Cruzeiro do Sul/Ipixuna
Hiram
Reis e Silva, Ipixuna, AM, 08 de janeiro de 2013.
- Partida para o Extremo da Boa Fé (05.01.2012)
Nossa
partida de Cruzeiro do Sul foi adiada tendo em vista o feriadão da passagem do
ano que retardou as medidas administrativas necessárias a enfrentar os 2.745 km que nos separavam
da 16º Brigada de Infantaria de Selva – a Brigada das Missões, comandada pelo
General Paulo Sérgio, onde poderíamos contar, novamente, com o apoio do Exército
Brasileiro.
Partimos
às 06h30 (hora oficial do Acre) com a ideia de percorrer os 260 km que nos separavam de Ipixuna
em quatro dias, uma média de 65 km/dia que poderia ser alcançada,
confortavelmente, com sete horas de remo diárias. Aqui no Amazonas, como no
Acre, os ribeirinhos ainda não adotaram a mudança de horário decretada pelo
governo, e ainda consideram uma hora a menos que o horário oficial como pudemos
verificar na Comunidade de Porungaba/AC. Como impor um horário oficial a um
povo cujo trabalho está ligado diretamente às leis da natureza?
Quando
ultrapassamos o limite entre o Estado do Acre e do Amazonas o relógio do
celular, automaticamente, alterou o horário e mais uma vez verificamos a
incoerência de se adotar o mesmo fuso horário para um Estado Continental como
este. Aqui os ribeirinhos, também, continuavam com o chamado “horário velho”.
O
dia transcorreu sem grandes alterações, continuei marcando a localização e o
número de famílias das Comunidades e não avistamos, neste dia, nenhum afluente
do Juruá. Os pequenos e graciosos botos tucuxis apareceram diversas vezes e
pareciam mais preocupados em demonstrar suas habilidades acrobáticas do que
realmente pescar. Por volta das doze horas solicitei ao Soldado Mário que nos
ultrapassasse e procurasse alguma comunidade que possuísse uma escolinha onde
pudéssemos acampar com certo conforto. Eu e o Marçal estávamos preparados para
remar por mais umas duas horas, mas o Mário aportou em uma pequena Comunidade à
frente onde conseguiu autorização da esposa do Sr. Expedito Braz da Conceição
para que acantonássemos na escolinha da pequena Comunidade Extremo da Boa Fé.
Havíamos remado 80 km
neste dia.
A
quantidade de piuns era impressionante, depois de tomar banho no Rio, entrei
para barraca, montada na sala de aula da Comunidade e dei início à digitação
dos dados coletados. Os piuns, para os quais não existe qualquer tipo de
repelente nativo ou industrializado, me atormentavam. Os pequeninos insetos
passavam pela tela da barraca como se ela não existisse.
A
noite foi relativamente tranquila, exceto pelos grunhidos dos porcos que tinham
se abrigado da chuva sob o piso da escolinha e passaram a noite inteira grunhindo
e por vezes brigando.
- Partida para a Comunidade Boca do Campina
(06.01.2012)
Remamos
pouco menos de 20 km
e chegamos ao chamado por alguns ribeirinhos de “Paraná Boa Fé”, que na verdade é um Rio, pois suas águas não ligam
o Juruá a qualquer outro Rio como seria o destino de um verdadeiro Paraná.
Continuando
nossa expedição abordamos o Estirão do Ipixuna, que se inicia desde a foz de um
pequeno Igarapé que leva o mesmo nome do Estirão e que é conhecido por alguns
ribeirinhos como Igarapé do Cagão (coordenadas da foz –07º14’03,7”S / 72º18’14,3”O).
É, sem dúvida, até então, o trecho em que o Juruá é menos sinuoso, apenas nove
curvas importantes, se estendendo por uns 30 km até as coordenadas 07º12’44,2”S /
72º07’03,2”O. Eu havia solicitado que o Mário marcasse algumas Comunidades para
que pudesse confrontar os dados mais tarde com os meus e, graças a isso, ele só
conseguiu nos alcançar nas proximidades da Comunidade da Boca do Campina, à
margem direita do Juruá e do Igarapé Campina que faz a divisa dos municípios de
Guajará e de Ipixuna. Havíamos remado 85 km neste dia.
Após
contato com o professor Raimundo Nonato Andriola, da Escolinha Sólon Melo,
conseguimos autorização para acantonar na mesma. Antes de ocuparmos a escolinha
o professor determinou às filhas e sobrinha que fizessem uma faxina na mesma. A
esposa do professor, Maria Gesilda Saturnino da Costa, agente de saúde da
Comunidade, permitiu que o Marçal preparasse o nosso almoço na sua cozinha e
mais tarde fizeram uma festa surpresa, em comemoração ao meu aniversário, com
direito a bolo e refrigerante. O professor e sua família foram por demais
prestativos e nos proporcionaram toda atenção possível.
Passeamos
eu e o professor, pela Comunidade e, mais de uma vez ouvi as reclamações dos ribeirinhos
em relação às restrições do pessoal ligado ao meio-ambiente que acabam
provocando a evasão dos mesmos em direção aos grandes centros. Como se já não
bastassem as precárias condições de vida que lhes inflige o meio extremamente
hostil, lhes são impostas restrições de toda a ordem que impedem as comunidades
de alcançar uma vida mais digna e com mais segurança. Nesta Comunidade existe
um enorme Jacaré-açu que volta e meia lhes subtrai animais domésticos criados
com tanta dificuldade. Na época da alagação, as águas permitem que este animal
transite com liberdade pela Comunidade e sob as casas criando um clima de
terror entre seus membros. O trânsito entre as residências é feito através de
um terreno encharcado que poderia ser melhorado através de passarelas, mas
seria necessário usar a madeira da mata vizinha e aí entram os talibãs verdes
impedindo ou dificultando providências desta espécie. O professor estava de
prontidão na hora de nossa despedida e partimos guardando em nossos corações,
mais uma vez, o carinho e a consideração do povo das águas.
- Partida para a Ipixuna (07.01.2012)
Partimos
logo ao alvorecer tendo como objetivo aportar em Ipixuna, a 95 km de distância. Graças ao
bom Deus a chuva intensa que caiu durante a noite arrefeceu a canícula
amazônica e depois de pouco mais de hora de remo experimentamos uma chuvinha
fina e agradável que refrescava nossos corpos atenuando em muito nosso esforço.
Demarcamos
a Foz principal do Riozinho da Liberdade (07º10’51”S / 71º48’42”) e uma Foz
mais a montante (07º11’21”S / 71º50’04,2”), que na época da alagação gera uma
segunda Boca. Confirmamos essa nossa interpretação, baseada na fotografia aérea
do Google Earth, de 31.12.1969, e de nossa observação do terreno, baseada no
relevo e vegetação e confirmamos nossas expectativas com moradores locais
Há
pouco mais de 30 km
de Ipixuna, nas proximidades da Comunidade Nova Esperança, identificamos um Furo
(07º08’32,5”S / 71º47’30,8”O). O tumultuário Rio eliminara, mais uma vez, um de
seus inúmeros laços abreviando seu traçado. Na chegada a Ipixuna tentamos, sem
sucesso, pedir apoio à expedição contatando com as autoridades Policiais
Militares através da central de Manaus. Esta é minha quinta incursão pelos
amazônicos caudais de modo que, lembrando de minha primeira expedição, pelo
Solimões, pedi ao Sd Mário que solicitasse a um moto-táxi que avisasse de nossa
presença no porto da cidade.
Mais
uma vez, nossos amigos da Polícia Militar, desta feita representados pelo 1º Tenente
Rodney Barros Ferreira, nos apoiaram incansavelmente. O Tenente nos colocou em
contato com o representante do empresário Abraão Cândido, que conhecêramos em
Manaus, com a finalidade de aportar as embarcações e guardar nossos pertences.
Depois
de descarregarmos o material da lancha o Tenente nos levou até o restaurante da
simpática acreana, Sra. Consuelo, que havia preparado uma saborosa refeição
para os exaustos navegantes. O prestativo policial providenciou acomodações em
um hotel e nos indicou aonde fazer as refeições. Graças ao novo amigo da PM do
Estado do Amazonas conseguimos fortalecer nossos corpos antes de partirmos para
uma jornada maior de 570 km
até Eirunepé.
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