Irmandade da Santa Cruz
Hiram
Reis e Silva, Cruzeiro do Sul, Acre, 30 de dezembro de 2012.
En Brasil el surgimiento y arraigo de movimientos socio-religiosos
como el Movimiento de la
Santa Cruz , motivó la afluencia de población Ticuna del Perú
y de Colombia, contribuyendo a la formación de aldeas con Ticunas adeptos a
este movimiento. (...) Porto Cordeirinho, como muchas otras aldeas Ticuna del
territorio brasilero, fue creada en los años setenta debido a la influencia del
movimiento religioso de la
Santa Cruz , liderado por el brasilero José Francisco da Santa
Cruz quien a su paso por la región generó un fuerte impacto sobre los pueblos
indígenas, especialmente sobre los Cocama y Ticuna, quienes lo consideraron el
Mesías que venía para redimirlos de sus pecados. (GARCÉS).
- Primeiro
Contato com a Irmandade na Descida do Solimões
Quando
realizei minha primeira incursão pelos amazônicos caudais, de 1º dezembro de 2008 a 26 de janeiro de
2009, tive a oportunidade de vislumbrar os enormes cruzeiros que altaneiros
ocupavam posições de destaque na maioria das comunidades ribeirinhas pelas
quais eu passava. Em Belém do Solimões, a maior de todas as Comunidades Ticunas,
situada à margem esquerda do Rio que lhe empresta o nome, observei curioso não
só o templo da Irmandade e sua grande cruz característica, mas, sobretudo a
vestimenta de alguns membros da seita que vestiam longas togas brancas e
traziam invariavelmente cruzes de madeira penduradas ao pescoço.
- A
OCCAE e os Cocamas
Quando
contatei os Cocamas, também em dezembro de 2008, na Comunidade Prosperidade,
liderada pelo Cacique Almir, estes me relataram que na década de setenta muitos
deles haviam aderido ao chamamento do líder messiânico José Francisco da Cruz
participando ativamente desde a fundação da Ordem Cruzada Católica, Apostólica
e Evangélica (OCCAE). O OCCAE é um movimento messiânico–milenarista que
influenciou significativamente as atividades sociais, culturais, econômicas e
políticas das comunidades ribeirinhas indígenas e não-indígenas. Atualmente, os
Cocama adeptos da OCCAE tentam resgatar sua identidade indígena encontrando um
ponto de equilíbrio entre as rígidas regras de conduta impostas pelo movimento religioso
e seus costumes ancestrais.
- Irmandade
da Santa Cruz e a Descida do Juruá
Nesta
expedição pelo Juruá colhi, novamente, informações a respeito da Irmandade da
Cruz, desta feita na Comunidade dos Cintra através da Sra. Maria de Nazaré de
Souza Correia que fez menção a um milagre alcançado através de um chá feito com
uma lasca da cruz erigida na Comunidade pelo próprio Irmão José Francisco da
Cruz nos idos de 1968.
A
fé inquebrantável da Sra. Maria de Nazaré despertou, definitivamente, minha
atenção para este movimento messiânico que como tantos outros, através dos tempos,
emergem na Amazônia galvanizando simpatizantes de todos os matizes e credos.
- Irmão
José Francisco da Cruz
O
movimento messiânico liderado pelo Irmão José foi desencadeado após o mesmo ter
uma visão “celestial divina”, nos
idos de 1960, que lhe orientava partir para uma missão redentora pelas América
Latina levando na mão direita “a cruz” e
na esquerda o “santo evangelho”.
Tomou, então, o nome religioso de José Francisco da Cruz, missionário do
Sagrado Coração de Jesus, apóstolo dos últimos tempos.
El impacto de la visita Del Hermano
José Francisco da Cruz fue impressionante porque coincidió com um aumento del
nível maxímo del Rio Amazonas, dos metros por encima de nível de la década
anterior, que se mantuvo durante la década seguinte. (REGAN)
O
momento em que o Irmão José Francisco da Cruz se apresentou aos seus futuros
seguidores não poderia ter sido mais propício. Foi um período atípico em que as
águas do Solimões se mantiveram, durante uma década, no seu nível máximo o que
era interpretado pelos seus seguidores como um sinal do final dos tempos. O movimento
tinha uma visão de mundo nitidamente apocalíptica. Acreditavam que o mundo estava
em crise e somente um grande cataclismo seria capaz de desencadear um salutar processo
de renovação. Certamente a década das grandes cheias foi um dos elementos
fundamentais que permitiram que a pregação apocalíptica fosse capaz de
contagiar os corações e as mentes dos ribeirinhos.
O
Irmão José pregou pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Peru e foi expulso
da Colômbia em 1969. O pregador curava os doentes com orações, medicava-os e deixava
em cada comunidade uma junta diretiva para a Irmandade e um estatuto para orientar
os cultos e normas de conduta dos fiéis. Os enormes cruzeiros eram
manufaturados com a madeira da árvore Palo Sangre.
Em
1971, chegou a Iquitos, e plantou a cruz em Morona Cocha. Regressando
ao Brasil, em 1972, criou um povoado na margem do igarapé Juí, pequeno afluente
do Rio Içá, afluente da margem esquerda do Rio Solimões, num lugar que
denominou de Lago Cruzador onde edificou a sede espiritual da Irmandade transformando-a
num centro dedicado à produção agropecuária, à saúde e à educação. Nesse local
faleceu, no dia 23 de junho de 1982, aos 69 anos de idade. Antes de falecer, indicou
o seu sucessor, um descendente de índios Cambeba, chamado José Walter Neves.
Neves tão logo assumiu a sua função reorganizou a hierarquia da ordem nomeando
uma nova diretoria administrativa privilegiando indígenas e levando em frente o
projeto do seu fundador de construir a Vila Espiritual da Irmandade de Santa
Cruz. Estima-se que no Brasil existam 20 mil adeptos da seita sendo a metade de
Ticunas.
- II
- Origens da Missão Cristã com os Ticuna
Fonte: Irmão Édson Hüttner
No
ano de 1972, o irmão José da Cruz implanta a Ordem Cruzada Católica, Apostólica
e Evangélica (OCCAE) nas Comunidades ribeirinhas e nas aldeias Ticuna do Alto
Solimões. Irmão José Francisco da Santa Cruz foi considerado como profeta e
messias entre os índios e a população do Alto Solimões.
Nasceu
no dia 3 de setembro de 1913, em Várzea Alegre , município de Cristina, no Estado
de Minas Gerais.
Reza a lenda que sua mãe, no sexto
mês de gravidez, adoeceu gravemente. Um de seus parentes a fez prometer perante
o Sagrado Coração de Jesus que, se ela e a criança sobrevivessem, seu filho
seria servo de Deus. (Hiram Reis e Silva)
Casou-se
com 24 anos e teve sete filhos. No ano de 1944, após assistir às missões dos
padres redentoristas, teve a visão do coração sagrado de Jesus, a Cruz na mão
direita e o evangelho na mão esquerda. Na segunda noite, viu as três pessoas da
santíssima trindade. As visões levaram-no a retirar-se com uma cruz para um
lugar isolado para meditar.
Sofrendo de hanseníase a família
pretendia interná-lo em um leprosário, mas fugiu levando uma Bíblia e prometeu
que, se fosse curado, tornar-se-ia um pregador e ergueria cruzes por onde
passasse. (Hiram Reis e Silva)
No
ano de 1962, saiu em peregrinação de Norte ao Sul do Brasil. Passou também na
Argentina, Paraguai, Peru e Colômbia. No Peru, em 1969, começou a escrever os
estatutos e normas de seu movimento. Depois, em 1972, vai para a Colômbia, mas
expulso pelas autoridades, se dirige para o Alto Solimões (na margens do
igarapé Juí afluente do Rio Içá). A este lugar deu o nome de Lago Cruzador, que
passou a ser a sede e ponto de divulgação de seu movimento, até o dia em que
faleceu, no mesmo lugar, em 23 de julho de junho de 1982. Ele mesmo se chamou
de “Missionário do Coração de Jesus”.
O
impacto da OCCAE sobre brancos e índios deve-se à pregação e às exigências
feitas nas Comunidades. Guareschi escreve sobre o tipo de religião pregada pelo
Irmão José:
A
religião da Cruz é essencialmente “espiritual”,
recusando-se a tratar assuntos que sejam “sociais”,
de uma maneira ou outra. As pregações apelam para a conversão individual do
coração e da mente ao Senhor. Qualquer assunto que tenha a ver com a política
em geral (e muito mais com a política partidária) não pertence à religião.
(...) Na realidade, e por isso mesmo, a religião da Cruz não deixa de ser
política. Ao proibir e ao se recusar a discutir este assunto, ela toma partido,
justamente pelo fato de se alienar. (...)
Na
doutrina da Santa Cruz há um respeito e um culto bastante acentuado à bíblia,
seja ela católica, protestante ou qualquer outra. O movimento está baseado na
doutrina e liturgia da Igreja Católica. (...)
A
religião da Cruz é ainda extremamente sacramental, mítica. (...)
Cremos
que não se pode negar que o Movimento da Cruz tenha diversos traços
messiânicos, como a presença do Irmão José Francisco da Cruz, como messias
(...)
A
maior parte dos Ticuna do Solimões decidiu seguir o movimento do irmão José
dentro dos pressupostos de todas as suas normas, doutrinas, bem como a
exigência de um novo estilo de Comunidade orientada pelo signo da cruz. De
acordo com os estatutos da OCCAE, verifica-se os seguintes eixos da sua
doutrina:
- A
crença num único Deus Todo-poderoso, criador do céu e da terra e do mar.
- Jesus
Cristo é o único meio de salvação.
- A
bíblia é a fonte da doutrina.
- Ser
católico significa ser honesto, praticante de boas obras.
- O
sacerdote nomeado pela Ordem tem autoridade para celebrar o batismo, casamentos
e confissões.
- Adorar
a cruz todos os dias.
Em
entrevista gravada com o irmão Valter Neves da Cruz numa de suas igrejas em
Tabatinga, perguntei-lhe sobre o significado da cruz para a Irmandade. Ele
resnondeu:
Vou
lhe dizer uma coisa, a cruz é o sinal do cristão (...)
Nós
temos 94 pontos que guardamos sobre a cruz;
Primeiro:
a cruz é aliança de Deus com os homens
Árvores
da vida, farol de esperança,
sinal
do perdão, escadaria do céu,
primeira
porta do Brasil, forma a ligação com os povos.
O
movimento da Cruz não tem nenhum vínculo com a igreja católica, visto que em
seus estatutos não admitem que seus membros participem de outra religião. A
ruptura que se estabeleceu com a Igreja Católica, segundo Ari Oro, foi pelo
fato de que os missionários capuchinhos negaram o sacramento do batismo aos
Ticuna da OCCAE, o que levou o fundador a institucionalizar a figura do
sacerdote. Outro aspecto é que os Ticuna da Cruz não reconheceram os Ticuna
católicos, pois não se consideravam como índios.
Numa
Comunidade da Cruz, ainda hoje, o cotidiano dos índios se identifica àquele
pensado c determinado pelo irmão José. Na Irmandade da Cruz, a igreja (feita de
madeira, sempre junto a uma grande cruz erguida ao lado) representa o vínculo
de encontro e doutrinação. Todos os dias, às 6 horas da manhã, é feito o
hasteamento da bandeira da cruz, e pela tarde, às 18 horas, é feito o louvor da
mesma com cantos. Quando chega a noite, às 19h30, todos se reúnem na igreja
para celebrar o culto. Os Ticuna, nas celebrações, e em geral durante todo o
dia, vestem-se de branco e carregam uma pequena cruz de madeira presa por
cordão ao peito. Toda essa estrutura religiosa, embora enfraquecida, permite
assegurar no dia-a-dia a fisionomia de um novo “etos” religioso e comunitário
que, por um lado, proíbe os vícios, mas que neutraliza a cultura, a experiência
mística original indígena do sagrado enraizado no significado da terra. A
Irmandade da Cruz proibiu a festa da moça nova em suas Comunidades. Na
entrevista que fiz com o irmão Valter das Neves Cruz, perguntei-lhe o por quê
dessa proibição. Ele disse:
Nossa
Irmandade não permite, pois, se você quiser pertencer à Cruz, deve deixar de
lado as festas e as bebidas, por isso nós proibimos.
Fontes:
GARCÉS, Claudia
Leonor López Tesis. Ticunas Brasileros, Colombianos y Peruanos: Etnicidad y
Nacionalidad en la Región
de fronteras del alto Amazonas/Solimões – Tese de Doctorado – Brasil, Brasília
– CEPPAC – UNB, 2005.
HÜTTNER, Édson. A Igreja Católica e os Povos Indígenas
do Brasil: os Ticuna da Amazônia – Brasil, Porto Alegre EDIPUCRS, 2007.
IGLESIAS Francisco. Caatingas e Chapadões: (Notas, Impressões
e Reminiscências do Meio-norte Brasileiro, 1912-1919) – Brasil, Rio de janeiro
– Companhia Editora Nacional, 1958.
REGAN, Jaime. Messianismo Cocama: uno Movimento de Resistência
en la Amazônia
Peruana. In América Indígena. Ano XLVIII vol. XLVIII. Nº 1,
1988.
REGAN, Jaime.
Hacia la Tierra
sin Mal – La Religión
del Pueblo en la
Amazonía. Peru , Iquitos, CETA – Centro de Estudios
Teológicos de La Amazonía ,
1993.
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