Porto Walter/Cruzeiro do Sul
Hiram
Reis e Silva, Cruzeiro do Sul, Acre, 27 de dezembro de 2012.
Desde
menino eu os conhecia com os nomes de mosquito pólvora ou pium, à beira do Rio
Piracicaba... Mandei juntar esterco de gado e atear fogo ao mesmo, a fim de
produzir fumaça abundante para afugentar os quase invisíveis maruins. (IGLESIAS
Francisco)
- Rumo
à Comunidade Ruças – Rio Valparaíso (25.12.2012)
O
Angonese resolveu tentar a sorte na pescaria embarcando na lancha “Mirandinha” e o Marçal assumiu o comando
do “indomável” me acompanhando neste
percurso de mais de 55 km
até o Rio Valparaíso. Partimos às 7h15, o nível das águas do Juruá baixara mais
de um metro em 24 horas e, em consequência, a velocidade das águas diminuíra
consideravelmente. Como se isso não bastasse o sol inclemente e a ausência de
nuvens minou sensivelmente nossas energias e chegamos bastante cansados ao Valparaíso
onde tivemos ainda de remar uns 500 metros Rio acima para alcançar a Comunidade
de Ruças.
O
Angonese e o Mário já tinham conseguido com o Sr. Antonio, morador local,
autorização para acamparmos na Escolinha Municipal Alfredo Said. Poderíamos
fazer uso das instalações sanitárias e tomar um bom banho de caneca usando a
água da cisterna alimentada por água da chuva. O excelente carreteiro para
nosso almoço foi preparado pelo Marçal na residência do Sr. Antonio, tudo
corria bem, havia apenas um senão, enxames de carapanãs, piuns e maruins
disputavam nosso sangue avidamente. Alguns deles conseguiam passar pela tela
das barracas a situação era drástica. O Mário conseguiu uma chapa metálica e
iniciou um pequeno fogo onde colocou folhas verdes de ingá. O Angonese escudado
pelo Mário foi pescar e eu e o Marçal ficamos sofrendo com o ataque dos
pequenos insetos que não se sentiram intimidados com a fumaça até que
resolvemos fazer uso de uma antiga e infalível receita. Recolhemos esterco seco
de gado e alimentamos o pequeno fogo, o efeito logo se fez sentir – os
famigerados seres alados sumiram e nos deixaram em paz.
Quando
criança acompanhava meu pai nas caçadas e pescarias e este remédio contra os
insetos sempre se mostrou eficiente. Diferente das noites anteriores em que os
maruins conseguiam passar pelas telas das barracas e os carapanãs ficavam
zumbindo do lado de fora tivemos uma noite agradável e reparadora.
- Rumo
à Comunidade Nova Cintra (26.12.2012)
Partimos
eu e o Angonese logo depois das sete horas. Diferente do dia anterior a manhã
já se iniciou bastante nublada e uma garoa fina me acompanhou até a Comunidade
Nova Cintra aonde cheguei por volta das 12h10, plenamente em forma, depois de
percorrer 65 km .
Estranhei a demora de minha equipe e resolvi adiantar os contatos. Puxei o
caiaque barranco acima e procurei a moradora cuja casa ficava mais próxima. A
simpática Dona Maria de Nazaré de Souza Correia muito prestativa informou-me onde
ficava a residência da Sra. Nonata encarregada da modelar Escola Estadual José
de Souza Martins.
Depois
de recorrer a diversos moradores cheguei, finalmente, à residência da Dona
Nonata, uma simpática idosa, que informou que não tinha autoridade para liberar
as instalações para montarmos nosso acantonamento, mas que podíamos utilizar a
varanda e a grande cozinha de sua casa para nos instalarmos. Frustrado nas
minhas pretensões de acampar na escolinha resolvi deixar o material que
carregava na casa de minha nova anfitriã e voltei para a margem para aguardar
minha equipe.
Estava
observando o Rio quando se aproximou Dona Maria de Nazaré e perguntei se
poderíamos usar a igreja em construção para acampar e ela informou que sim. A
igreja ficava bem mais perto da margem do que a residência de Dona Nonata. Poderíamos
fazer a comida na cozinha de Dona Maria e tomar banho na cacimba logo abaixo. Ficamos
conversando durante uma hora até que avistamos o Coronel Angonese. Chamei o
amigo e ajudei-o a puxar o caiaque pelo escorregadio barranco. Aguardamos uns
dez minutos até que o Mário e o Marçal apareceram subindo o Rio. Os marinheiros
não haviam notado o meu caiaque na barranca e passaram ao largo, o curioso é que
eles tinham fotografado a Comunidade Nova Cintra e meu caiaque “Cabo Horn” aparecia nitidamente nas
fotos.
Falei,
brincando, que como castigo o Mário teria de ir até a casa de dona Nonata
buscar minhas coisas e trazê-las para a igreja onde iríamos acampar.
Descarregamos o material da lancha e eu estava fazendo uma faxina na igreja em
construção quando o Mário disse que estávamos autorizados a acampar na
escolinha. Quando lá cheguei estava Dona Nonata gerenciando a limpeza do local
para nosso acampamento, ela liberou, também, através da servente da escola, a
cozinha e as instalações sanitárias. Realmente eu soube escolher devidamente o
Mário para contatar os ribeirinhos e conseguir deles o maior apoio possível.
Tomamos um bom banho com água de poço artesiano e fomos almoçar, o saboroso
carreteiro preparado pelo Marçal, na residência da querida senhora Maria de
Nazaré. Enquanto almoçávamos Dona Maria de Nazaré relatou a passagem do místico
Irmão Francisco José da Cruz pela Comunidade nos idos de 1968, quando ela tinha
apenas 5 anos, e o Cruzeiro que o mesmo fez erigir na elevação mais alta
defronte ao Rio Juruá. A Cruz foi atacada pelos cupins, mas os fiéis erigiram
uma nova cruz no mesmo local e a ela amarraram a antiga cruz venerada pelos
seus seguidores. Redigiremos, mais tarde, um capítulo à parte sobre este estranho
pregador que plantou inúmeras cruzes ao longo da Bacia do Amazonas.
Acordamos
ao clarear o dia e depois de fazer uma faxina completa nas instalações da
escolinha e nos despedir de Dona Maria de Nazaré iniciamos nossa jornada.
- Rumo
a Cruzeiro do Sul (27.12.2012)
O ritmo das remadas foi bem mais
lento que o dos dias anteriores. Apenas 38 km nos separavam de Cruzeiro do Sul onde
tínhamos marcado, com o repórter Leandro Altheman, jornalista da TV Aldeia,
grupo SBT, em Cruzeiro do Sul, que passaríamos pela Ponte da União exatamente às
13 horas. Um profissional honesto e competente: http://www.youtube.com/watch?v=U_KL4hwykRE
A “Mirandinha” teve de abastecer 20 litros em Rodrigues Alves , a
30 km de
nosso destino, nossa lancha, na descida mantera uma média preocupante de apenas
2 km/l. Aproveitamos para curtir a natureza, observar as frágeis embarcações
ribeirinhas que passavam carregadas de gêneros e pessoas, em algumas cinco a
seis cães acompanhavam seus donos sem esboçar qualquer movimento o que,
certamente, poderia comprometer o equilíbrio das instáveis voadeiras, botes,
montarias e canoas.
Aportamos às onze horas em uma praia
500 metros
à montante da Foz do Moa e fizemos contato com o Leandro, através de minha querida
parceira Rosângela, para tentar antecipar em uma hora a reportagem. O Leandro
acionou imediatamente sua equipe e agendamos então para o meio dia a passagem
pela Ponte. O dia claro e com poucas nuvens prometia facilitar as tomadas da
equipe de televisão. Às 11h30, iniciamos lentamente nossa aproximação, o tempo
começou a mudar, nuvens pesadas surgiram pela proa trazendo logo em seguida
chuva, ventos fortes encapelando as águas. Era cedo ainda, eu e o Angonese nos
agarramos a alguns arbustos nas margens, aguardando a hora marcada. Às 11h40,
mandei a equipe de apoio realizar um reconhecimento para verificar se os
repórteres estavam a postos e, como a resposta foi negativa, ficamos realizando
pequenas remadas rio acima, para aquecer, aguardando a hora exata da
transposição.
A chuva e o vento castigavam nossos
corpos e ao meio-dia, em ponto, resolvi abordar a Ponte. Não notamos nenhum
movimento da reportagem e resolvi rumar diretamente para o Porto do 61º BIS. A
meio caminho a Rosângela me informou que a repórter Glória Maria estava na
Ponte nos aguardando. Determinei à equipe de apoio que buscasse a equipe de
reportagem e que eles fizessem as tomadas a partir da lancha “Mirandinha” do 8º BEC. Depois de feitas
as tomadas do deslocamento abordamos a lancha e a simpática e inteligente repórter
nos entrevistou enquanto as embarcações desciam de bubuia.
Depois da entrevista fomos para o
Porto do 61º BIS onde uma viatura nos aguardava e nos deslocou até o Hotel de
Trânsito. Tivemos, finalmente, a oportunidade de conhecer o Tenente-Coronel Alexandre
Guerra, Comandante do 61º BIS, que hipotecou total apoio à Expedição.
- Localização
de Comunidades e Acidentes Naturais
§
Foz
do Igarapé Juruá Mirim, margem Esquerda do Rio Juruá:
(08º07’36,5”S/72º48’29,5”O)
§
Comunidade
Simpatia, margem Direita do Rio Juruá:
(08º05’12,7”S/72º46’39”O)
§
Foz
do Igarapé Valparaíso, margem Direita do Rio Juruá:
(08º01’09,5”S/72º44’43,1”O)
§
Foz
do Paraná do Moura, margem Esquerda do Rio Juruá:
(07º52’45,3”S/72º45’58,6”O)
§
Comunidade
Nova Cintra, margem Esquerda do Rio Juruá:
(07º49’28,1”S/72º39’31,1”O)
Fonte: IGLESIAS Francisco. Caatingas e chapadões:
(notas, impressões e reminiscências do meio-norte brasileiro, 1912-1919) -
Companhia Editora Nacional, 1958.
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