Patos, em homenagem ao Centenário do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), tanto nas Lagunas Litorâneas, como no “Rio” Guaíba e na represa da Granja do Valente, de propriedade da família Schiefelbein, em Bagé, foi bastante prejudicado por diversos problemas alheios à minha vontade. Eu teria, desta feita, de enfrentar “inconstância tumultuária” da Laguna dos Patos sem estar gozando de minha condição física ideal.

  Equipe de Apoio


O Coronel PM Sérgio Pastl e o Comandante Norberto Weiberg, da bela e hospitaleira cidade de Canela, RS, embarcados no “Hagar” um pequeno e versátil veleiro “Day Sailer”, capaz de nos apoiar nas águas rasas e ultrapassar os extensos bancos de areia dos “Pontais” da Laguna sem a necessidade de longas desbordagens, nos aguardavam desde a véspera, de 12 de abril, na boca da Lagoa Pequena, proximidades da Ponta da Feitoria. Graças ao Professor Paulo César Camargo Teixeira, Diretor da Escola Estadual de Ensino Médio Leopoldo Maieron – CAIC, de Bagé, minha querida e parceira de aventuras Rosângela Maria de Vargas Schardosim pode me acompanhar na primeira perna da Travessia desde a Praia do Laranjal, em Pelotas até São Lourenço do Sul. O Professor Paulo, desde que tomou conhecimento de nosso Projeto, tem sido um incansável incentivador do mesmo.

  Partida de Bagé (11 de abril)

Saímos de Bagé, eu e a Rosângela, depois do almoço, do dia 11 de abril, rumo à Praia do Laranjal, em Pelotas. Contatamos, pelo celular, o Professor Hélio Riche Bandeira, por volta das 16 horas, na Praia do Laranjal e nos deslocamos até a Pousada em que ele estava. A tarde sem vento prenunciava uma largada tranquila e sem as dificuldades enfrentadas em setembro do ano passado. Depois de devidamente instalados recebemos a visita do Sr. Joel Ramos, um veterano e entusiasta canoísta da região com quem permanecemos conversando até tarde.

  Partida da Praia do Laranjal (12 de abril)

Os Lusíadas
(Luís Vaz de Camões)
Canto I – 43

Tão brandamente os ventos os levavam,
Como quem o Céu tinha por amigo;
Sereno o ar e os tempos se mostravam
Sem nuvens, sem receio de perigo. (…)


Partimos às 05h40 e aportamos, às 07h57, na Ponta da Feitoria (31°41’36,50”S / 52°02’22,18”O), depois de percorrer pouco mais de 21 km a aproximadamente 9,2 km/h.  Desta vez os ventos suaves de popa nos permitiram atacar o primeiro ponto mantendo uma trajetória bastante retilínea. Contatamos a equipe de apoio e depois de descansar, uns trinta minutos, partimos. Contornamos a Ponta da Feitoria e avistamos, na sua face Este, diversos acampamentos de pescadores envolvidos na pesca do camarão. Este ano a salinidade vinda do oceano, através da Barra de Rio Grande, chegou até São Lourenço. A falta de chuvas nas cabeceiras dos Rios que deságuam na Laguna manteve o nível do Mar de Dentro bastante baixo, permitindo a entrada de água salgada, própria para o desenvolvimento do camarão produzindo uma safra abundante.

Aportamos às 09h35, sob as belas raízes de uma enorme figueira próxima às belas ruínas da centenária sede da Estância Soteia (31°37’52,31”S / 52°00’57,38”O) mais conhecida como Casarão da Soteia (casa com terraço),  construído pelos índios Guaranis, nos idos de 1780, e que remonta à época da Real Feitoria de Linho Cânhamo embora não tenha sido a sede da mesma. Apesar do triste estado em que se encontram as ruínas ainda é possível visualizar-lhe o belo terraço, de frente para a Laguna dos Patos, que lhe empresta o nome.

Ano passado, depois de enfrentar ventos fortes de proa durante todo o trajeto, tínhamos chegado exaustos à Soteia por volta das dezesseis horas onde o senhor Flávio Oliveira Botelho gentilmente nos abrigou e nos brindou com um saboroso carreteiro. Este ano, ao contrário do ano passado, a sujeira gerada pelo desleixo dos pescadores que acampam no entorno e nas instalações da Soteia maculavam a centenária construção. Já estávamos partindo quando avistamos a equipe de apoio, conversamos com os amigos reiniciamos nossa jornadas às 10h40 rumo ao Arroio Grande onde fizemos uma parada para o almoço antes de rumarmos para São Lourenço do Sul onde aportamos às 16h02.

  São Lourenço do Sul

  
Na Pérola da Laguna, “Terra de Todas as Paisagens”, ficamos hospedados na Pousada da Laguna Apart Hotel administrada, com esmero, pelo Sr, Alberto Furlanetto, onde consegui me preparar para a próxima empreitada. O atendimento cordial da gerência, o preço diferenciado para idosos e a qualidade das instalações, colocam a Pousada na Laguna como ponto de referência para os turistas que procuram bons preços e qualidade de serviços ao visitar São Lourenço do Sul. Aproveitamos o bom tempo da sexta-feira, 13 de abril, para conhecer um pouco o belo Município e sua história visitando a Fazenda do Sobrado, Boqueirão, São João da Reserva e a Coxilha do Barão, onde conhecemos a casa de Jacob Rheingantz.


-  Jacob Rheingantz
  
Fonte: Vivaldo Coaracy – A Colônia de São Lourenço e seu fundador

Jacob Rheingantz, comerciante e administrador alemão, nasceu no dia 13 de agosto de 1817 em Sponheim, Hamburgo. Filho de Johann Wilhelm Rheingantz e Anna Maria Kiltz, dedicou-se inicialmente ao comércio e, em 1839, partiu para a França, onde trabalhou como produtor de Champagne. Em 1840, foi para os Estados Unidos da América onde permaneceu até 1843, quando veio para o Rio Grande do Sul, estabelecendo-se em Rio Grande, como empregado na casa comercial de Guilherme Ziegenbein.

Em 9 de julho de 1848, casou-se com Maria Carolina Fella, passando a residir em Pelotas. Em 1856, comprou terras devolutas na Serra de Tapes, com o objetivo de fundar uma colônia. Fundou a Colônia São Lourenço, em 1958, em sociedade com José Antônio de Oliveira Guimarães.

Na Pátria-mãe, a Dúvida, o Sonho
No Mar, a Vela, a Incerteza, a Dor, a Saudade.
Em São Lourenço do Sul, a Fé, a Esperança, a Coragem, a Vida.


A primeira leva de imigrantes partiu de Hamburgo com 88 pessoas, vindos no navio holandês “Twee Vrienden”. Mudou-se com a família para a própria colônia onde era a autoridade máxima. No ano de sua morte sua colônia era um sucesso, já tinha um total de 52 mil hectares e mais de 6.000 moradores, além de 16 escolas particulares destinadas à educação da nova geração.

  Partida de São Lourenço (14 de abril)

Às 06h00, partimos confiantes para a segunda etapa de nossa travessia na Laguna dos Patos rumo à Fazenda Flor da Praia. A suave brisa permitia que apontássemos proa diretamente para a Ponta do Quilombo (31°20’00,83”S / 51°51’20,96”O) onde aportamos às 07h40 e fizemos uma parada de vinte minutos. A partir do Quilombo, enfrentando ventos de 20km/h vindos de Sudeste, rumamos diretamente para a Foz do Camaquã onde aportamos em um bosque de eucaliptos (31°16’44’’S / 51°44’16’’W).

A Procela
(Fausta Nogueira Pacheco)

Sucumbido pela tempestade,
entre ondas gigantescas em cega fúria,
debate-se contra a força atróz dos
o barco frágil nas águas desses mares

A terrível procela destemida avança,
Arrebentando suas onda no convés.
A tripulação vê o horror se aproximando
E de joelhos prostrada clama aos céus!

Os ventos aumentaram significativamente, a temperatura despencou e uma chuva gelada começou a cair antes de partirmos. Partimos para a Ponta do Vitoriano e tivemos de fazer uma parada intermediária, para nos aquecermos, em um pequeno bosque próximo a um captador de água (31°16’11’’S / 51°38’40’’W) depois de remar quase 10 km.

Havíamos enfrentando ventos de través, vindos de Sudeste, de 30 Km/h com rajadas de 50 Km/h e ondas de até 1,5 metros. Depois desta parada resolvemos remar diretamente para a Fazenda Flor da Praia (31°08’25,59”S / 51°37’06,85”O).

As enormes ondas nos forçavam a fugir da rebentação e a apenas 1,7 km de distância de nosso objetivo me distraí, por um momento, e permiti que uma enorme onda rebentasse sobre o indomável Cabo Horn virando-o. Apenas um pequeno e gelado susto já que eu estava próximo a margem, foi com muito esforço que arrastei o pesado caiaque até a praia e retirei a água que invadira o seu “cockpit” até a altura do convés superior. O Jornal O SUL estamparia na edição do dia seguinte:

Jornal O SUL, 15.04.2012

Velejadores são resgatados no Guaíba

Quatro velejadores foram resgatados ontem após acidente com um barco no Rio Guaíba, em Porto Alegre. A embarcação virou com forte vento. O grupo ficou agarrado nos pilares da ponte. Após este salvamento, os bombeiros foram ao Arroio das Garças, em Canoas, atender outra ocorrência de barco que virou. Ninguém ficou ferido.

Aportei na praia da Fazenda Flor da Praia às 15h30 e procurei o capataz que permitiu que acantonássemos em um dos galpões da Fazenda. Tivemos de deixar a luz acesa à noite, pois o galpão estava infestado de ratos.

  Partida da Fazenda Flor da Praia (15 de abril)

O sol reinava soberano e apenas uma leve brisa acariciava levemente a superfície da Laguna, condições bastante diferentes do dia anterior. Iniciamos nossa remada, às 08h05, até o Pontal Dona Maria (31°05’16’’S / 51°26’19’’W) aonde aportamos, às 11h20, e de onde podíamos observar o canal de acesso à Lagoa do Graxaim em cujas margens se encontra o povoado de Santa Rita do Sul, Distrito de Arambaré. As figueiras e pequenos arbustos bioindicavam a direção predominante dos ventos oriundos de Este e Nordeste que açoitam sistematicamente a vegetação nativa.


Do Pontal Dona Maria aproamos, às 11h40, diretamente para o conjunto de figueiras que ostentavam grinaldas de bromélias e orquídeas (31°01’35,98”S / 51°29’09,89”O) e cuja beleza eu não pudera  materializar, no ano passado, tendo em vista que minha Canon emperrara. Os monumentos arbóreos tinham cravado suas raízes nas voláteis e alvas dunas tentando, em vão, manter o equilíbrio enquanto as areias lenta, inexorável e criminosamente escoavam cômoro abaixo expondo mais e mais as magníficas fundações das centenárias figueiras. Depois de fotografar de todos os ângulos possíveis daquela paisagem fantástica partimos para o monumento que “homenageia” o General Francisco Pedro de Abreu (31°00’10’’S / 51°29’35’’W), onde chegamos às 14h20.


Nas proximidades deste local, em 16.04.1839, o Gal Francisco Pedro de Abreu desembarcou Tropas Imperiais para o malogrado ataque ao estaleiro  Farroupilha  na  Barra  do Camaquã. Independentemente do alinhamento ideológico daqueles bravos, o CTG Camaquã, entidades tradicionalistas e o povo de Arambaré reverenciam suas memórias.

Continuamos nossa jornada rumo a Arambaré. Navegamos bem próximo à bela praia da Costa Doce, entramos no Arroio Velhaco e aportamos no Clube Náutico (30°54’38,01”S/51°29’47,50”O) onde estacionamos nossos caiaques e fomos procurar abrigo no Destacamento da Brigada Militar comandado pelo Sargento PM Juliano.

  Capital das Figueiras (16 de abril)

No dia seguinte o Sargento PM Juliano nos proporcionou um pequeno “tour” pela cidade e depois nos levou até Santa Rita do Sul onde visitamos a “Arrozeira Camaquense”, fundada em 10 de junho de 1948, onde um enorme e antigo gerador a lenha ocupava lugar de destaque. O equipamento, na época, proporcionava energia suficiente para alimentar além do complexo industrial a Vila. Depois de Santa Rita fomos até a Fazenda da Quinta.

-  Arrozeira Camaquense

Silvio Luís, Franscisco Luís e Lauro Azambuja constituíram a Arrozeira Camaquense, em 10.06.1948, uma Sociedade Anônima, com participação de outros associados, de Barra do Ribeiro e Tapes. A sociedade adotou o processo de arrendamento de suas terras. O sistema de arrendamento da empresa de secagem e beneficiamento do arroz fez crescer o número de produtores de arroz, aumentando a mão-de-obra onde predominava o trabalho braçal. No final da década de 1960, a empresa passou a ser propriedade exclusiva de um dos acionistas. A partir de então se iniciou o declínio do empreendimento e de Santa Rita do Sul. A Arrozeira Camaquense foi comprada por José Cândido Godói Neto, um grande acionista da empresa que comprou as ações de todos os outros sócios. Após a Revolução Redentora de 1964 o governo investiu em uma política agrícola que priorizava a produção e produtividade. Adotou-se um sistema de créditos e subsídios fomentando a pesquisa, a assistência técnica, a adoção de tecnologia, o que aumentou intensamente a utilização de máquinas e insumos de origem industrial.


No final da década de 1980 a política agrícola sofreu profundas alterações e os proprietários das terras voltaram a vender o patrimônio fundiário. Apenas uma pequena quantidade de produtores conseguiu manter-se na condição de orizicultor. O maior empregador local passou a ser a indústria de beneficiamento de arroz, mas como não conseguia absorver toda a mão-de-obra da atividade agrícola, os trabalhadores migraram em massa aos trabalhadores da Vila.

– Partida de Arambaré (17 de abril)

Preocupados com nossa equipe de apoio que partira de Tapes tentamos, sem sucesso, contato via rádio. Permanecemos, até ao anoitecer, postados no trapiche e nada, resolvemos então deixar  rádio ligado para que quando eles se aproximassem mais pudéssemos fazer contato. Mais tarde tomamos conhecimento que eles estavam operando no Canal 16 e não no Canal 6 como havíamos combinado anteriormente. Nesse ínterim veio nos visitar no Destacamento da Brigada o amigo Pedro Auso, de Camaquã, e quando este já estava de saída aproveitamos a carona para ir até o Clube Náutico de Arambaré.  Lá chegando deparamos com nossa equipe de apoio que estava aportando.


A equipe de apoio chegou à noite ao Clube Náutico orientada pelo Sr. Charles Rodrigues Berçot. Berçot é um nauta, com espírito de escoteiro, que se compraz em auxiliar o próximo. Seu relato pessoal a respeito da recuperação do Farol do Cristovão Pereira mostra muito bem esse seu lado de bom samaritano (http://www.popa.com.br/diarios/arambareh_cristovao.htm)

No dia 18 de setembro corrente, eu, Charles Berçot, juntamente com o Adriano Becker, em um Guanabara (Ibaré) e, a reboque, um O’Day 12(Beluga), cruzamos a Lagoa dos Patos em direção ao farol Cristóvão Pereira, saímos as 9:45 do dia 18 e chegamos ao outro lado(atracamos) as 16h15mim, exatamente 6h30min de travessia, muito tranquila, apesar da fome, o que nos ansiava para chegada e o início do almoço. (…) No domingo dia 19, pela manhã, resolvemos fazer um rapel no farol, o que conseguimos com facilidade, lá chegando fomos a exploração, ao subir no farol nos deparamos com a placa solar, caída e com um dos fios de alimentação solto, fizemos o conserto da melhor forma que nos possibilitou e fixamos novamente a placa solar.

O Coronel PM Sérgio Pastl faz o seguinte relato a respeito do deslocamento dele e do Comandante Norberto Weiberg desde o Clube Náutico Tapense (CNT) até o Clube Náutico de Arambaré no “Hagar”:

Saímos com o Hagar do CNT às 15h30 de 16 Abr 12, contornado a Ponta da  Helena ao anoitecer, e velejamos à noite na enseada de Arambaré. O Farolete que marca o ponto do canal está ás escuras, de modo que fomos pelas luzes da cidade e por marca do GPS da Foz do Arroio Velhaco, capturado no google pelo Norberto. A cerca de umas duas milhas ainda longe da cidade, o Norberto chamou no rádio portátil na freqüência marítima, canal 16, e o Charles Berçot atendeu, estava de plantão, como aficionado radio amador que é, além de grande nauta. Gentilmente deslocou-se até a extremidade Norte da cidade, sinalizando com os faróis de seu carro, e depois foi até a Foz do arroio, que está literalmente bloqueada não por um banco de areia, mas sim por um morro de areia. Orientou-nos a prosseguir mais 500 m para o Sul, rente à costa, e então subir rumo Norte, já por dentro do alfaque (Banco de areia). Não fosse ele, sem nenhuma chance, teríamos que aportar na praia e arrastar o Hagar a braços até a Foz. Ainda na Foz, nos indicou um tronco encalhado a desviar, e nos acompanhou até ancorarmos na marina. Como reza a tradição do mar, o homem é hospitaleiro, sábio e voluntarioso.

Apenas para ilustrar, nos anos 2004 ele foi com um veleiro guanabara e parceiros até o Farol Cristóvão Pereira, e restaurou sua luz de sinalização, sem ônus para o Estado nem para a União. Soube, também, pelo guarda da noite do Clube que quando ele estava na Comodoria do clube ele instalou às suas expensas uma estação de rádio, e treinou os funcionários para ficarem na escuta 24 h, para apoiar navegadores ao largo, mas a nova Comodoria decidiu retirar o equipamento. O homem é um grande altruísta, além de outras cavalheirescas virtudes, brindando-nos com um gostoso vinho naquela noite fria, quando o Nordeste nos incomodava (molhadinhos até os ossos, né). No Clube nos ajeitou local para a barraca, o uso da cozinha do Clube e seu quiosque e demais dependências, sem custo, um fidalgo verdadeiro. Estou em dívida com ele e espero poder retribuir oportunamente.

Partimos cedo, 06h30, contando mais uma vez com o apoio dos amigos brigadianos. Os ventos de proa freavam nosso deslocamento e só aportamos na Ponta da  Helena (30°52’43,87”S/51°23’22,13”O) às 08h20. Depois de contornar a Ponta da  Helena observamos contritos (mortificados, tristes) os bosques de “pinus”, ao longe, ultrapassando as permeáveis cercas que os confinam e invadindo inexorável e progressivamente as belas áreas de mata nativa. Como talibãs verdes, as hordas bárbaras vão estendendo seus tentáculos sufocantes envolvendo as majestosas figueiras que estóicas aguardam as impiedosas mortalhas. Os proprietários destes funestos bosques deveriam ser cobrados no sentido de manter incólume a região vizinha às suas plantações caso contrário as próximas gerações só terão conhecimento dos pretéritos bosques nativos por fotografias.

Prosseguimos rumo Norte e antes de penetrarmos na enorme enseada conhecida como “Saco de Tapes” fizemos uma parada, às 12h20, em um canal onde o Cel Pastl preparou um lauto almoço. Depois do almoço remei rápido para escapar da poluição das águas, do Saco de Tapes onde o mau cheiro e a espuma flutuando na superfície marcam sua presença. A enseada que protege Tapes de poluições de outros centros não permite esconder o descaso dos seus governantes em relação ao sagrado manancial que poluem sem qualquer critério, um crime ambiental para uma cidade que se propõe a abrigar um balneário turístico às margens da Laguna. Aportamos no Clube Náutico Tapense às 15h45.

– Tapes a Namorada da Lagoa (17/18 de abril)

O Cel Pastl regressou, de ônibus, à Porto Alegre, depois de nos instalar confortavelmente na residência de seus parentes. No dia seguinte (18.04.2012) de manhã, nos despedimos do Comandante Norberto Weiberg, e à tarde nos instalamos na sauna do Clube Náutico Tapense o que nos permitiria realizar as pesquisas necessárias na cidade e partir de manhã sem grandes transtornos. Depois de visitar a Casa de Cultura, onde selecionamos o material relevante, e jantar na cidade nos recolhemos às instalações da sauna do Clube para pernoite.

– Partida para a Ponta da Formiga (19 de abril)

Partimos às 06h30 depois de pernoitar na sauna do Clube Náutico Tapense. Os ventos de Oeste de 6 nós (10,8 km/h) permitiam que atacássemos diretamente o estreito da Restinga do Pontal de Tapes, a 13 km de distância, para onde apontamos a nossa proa. No ponto da travessia terrestre havia um pequeno rebaixamento que certamente, na cheia, deve permitir a passagem das águas da Laguna dos Patos até o Saco de Tapes. Chegamos ao estreito às 08h05, uma média superior aos 8 km/h, carregamos os caiaques e as tralhas pelo estreito para a face Este do Pontal. Comuniquei nossa passagem ao Cel Pastl e ao Cel Araújo, do CMPA.


Fizemos uma parada às dez horas na única ilha de mata nativa imersa no emaranhado dos pinus, onde existia o acampamento de um solitário pescador e uma matilha de cães, e depois, às 11h55, nos eucaliptos na costa de Santo Antônio (30°32’37’’S / 51°17’33’’W).

Fizemos uma outra parada, às 13h48, na região onde havíamos resgatado o caiaque Anaico pilotado pelo Hélio no ano passado (30°29’44,2”S / 51°16’23,5”O). Procurei a maior duna e informei, via celular, ao Cel Pastl que iríamos continuar até o Morro da Formiga aproveitando as condições do tempo.



Aportamos nas Falésias (30°26’07’’S / 51°14’19’’W) às 14h24. Subimos nas enormes Dunas de areia onde consegui contatar minha filha Vanessa, a Rosângela e o Cel Araújo e desfrutar da visão panorâmica privilegiada do local. Do alto podia-se avistar a Nordeste a Ilha do Veado e o Morro da Formiga, a Este a Ilha do Barba Negra e ao Sul o Pontal de Tapes. Partimos às 15h10 para nosso objetivo final que se encontrava a apenas 10 km de distância.


Chegamos ao acampamento de pescadores na Praia do Canto do Morro da Formiga (30°25’34’’S / 51°08’31’’W), às 16h20, onde fomos muito bem recebidos pelos amigos pescadores. Nosso anfitrião foi o Sr. Vlademir S. Rodrigues que nos proporcionou um beliche para dormir, e um jantar soberbo onde não faltou uma saborosa feijoada e peixe frito sem espinha que ele mesmo preparou. O Vlademir é um gráfico aposentado que complementa sua renda familiar com a pesca, cidadão bem informado discorre com fluência invulgar sobre os mais diversos temas.


Tive a oportunidade de apreciar, neste dia, um pôr-do-sol magnífico carregado de matizes suaves e nostálgicos sobre a Laguna. Era um sinal carinhoso de despedida desta querida amiga que por diversas vezes nos recebeu em seu seio, algumas vezes mal humorada e agressiva outras, porém, terna e carinhosa.

– Partida para a Vila de Itapoã (20 de abril)

Saímos sem pressa, às 07h25, estávamos muito adiantados na nossa programação, poderíamos aportar hoje mesmo em Ipanema, mas resolvemos manter a data/hora da chegada sem alteração. Os cardumes de tainhas brincavam nas águas rasas e mornas ao longo da Ponta da Formiga e da Ponta da Faxina. Fizemos uma parada numa enorme duna dourada na Ponta da Faxina e de lá ficamos observando as belas paisagens da Laguna e do Guaíba.


Saímos, às 09h47, rumo à ilha do Junco. Contornamos sua face Sul e aportamos nas praias de Leste, às 10h10. Aproveitei para lavar minha roupa e enviar uma mensagem para o Cel Pastl que partira de Tapes, acompanhado do Major PM Martins no veleiro Ana Claci. Fomos abordados por uma equipe de fiscalização do parque que informaram que era proibido aportar na Ilha. Havíamos parado apenas para descanso antes de continuar nossa jornada, mas, segundo eles, nem isso era permitido. Leis idiotas em um país onde tantas outras insanidades prevalecem sobre o bom senso e as leis maiores.


Partimos às onze para o último lance deste curto dia rumo à Vila de Itapoã. Passamos pela Ilha das Pombas, às 11h35, e aportamos na Vila, às 12:15. Instalamo-nos em uma Pousada e aguardamos notícia da equipe de apoio que chegou por voltadas das 14h00. O Major PM Martins assou algumas tainhas no quiosque da Pousada que degustamos com prazer. Depois do almoço a equipe de apoio se dirigiu ao estaleiro do Sr. Lessa.

– Partida para a Ilha de Francisco Manoel (21 de abril)

A Ilha Francisco Manoel, ou “Chico Manoel”, como os frequentadores a chamam, sempre foi um ponto de atração dos velejadores em seus passeios e excursões pelo Guaíba. Oferece abrigo natural a todos os ventos e o seu uso indiscriminado estavam causando a sua gradativa depredação, quer por navegadores inescrupulosos, com relação à ecologia, como por pescadores que ali acampavam. Ao assumir a Comodoria, Mário Bento Hoffmeister, ouviu do ex-Comodoro Jorge G. Bertschinger que a ilha Francisco Manoel estava abandonada e seria oportuno tentar conquistá-la para o Veleiros. Em entrevista com o governador Ildo Meneguetti, ele mostrou franca receptividade. Em segunda audiência, o governador comunicou que não “doaria” a ilha ao Veleiros, mas concederia o seu uso por 99 anos. Foi assim que, em 30.06.1966, o governador do Estado, Ildo Meneguetti, o secretário da fazenda Ary Burger e o secretário dos transportes Tertuliano Borfill assinaram o Decreto n° 17946 com cessão por 99 anos à Sociedade Náutica Veleiros do Sul, da Ilha Francisco Manoel. Na ocasião da doação, a Chico possuía apenas, além de dois molhes de pedra, uma casa velha de madeira do ex-Deprec, a cabana do velho pescador que lá residia, além do marco de triangulação geodésica, colocado em seu ponto culminante. (Folder do Veleiros do Sul, 28.01.2011)

Parti somente às onze horas, o tiro era curto. O Hélio ficou aguardando a esposa e a filha na pousada. Contatei no caminho alguns amigos canoístas e aportei na Ilha por volta das quinze horas onde fiquei aguardando o Hélio que estava com a barraca para montar acampamento. O Hélio me comunicou, mais tarde, que viria somente no dia seguinte. Improvisei um acampamento debaixo de uma mesa, ao relento, e me preparei para descansar até que o pessoal do Clube Veleiros do Sul apareceu e preocupados com meu conforto insistiram para que eu ocupasse as instalações do Clube para acantonar. Foi um socorro muito bem vindo, pois durante a noite a temperatura caiu muito. De manhã fiquei conversando com um grupo de velejadores dentre os quais se incluía o Comandante Luiz Alberto Pereira Morandi a quem eu havia solicitado, anteriormente, autorização para pernoitar na Ilha.
É impressionante verificar como a irmandade de remos e velas se entende, temos, sem dúvida, a mesma afinidade e respeito pelas águas e a natureza em geral, conduta muito diferente daqueles que fazem uso das embarcações a motor. Lembro que, no ano passado, visitando a paradisíaca Ilha do Chico Manoel, eu observava encantado os velejadores e familiares desfrutando do aprazível local e degustando placidamente seu almoço até que chegou um  grupo de seis pilotos de Jet Ski. Os mal-educados aceleravam ao máximo seus motores a poucos metros da praia provocando além da poluição sonora a poluição química.


– Partida para a praia de Ipanema (22 de abril)

O que importa é o grau de comprometimento envolvido numa causa, e não o número de seguidores! (Harry Potter)

O Hélio finalmente chegou e permanecemos durante algum tempo na Ilha conversando com os velejadores até as onze horas quando partimos, sem pressa, para nosso objetivo final. Fomos acompanhados por um dos velejadores até as proximidades da Ponta Grossa. Aportamos pouco antes da quinze horas e, embora nossa Travessia constasse como uma atividade oficial das Programações do Centenário do CMPA, apenas o Ir:. e amigo Coronel Leonardo Araujo, Chefe da Seção Comunicação Social do CMPA nos aguardava. Obrigado “Mano Velho”, são pessoas como você que nos motivam a prosseguir.



Após vocês enfrentarem uma tempestade com ondas de mais de 2 m, virarem os caiaques, arriscarem a vida e remarem tanto, era o mínimo que eu poderia fazer. Ficou célebre a frase de Harry Potter em “As Relíquias da Morte: Parte 2”: “O que importa é o grau de comprometimento envolvido numa causa, e não o número de seguidores!” (Leonardo Araujo)

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