Sítio São Tomé / Comunidade Nova vida
“Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
Acordamos às min e nos preparamos para partir. O jantar tinha sido reforçado com arroz e algumas piranhas que o nosso piloto, cozinheiro e pescador, Osmarino Videira Melgueiro, tinha pescado. O alimento quente era um conforto garantido pela zelosa equipe de apoio.
- Partida para Comunidade Nova Vida (01 de janeiro)
O dia raiou magnífico e partimos, seguindo o canal e a rota do CECMA. Os extensos areais nos forçavam, eventualmente, a dar grandes voltas. Na hora do almoço, aportamos em uma pequena ilha em forma de pingo e dei um longo passeio pelas areias para esticar as pernas. Na volta, saboreamos, mais uma vez, o arroz com as piranhas pescadas no dia anterior, já que no dia de hoje nosso pescador não teve a mesma sorte. Joguei alguns grãos de arroz na água e apareceram alguns espécimes de Acará-Bandeira (Pterophyllum scalare) e Acará-Boari (Mesonauta festivus), peixes muito cobiçados pelos aquaristas de todo o mundo; afinal, estávamos navegando pelas águas de maior biodiversidade de peixes ornamentais do planeta.
Combinei com o Teixeira que me aguardasse por volta das min à jusante de uma grande ilha, a uns oito quilômetros de onde estávamos e de onde continuaríamos seguindo a rota pelo canal. O Teixeira ancorou no lado meridional da ilha e eu passei pelo setentrional, de modo que não nos avistamos. Aportei logo abaixo, em uma ilha com grande areal, descansei durante alguns minutos e, como a equipe de apoio não aparecesse, segui avante. A opção de acampamento teria de ser nas praias, já que as ilhas eram de mata fechada; tinha um saquinho com algumas castanhas e isso teria de bastar até o dia seguinte. Resolvi remar forte para adiantar minha jornada, quando, depois de remar por uma hora, avistei um barranco nu com algo que parecia, de longe, uma roupa. Remei freneticamente e aportei na Comunidade Vida Nova.
Formada por quatro famílias de piaçabeiros que tinham sido escorraçados da região do rio preto (Santa Isabel do Rio Negro), em mais um dos inúmeros desmandos promovidos pela famigerada FUNAI em suas desastrosas e descabidas demarcações de terras indígenas. Hoje, entregues à pesca e à venda de peixe salgado, sobrevivem nesta região erma e distante. Estavam na Comunidade apenas Dona Anésia (esposa de Ocino), suas duas filhas (Ana Cláudia e Ana Paula) e os dois netos (Gracilena, Mateus e Tereza). Com a cortesia peculiar dos ribeirinhos, mandou as crianças matarem um frango e me proporcionou um belo jantar.
Dona Anésia usa uma grande moringa de barro para clarear, por sedimentação, as águas do Negro e usa cloro para tornar a água potável. Foi a primeira vez em minhas jornadas que se iniciaram no Solimões que vi alguém realizar tal tratamento. A higiene das instalações mostrava a preocupação com a higiene daquela Amazona que, com invulgar alegria e fraternidade, recebia eventualmente navegadores que se extraviavam nas redondezas.
As palafitas foram erguidas com capricho e cobertas com palha de paxiúba, garantindo o conforto de seus moradores. As crianças criavam três gaivotas esfomeadas que tinham de ser alimentadas periodicamente. Para isso, as crianças estenderam uma pequena malhadeira à frente do barranco e volta e meia retiravam alguns pequenos peixes que eram cortados para alimentar as aves vorazes.
A barraca foi montada sem o toldo superior, para que eu pudesse olhar as estrelas. A lua, quase cheia, me acordou no meio da noite e pude contar seis estrelas cadentes que cortaram o céu rumo norte. As estrelas brilhavam com uma intensidade sem par; não existiam as luzes das grandes metrópoles para ofuscá-las e elas cintilavam sobre o manto aveludado da noite. O dia que se prenunciara tenebroso, se mostrou pleno de fraternidade, amor e beleza.
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