Eirunepé - Itamarati
Hiram
Reis e Silva, Itamarati, Amazonas, 27 de janeiro de 2013.
Antes
de iniciar este artigo queremos direcionar nossas preces a todos familiares e
amigos dos envolvidos direta ou indiretamente no trágico incêndio de uma boate
em Santa Maria, RS, e, em especial, pelo pronto restabelecimento de nossos diletos
ex-alunos do Colégio Militar de Porto Alegre Guilherme e Emanuel. Que o Grande
Arquiteto do Universo fortaleça, ilumine e guarde a querida família de nosso grande
amigo, parceiro de épicas jornadas pela Laguna dos Patos, Comandante Coronel PM
Pastl e sua dileta esposa Dona Ana Claci.
- Eirunepé - Comunidade Aquidabã, 72 km (21.01.2013)
Antes
das 5h30, eu e o Marçal nos deslocamos até o Posto da Polícia Militar para
preparar os caiaques para a nova jornada enquanto o Mário aguardava, no Hotel
Líder, a viatura da PM para carregar o material para a lancha de apoio. Os
policiais só estavam aguardando a hora combinada para iniciar a operação e
avisar o Tenente Ricardo que foi pessoalmente se despedir dos expedicionários.
Levamos os caiaques para a escadaria da orla, enquanto o Mario foi conduzido na
camionete da PM até onde estava aportada a lancha. O Mário, depois de deixar
pronta a embarcação para a nova jornada aportou a “Mirandinha” na orla e concluímos os preparativos. Antes de
partirmos o Tenente PM Ricardo recomendou que, em Itamarati, procurássemos o
Sargento PM Barbosa. Despedimo-nos dos prestativos amigos da Polícia Militar,
sempre prontos a nos auxiliar nestas amazônicas missões.
Uma
chuvinha fina nos acompanhou durante todo o percurso arrefecendo salutarmente
nossos corpos. Passamos pela Foz do Tarauacá e sentimos nossos caiaques
melhorarem seu desempenho graças à energia adicional deste magnífico tributário
do Juruá. A navegação continuou sem grandes novidades exceto pela passagem das
barulhentas araras, das magníficas garças surfistas equilibrando-se graciosamente
nos troncos levados pela torrente e do coral de guaribas que nos acompanhou
durante todo o dia. Pena que a caça indiscriminada destes macacos cantores os
tenha afastado das margens do Juruá em todo o Acre e, no Norte do Amazonas, nos
municípios de Guajará e Ipixúna.
Confirmamos,
na Comunidade Pau D’alho a localização de Aquidabã, nosso destino, e, novamente,
na Comunidade Morada Nova. Nesta última uma das moradoras alertou-nos que o
casarão era mal-assombrado e recomendou que procurássemos abrigo em outro
local. Por volta das 12h40, avistamos, no alto de um morro, o grande e
majestoso casarão de madeira. A dificuldade consistia em carregar nossas
tralhas até ele pela trilha íngreme e escorregadia, mas resolvemos acantonar
por ali mesmo já que nestes “ermos sem
fim” as opções de encontrarmos abrigo noutro local antes de escurecer eram pequenas.
Ajudei os guerreiros Mário e Marçal a carregar a primeira leva do material e
permaneci no casarão para fazer uma limpeza sumária varrendo a casa com uma
vassoura improvisada de cacho de açaí.
A
quantidade de grandes aranhas, morcegos e penas de urubu cuidadosamente unidas
com uma fibra negra espalhadas pelos quatro cantos da morada emprestavam um
sinistro ar ao abrigo. O Mário não se abalou e foi para um canto da varanda
pedir autorização para o guardião espiritual do local, se o procedimento foi
necessário e se surtiu o efeito desejado ou não jamais o saberemos o fato é que
passamos uma noite bastante agradável neste belo casarão abandonado que possui
de seu avarandado uma belíssima vista para o Rio.
A
construção de madeira de lei, os detalhes das amplas aberturas (janelas e portas)
sextavadas e a perfeição da construção das tesouras que suportam o telhado de
telhas de barro mostravam a qualidade técnica e material de uma residência que
foi construída com muito esmero. Nos mapas do DNIT a Comunidade consta como
ativa embora esteja abandonada há anos. Colhemos, para a viagem, no variado
pomar algumas goiabas, açaís, limas e graviolas.
- Comunidade Aquidabã – Jacaré, 83 km (22.01.2013)
Quando
acordei, por volta das seis horas, meus fiéis parceiros já estavam ultimando os
preparativos da “Mirandinha”. A chuva
que se iniciara na véspera de nossa partida só havia dado uma pequena trégua
quando já havíamos carregado todas as tralhas para o casarão e eu me preparava
para colher a água numa calha improvisada para um banho restaurador sem ter de
escalar a íngreme e enlameada encosta até o Rio – artimanhas de São Pedro. A
chuva parece servir de estimulo aos macacos cantores e o coral de guaribas
ecoava de uma e de outra margem, como se grupos rivais estivessem disputando o
prêmio de um melhor arranjo e harmonia. O mapa do DNIT nos indicava a
Comunidade Jacaré como a melhor alternativa para nossa próxima progressão em
relação à distância e ao fato de a mesma possuir uma escolinha onde poderíamos
acampar sem incomodar os amigos ribeirinhos, opção que foi confirmada em mais
de uma oportunidade nas Comunidades pelas quais passamos.
Na
Comunidade Jacaré o Sr. Antônio Francisco Santos Guimarães prontamente
autorizou acantonarmos na escolinha. Descarregamos a tralha e o Mário,
imediatamente, iniciou a montagem da barraca. Após um revigorante banho de Rio
eu fui atualizar os dados obtidos no trajeto, dentro da barraca protegido dos
terríveis piuns, o Marçal foi preparar nosso “almojanta” e o Mário, nosso homem da Comunicação Social,
parlamentar com nossos anfitriões. Depois da refeição fomos até a casa do Sr.
Antônio Francisco conversar um pouco, nesta ocasião ele disse que nós não
devíamos nos preocupar tanto com o fato da Comunidade selecionada ter ou não
escola porque ninguém nas barrancas do Juruá deixaria de oferecer abrigo aos
navegantes. Verificaríamos, mais tarde, no decorrer de nossa viagem que o
hospitaleiro ribeirinho estava com toda a razão.
- Comunidade Jacaré – Praia Alta, 56 km (23.01.2013)
A
chuva persistia e só parou quando nos aproximamos de nosso destino. Os botos
continuavam nos acompanhando como de costume. Os tucuxis realizavam audaciosas
acrobacias enquanto os vermelhos pareciam se divertir soltando seus bufos ou
emergindo muito próximos aos caiaques. Pena que o ruído irritante das rabetas,
que de tempos em tempos passavam, interrompesse repentinamente estes idílicos
momentos. Pretendíamos estacionar na Comunidade Soledade, mas fomos informados
na Comunidade “Praia Alta” localizada
a 500 metros
a montante dela que a mesma não mais existia. O Mário estabeleceu os contatos
necessários e imediatamente os ribeirinhos se mobilizaram para deixar a
escolinha em condições de nos receber.
A
Comunidade está localizada, praticamente, na fronteira do Município de Eirunepé
e Itamarati. A passarela de madeira precisa de reparos imediatos, pois as
tábuas soltas já provocaram alguns acidentes. Tomamos banho no Igarapé Preto,
pois as águas contaminadas do entorno não eram, absolutamente próprias para o
banho, depois seguimos nossa espartana rotina.
- Comunidade Praia Alta – Gaviãozinho, 95 km (24.01.2013)
O
dia amanheceu claro e sem nuvens prenunciando uma canícula que incrementaria
uma maior dificuldade a um trajeto bastante longo (120 km ). Os moradores haviam
nos avisado da existência de um furo à pequena distância da Comunidade.
Resolvemos aproveitar o atalho enquanto o Mário percorreria o caminho normal
para georeferenciar a Comunidade que ali existia. Percorremos com cautela a
margem direita tentando vislumbrar o Furo do Gaviãozinho. Embora tivéssemos confirmado
com um ribeirinho, que navegava nas proximidades, a localização do Furo mesmo
assim passamos por ele sem notá-lo. O amável ribeirinho verificando que
ultrapassáramos a entrada do Furo foi até nós e nos rebocou com sua canoa até a
boca do atalho. Havia uma grande quantidade de toras de madeira bloqueando e
camuflando seu acesso, por isso ele passara despercebido. Acelerei o caiaque e investi
sobre a entrada, acabei ficando preso sobre as toras, mas com algum esforço me
liberei e entrei no furo, o Marçal procedeu de maneira idêntica. As Comunidades
de Veneza e Gaviãozinho fazem a manutenção do furo que mais parece um jardim de
tão bem cuidado, livre de qualquer tipo de entulho e roçado em ambas as
margens, dentro em breve será mais um Arrombado a encurtar distâncias para todo
tipo de embarcação neste tumultuário Juruá, que se modifica constantemente pela
ação de suas próprias águas, mas que tem, sem sombra de dúvida como agente
catalisador os ribeirinhos.
Furo do Gaviãozinho |
Mais
adiante encontramos o Arrombado Cubiu (06º27’31,0”S / 68º34’54,9”O), moldado
pela cheia de 2005, e o Arrombado Valter Buri (06º28’06,5”S / 68º28’34,3”O),
criado pela cheia de 2009. Graças a esses providenciais atalhos conseguimos
chegar, com tranquilidade, à Comunidade Cantagalo, uma Comunidade bem instalada
na Terra-firme. O Mário estava realizando os devidos contatos quando lá
chegamos de maneira que estacionamos os caiaques junto a uma embarcação da
Fundação Nacional da Saúde (FNS).
Após
o Mário ter confirmado onde ficaríamos acantonados puxamos os caiaques para terra.
Como de rotina cuidamos, antes de tudo, de nossos caiaques, limpando e
retirando a água e depois começamos a levar a tralha para a casa dos
professores. Entrei na casa coloquei o material em um dos quartos e quando voltei
para ajudar a carregar o resto do material verifiquei, surpreso, que o Sr.
Antônio Cavalcanti de Souza e seus filhos Elisson, Dione, Nunes e Cláudio já o haviam
trazido, inclusive os pesados corotes de 50 litros de combustível.
Desde que iniciei minhas descidas pelos imensos caudais amazônicos eu só
presenciara tamanha solicitude em uma comunidade indígena chamada Prosperidade,
da etnia Kokama, quando lá aportei em 14 de dezembro de 2008.
O
pessoal da FNS estava presente na Comunidade coletando sangue e fazendo sua
análise já que três membros da comunidade tinham sido contaminados com o vírus
da malária. À noite, toda a área foi pulverizada com o conhecido “fumacê” para combater o vetor da doença,
o mosquito anófeles.
Um
dos membros da equipe da FNS apontou a falta de equipamentos e pessoal como um
dos grandes empecilhos para que se combata com mais efetividade as endemias.
Nas áreas indígenas este combate se torna ainda mais difícil, pois os mesmos
raramente seguem o tratamento até o fim, além do que sua alta mobilidade
dificulta ou até mesmo impossibilita o acompanhamento dos nativos infectados
pelos vírus que acabam servindo de vetores da doença transportando-a para
outras Comunidades.
A
região do Cantagalo é bem agradável e se pode percorrer a Comunidade sem ficar
pisando na mistura de lama e dejetos como nas Comunidades dos Municípios de
Guajará, Ipixúna e Eirunepé. A maioria das Comunidades do Município de
Itamarati está assentada em terra firme o que contribui para uma maior
salubridade e consequentemente melhor estado de saúde e humor de seus
concidadãos.
Esperando
um sono reparador deitei-me cedo. Na noite anterior os porcos não permitiram
isso, desta feita foram os galos, talvez venha daí o nome da Comunidade
Cantagalo. Os galináceos assíncronos passaram a noite inteira cantando como se
o dia já estivesse raiando. Foi mais uma noite difícil e nada reparadora.
- Comunidade Canta-galo – Itamarati, 63 km (26.01.2013)
Acordamos
mais tarde (6h30), o curto percurso de sessenta e poucos quilômetros poderia
ser vencido em seis horas sem grande esforço e precisávamos descansar. O dia amanheceu
claro e com muitas nuvens, marcamos as poucas Comunidades que nos separavam de
Itamarati, todas em terra firme. Nas proximidades de Itamarati avistamos os
grandes morros que a caracterizam e aportamos nas instalações portuárias
construídas pelo DNIT por volta das treze horas. Contatamos o Sgt PM Barbosa e
este com a cortesia que caracteriza nossos amigos das Polícias Militares
encaminhou-nos até a Pousada Itamarati de propriedade da Sra. Francisca
Cristina Pinheiro de França e do Sr. Manuel Raimundo Medeiros Campelo, irmão do
Prefeito da cidade.
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