Ipixuna - Eirunepé
Hiram
Reis e Silva, Eirunepé, Amazonas, 17 de janeiro de 2013.
Ao partirmos de Ipixuna gostaria de agradecer, mais uma vez, o apoio prestado à
Expedição pelo empresário Sr. Abraão Cândido, pelo 1º Tenente PM Rodney Barros
Ferreira da Polícia Militar do Estado do Amazonas e demais policiais militares
do Destacamento de Ipixuna. Vamos, igualmente, guardar carinhosamente na
lembrança a atenção que nos dedicaram os amigos Maria Consuelo e Raimundo da
Pensão Juruá.
- Expedição Belarmino Mendonça
A
Expedição composta pelo Coronel Hiram
Reis e Silva, do Colégio Militar de Porto Alegre, RS, e os soldados Mário Elder Guimarães Marinho e Marçal Washington Barbosa Santos,
ambos do 8º. Batalhão de Engenharia de Construção,
Santarém, PA, está realizando
o reconhecimento do Rio Juruá, afluente da margem direita do Rio Amazonas.
Estamos dedicando todos os esforços possíveis, dentro dos escassos meios
disponíveis para que a Missão em homenagem ao General Belarmino Augusto de
Mendonça Lobo esteja à altura de seu nome.
- Soldado Mário Elder Guimarães Marinho
O
Sd Mário é o exímio piloto da lancha de apoio e encarregado de nossa logística.
Para evitarmos os piuns que infestam as margens lodosas do Juruá e
desnecessárias paradas, Mário nos abastece com água, frutas e bolachas no
talvegue do Rio. Ele é o encarregado, também, de encontrar o local ideal para
montarmos nosso acantonamento nas comunidades ribeirinhas, no interior das
escolas, templos ou residências, isso é feito a partir das catorze horas,
depois de termos remado aproximadamente 85 km em oito horas consecutivas. Algumas
condicionantes alheias à nossa vontade podem alterar esta programação como, por
exemplo, longos trechos de até 40
km dentro de áreas indígenas (Comunidade Condor – Comunidade
Santa Maria) sem uma única Comunidade não indígena. Quando eu e o Marçal
chegamos à Comunidade, o Mário já havia montado o acampamento e descarregou o
material da lancha.
- Soldado Marçal Washington Barbosa Santos
O
Sd Marçal é meu parceiro de remadas e o cozinheiro da Expedição. Sabendo que os
desafios do Juruá seriam maiores que os dos Rios Madeira e Amazonas, treinou
com afinco nas águas turbulentas do Tapajós. Temos, eventualmente, remado mais
de cem quilômetros em um único dia e o formidável guerreiro Munduruku chega ao
final da jornada cantando sem esboçar qualquer sinal de cansaço. A primeira
providência ao aportar é preparar os caiaques para a próxima jornada e logo
concluída esta etapa o nosso cozinheiro se dedica à preparação do nosso delicioso
“almojanta”, já que fazemos uma única
refeição ao dia. Algumas vezes o preparo dos alimentos é feito na cozinha dos
amigos ribeirinhos e condimentada com temperos retirados da horta dos mesmos.
- Partida para a Comunidade Ituxi (10.01.2013)
Acordamos
às 5h30, horário antigo, e nos deslocamos para o Porto Juruá II, do empresário
Abraão Cândido, onde estavam estacionadas nossas embarcações. Partimos ao
alvorecer, as poucas nuvens tornavam a progressão mais difícil debaixo do sol
abrasador. Informações desencontradas quanto à distância das comunidades
forçou-nos a ultrapassar a meta dos 85 km e chegamos, finalmente, à Comunidade
Ituxi, às 15h30, depois de remar 102
km . O Mário tinha conseguido autorização para acamparmos
na Escola Manoel Fernandes, a residência do professor, contígua à sala de aula
estava ocupada pela família do pescador Francisco Sales da Silva que estava de
mudança para Ipixuna. Depois do banho e do “almojanta”
ficamos ouvindo histórias de pescadores.
- Partida para a Comunidade Das Piranhas (11.01.2013)
Mantendo
nossa rotina diária partimos antes do sol nascer. Logo depois da partida
iniciou uma chuvinha fina e gelada que nos acompanhou até nosso destino na
Comunidade das Piranhas, a 85
km de distância. O Sr. Antônio Santana da Silva permitiu
que nos instalássemos na casa do professor ao lado da Escola. A Falta de
higiene nas Comunidades é muito grande, na maioria delas não existe uma
passarela de madeira que permita um deslocamento seguro sem ter de pisar na
fétida mistura de lama e fezes de animais que perambulam livremente e se
refugiam da chuva ou ao anoitecer sob as casas. As casinhas (sanitários),
quando existem, são meros estrados com um buraco na madeira e os dejetos caem
diretamente no chão onde os suínos dão prosseguimento ao tratamento dos mesmos.
- Partida para a Comunidade Condor (12.01.2013)
No
dia anterior o Sr. Antônio nos informou que a Comunidade Monte Lígia, terra
firme, estava a apenas uma hora de uma voadeira com motor tipo rabeta de 8 Hp,
não quis arriscar e optamos por pernoitar na Comunidade das Piranhas.
Alcançamos a Comunidade Monte Lígia às 08h20, duas horas exatas depois de
partir. Infelizmente as referências de que dispúnhamos para tomar a decisão não
eram suficientes para escolher a melhor opção. Chegamos, às 11h30, à Comunidade
Condor depois de remar apenas 55
km . Tínhamos um enorme vazio, de 40 km , a partir daí até a
Comunidade Santa Maria.
Instalamo-nos
na escolinha, como de praxe e depois do banho e do “almojanta” veio nos procurar um dos membros da Comunidade, visivelmente
embriagado, que suspeitava que fôssemos da Polícia Federal. Argumentei que se
fossemos da Federal a lancha seria muito mais potente e não de 13 Hp como a
nossa, e que se os agentes tivessem de pernoitar no local o fariam em sua
confortável embarcação e jamais em pequenas barracas.
Novamente
os ribeirinhos relataram sua preocupação em relação ao comportamento dos
Kulinas que promovem saques nas residências em que gentilmente são acolhidos.
Infelizmente, alguns pequenos grupos liderados por chefes sem escrúpulo criam
um estigma perigoso em relação a todo povo kulina.
Kulinas:
os Kulina têm seu habitat tradicional nas planícies dos rios Juruá e Acurauá,
afluentes do Solimões e pertencem à família linguística arawá. Os Kulina se
autodenominam Madija, que significa “os
que são gente”. Os Kulina formam um grupo de pouco mais de 700 membros e
ainda preservam sua língua e cultura. (Nota do autor)
Em
Ipixuna topamos, diversas vezes, com um bando sujo e maltrapilho de Kulinas que
bebiam álcool puro indiscriminadamente. Os homens agrediam violentamente suas crianças
e mulheres durante estas bebedeiras. É uma pena observar a decadência de alguns
grupos contaminados por tuxauas sem escrúpulo.
- Partida para a Comunidade São José (13.01.2013)
Somente
depois de remar durante quatro horas avistamos a Comunidade Santa Maria.
Somente uma pequena Aldeia Kulina às margens do Igarapé Penedo próxima da foz
no Juruá. Ao ultrapassarmos o Rio Gregório fomos informados da existência de um
furo próximo à Comunidade Cordeiro. Depois de certificar-me de que não havia
nenhum acidente natural ou Comunidade no laço que deixaríamos para trás decidi
experimentar o furo na forma de um “S”
muito aberto. A correnteza obviamente era forte já que, em vez dos quase 7 km , percorreríamos pouco
mais de cem metros. O Marçal levou uma queda, mas agilmente montou no caiaque e
continuou a navegação. Passamos a chamar o furo de Marçal já que este ainda não
tinha sido batizado.
Lago maldito
Jonas
Fontenelle da Silva
Se
hoje, em surdina, o teu pesar disfarças,
Ouvindo
o canto das jaçanãs morenas,
Sentes,
minh’alma, as aflições e as penas
De
um Lago azul sem jaçanãs nem garças.
Lago
em que havia à superfície esparsas
Grandes
vitórias-régias e falenas
E
em que hoje existe a canarana apenas ...
Fomos
informados do Furo Cavado (06º47’36,5”S / 70º32’16,2”O), próximo à Comunidade
São José e partimos para ele. O Furo que fica no final de um enorme “M” invertido. O furo, pela lógica deveria
estar localizado no meio da curva à esquerda, mas considerando que os rios de
terras baixas mudam constantemente enveredamos pelo primeiro furo que achamos,
mais a montante do “Cavado”. Era na
realidade o Igarapé do Pinheiro que dá acesso a um Lago interior coberto de
canaranas e a um Igapó que mais parece um labirinto. Retiramos os troncos que
fechavam a entrada e enveredamos pela estreita montanha russa fluvial.
Enganchamos
eu e o Marçal sob um enorme tronco, o Marçal caiu do caiaque e empurrou o meu
que estava trancado sobre enormes toras. Não consegui frear e fui levado pela
rápida correnteza. Depois de diversas curvas, cheguei a um escuro e enorme
igapó à direita de minha rota uma claridade chamou minha atenção e rumei para
lá. Chamei, em vão, pelo Marçal, perdera minhas cartas na descida abrupta e não
encontrava meus óculos, eu estava desorientado. Achei que se seguisse a
correnteza poderia sair daquele medonho labirinto. Esperei pelo companheiro e
nada, naveguei sobre as canaranas enroscando nos intransponíveis cipós
tiriricas, as afiadas bordas das canaranas cortavam e enchiam minha pele de
minúsculas farpas.
Meu
colossal caiaque “Cabo Horn” não fora
projetado para aquelas paragens o suporte do leme enroscava na vegetação, o
esforço era sobre-humano. Fui forçado a passar por cima de enormes vitórias
amazônicas (vitórias régias) e depois de me arrastar por uns quinhentos metros
que mais pareceram dezenas de quilômetros desisti de encontrar caminho pelo
maldito Lago do Pinheiro.
Voltei
até o ponto de onde abandonara o igapó e tentei navegar entre as árvores submersas
e, novamente, a progressão era dificultada pelo tamanho do “Cabo Horn”, depois dessa frustrada
tentativa voltei para o Lago para descansar. Recuperei o fôlego e tentei, de
novo, achar o caminho pelo igapó. Exausto voltei para o Lago e decidi me preparar
para dormir naquele local e tentar novamente no dia seguinte. Tentei me amarrar
em uma árvore para dormir, mas fui expulso pelas terríveis tachi (formigas)
voltei para uma área limpa do Lago e me preparei para passar a noite embarcado.
Fiz uma limpeza sumária no caiaque vesti o salva-vidas e coloquei em cima da
embarcação um material alaranjado que o Angonese comprara para servir de acento
no caiaque e que poderia ser avistado à distância. O sol já estava quase sobre
o horizonte quando ouvi, ou senti, o ruído de uma rabeta. Ao longe consegui
distinguir a silhueta do Marçal sobre uma voadeira, o suplício havia terminado.
O
Sr. Francisco de Assis Cassiano da Costa e seu filho Antônio José da Silva
Costa colocaram o caiaque sobre a voadeira e com uma habilidade extrema me
conduziram pelo mesmo Igarapé que entrara. Enquanto o filho Antônio, na popa,
manejava a rabeta com muita agilidade seu pai Francisco, na proa, corrigia o
rumo com o remo. Um final feliz para um dia de pouca progressão, mas que
servirá de ensinamento para o resto da vida de cada um de nós.
Sr. Francisco |
Seja
em operações militares ou mesmo nos deslocamento de ribeirinhos os furos devem
ser usados com muita cautela tendo em vista as radicais modificações a que
estão sujeitos. Da noite para o dia seu curso pode ser interrompido ou
obstaculizado por árvores caídas. Nos deslocamentos onde se utilizem diversas
embarcações deve-se empregar precursores devidamente assessorados por
habitantes locais. A economia de tempo e combustível indica que estes atalhos sejam
utilizados devidamente. Não há condições de se manter atualizadas as
informações sobre cada um deles tendo em vista a inconstância tumultuária do
Rio Juruá, basta ver a quantidade de arrombados, sacados e furos que são
criados continuamente.
O
Mário, preocupado conosco desencadeara uma verdadeira operação de guerra.
Abastecera as rabetas dos ribeirinhos da Comunidade São José e do Bóia (Srs.
Daniel Gomes da Silva e Francisco Gomes de Souza) com nossa reserva de
combustível e graças a isso não tivemos de experimentar um solitário e perigoso
pernoite no Lago do Pinheiro. Ficamos hospedados nessa noite na sala da casa do
Sr. Francisco. O Marçal preparou um saboroso carreteiro para treze pessoas,
nosso anfitrião tem quatro filhos homens e quatro mulheres. Durante a refeição
comentei com ele que o santo padroeiro dos engenheiros militares é são
Francisco de Assis, seu homônimo, e que meu pai se chamava Cassiano.
- Partida para a Comunidade da Praia do
Hilário (14.01.2013)
Chegamos
à graciosa Comunidade cedo, o dia anterior tinha exigido por demais de nossos
corpos e precisávamos recuperar nossas energias antes de nos atirarmos a uma
longa jornada. Dizem que a primeira impressão é que conta e esta foi a mais
agradável possível. As residências da Comunidade estão perfeitamente alinhadas
e ostentam à sua frente uma bela passarela de madeira construída pela
Prefeitura de Eirunepé e a Escolinha embora careça de manutenção é muito melhor
projetada que as dos Municípios de Guajará e Ipixuna. O único problema que vimos
foi novamente porcos perambulando soltos. O Sr. Francisco, líder da Comunidade,
gentilmente convidou-nos para jantar. Durante a refeição os porcos alojados sob
a sua casa faziam o maior estardalhaço e ele nos confiou que os animais eram do
vizinho e que não reclamava para não comprometer a amizade entre eles. A grande
reivindicação da Comunidade era a respeito da Escola Nossa Srª. da Auxiliadora
que precisava de dedetização para desalojar morcegos e formigas e que fosse
concluída a instalação dos sanitários.
- Partida para a Comunidade Miriti (15.01.2013)
Recuperados
decidimos remar cem quilômetros para deixar os últimos 70 para o último dia.
Novamente os botos deram seu ar de graça e um casal deu um show à parte
executando piruetas com seus belos corpos totalmente fora d’água. Chegamos
bastante cansados à Comunidade Miriti da família Evangelista de Souza. Os
Evangelistas permitiram que ocupássemos as instalações da Assembleia de Deus. A
gurizada se encantou com os filmetes de nossa amazônica jornada.
- Partida para a Eirunepé (16.01.2013)
Partimos
cedo e nossa jornada foi abreviada por conta de mais um destes “arrombados” do Juruá. Logo que a
operadora do celular deu sinal liguei para o Tenente PM Ricardo pedindo apoio.
Fomos encaminhados pelo Comandante Ricardo ao Hotel Líder capitaneado pela Srª.
Eny Martins de Alencar. Fomos acomodados no primeiro andar e cordialmente
tratados. Depois do banho fomos convidados gentilmente pela simpática Srª. Eny
para almoçar apesar do adiantado da hora. Logo em seguida apareceu o Venerável Francisco
Dejanir da Grande Loja Maçônica de Eirunepé e
tentamos localizar, em vão, o Prefeito.
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