Ponta
Santiago ‒ Pelotas (VII Parte)
Hiram Reis e Silva (*),
Porto Alegre, RS, 19 de fevereiro de 2015
(José Agostinho de Macedo)
Enquanto
a Pátria agradecida ao feito
Prepara
ao grande Navegante os louros:
Enquanto
o bronze e mármore não mostram
Voltada
aos Céus a imagem respirante,
E no
soberbo pedestal não grava
Os
atributos da naval ciência,
Co’a
mente em fogo acesa, e às Musas dada,
À
Pátria, ao Trono, ao Mérito, à Virtude,
Que a
façanha inspirou, que o Herói coroa,
Este
tributo de louvor consagro.
Ponta do Santiago ‒ Canal de Irrigação (06.01.2015)
O amigo Antônio Buzo permaneceu na Caldeirinha aguardando bons
ventos para realizar a travessia de quase 11 km entre as Pontas do Santiago e
Muniz. O canoísta Buzo, depois de nos acompanhar desde a Ilha Grande do Taquari
e brindar-nos com sua agradável companhia, estava de volta à simpática cidade
de Jaguarão.
Partimos cedo com destino à Ponta dos Latinos e fizemos uma
parada intermediária na Baía antes de lá aportarmos por volta das 10h00, depois
de remar 18 km enfrentando ventos fortes e ondas do quadrante Norte, que
incidiam na bochecha de bombordo. Uma bela figueira tombada pela força dos
ventos e das águas resistia estoicamente dando mostras de uma determinação
invulgar. Apoiada resignadamente nos seus frondosos galhos dava mostras de uma
emocionante e invulgar energia telúrica capaz de comover os espíritos mais
rudes.
Dos Latinos aproamos para o Arroio Del Rey (32°52’10,1”S /
52°55’48,4”O) onde estacionamos para almoçar. Enquanto o Hélio fazia uma
incursão pela mata nativa, eu navegava pelo Arroio onde desponta, ainda
altaneiro há mais de 50 anos, o mastro do Barco Itaqui que transportava cal de
Pelotas para Curral Alto e o desembarcava neste local. Acho que nos demoramos
demais e os Mares de Dentro não perdoam erros deste gênero. Logo que partimos
rumo a um Canal (32°54’52,6’’S 52°49’36,1’’O) onde deveríamos aportar, segundo
orientação do professor Hélio aos velejadores, os céus começaram a anunciar um
vendaval vindo do quadrante Oeste.
Remamos vigorosamente e ao chegarmos ao Canal verificamos que
este estava totalmente assoreado. Subi na duna mais alta e tentei contato rádio
com o veleiro Zilda III – nenhuma resposta. Continuamos nossa jornada bastante
apreensivos até que avistamos a uns 2 km adiante do canal o veleiro.
Os Comandantes Reynaldo e Pastel estavam nos aguardando nas proximidades
do Canal de Curral Alto (32°54’32,4’’S 52°48’05,4’’O). Imediatamente nos
dirigimos, depois de ter conversado com os velejadores, à foz do Canal para
sondar sua profundidade. Feito o reconhecimento, orientamos a progressão do
Zilda IIIl onde tivemos de desatrelar um dos barcos dos pescadores que
bloqueava o acesso à uma área mais protegida do Canal.
Depois de termos ancorado o Zilda III e arrastado ou caiaques para o
barranco, recebemos a visita de alguns pescadores e seus familiares que cortesmente
nos orientaram à respeito da ancoragem. O mau tempo dissipou-se rumando para o
Norte e passamos uma noite bastante agradável embarcados no veleiro. Tínhamos
remado 49 km.
Canal de Irrigação ‒ Canal de Acesso Taim (07.01.2015)
Meu organismo, desde a quebra do suporte do leme em Santa Vitória do
Palmar, ainda não se recuperara e o esforço de remar longas distâncias
enfrentando ventos fortes de proa e través traumatizara ainda mais minhas fibras
musculares. Avisei aos meus amigos que remaria mais lentamente neste dia, pois
do Taim a Pelotas teríamos ainda, pelo menos, mais dois dias de viagem.
Eu navegava rumo NNE e ventos de proa fizeram-me acostar para poder
resguardar-me, ainda que parcialmente, dos ventos. Remei, sem pressa, e a
monotonia da paisagem só foi quebrada pela presença inusitada de três muares
que serenamente pastavam. Depois de remar, praticamente sozinho, durante 47 km,
avistei o Hélio na Boca do Canal e o veleiro ao largo. Aportei e imediatamente
tentei, sem sucesso, contato pelo rádio com a equipe de apoio, pedi, então, ao
Hélio que tentasse pelo celular. Os velejadores estavam aguardando os
resultados de uma sondagem para só então adentrar ao Canal do Taim. Executados
ou procedimentos de praxe o Zilda III ancorou no Canal protegido pelos
barrancos altos do mesmo. Durante a sondagem avistei um casal de ratões do
banhado com dois pequenos filhotes que, muito mansos e curiosos, observavam meu
trabalho.
Taim ‒ (08.01.2015)
Dedicamos o dia a conhecer o Taim e sua maravilhosa fauna. O Coronel
Sérgio Pastel já havia contatado o oceanólogo Sr. Henrique Horn Ilha, chefe da Estação
Ecológica (ESEC) do Taim, do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), que permitiu que excursionássemos pela área da
reserva.
A ESEC do Taim, criada em 1986, está localizada entre a Lagoa Mirim,
Lagoa Mangueira e o Oceano Atlântico abrangendo uma área de 32.800 mil
hectares. A Estação Ecológica do Taim tem como objetivo, além da preservação da
natureza, a realização de pesquisas científicas.
A região formada por uma ampla planície costeira abriga mais de 230
espécies de aves além de ser um reduto importante de répteis e anfíbios. O
banhado do Taim desempenha as funções de produção de alimento, conservação da
biodiversidade, contenção de enchentes e controle da poluição. Nossa visita à
área está muito bem documentada no “filmete”
em anexo: V Parte (Taim): Taim (08.01.2015).
Taim ‒ Ilha Grande (09.01.2015)
Partimos com a firme determinação de
pernoitar no Canal de São Gonçalo, o Comandante Reynaldo tinha compromissos
inadiáveis em Porto Alegre. Fiz uma parada intermediária, depois de remar 7 km,
na praia da Vila do Taim, popularmente conhecida como Capilha, próxima à
Estação Ecológica do Taim e que pode ser acessada por terra pela BR 471, onde
visitei a praça e a Igreja Nossa Senhora da Conceição (32°30’20,8”S e
52°35’04,1”O) e uma bucólica praça. No entorno da Vila encontra-se a única
linha de falésia viva da lagoa Mirim e onde nas últimas décadas, a erosão
provocou uma importante regressão da falésia até os limites da igreja. Alguns
autores defendem que o termo Taim tem sua origem expressão indígena “tai moing”, que significa “cousa pequena em que penso” enquanto outros
asseguram que ela advêm do grito emitido pelo Tarrã ou tachã (Chauna torquata).
Remei até a Ponta do Salso, onde aportei seguido pelo Hélio, depois de
remar 25 km, sem parar, desde a Vila do Taim. Avistamos três lebres que
brincavam sob alguns salsos. Continuamos nossa jornada aproando para o Arroio
Gamela (32°15’09,1”S e 52°40’25,9”O), 7 km adiante, onde tínhamos combinado,
com os velejadores, de ancorar para o almoço. Como a Foz estava totalmente
bloqueada por salsos, contatei os velejadores que seguiram diretamente para o
Canal São Gonçalo. Dirigimo-nos, então, para o Canal de irrigação da granja 4
irmãos (32°14’26,4”S e 52°40’05,7”O) que ficava a pouco mais de um quilometro
avante onde paramos para no hidratar e consumir algumas barras de cereais.
Descansados aproamos diretamente para a Boca de montante do Canal de São
Gonçalo que ficava a uns 12 km à nossa frente. Desde a Ponta do Salso, uma
tétrica paisagem assombrava-nos, a primeira fileira de salsos de toda margem
tinha sido tombada pelo ciclone da noite de 31.12.2014. As folhas dos chorões
conservavam ainda um intenso verdor testemunhas vivas da recentidade do
cataclismo que assolara a região.
Ode aos Salsos Tombados
O Comandante Emygdio, reporta-nos um trecho da poesia de Barbosa Neto, ilustre
poeta parnasiano nascido, em 1884, na cidade de Jaguarão, RS, que faço questão
de reproduzir em homenagem a meu querido pai Cassiano Reis e Silva. O Cassiano sempre
sonhou em ter em casa um salso-chorão, também conhecido como salgueiro-chorão (Salix
babylonica) debruçado sobre um pequeno lago.
Molduras e
Visões
(João Rodrigues Barbosa Neto)
(João Rodrigues Barbosa Neto)
E esses salsos chorões à beira das barrancas,
Que a rajada impiedosa alucina e emaranha!
E esse perfil de dor das tristes garças brancas,
Silenciosas ouvindo essa angústia tamanha!
Ali, uma árvore nua ergue convulsos braços
E parece o fantasma esguio da paisagem
Pedindo à alma contrita e triste dos espaços
O manto que perdeu com a morte da folhagem!
Olha a nuvem veloz que o vento açoita e leva,
Olha a que vai além como um floco de neve:
As nossas ilusões – Nuvens de um céu, de treva,
Fogem como as do céu, tal as do céu, de leve!
Chega-me ao ouvido a voz do enfurecido vento,
Onde rude, febril, o mísero maldito
Que de entrada do tempo, em dolorosos grito,
Pede socorro a um Deus oculto e sonolento.
O chorão foi trazido, desde o Leste asiático pela Rota da Seda, para a
região da babilônia de onde disseminou-se pelo mundo afora. É considerada, por
alguns, uma árvore lendária para o cristianismo, pois segundo eles, teria escondido
sob seus ramos a família sagrada, durante sua fuga para o Egito, dos soldados
de Herodes.
Na verdade uma das versões que nos parece mais plausível tem sua origem,
no século VIII, na Germânia, com o monge beneditino São Bonifácio, conhecido
hoje como “Apóstolo dos Germanos” e
que foi eleito Bispo, em 30.11.722, dos territórios Germânicos em
reconhecimento ao seu trabalho de catequização na região. Retornando à região
depois de uma longa viagem que fizera a Roma surpreendeu alguns populares preparando-se
para realizar sacrifícios humanos conforme determinava sua primitiva religião. Bonifácio
libertou os nove meninos que seriam mortos e mandou derrubar o enorme carvalho de
Geismar, dedicado a Thor, onde se realizaria o sangrento holocausto. Embora os
sacerdotes pagãos tenham-no ameaçado com a ira do “poderoso” deus do trovão que o fulminaria com seus raios, nada
aconteceu, para humilhação dos mesmos. A queda da árvore de Thor marcou
definitivamente a queda do paganismo naquelas plagas e os germanos convertidos
adotaram o carvalho como um símbolo cristão.
A tradição ultrapassou as fronteiras e a humanidade cristã acabou
adotando outra árvore que fora usada como um símbolo agrado ancestral e
cultuado por diversas religiões pagãs de outrora – o pinheiro.
O pinheiro é uma árvore cujo “pináculo”
aponta para o céu, cuja perenidade dos ramos nos remete à vida eternidade,
cujas raízes encravadas solidamente na terra testemunham a aliança entre as entidades
celestiais e os seres terrestres e, finalmente, seu formato triangular lembra a
Santíssima Trindade.
Continuando a Jornada
O Sol inclemente castigava nossos corpos exaustos e, ao aportar na Foz do
São Gonçalo, aportamos na mesma praia, depois de remar 53 km, onde acampáramos
no dia 27.12.2014. Depois de um revigorante banho, subimos a bordo para o
almoço e, logo depois, aproamos para a Vila de Santa Isabel. O Hélio foi até o
mercado da Vila enquanto eu fiquei tomando conta dos caiaques tendo em vista
termos ciência de relatos de canoístas que tiveram suas cargas roubadas quando
ali estacionaram. Logo depois de levarmos as compras até o veleiro começou uma
chuva refrescante que aliada à correnteza do Canal nos estimulou à picar a voga,
chegamos a atingir os 13 km/h, até a Ilha Grande, onde acampamos nas proximidade
de uma frondosa figueira (32°04’19,6”S e 52°30’34,7”O) à margem direita.
Tínhamos remado 70 km neste dia e 539 km somente na Lagoa Mirim.
Ilha Grande ‒ Pelotas (10.01.2015)
Tínhamos concluído com sucesso a navegação da Lagoa Mirim e hoje teríamos
de percorrer apenas 50 km até o Veleiros Saldanha da Gama. Partimos junto com o
Zilda III, às 07h30, e logo em seguida o veleiro sumiu de nossas vistas. Os
únicos fatos notáveis, além de não realizarmos nenhuma parada, foram a
transposição por uma das comportas da barragem, enquanto o veleiro aguardava a
hora de abertura da eclusa para continuar a viagem, e quatro belos cisne-de-pescoço-negro
(Cygnus melanocoryphus) que passaram por nós.
Fontes:
MACEDO,
José Agostinho de. O Novo Argonauta
– Portugal – Lisboa – Oficina de António Rodrigues Galhardo, Impressor do
Conselho de Guerra, 1809.
NETO,
João Rodrigues Barbosa. Molduras e
Visões – Brasil – Porto Alegre – Editora do Globo, 1919.