MAPA

MAPA

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Ponta Santiago ‒ Pelotas (VII Parte)

Ponta Santiago ‒ Pelotas (VII Parte)

Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 19 de fevereiro de 2015



O Novo Argonauta
(José Agostinho de Macedo)

Enquanto a Pátria agradecida ao feito
Prepara ao grande Navegante os louros:
Enquanto o bronze e mármore não mostram
Voltada aos Céus a imagem respirante,
E no soberbo pedestal não grava
Os atributos da naval ciência,
Co’a mente em fogo acesa, e às Musas dada,
À Pátria, ao Trono, ao Mérito, à Virtude,
Que a façanha inspirou, que o Herói coroa,
Este tributo de louvor consagro.



Ponta do Santiago ‒ Canal de Irrigação (06.01.2015)

O amigo Antônio Buzo permaneceu na Caldeirinha aguardando bons ventos para realizar a travessia de quase 11 km entre as Pontas do Santiago e Muniz. O canoísta Buzo, depois de nos acompanhar desde a Ilha Grande do Taquari e brindar-nos com sua agradável companhia, estava de volta à simpática cidade de Jaguarão.

Partimos cedo com destino à Ponta dos Latinos e fizemos uma parada intermediária na Baía antes de lá aportarmos por volta das 10h00, depois de remar 18 km enfrentando ventos fortes e ondas do quadrante Norte, que incidiam na bochecha de bombordo. Uma bela figueira tombada pela força dos ventos e das águas resistia estoicamente dando mostras de uma determinação invulgar. Apoiada resignadamente nos seus frondosos galhos dava mostras de uma emocionante e invulgar energia telúrica capaz de comover os espíritos mais rudes.

Dos Latinos aproamos para o Arroio Del Rey (32°52’10,1”S / 52°55’48,4”O) onde estacionamos para almoçar. Enquanto o Hélio fazia uma incursão pela mata nativa, eu navegava pelo Arroio onde desponta, ainda altaneiro há mais de 50 anos, o mastro do Barco Itaqui que transportava cal de Pelotas para Curral Alto e o desembarcava neste local. Acho que nos demoramos demais e os Mares de Dentro não perdoam erros deste gênero. Logo que partimos rumo a um Canal (32°54’52,6’’S 52°49’36,1’’O) onde deveríamos aportar, segundo orientação do professor Hélio aos velejadores, os céus começaram a anunciar um vendaval vindo do quadrante Oeste.

Remamos vigorosamente e ao chegarmos ao Canal verificamos que este estava totalmente assoreado. Subi na duna mais alta e tentei contato rádio com o veleiro Zilda III – nenhuma resposta. Continuamos nossa jornada bastante apreensivos até que avistamos a uns 2 km adiante do canal o veleiro.

Os Comandantes Reynaldo e Pastel estavam nos aguardando nas proximidades do Canal de Curral Alto (32°54’32,4’’S 52°48’05,4’’O). Imediatamente nos dirigimos, depois de ter conversado com os velejadores, à foz do Canal para sondar sua profundidade. Feito o reconhecimento, orientamos a progressão do Zilda IIIl onde tivemos de desatrelar um dos barcos dos pescadores que bloqueava o acesso à uma área mais protegida do Canal.

Depois de termos ancorado o Zilda III e arrastado ou caiaques para o barranco, recebemos a visita de alguns pescadores e seus familiares que cortesmente nos orientaram à respeito da ancoragem. O mau tempo dissipou-se rumando para o Norte e passamos uma noite bastante agradável embarcados no veleiro. Tínhamos remado 49 km.



Canal de Irrigação ‒ Canal de Acesso Taim (07.01.2015)

Meu organismo, desde a quebra do suporte do leme em Santa Vitória do Palmar, ainda não se recuperara e o esforço de remar longas distâncias enfrentando ventos fortes de proa e través traumatizara ainda mais minhas fibras musculares. Avisei aos meus amigos que remaria mais lentamente neste dia, pois do Taim a Pelotas teríamos ainda, pelo menos, mais dois dias de viagem.

Eu navegava rumo NNE e ventos de proa fizeram-me acostar para poder resguardar-me, ainda que parcialmente, dos ventos. Remei, sem pressa, e a monotonia da paisagem só foi quebrada pela presença inusitada de três muares que serenamente pastavam. Depois de remar, praticamente sozinho, durante 47 km, avistei o Hélio na Boca do Canal e o veleiro ao largo. Aportei e imediatamente tentei, sem sucesso, contato pelo rádio com a equipe de apoio, pedi, então, ao Hélio que tentasse pelo celular. Os velejadores estavam aguardando os resultados de uma sondagem para só então adentrar ao Canal do Taim. Executados ou procedimentos de praxe o Zilda III ancorou no Canal protegido pelos barrancos altos do mesmo. Durante a sondagem avistei um casal de ratões do banhado com dois pequenos filhotes que, muito mansos e curiosos, observavam meu trabalho.

Taim ‒ (08.01.2015)

Dedicamos o dia a conhecer o Taim e sua maravilhosa fauna. O Coronel Sérgio Pastel já havia contatado o oceanólogo Sr. Henrique Horn Ilha, chefe da Estação Ecológica (ESEC) do Taim, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que permitiu que excursionássemos pela área da reserva.

A ESEC do Taim, criada em 1986, está localizada entre a Lagoa Mirim, Lagoa Mangueira e o Oceano Atlântico abrangendo uma área de 32.800 mil hectares. A Estação Ecológica do Taim tem como objetivo, além da preservação da natureza, a realização de pesquisas científicas.
A região formada por uma ampla planície costeira abriga mais de 230 espécies de aves além de ser um reduto importante de répteis e anfíbios. O banhado do Taim desempenha as funções de produção de alimento, conservação da biodiversidade, contenção de enchentes e controle da poluição. Nossa visita à área está muito bem documentada no “filmete” em anexo: V Parte (Taim): Taim (08.01.2015).

Taim ‒ Ilha Grande (09.01.2015)

Partimos com a firme determinação de pernoitar no Canal de São Gonçalo, o Comandante Reynaldo tinha compromissos inadiáveis em Porto Alegre. Fiz uma parada intermediária, depois de remar 7 km, na praia da Vila do Taim, popularmente conhecida como Capilha, próxima à Estação Ecológica do Taim e que pode ser acessada por terra pela BR 471, onde visitei a praça e a Igreja Nossa Senhora da Conceição (32°30’20,8”S e 52°35’04,1”O) e uma bucólica praça. No entorno da Vila encontra-se a única linha de falésia viva da lagoa Mirim e onde nas últimas décadas, a erosão provocou uma importante regressão da falésia até os limites da igreja. Alguns autores defendem que o termo Taim tem sua origem expressão indígena “tai moing”, que significa “cousa pequena em que penso” enquanto outros asseguram que ela advêm do grito emitido pelo Tarrã ou tachã (Chauna torquata).
Remei até a Ponta do Salso, onde aportei seguido pelo Hélio, depois de remar 25 km, sem parar, desde a Vila do Taim. Avistamos três lebres que brincavam sob alguns salsos. Continuamos nossa jornada aproando para o Arroio Gamela (32°15’09,1”S e 52°40’25,9”O), 7 km adiante, onde tínhamos combinado, com os velejadores, de ancorar para o almoço. Como a Foz estava totalmente bloqueada por salsos, contatei os velejadores que seguiram diretamente para o Canal São Gonçalo. Dirigimo-nos, então, para o Canal de irrigação da granja 4 irmãos (32°14’26,4”S e 52°40’05,7”O) que ficava a pouco mais de um quilometro avante onde paramos para no hidratar e consumir algumas barras de cereais.

Descansados aproamos diretamente para a Boca de montante do Canal de São Gonçalo que ficava a uns 12 km à nossa frente. Desde a Ponta do Salso, uma tétrica paisagem assombrava-nos, a primeira fileira de salsos de toda margem tinha sido tombada pelo ciclone da noite de 31.12.2014. As folhas dos chorões conservavam ainda um intenso verdor testemunhas vivas da recentidade do cataclismo que assolara a região.

Ode aos Salsos Tombados

O Comandante Emygdio, reporta-nos um trecho da poesia de Barbosa Neto, ilustre poeta parnasiano nascido, em 1884, na cidade de Jaguarão, RS, que faço questão de reproduzir em homenagem a meu querido pai Cassiano Reis e Silva. O Cassiano sempre sonhou em ter em casa um salso-chorão, também conhecido como salgueiro-chorão (Salix babylonica) debruçado sobre um pequeno lago.

Molduras e Visões
(João Rodrigues Barbosa Neto)

E esses salsos chorões à beira das barrancas,
Que a rajada impiedosa alucina e emaranha!
E esse perfil de dor das tristes garças brancas,
Silenciosas ouvindo essa angústia tamanha!

Ali, uma árvore nua ergue convulsos braços
E parece o fantasma esguio da paisagem
Pedindo à alma contrita e triste dos espaços
O manto que perdeu com a morte da folhagem!

Olha a nuvem veloz que o vento açoita e leva,
Olha a que vai além como um floco de neve:
As nossas ilusões – Nuvens de um céu, de treva,
Fogem como as do céu, tal as do céu, de leve!

Chega-me ao ouvido a voz do enfurecido vento,
Onde rude, febril, o mísero maldito
Que de entrada do tempo, em dolorosos grito,
Pede socorro a um Deus oculto e sonolento.

O chorão foi trazido, desde o Leste asiático pela Rota da Seda, para a região da babilônia de onde disseminou-se pelo mundo afora. É considerada, por alguns, uma árvore lendária para o cristianismo, pois segundo eles, teria escondido sob seus ramos a família sagrada, durante sua fuga para o Egito, dos soldados de Herodes.

Na verdade uma das versões que nos parece mais plausível tem sua origem, no século VIII, na Germânia, com o monge beneditino São Bonifácio, conhecido hoje como “Apóstolo dos Germanos” e que foi eleito Bispo, em 30.11.722,  dos territórios Germânicos em reconhecimento ao seu trabalho de catequização na região. Retornando à região depois de uma longa viagem que fizera a Roma surpreendeu alguns populares preparando-se para realizar sacrifícios humanos conforme determinava sua primitiva religião. Bonifácio libertou os nove meninos que seriam mortos e mandou derrubar o enorme carvalho de Geismar, dedicado a Thor, onde se realizaria o sangrento holocausto. Embora os sacerdotes pagãos tenham-no ameaçado com a ira do “poderoso” deus do trovão que o fulminaria com seus raios, nada aconteceu, para humilhação dos mesmos. A queda da árvore de Thor marcou definitivamente a queda do paganismo naquelas plagas e os germanos convertidos adotaram o carvalho como um símbolo cristão.

A tradição ultrapassou as fronteiras e a humanidade cristã acabou adotando outra árvore que fora usada como um símbolo agrado ancestral e cultuado por diversas religiões pagãs de outrora – o pinheiro.

O pinheiro é uma árvore cujo “pináculo” aponta para o céu, cuja perenidade dos ramos nos remete à vida eternidade, cujas raízes encravadas solidamente na terra testemunham a aliança entre as entidades celestiais e os seres terrestres e, finalmente, seu formato triangular lembra a Santíssima Trindade.

Continuando a Jornada

O Sol inclemente castigava nossos corpos exaustos e, ao aportar na Foz do São Gonçalo, aportamos na mesma praia, depois de remar 53 km, onde acampáramos no dia 27.12.2014. Depois de um revigorante banho, subimos a bordo para o almoço e, logo depois, aproamos para a Vila de Santa Isabel. O Hélio foi até o mercado da Vila enquanto eu fiquei tomando conta dos caiaques tendo em vista termos ciência de relatos de canoístas que tiveram suas cargas roubadas quando ali estacionaram. Logo depois de levarmos as compras até o veleiro começou uma chuva refrescante que aliada à correnteza do Canal nos estimulou à picar a voga, chegamos a atingir os 13 km/h, até a Ilha Grande, onde acampamos nas proximidade de uma frondosa figueira (32°04’19,6”S e 52°30’34,7”O) à margem direita. Tínhamos remado 70 km neste dia e 539 km somente na Lagoa Mirim.

Ilha Grande ‒ Pelotas (10.01.2015)

Tínhamos concluído com sucesso a navegação da Lagoa Mirim e hoje teríamos de percorrer apenas 50 km até o Veleiros Saldanha da Gama. Partimos junto com o Zilda III, às 07h30, e logo em seguida o veleiro sumiu de nossas vistas. Os únicos fatos notáveis, além de não realizarmos nenhuma parada, foram a transposição por uma das comportas da barragem, enquanto o veleiro aguardava a hora de abertura da eclusa para continuar a viagem, e quatro belos cisne-de-pescoço-negro (Cygnus melanocoryphus) que passaram por nós.



Fontes:

MACEDO, José Agostinho de. O Novo Argonauta – Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do Conselho de Guerra, 1809.

NETO, João Rodrigues Barbosa. Molduras e Visões – Brasil – Porto Alegre – Editora do Globo, 1919.



S. Vitória do Palmar ‒ Ponta Santiago (VI Parte)

S. Vitória do Palmar ‒ Ponta Santiago (VI Parte)

Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 16 de fevereiro de 2015

O Novo Argonauta
(José Agostinho de Macedo)

Da praia Ocidental largando as velas
Foi, émula do Sol, a Nau triunfante,
Do Atlântico mar varrendo as ondas,
E com propício sopro a extrema ponta
Tocou do novo Mundo, ousando a ignota
Estrada cometer de um mar, que nunca
De Lenhos Europeus cortada fora.



S. Vitória do Palmar ‒ Arroio dos Afogados (04.01.2015)

Acordei cedo, chamei o Brizola, às 04h30, que me levou no seu táxi até o veleiro. Tive de tocar alvorada para acordar os preguiçosos marinheiros e partimos logo depois do desjejum. Nossa rota na margem Ocidental da Lagoa Mirim tinha sido predominantemente Sul, enfrentando vento de proa do mesmo quadrante e agora, na Oriental, nosso rumo seria Norte e os ventos vindos de SO nos empurrariam. Partimos, às 06h20, os ventos não chegavam, por enquanto, a prejudicar por demais a navegação já que não ultrapassavam os 10km/h. Navegamos com tranquilidade por uns 10 km quando o suporte do leme de meu caiaque quebrou. Telefonamos para o Coronel Pastl solicitando que ele soldasse um pino no suporte do leme do Hélio que quebrara na Baía Magra e, como sempre, nosso caro Comandante não sossegou enquanto não atingiu seu intento.

Embora o vento na alheta de bombordo ajudasse na progressão, as ondas de través mudavam a direção do caiaque obrigando-me a deslocar a empunhadura do remo para uma das extremidades, bem próximo das pás, forçando excessivamente os músculos para mantê-lo na rota. Naveguei assim por cinco quilômetros até o Arroio Curral d’Arroios (33°23’28,9”S / 53°26’11,8”O) onde eu e o Hélio amarramos o leme na popa do caiaque, infelizmente não deu resultado. Navegamos mais dez quilômetros até um enorme canal de irrigação (33°17’41,7”S / 53°27’43,0”O) onde aproveitamos para almoçar enquanto aguardávamos nossa equipe de apoio agora reforçada com a presença de um caro ex-aluno do CMPA o Eduardo Rocha Costa ‒ mais conhecido como “Duda”. Logo que o veleiro trouxe o suporte do leme o instalamos no caiaque e partimos rumo à Ponta dos Afogados. Os ventos começaram a mudar de direção e velocidade e quando chegamos na Ponta dos Afogados fomos até o veleiro para saber qual seria a conduta a partir dali. O veleiro contornaria a Ilha dos Afogados e faria uma aproximação frontal até a Foz do Arroio dos Afogados enquanto nós cortaríamos caminho passando entre a Ponta e a Ilha. Foi uma navegação cansativa enfrentando ventos de proa do quadrante Este com velocidades superiores aos 40 km/h e ondas frontais de mais de um metro que travavam nossa progressão.

Finalmente chegamos à margem onde consegui contatar o Coronel Pastl que nos forneceu as coordenadas da Foz do Arroio dos Afogados (33°07’46,8”S / 53°22’34,2”O) para onde nos deslocamos sem nenhuma pressa. Fizemos mais duas paradas antes de chegar, às 18h00 à Foz do Arroio onde aguardamos até às 18h55 a chegada do Zilda III. Conduzi os velejadores até uma curva segura e depois de cumprimentar nosso novo expedicionário, o “Duda”, naveguei pelo Arroio até ser barrado pela vegetação aquática. O Arroio é o mais formoso da margem Oriental e deve ser mais belo ainda durante a estiagem. Tínhamos remado 49 km.



Arroio dos Afogados ‒ Ponta do Santiago (05.01.2015)

O Antônio permaneceu a bordo do Zilda III e eu e o Hélio, seguimos nossa rotina e rumamos, depois de uma pequena parada, direto para a Ponta da Canoa onde aportei, pouco antes da Ponta, às 08h15, para documentar o local. Depois das fotos continuei minha rota ultrapassando a Ponta e segui direto para a margem oposta novamente enfrentando o vento na alheta de boreste e ondas igualmente de través. Chegamos às 10h30, e, depois de descansarmos um pouco, continuamos nossa jornada até as proximidades de um Canal de Irrigação onde paramos, às 12h00, para almoçar e contatar os velejadores. Avistamos o Zilda III e seguimos rumo Norte, enfrentando sempre ventos de proa a mais de 30 km/h.

Cheguei à Ponta de Santiago e o veleiro foi de precursor mostrando o caminho até um lugar, a Este da Ponta, perfeitamente abrigado chamado Caldeirinha (32°48’21,0”S / 53°06’32,0”O) indicado pelo Comodoro Roberto Borges Couto do Iate clube de Jaguarão. Ao contornar a Ponta enfrentei grandes ondas de través que ultrapassavam os 2 m de altura, felizmente eram ondas cheias e não estavam quebrando o que seria um complicador adicional. Foi uma prova que demandava apenas atenção, eu sabia que aquilo era um teste fácil para o excelente Cabo Horn, o único complicador era o cansaço imposto por uma jornada de mais de 59 km com ventos fortes de proa durante toda a rota. Aportamos na Caldeirinha, uma interessante e envolvente calmaria contrastava com a fúria dos ventos e ondas que eu acabara de enfrentar.

Depois da tempestade a bonança, por volta das 20h30, fomos brindados com um pôr do sol magnífico. As diáfanas nuvens, há mais de 10.000 m de altura, apresentavam uma sutil coloração que se refletia nas águas da Caldeirinha emprestando-lhe uma graça toda especial. Nossos caiaques flutuavam suavemente imersos neste quadro fantástico concebido pelo Senhor de Todos os Exércitos. Um brinde do Grande Arquiteto do Universo aos canoeiros que venceram, como os argonautas do passado, os desafios impostos pela natureza. Como diriam meus caros instrutores da Academia Militar da Agulhas Negras (AMAN) ‒ havíamos combatido um bom combate. Remáramos 59 km.



Fonte: MACEDO, José Agostinho de. O Novo Argonauta – Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do Conselho de Guerra, 1809.



Foz do Rio Cebollati ‒ S. Vitória do Palmar (V Parte)

Foz do Rio Cebollati ‒ S. Vitória do Palmar (V Parte)

Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 25 de fevereiro de 2015.

O Novo Argonauta
(José Agostinho de Macedo)

Na imensa solidão do mar fremente,
Fanal que aclara a sombra e marca a estrada.
Das ondas mede os Céus e observa os Astros;
Do Sol conhece a altura e conta os passos;
E sem falhar no líquido caminho,
Ao menos marca ao certo a Latitude.



Foz do Rio Cebollati ‒ Baía Pelotas (02.01.2015)

Acordamos cedo e tomamos o desjejum preparado pelo Comandante Pastl, os ventos do quadrante Sul (em torno dos 30 km/h e com rajadas mais fortes ainda) assobiavam ameaçadoramente, parti deixando para trás nosso parceiro Antônio Buzo, que preferiu, neste dia, permanecer embarcado no Zilda III, e o Professor Hélio que ultimava alguns preparativos antes de iniciar a jornada. A primeira parada foi, às 07h15, na Baía Cebollati a 5 km de nosso pernoite. Os ventos tinham baixado o nível da Lagoa em torno de um metro, fotografei a vegetação que adornava as dunas da praia e aguardei o parceiro chegar. Depois de ingerir uma barra de cereal contornamos a Ponta Cebollati, próximo à margem, com certa dificuldade em virtude dos ventos de proa e ondas de até um metro de altura, paramos às 08h20 depois de remar mais 5 km, na raiz meridional da Ponta Cebollati (33°10’12,8”S / 53°38’25,2”O).

Os ventos diminuíam muito o rendimento e afetavam a segurança da navegação, era mais garantido manter os caiaques próximos à margem. O Hélio partiu enquanto eu ainda fazia alguns ajustes no caiaque e já me encontrava longe da margem quando verifiquei que não baixara o leme. Para permanecer próximo à costa, como programara, eu teria de enfrentar ondas de través que no caso do caiaque modelo Cabo Horn, sem o leme, iria gerar um desgaste físico muito grande. O formato em quilha da proa e da popa, embora seja o ideal para cortar a água, deixam o caiaque a mercê das ondas de través, quando estas ondas encontram primeiro a popa fazem a proa virar para a origem das ondas e quando batem na proa a fazem acompanhar o sentido das ondas. Chamei o Hélio para que ele baixasse o meu leme, mas o vento não permitia que ele ouvisse, decidi então continuar enfrentando as ondas de frente, pois esta era a conduta mais adequada à situação, era mais fácil conduzir o Cabo Horn com ondas de proa ou de popa. Estávamos a meio caminho da margem oposta quando percebi que o suporte do leme do Hélio quebrara e o leme era arrastado pelas ondas de um lado a outro. Finalmente o Hélio me ouviu, retirei o leme dele da água e fixei-o no convés e ele baixou o meu. Combinei de aportarmos nas proximidades de uma casa que estava exatamente à nossa proa e achei que ele tinha entendido.

Parece que o Hélio não tinha ouvido minha orientação e se afastava lentamente para bombordo até sumir de vista. Achei que o amigo estava à deriva em decorrência da falta do leme. Demorei a alcançar a margem da Baía Magra, próximo à casa que tomara como referência (33°13’18,2”S / 53°39’30,1”O), e imediatamente subi na duna mais alta tentando avistar o Hélio e como não conseguisse comuniquei-me, pelo rádio, com a equipe de apoio. O Comandante Reynaldo di Benedetti informou-me que eles tinham decidido permanecer na Foz do Cebollati em virtude dos fortes ventos e tiveram de mudar a programação para tentar achar o Hélio. Inicialmente o Coronel Pastl me pedira para permanecer naquela posição, mas aflito, depois de um vinte minutos parado, decidi costear a Baía Magra, protegido dos ventos, na tentativa de encontrar o Hélio. Não encontrei meu parceiro e nas proximidades da Ponta Magra aproveitei que a direção dos ventos coincidia com a da Ponta e surfei velozmente por uns 3 km. Logo depois de ultrapassar a ponta avistei o Hélio navegando algumas centenas de metros à frente e novamente o vento impediu que ele me escutasse. Fiz uma parada para tentar avisar a equipe de apoio que estava tudo bem, mas não consegui apesar de subir nas árvores mais altas, hidratei-me e continuei. Mais à frente enxerguei o Hélio novamente e, desta vez, ele me viu, parei imediatamente, subi na duna mais alta das proximidades e consegui contatar o Coronel Pastl que me repassou as coordenadas da Foz de um pequeno Arroio (33°17’57,1”S / 53°35’31,0”O) que infelizmente estava totalmente assoreado e tivemos de ir mais adiante. Fomos até um canal de irrigação (33°19’26,4”S / 53°36’11,8”O) que também não se mostrou viável, estacionamos, então, um pouco adiante do canal onde fizemos uma sondagem do local e, embora fosse mar aberto, a fantástica vegetação nativa oferecia uma certa proteção dos ventos, agora moderados, que sopravam de SO.

Montamos acampamento sob uma bela corticeira (Erythrina crista-galli), estendemos nossas roupas molhadas sobre uns sarandis, fiz um tour pelo local documentando a bela região onde encontrei uma lebre, muito mansa, que perambulava pela praia sem se importar com minha presença. A espessura das camadas de conchas nas praias varia muito, mas encontramos, em alguns lugares, algumas com mais de 30 cm. Foi uma jornada curta, de apenas 37 km, mas satisfatória, considerando as condições adversas e imprevistos.

Baía Pelotas ‒ Santa Vitória do Palmar (03.01.2015)

O Hélio e o Antônio partiram e eu permaneci para fotografar a praia, de meu caiaque, aproveitando o ângulo de incidência do Sol. Apontei a proa, às 07h15, para a Ponta Pelotas aonde cheguei trinta minutos depois. Avistei os amigos canoístas logo à frente, mas parei para documentar a Ponta Pelotas e logo em seguida, novamente, era sem dúvida uma das regiões mais belas de toda a Lagoa Mirim que até então percorrêramos, continuei fotografando a vegetação curiosamente moldada pelos ventos sem acostar.

 Às 09h40 passamos por um casal de capororocas (Coscoroba coscoroba) e às 09h50 aportamos na Foz do Arroio Costa de Pelotas (Foz ‒ 33°27’31,0”S / 53°35’29,5”O), sem dúvida o mais esplendido dos afluentes de toda a margem Oriental da Lagoa Mirim. Além da mata nativa consegui fotografar um filhotão de cabeça seca ou jaburu-moleque (Mycteria americana). Não consegui, naquela oportunidade, identificar a espécie e tive de recorrer ao usuários do Wikiaves para identificá-la. Nas minhas pantaneiras andanças eu tinha observado bandos de cabeças secas, mas como não era época da nidificação destas aves, não avistei, na época, nenhum filhote.

Meus parceiros tinham partido, já há algum tempo, para encontrar os velejadores quando embarquei no meu Cabo Horn. Como eles já estavam a meio caminho costeando a Baía, resolvi apontar minha proa diretamente para a Ponta San Luis onde se encontrava o veleiro Zilda III antes de adentrar na Boca do San Luis (33°31’29,9”S / 53°32’36,8”O). Almoçamos e decidimos fazer apenas uma pequena incursão no Saco de San Miguel, aproamos para o Sul, passando pela Ponta de Las Piedras e Ponta Montenegro e depois para NE pela Ponta do Paraguaio, às 13h40. Aportei na Ponta para descansar e meus parceiros resolveram tocar direto para o porto de Santa Vitória do Palmar ante a possibilidade dos ventos aumentarem. Embarquei no Cabo Horn e depois de contornar a Ponta do Paraguaio verifiquei que a rota seguida pelos companheiros apontava muito para o Sul, aproximei-me deles e o Hélio me informou que o Antônio assim preferira. Decidi aproar direto para o porto onde o veleiro nos aguardava e lá chegando ajudei-os a aportar em segurança no canal que fica ao Sul do porto. Novamente eu tinha de checar algumas revisões encaminhadas pela PUCRS e precisava acessar a internet. Acompanhei o Comandante Reynaldo di Benedetti e o Professor Hélio Bandeira, no taxi do Brizola, e fomos diretamente para uma sorveteria – o Comandante, como eu, tem apenas um vício ‒ sorvete. Depois de degustarmos generosas porções fomos reservar um hotel para mim e depois ao super-mercado. Deixamos as compras no veleiro e voltei sozinho de táxi para o hotel. Foi uma jornada de 48 km.



Fonte: MACEDO, José Agostinho de. O Novo Argonauta – Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do Conselho de Guerra, 1809.



Jaguarão ‒ Foz do Rio Cebollati (IV Parte)

Jaguarão ‒ Foz do Rio Cebollati (IV Parte)

Hiram Reis e Silva (*), Porto Alegre, RS, 18 de fevereiro de 2015.

O Novo Argonauta
(José Agostinho de Macedo)

O ligeiro Baixel já corta as ondas,
Um longo e branco sulco atrás deixando,
Pôs no escuto Ocidente a altiva proa. [...]
Este Herói leva a paz, não leva estragos,
Vai enxugar as lágrimas de tantos:
E no seu coração conduz a Pátria
Das almas nobres, nobre eletricismo,
Nome de um Povo Rei, que ao Tibre outrora
Fez curvar de respeito o turvo Oceano,
Da mortal vida o círculo alargando
Ações obrou, que a humanidade ilustram.



Jaguarão ‒ Ilha Grande do Taquari (31.12.2014)

Acordei cedo e fui de taxi até o Iate Clube de Jaguarão (ICJ) onde encontrei os Comandantes Pastl e Reynaldo além de meu parceiro de canoagem o Professor Hélio a postos no Zilda III. Atrelamos os caiaques ao veleiro, já percorrêramos o Rio Jaguarão desde sua Foz até Jaguarão (26 km) e nossa meta era Lagoa Mirim e não seus tributários. Tínhamos, novamente, a oportunidade de desfrutar de um ponto de observação privilegiado não fosse a densa neblina que tudo cobria e que só se dissipou depois de ultrapassarmos a Ilha do Cardoso. No dia anterior eu tirara poucas fotos considerando que a bordo do veleiro teria um melhor ângulo para isso, ledo engano, como diz o velho ditado: “nunca deixe para amanhã o que pode ser feito hoje”. Pretendo voltar a Jaguarão para reparar essa falha. Guardaremos com muito carinho a afável acolhida na cidade patrocinada pelo Comodoro Roberto Borges Couto e suas orientações sempre corretas e oportunas a respeito dos melhores locais de transposição e ancoragem na Lagoa Mirim, Rio Jaguarão e Canal São Gonçalo.

Partimos depois das 07h30 devidamente orientados pelo GPS e pelos mapas fornecidos pelo Comodoro Roberto Borges Couto onde estavam perfeitamente georeferenciados os 66 espigões e os 5 guias corrente de pedra construídos em meados o século XX com a finalidade de evitar o assoreamento do talvegue do Rio Jaguarão. Os molhes atingiram seu objetivo tendo em vista de que a navegação do Rio Jaguarão só é possível à jusante da Ponte Internacional Barão de Mauá, que une a cidade brasileira de Jaguarão a Rio Branco, em território uruguaio, o que não acontece a montante da ponte onde o assoreamento a impede. É importante navegar com cautela pelo canal e, se possível, munir-se dos mapas disponibilizados pelo Comodoro Couto do ICJ. Na época da cheia, como agora, os espigões ficam totalmente submersos e não há qualquer tipo de sinalização.



Os Espigões e os Guias Corrente do Jaguarão

No relatório apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, General João de Mendonça Lima, em 1943, pelo Engenheiro Civil Frederico Cesar Burlamaqui são apontadas as soluções para melhorar as condições de navegabilidade do Rio Jaguarão:

Regulamento do Rio Jaguarão

O Rio Jaguarão, principal tributário da Lagoa Mirim, e em cujas margens está situada a cidade de Jaguarão, tem seu curso inferior, a jusante da ponte internacional Mauá, sinuoso, e com pouco declive superficial, sendo navegável por embarcações com calado máximo de 2,00 m, que, em águas médias e cheias conseguem chegar até o porto da cidade mencionada.

Na ocasião da estiagem, entretanto, que regularmente abrange os meses de janeiro a abril, ficam os navios impossibilitados de acesso ao porto por diversos baixios que se localizam desde o cais até a ilha do Bráulio.

Já em 1938, a Comissão de Estudos e Obras da Lagoa Mirim fez estudos e elaborou um projeto para melhoramento de tais trechos. No relatório apresentado por aquela Comissão foram resumidas as principais causas de formação dos baixios, e preconizada a dragagem como meio mais rápido para melhoramento, mencionando algumas obras fixas para proteção do aterro e fechamento de derivações da corrente.

Em se tratando de um Rio limítrofe, foi o projeto citado submetido à apreciação do Governo Uruguaio, sem que até agora houvesse pronunciamento de sua parte.

Com intuito de melhorar as condições de transporte de pedra para Santa Vitória do Palmar, foi dragado em 1940 o trecho de bancos, próximo à cidade, com uma profundidade de 1,70 m reduzida ao zero hidrográfico.

Como não foi executado nenhum dos enrocamentos preconizados no projeto para, proteção do recalque e barragem de braços secundários, a formidável cheia de 1941, com o alagamento total das margens, voltou a dificultar a sua navegação, em condições agora mais agravadas com a fortíssima estiagem deste ano.

A concretização da instabilidade de manutenção de um canal simplesmente dragado exige a realização dos trabalhos de implantação de obras fixas. A ação reguladora de tais obras, que seria lenta, em vista das épocas de diminuta declividade superficial do Rio, será acelerada por dragagem do talvegue projetado, e o recalque do material dragado, ao abrigo de tais obras, contribuirá para sua enérgica ação beneficiadora. [...]

Ainda durante a primeira fase da construção, iniciar-se-á a dragagem pelo eixo do canal projetado, recalcando-se o material dragado para trechos compreendidos entre os espigões e assim, no espaçamento médio dos espigões construídos, já assoreado também por sua ação, serão construídos com economia os espigões do segundo grupo.

Os espigões, são obras transversais que, partindo de uma margem, avança, sobre o leito até a nova linha de margem projetada. [...]

Antes de serem apreciados os detalhes de implantação das obras fixas, observam-se algumas considerações de caráter geral, que servirão de normas à construção dos espigões e diques longitudinais.

1)      Nas margens côncavas, empregam-se de preferência os espigões, apenas construindo diques longitudinais quando houver necessidade de proteger a margem contra a ação da corrente. No barramento de braços secundários preconizam-se os diques.

2)      Nas margens convexas, quando houver necessidade de implantar obras, com finalidade de forçar a corrente, e o Rio a procurar novo talvegue, serão empregados sempre espigões.

3)      O coroamento dos espigões horizontais é feito na cota de + 1,00 m (águas médias) e os dos diques longitudinais também é feito nessa cota nos pontos de maior curvatura; nas inflexões, coincide com a margem (se esta tiver menor altura que a cota mencionada).

4)      Na barragem de braços, os diques serão horizontais e rematados na altura de + 1,00 m .

O espaçamento médio adotado para os espigões é aproximadamente igual ao seu comprimento. [...]

Assim, em média, a inclinação dos espigões é 75° para os da margem côncava e 85°, para os da convexa.

Quanto ao perfil longitudinal, foram projetados espigões horizontais que serão banhados, isto é, terão coroamento ao nível das águas médias (+ 1,00 m). Terão os espigões largura na crista de 1,5 m e taludes de: montante ‒ 1/1 e jusante ‒ 1/2. Sua estrutura, inicialmente permeável, será constituída por matacões de pedra de peso médio de 30 kg. [...]

Terminando o projeto, foi localizada uma série de espigões na parte superior da ilha do Bráulio com a finalidade de, juntamente com o guia corrente fronteiro, melhor orientar a corrente e diminuir a secção transversal.

São esses os trabalhos necessários para assegurar ao Rio Jaguarão uma navegação sem interrupção, durante todas as épocas do ano.

O aprofundamento por dragagem de pequeno trecho de sua Barra na Lagoa Mirim seria, se bem que atualmente esta permita a navegação de embarcação de 2,00 m de calado, um trabalho complementar interessante, já que obras vultosas serão executadas em sua proximidade. (BURLAMAQUI)

No relatório apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, General João de Mendonça Lima, em 1944, pelo Engenheiro Civil Hildebrando de Araujo Góes são listadas as obras realizadas no Rio Jaguarão:

Melhoramentos no Rio Jaguarão – No ano em relato prosseguiram com regularidade e construção das obras situadas na margem brasileira do Rio Jaguarão tendo em vista o melhoramento da navegabilidade em época de estiagem.

Com esse fim foi derrocada uma faixa ao longo da murada do cais acostável, cuja sapata de fundação, em mau estado de conservação, foi necessário refazer em grande parte. As obras de regularização consistiram na continuação da construção dos espigões de enrocamento cuja pedra vem sendo extraída da pedreira local. [...]

Sylvio Lopes do Couto e Raul Ferreira da Silva Santos, a fim de terem o necessário entendimento com as autoridades da República do Uruguai, para a regularização do Rio Jaguarão na margem uruguaia. Do resultado, dessa missão foram apresentados relatório e ata lavrada pelas representações de ambos os países. (GÓES)

A Ata referente à reunião preliminar, mencionada no relatório de 1944, realizada entre autoridades brasileiras e uruguaias na cidade de Montevidéu em 25.09.1944 foi aprovada pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra através do Decreto N° 28.009, de 19.04.1950:

Em Montevidéu, República Oriental do Uruguai, reuniram-se na Direção de Hidrografia do Ministério de Obras Públicas no período compreendido entre os dias 26 e 29.09.1944, os senhores engenheiros: Silvio Lopes do Couto e Raul Ferreira da Silva Santos como representantes do Ministério da Viação e Obras Públicas da República dos Estados Unidos do Brasil e os senhores engenheiros Don José L. Buzzetti, Don Guilhermo Rondini e Tenente reformado Don Homero Martínez Monteiro como representante do Ministério de Obras Públicas da República Oriental del Uruguay [...]

I. Problemas Técnicos

1)      Construção de obras de regularização do curso e dragagem do Rio Jaguarão. [...]

III. Assuntos Legais e Administrativos [...]

Nesta altura da reunião, os representantes brasileiros fazem saber que o Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais, do Ministério da Viação e Obras Públicas, já efetuou um estudo completo referente às obras de regularização do curso e linha de navegação do Rio Jaguarão, concretizados em plantas e memória descritiva que exibiram. Que, parte das referidas obras (derrocamento e espigões até o vértice V) do projeto apresentado acham-se já construídos, e que seria interessante e de bom resultado prático para o prosseguimento das obras, construir os espigões da margem uruguaia, frente à ilha do Jacinto, indicados na planta respectiva.

Com a tal finalidade e para se dar rápido andamento a este assunto, as autoridades brasileiras poderiam fornecer gratuitamente a pedra necessária, a qual seria transportada aos pontos de aplicação por embarcações brasileiras.

As autoridades uruguaias, por sua vez, tomariam a seu cargo a execução dos levantamentos técnicos necessários, e contribuíram com a mão de obra para a construção dos espigões, e o empréstimo de caminhões a serem utilizados no transporte da pedra de uso comum desde a pedreira ao ponto de embarque. [...]

Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, Coronel Edmundo Macedo Soares e Silva, em 1945, pelo Engenheiro Civil Clóvis de Macedo Cortes:
b) Melhoramentos do Rio Jaguarão – Os serviços prosseguiram sem acidentes, com pequenas interrupções normais a essa espécie de trabalho, tendo sido executada, de acordo com o projeto, a construção dos espigões situados na margem brasileira. Os resultados obtidos têm sido periodicamente controlados pelos perfis transversais nas seções de estudo, verificando-se, apesar do Rio continuar em regime anormal, consequente da estiagem prolongada, que as alterações havidas têm sido as mais auspiciosas, realizando-se o aprofundamento do canal de navegação.

Os trabalhos realizados em 1945 podem ser assim resumidos: construção dos espigões n° 8, 9 e 10, e prolongamento dos espigões n° 3 e 4, do projeto, onde foram empregados 1.811,000 metros cúbico de pedra; dragagem do Canal da “Coronilha”, de acesso aos cais de Jaguarão, com uma extensão de 270 metros e 2,50 metros de profundidade, em águas mínimas, por ser necessário, de imediato, levar as embarcações até o local citado, onde é feito o carregamento de pedra para Santa Vitória do Palmar, tendo sido dragados 7.115,900 metros cúbicos de areia; construção de uma carreira para 25 toneladas, e onde foi aberta uma doca, extraindo-se 263 metros cúbicos de material, dos quais foram transportados, para o terrapleno do cais de Jaguarão, 49,500 metros cúbicos.

A produção da pedreira, explorada diretamente pelo Décimo Oitavo Distrito de Fiscalização (DF-18), foi de 1.086,919 metros cúbicos de pedra bruta e 362 metros cúbicos de cascalho, sendo 100,500 metros cúbicos de pedra cedidos à Prefeitura Municipal de Jaguarão e o restante empregado nas várias obras a cargo do referido Distrito de Fiscalização, ou mantido em estoque na pedreira. (CORTES, 1945)

Relatório apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, Engenheiro Civil Clóvis Pestana, em 1947, pelo Engenheiro Civil Clóvis de Macedo Cortes:

b) Melhoramentos do Rio Jaguarão – As obras de regularização do Rio Jaguarão decorreram normalmente. Foi terminada a construção dos espigões 11, 12 e 13, devendo, no princípio do ano de 1948, ser iniciado o novo trecho de construção de espigões. Pelas sondagens realizadas pode-se observar o bom resultado obtido com a construção dos espigões, tendo o aprofundamento alcançado, em alguns pontos, até 1,40 m. Os serviços de extração e britagem de pedras decorreram satisfatoriamente.

As obras executadas em 1947 podem ser assim resumidas: espigão n° 11 – foram colocados 613 m3 de pedra; espigão n° 12 – foram colocados 540 m3 de pedra: espigão n° 13 – foram colocados 128 m3 de pedra; produção da pedreira – explorada diretamente pelo Décimo Oitavo Distrito de Portos, Rios e Canais (DPRC-18): 1.418.500 m3 de pedra bruta e 751.500 m3 de cascalho, dos quais 780.000 m3 de pedra bruta foram empregados nos espigões. O britador produziu 658.000 m3 de pedra britada. (CORTES, 1947)

Na 130ª Sessão da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, de 04.11.1949, o Deputado Estadual Fernando Ferrari fez o seguinte pronunciamento:

Seguem-se depois, Sr. Presidente, informações relativas ao melhoramento no Rio Jaguarão. E aqui, Sr. Presidente, estou verificando que quase todas as obras ali realizadas e hoje continuadas devemo-las ao Governo do Sr. Getúlio Vargas, porque nessa época foi organizada a pedreira donde foram extraídos 10.959.700 m3 de pedra e 4.279.700 m3 de cascalho. Foram britados 2.937 m3 de pedra. Executada a derrocagem da faixa do cais antigo e construído o novo trecho de cais para águas altas; construídos os espigões de n° 1 a 8 com emprego de 4.037 m3 de pedra.

Na dragagem prévia de acesso ao porto foi extraído um total de 45.000 m3 e em dragagens auxiliares às obras – 9.283 m3. Somando tudo isso, Sr. Presidente, dá um volume total entre a dragagem e o volume de pedra ali aplicada de 15.301.197 metros cúbicos, e em igual época do Governo do Gen. Dutra, que continua a obra de Getulio Vargas, foram empregados 11.255.272 metros cúbicos, entre dragagem e pedra para as aterragens competentes. (BRANDALISE & BOMBARDELLI)

Por volta das 08h00 a névoa dissolveu-se e pudemos então nos encantar com as belas paisagens do Jaguarão e sua fauna. Encontramos o Fábio Couto, filho do Comodoro Couto, a bordo do veleiro “Macanudo” na altura da Ilha do Bráulio, que ali pernoitara aguardando bom ventos para voltar à Jaguarão. O Fábio Couto repassou ao Coronel as coordenadas de um ponto de passagem ideal para contornar o Banco do Muniz entre a Ponta do Muniz (Margem Ocidental) e a Ponta Santiago (Margem Oriental). Coincidência ou não estávamos bem próximos do local onde ontem o Comodoro Roberto Borges Couto Roberto Borges Couto nos orientara a respeito da rota a ser seguida.

Continuamos nossa viagem admirando a luxuriante vegetação aquática e a flora que a cheia tentava submergir. A planura inundada se estendia ao longo das margens e em alguns lugares as Ilhas tinham sido totalmente tomadas pelas águas.

Empoleirados nas árvores e arbustos avistamos carcarás (Caracara plancus), carãos (Aramus guarauna), tarrãs (Chauna torquata), biguás (Phalacrocorax brasilianus), bandos enormes de maçaricos-do-banhado ou tapicurus-de-cara-pelada (Phimosus infuscatus) voando na sua formação em “V” característica e uma curiosa garça moura (Ardea cocoi) que usava um marco fronteiriço como poleiro. Lê-se na placa de bronze, perfeitamente conservada, fixada no marco e vigiada por esta bizarra guardiã da fronteira cuja nacionalidade desconhecemos:

ANULADO
________

REPÚBLICA ORIENTAL DEL
URUGUAY
________

TRATADO 30-X-1909

O Tratado de Fronteiras da Lagoa Mirim, assinado em 1909, reviu e modificou as cláusulas relativas às linhas de fronteira na Lagoa Mirim e no Rio Jaguarão.

Chegamos à Foz do Jaguarão, por volta das 10h30, embarcamos em nossos caiaques e aproamos rumo à Ilha Grande do Taquari onde pernoitaríamos. Ao partimos da Foz do Jaguarão, adentramos em território uruguaio, ultrapassando a Ponta Muniz (32°42’57,0”S / 53°11’14,0”O), o balneário Lago Meirim (Ponta Cacimbas ‒ 32°44’51,1”S / 53°15’36,6”O) onde fizemos uma breve parada, depois de percorrer 16 km, e, logo em seguida, na Foz do Rio Tacuari (32°46’17”S / 53°18’36,4”O), 5 km adiante. Mais uma vez a funesta visão de uma plantação de pinus, desta feita em território uruguaio, trouxeram-me à lembrança a paisagem do Saco de Tapes onde a infestação arbórea provocada por esta praga exótica estrangula lentamente a mata nativa e as centenárias figueiras com a conivência e omissão das autoridades ambientais. As sementes levadas pelo vento estendem indefinidamente os limites desses amaldiçoados boques que não respeitam qualquer tipo de fronteira física. Dez quilômetros adiante fizemos uma última parada na ponta Parobé e aproamos para a Ilha Grande do Taquari, curiosamente a única ilha brasileira imersa em um arquipélago uruguaio que margeia a costa do país vizinho. Contornamos a Ilha pelo lado Setentrional rumo ao Zilda III cujo mastro avistáramos de longe. O canoísta Antônio Buzo, que havíamos encontrado no Rio Jaguarão, estava a bordo e orientava nossa abordagem. Remáramos apenas 37 km após termos desatrelado os caiaques na Boca do Jaguarão. Cumprimentamos os companheiros e fomos montar acampamento em uma praia próxima.

Voltamos ao veleiro para o jantar e, por volta das 19h30, observamos alguns sinais muito conhecidos da formação de um ciclone extratropical que aparentemente deveria passar ao Sul da Ilha. Não titubeei e pulei para meu caiaque e remei rapidamente para o acampamento seguido de perto pelo Antônio Buzo. Eu já enfrentara ciclones no Rio Guaíba (Ponta da Figueira), e na Laguna dos Patos (Porto do Barquinho), e sabia que as coisas poderiam mudar muito rapidamente. Colocamos os caiaques junto às barracas, recolhemos todo o material para o interior das mesmas, verificamos as amarrações e de repente o vento mudou de Este para Sul canalizando a força do ciclone diretamente sobre nós.

O suplício deve ter durado uns 15 minutos que nos pareceram horas. Segurávamos com força os estais das barracas por dentro, a água jorrava dentro dela como se estivéssemos ao relento, a lona “impermeável” desprendeu e era lançada pelos ventos para todos os lados. Assim como começara a tempestade amainou, estávamos aflitos com o que poderia ter ocorrido com o veleiro e tranquilizamo-nos quando vimos que a luz do mastro estava no mesmo lugar e nos concentramos em remontar as barracas e secá-las bem como nossos colchões de ar, felizmente a temperatura amena permitiu que descansássemos sem mais atropelos nessa conturbada passagem de ano.

Ilha Grande do Taquari ‒ Foz do Rio Cebollati (01.01.2015)

Saímos tarde, por volta das 07h30, contornamos, pelo lado Meridional, as Ilhas Sanjón, Sepultura e Confraternidad, aportamos na Ponta Rabotieso, mais tarde fizemos uma parada intermediária antes de aportar em um agradável bosque de eucaliptos localizado na margem esquerda da Foz do Arroio Zapata (Foz ‒ 33°56’55,7”S / 53°29’50,8”O), por volta das 12h00, depois de percorrer 22 km. Segundo o Comandante Décio Vaz Emygdio o Arroio Zapata assim como o Arroio de Ayala (Foz ‒ 33°07’26,5”S / 53°38’36,2”O), que fica próximo à Lagoa Guacha, foram assim nominados em homenagem a um paraguaio de origem espanhola chamado Don Miguel de Ayala, nos idos de 1680, conhecido como Viejo Zapata.

Depois do almoço, em que eu e o Antônio Buzo comemos a ração americana doada pelo Dr. Marc Meyers, prosseguimos nossa jornada. Ao aportarmos, 12 km depois, na margem direita do Arroio Sarandi Grande (Foz ‒ 33°02’04,2”S / 53°34’02,7”O), o tempo começou a mudar e nuvens carregadas formavam-se no horizonte. O Antônio recomendava que aguardássemos, mas achei melhor continuarmos rumo ao Rio Cebollati, como acordáramos com os velejadores. Sete quilômetros adiante estacionamos em uma restinga baixa que permitia observar a Lagoa Guacha, fiz contato com a equipe de apoio pelo rádio, mas eles não conseguiam me ouvir, o tempo ruim aproximava-se célere e decidimos partir imediatamente e direto para a Foz do Rio Cebollati, a 13 km de distância, evitando margear a baía. A meio caminho uma enorme e veloz nuvem negra determinou que aportássemos e procurássemos abrigo sob uma coronilha (Scutia buxifolia). Passado o vendaval picamos a voga para achar o veleiro que, conforme combináramos, deveria estar ancorado em algum lugar da imensa e labiríntica Foz do Rio Cebollati (Foz ‒ 33°08’55,2”S / 53°37’17,6”O). Fui à frente para achar logo a Zilda III e evitar que os amigos tivessem de remar desnecessariamente. Finalmente encontramos os velejadores, tomamos um banho quente a bordo e dormimos embarcados. Navegáramos 54 km e este conforto era muito bem vindo.



Fontes:

BRANDALISE & BOMBARDELLI, Carla Brandalise ‒ Maura Bombardelli. Fernando Ferrari - Perfil Biográfico, Discursos no Parlamento Gaúcho e Imagens (1947 - 1951) ‒ Brasil ‒ Porto Alegre ‒ Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2013.
BURLAMAQUI, Frederico Cesar. Relatório dos Serviços Executados em 1943 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, General João de Mendonça Lima, pelo Diretor Geral, Engenheiro Civil, Dr. Frederico Cesar Burlamaqui – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da Viação e Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1945.


CORTES, Clóvis de Macedo. Relatório dos Serviços Executados em 1947 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, Coronel Edmundo Macedo Soares e Silva, pelo Diretor Geral, Engenheiro Civil Clóvis de Macedo Cortes – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da Viação e Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1945.

CORTES, Clóvis de Macedo. Relatório dos Serviços Executados em 1947 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, Engenheiro Civil Clóvis Pestana, pelo Diretor Geral, Engenheiro Civil Clóvis de Macedo Cortes – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da Viação e Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1947.

GÓES, Hildebrando de Araujo. Relatório dos Serviços Executados em 1943 Apresentado ao Exmo. Sr. Ministro da Viação e Obras Públicas, General João de Mendonça Lima, pelo Diretor Geral, Engenheiro Civil Frederico Hildebrando de Araujo Góes – Brasil – Rio de Janeiro – Ministério da Viação e Obras Públicas – Imprensa Nacional, 1944.

EMYGDIO, Décio Vaz. Lagoa Mirim - um Paraíso Ecológico – Brasil – Pelotas – Café Pelotas Editora, 1997.

MACEDO, José Agostinho de. O Novo Argonauta – Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do Conselho de Guerra, 1809.