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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013


Ipixuna - Eirunepé

Hiram Reis e Silva, Eirunepé, Amazonas, 17 de janeiro de 2013.

Ao partirmos de Ipixuna gostaria de agradecer, mais uma vez, o apoio prestado à Expedição pelo empresário Sr. Abraão Cândido, pelo 1º Tenente PM Rodney Barros Ferreira da Polícia Militar do Estado do Amazonas e demais policiais militares do Destacamento de Ipixuna. Vamos, igualmente, guardar carinhosamente na lembrança a atenção que nos dedicaram os amigos Maria Consuelo e Raimundo da Pensão Juruá.

-  Expedição Belarmino Mendonça

A Expedição composta pelo Coronel Hiram Reis e Silva, do Colégio Militar de Porto Alegre, RS, e os soldados Mário Elder Guimarães Marinho e Marçal Washington Barbosa Santos, ambos do 8º. Batalhão de Engenharia de Construção, Santarém, PA, está realizando o reconhecimento do Rio Juruá, afluente da margem direita do Rio Amazonas. Estamos dedicando todos os esforços possíveis, dentro dos escassos meios disponíveis para que a Missão em homenagem ao General Belarmino Augusto de Mendonça Lobo esteja à altura de seu nome.



-  Soldado Mário Elder Guimarães Marinho

O Sd Mário é o exímio piloto da lancha de apoio e encarregado de nossa logística. Para evitarmos os piuns que infestam as margens lodosas do Juruá e desnecessárias paradas, Mário nos abastece com água, frutas e bolachas no talvegue do Rio. Ele é o encarregado, também, de encontrar o local ideal para montarmos nosso acantonamento nas comunidades ribeirinhas, no interior das escolas, templos ou residências, isso é feito a partir das catorze horas, depois de termos remado aproximadamente 85 km em oito horas consecutivas. Algumas condicionantes alheias à nossa vontade podem alterar esta programação como, por exemplo, longos trechos de até 40 km dentro de áreas indígenas (Comunidade Condor – Comunidade Santa Maria) sem uma única Comunidade não indígena. Quando eu e o Marçal chegamos à Comunidade, o Mário já havia montado o acampamento e descarregou o material da lancha.

-  Soldado Marçal Washington Barbosa Santos

O Sd Marçal é meu parceiro de remadas e o cozinheiro da Expedição. Sabendo que os desafios do Juruá seriam maiores que os dos Rios Madeira e Amazonas, treinou com afinco nas águas turbulentas do Tapajós. Temos, eventualmente, remado mais de cem quilômetros em um único dia e o formidável guerreiro Munduruku chega ao final da jornada cantando sem esboçar qualquer sinal de cansaço. A primeira providência ao aportar é preparar os caiaques para a próxima jornada e logo concluída esta etapa o nosso cozinheiro se dedica à preparação do nosso delicioso “almojanta”, já que fazemos uma única refeição ao dia. Algumas vezes o preparo dos alimentos é feito na cozinha dos amigos ribeirinhos e condimentada com temperos retirados da horta dos mesmos.

-  Partida para a Comunidade Ituxi (10.01.2013)

Acordamos às 5h30, horário antigo, e nos deslocamos para o Porto Juruá II, do empresário Abraão Cândido, onde estavam estacionadas nossas embarcações. Partimos ao alvorecer, as poucas nuvens tornavam a progressão mais difícil debaixo do sol abrasador. Informações desencontradas quanto à distância das comunidades forçou-nos a ultrapassar a meta dos 85 km e chegamos, finalmente, à Comunidade Ituxi, às 15h30, depois de remar 102 km. O Mário tinha conseguido autorização para acamparmos na Escola Manoel Fernandes, a residência do professor, contígua à sala de aula estava ocupada pela família do pescador Francisco Sales da Silva que estava de mudança para Ipixuna. Depois do banho e do “almojanta” ficamos ouvindo histórias de pescadores.

-  Partida para a Comunidade Das Piranhas (11.01.2013)

 

Mantendo nossa rotina diária partimos antes do sol nascer. Logo depois da partida iniciou uma chuvinha fina e gelada que nos acompanhou até nosso destino na Comunidade das Piranhas, a 85 km de distância. O Sr. Antônio Santana da Silva permitiu que nos instalássemos na casa do professor ao lado da Escola. A Falta de higiene nas Comunidades é muito grande, na maioria delas não existe uma passarela de madeira que permita um deslocamento seguro sem ter de pisar na fétida mistura de lama e fezes de animais que perambulam livremente e se refugiam da chuva ou ao anoitecer sob as casas. As casinhas (sanitários), quando existem, são meros estrados com um buraco na madeira e os dejetos caem diretamente no chão onde os suínos dão prosseguimento ao tratamento dos mesmos.

-  Partida para a Comunidade Condor (12.01.2013)

No dia anterior o Sr. Antônio nos informou que a Comunidade Monte Lígia, terra firme, estava a apenas uma hora de uma voadeira com motor tipo rabeta de 8 Hp, não quis arriscar e optamos por pernoitar na Comunidade das Piranhas. Alcançamos a Comunidade Monte Lígia às 08h20, duas horas exatas depois de partir. Infelizmente as referências de que dispúnhamos para tomar a decisão não eram suficientes para escolher a melhor opção. Chegamos, às 11h30, à Comunidade Condor depois de remar apenas 55 km. Tínhamos um enorme vazio, de 40 km, a partir daí até a Comunidade Santa Maria.

Instalamo-nos na escolinha, como de praxe e depois do banho e do “almojanta” veio nos procurar um dos membros da Comunidade, visivelmente embriagado, que suspeitava que fôssemos da Polícia Federal. Argumentei que se fossemos da Federal a lancha seria muito mais potente e não de 13 Hp como a nossa, e que se os agentes tivessem de pernoitar no local o fariam em sua confortável embarcação e jamais em pequenas barracas.

Novamente os ribeirinhos relataram sua preocupação em relação ao comportamento dos Kulinas que promovem saques nas residências em que gentilmente são acolhidos. Infelizmente, alguns pequenos grupos liderados por chefes sem escrúpulo criam um estigma perigoso em relação a todo povo kulina.

Kulinas: os Kulina têm seu habitat tradicional nas planícies dos rios Juruá e Acurauá, afluentes do Solimões e pertencem à família linguística arawá. Os Kulina se autodenominam Madija, que significa “os que são gente”. Os Kulina formam um grupo de pouco mais de 700 membros e ainda preservam sua língua e cultura. (Nota do autor)

Em Ipixuna topamos, diversas vezes, com um bando sujo e maltrapilho de Kulinas que bebiam álcool puro indiscriminadamente. Os homens agrediam violentamente suas crianças e mulheres durante estas bebedeiras. É uma pena observar a decadência de alguns grupos contaminados por tuxauas sem escrúpulo.

-  Partida para a Comunidade São José (13.01.2013)

Somente depois de remar durante quatro horas avistamos a Comunidade Santa Maria. Somente uma pequena Aldeia Kulina às margens do Igarapé Penedo próxima da foz no Juruá. Ao ultrapassarmos o Rio Gregório fomos informados da existência de um furo próximo à Comunidade Cordeiro. Depois de certificar-me de que não havia nenhum acidente natural ou Comunidade no laço que deixaríamos para trás decidi experimentar o furo na forma de um “S” muito aberto. A correnteza obviamente era forte já que, em vez dos quase 7 km, percorreríamos pouco mais de cem metros. O Marçal levou uma queda, mas agilmente montou no caiaque e continuou a navegação. Passamos a chamar o furo de Marçal já que este ainda não tinha sido batizado.

Lago maldito
Jonas Fontenelle da Silva

Se hoje, em surdina, o teu pesar disfarças,
Ouvindo o canto das jaçanãs morenas,
Sentes, minh’alma, as aflições e as penas
De um Lago azul sem jaçanãs nem garças.

Lago em que havia à superfície esparsas
Grandes vitórias-régias e falenas
E em que hoje existe a canarana apenas ...

Fomos informados do Furo Cavado (06º47’36,5”S / 70º32’16,2”O), próximo à Comunidade São José e partimos para ele. O Furo que fica no final de um enorme “M” invertido. O furo, pela lógica deveria estar localizado no meio da curva à esquerda, mas considerando que os rios de terras baixas mudam constantemente enveredamos pelo primeiro furo que achamos, mais a montante do “Cavado”. Era na realidade o Igarapé do Pinheiro que dá acesso a um Lago interior coberto de canaranas e a um Igapó que mais parece um labirinto. Retiramos os troncos que fechavam a entrada e enveredamos pela estreita montanha russa fluvial.

Enganchamos eu e o Marçal sob um enorme tronco, o Marçal caiu do caiaque e empurrou o meu que estava trancado sobre enormes toras. Não consegui frear e fui levado pela rápida correnteza. Depois de diversas curvas, cheguei a um escuro e enorme igapó à direita de minha rota uma claridade chamou minha atenção e rumei para lá. Chamei, em vão, pelo Marçal, perdera minhas cartas na descida abrupta e não encontrava meus óculos, eu estava desorientado. Achei que se seguisse a correnteza poderia sair daquele medonho labirinto. Esperei pelo companheiro e nada, naveguei sobre as canaranas enroscando nos intransponíveis cipós tiriricas, as afiadas bordas das canaranas cortavam e enchiam minha pele de minúsculas farpas.

Meu colossal caiaque “Cabo Horn” não fora projetado para aquelas paragens o suporte do leme enroscava na vegetação, o esforço era sobre-humano. Fui forçado a passar por cima de enormes vitórias amazônicas (vitórias régias) e depois de me arrastar por uns quinhentos metros que mais pareceram dezenas de quilômetros desisti de encontrar caminho pelo maldito Lago do Pinheiro.

Voltei até o ponto de onde abandonara o igapó e tentei navegar entre as árvores submersas e, novamente, a progressão era dificultada pelo tamanho do “Cabo Horn”, depois dessa frustrada tentativa voltei para o Lago para descansar. Recuperei o fôlego e tentei, de novo, achar o caminho pelo igapó. Exausto voltei para o Lago e decidi me preparar para dormir naquele local e tentar novamente no dia seguinte. Tentei me amarrar em uma árvore para dormir, mas fui expulso pelas terríveis tachi (formigas) voltei para uma área limpa do Lago e me preparei para passar a noite embarcado. Fiz uma limpeza sumária no caiaque vesti o salva-vidas e coloquei em cima da embarcação um material alaranjado que o Angonese comprara para servir de acento no caiaque e que poderia ser avistado à distância. O sol já estava quase sobre o horizonte quando ouvi, ou senti, o ruído de uma rabeta. Ao longe consegui distinguir a silhueta do Marçal sobre uma voadeira, o suplício havia terminado.

O Sr. Francisco de Assis Cassiano da Costa e seu filho Antônio José da Silva Costa colocaram o caiaque sobre a voadeira e com uma habilidade extrema me conduziram pelo mesmo Igarapé que entrara. Enquanto o filho Antônio, na popa, manejava a rabeta com muita agilidade seu pai Francisco, na proa, corrigia o rumo com o remo. Um final feliz para um dia de pouca progressão, mas que servirá de ensinamento para o resto da vida de cada um de nós.

Sr. Francisco

Seja em operações militares ou mesmo nos deslocamento de ribeirinhos os furos devem ser usados com muita cautela tendo em vista as radicais modificações a que estão sujeitos. Da noite para o dia seu curso pode ser interrompido ou obstaculizado por árvores caídas. Nos deslocamentos onde se utilizem diversas embarcações deve-se empregar precursores devidamente assessorados por habitantes locais. A economia de tempo e combustível indica que estes atalhos sejam utilizados devidamente. Não há condições de se manter atualizadas as informações sobre cada um deles tendo em vista a inconstância tumultuária do Rio Juruá, basta ver a quantidade de arrombados, sacados e furos que são criados continuamente.

O Mário, preocupado conosco desencadeara uma verdadeira operação de guerra. Abastecera as rabetas dos ribeirinhos da Comunidade São José e do Bóia (Srs. Daniel Gomes da Silva e Francisco Gomes de Souza) com nossa reserva de combustível e graças a isso não tivemos de experimentar um solitário e perigoso pernoite no Lago do Pinheiro. Ficamos hospedados nessa noite na sala da casa do Sr. Francisco. O Marçal preparou um saboroso carreteiro para treze pessoas, nosso anfitrião tem quatro filhos homens e quatro mulheres. Durante a refeição comentei com ele que o santo padroeiro dos engenheiros militares é são Francisco de Assis, seu homônimo, e que meu pai se chamava Cassiano.

-        Partida para a Comunidade da Praia do Hilário (14.01.2013)

Chegamos à graciosa Comunidade cedo, o dia anterior tinha exigido por demais de nossos corpos e precisávamos recuperar nossas energias antes de nos atirarmos a uma longa jornada. Dizem que a primeira impressão é que conta e esta foi a mais agradável possível. As residências da Comunidade estão perfeitamente alinhadas e ostentam à sua frente uma bela passarela de madeira construída pela Prefeitura de Eirunepé e a Escolinha embora careça de manutenção é muito melhor projetada que as dos Municípios de Guajará e Ipixuna. O único problema que vimos foi novamente porcos perambulando soltos. O Sr. Francisco, líder da Comunidade, gentilmente convidou-nos para jantar. Durante a refeição os porcos alojados sob a sua casa faziam o maior estardalhaço e ele nos confiou que os animais eram do vizinho e que não reclamava para não comprometer a amizade entre eles. A grande reivindicação da Comunidade era a respeito da Escola Nossa Srª. da Auxiliadora que precisava de dedetização para desalojar morcegos e formigas e que fosse concluída a instalação dos sanitários.

-  Partida para a Comunidade Miriti (15.01.2013)

Recuperados decidimos remar cem quilômetros para deixar os últimos 70 para o último dia. Novamente os botos deram seu ar de graça e um casal deu um show à parte executando piruetas com seus belos corpos totalmente fora d’água. Chegamos bastante cansados à Comunidade Miriti da família Evangelista de Souza. Os Evangelistas permitiram que ocupássemos as instalações da Assembleia de Deus. A gurizada se encantou com os filmetes de nossa amazônica jornada.

-  Partida para a Eirunepé (16.01.2013)

Partimos cedo e nossa jornada foi abreviada por conta de mais um destes “arrombados” do Juruá. Logo que a operadora do celular deu sinal liguei para o Tenente PM Ricardo pedindo apoio. Fomos encaminhados pelo Comandante Ricardo ao Hotel Líder capitaneado pela Srª. Eny Martins de Alencar. Fomos acomodados no primeiro andar e cordialmente tratados. Depois do banho fomos convidados gentilmente pela simpática Srª. Eny para almoçar apesar do adiantado da hora. Logo em seguida apareceu o Venerável Francisco Dejanir da Grande Loja Maçônica de Eirunepé e tentamos localizar, em vão, o Prefeito.



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